Brat Pack parte 10: os herdeiros

Quem diria que chegaríamos ao fim dessa saga?
Esse post é o fim de uma série de 10 sobre o Brat Pack, um grupo de jovens de Hollywood que recebeu esse apelido na década de 1980 e que hoje a gente liga bastante ao surgimento de vários filmes que davam voz aos adolescentes e jovens adultos de maneira menos caricatural, aproveitando esse nicho de mercado na época. Costuma-se dizer que foi quando o adolescente foi visto sob a sua própria ótica.
Para você que chegou agora, sugiro que leia os posts anteriores antes de seguir nesse! Pode ser? Para facilitar sua vida, segue a lista:

. O que é o Brat Pack, de onde surgiu o nome, quem são eles?! São tantas as questões…
. Um nome muito importante nas origens do Brat Pack, antes ainda dessa nomenclatura aparecer: S. E. Hinton
. A trindade de um dos núcleos centrais do Brat Pack: Molly Ringwald, Anthony Michael Hall e John Hughes
. He-he-he-he… uuuuuuuuuuuuh-oooooh: o clássico Clube dos Cinco
. O Brat Pack também tem um filme ruim: O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas
.
O galã do grupo e um escândalo envolvendo sex tape com menor de idade: Rob Lowe
. O outro clássico: Curtindo a Vida Adoidado
. O último filme do Brat Pack: Digam O Que Quiserem
. A trilha sonora: música é muito importante nos filmes do Brat Pack! Ouça algumas delas!

A gente poderia ter incluído mais filmes entre os que a gente colocou aqui? Poderia sim: tem, por exemplo, O Rei da Paquera (1987) com Ringwald e Robert Downey Jr (é ruinzinho). Ou o ótimo Atração Mortal (1988) com Winona Ryder e Christian Slater (que já traz uma outra turma e tem um tom mais macabro; acho que um dia faço um post sobre ele fora desse contexto brat packer). Ou ainda Conta Comigo (1986) com River Phoenix e Corey Feldman (que está mais para infanto-juvenil do que adolescente e é da leva "filmes inspirados em livros do Stephen King”). E também De Volta Para o Futuro (1985) com Michael J. Fox (falei sobre a sequência, que completou 30 anos, também fora desse contexto brat packer). Ou todos os filmes de terror adolescente dessa época (que para mim são outra categoria e se ligam ao Brat Pack de maneira muito tênue, basicamente só porque eram dirigidos para o mesmo público).
Mas é a vida: achei que esse recorte que usei até incluiu coisas que normalmente não são consideradas do Brat Pack (como Curtindo a Vida Adoidado, Os Garotos Perdidos, Picardias Juvenis e outros). A gente pode ir falando de um ou outro que ficou de fora por aí, pela vida, por 2020, né?

Agora chegou a hora de falar sobre os herdeiros de toda essa filmografia. Se os filmes, diretores, roteiristas e atores foram tão influentes, quem eles influenciaram?

Vou começar pelos que seriam primos distantes de O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas e Sobre Ontem à Noite. A gente já sabe que esses longas se referem àquela fase que você está recém-formado, prestes a dominar o mundo mas… descobre que o mundo é quem te domina (uau, falei bonito, hein?). Existem dois filmes que seguem essa linha "jovem adulta” logo no começo dos anos 1990. São eles: Vida de Solteiro (1992) e Caindo na Real (1994).

Campbell Scott, Kyra Sedgwick, Matt Dillon, Sheila Kelley, Bridget Fonda e Jim True-Frost, os atores de Vida de Solteiro

Campbell Scott, Kyra Sedgwick, Matt Dillon, Sheila Kelley, Bridget Fonda e Jim True-Frost, os atores de Vida de Solteiro

Aliás, Vida de Solteiro traz Matt Dillon, marcado pelo comecinho do Brat Pack, lembra? Além dele, outro membro-satélite do Brat Pack, Eric Stoltz, aparece no filme como o mímico. E adivinha quem é o diretor e roteirista?
Ninguém menos que Cameron Crowe!
Crowe já havia escrito uma primeira versão do script lá em 1984, e ela se passava em Phoenix, no Arizona. Ele estava reescrevendo-o quando recebeu a notícia da morte por overdose do músico Andrew Wood em 1990, e contou para a Rolling Stone em artigo em primeira pessoa que decidiu passar para o seu roteiro aquilo que ele sentiu em Seattle, algo do que fazia parte: a cena. Não é sobre a história de Wood (não existe morte por overdose no longa), mas traz aquele clima dos jovens da cidade naquele momento. Surgia o grunge.

Sou suspeitíssimo para falar de Vida de Solteiro: amo esse filme demais. Seattle é uma das minhas cidades preferidas dos EUA (não que eu conheça tantas, mas não sou muito chegado em norte-americanices, se é que me entendes, então eu gostar de lá é realmente um big deal). Comparado ao Primeiro Ano, o filme é mais adulto, mais noventista… mais minha cara, basicamente. kkkk

Bridget Fonda, Matt Dillon e Chris Cornell, isso mesmo, o Chris Cornell do Soundgarden que morreu em 2017

Bridget Fonda, Matt Dillon e Chris Cornell, isso mesmo, o Chris Cornell do Soundgarden que morreu em 2017

Uma comédia romântica que acompanha histórias paralelas, Vida de Solteiro também ficou cult porque representou o grunge antes dele invadir o mainstream de vez (a coleção primavera-verão 1993 de Marc Jacobs para Perry Ellis foi apresentada em 1992 e tomou a moda de assalto; o Nirvana lançou Nevermind em 1991 e In Utero viria em 1993). Tem até uma banda fictícia no filme, a Citizen Dick. Dizem que Chris Cornell viu a lista das músicas do Citizen Dick (elas não existiam, era só uma lista de títulos) e decidiu compor as músicas de verdade. Seasons, uma delas, está na trilha sonora. Ainda na trilha, figuram nomes como Pearl Jam e Mudhoney.

E dizem também que Johnny Depp quase ficou com o papel de Steve - que acabou indo para Campbell Scott. Os atores do longa em geral não chegaram a virar superestrelas, a não ser Dillon, que já era o mais reconhecido. Ou melhor: isso mudou um pouco com a ascensão meteórica do seu par romântico em Vida de Solteiro, Bridget Fonda.

Bridget Fonda como Janet Livermore em Vida de Solteiro: a cara feminina do grunge ao lado de Courtney Love

Bridget Fonda como Janet Livermore em Vida de Solteiro: a cara feminina do grunge ao lado de Courtney Love

Fonda, na época mulher de Eric Stoltz e sobrinha de Jane Fonda (filha de Peter Fonda), era uma das novas it girls, a nova Ringwald ao lado de Ryder, o rosto dos anos 1990. Mas a atriz, surpreendentemente, ficou nos anos 1990 mesmo. O megassucesso Mulher Solteira Procura (1992) e uma quantidade bem grande de lançamentos num curto período de tempo rendeu uma superexposição, mas a segunda metade da década não foi tão cheia de audiência para ela. Depois de terminar com Stoltz em 1998, ela acabou casando com Danny Elfman (lembra que a gente falou dele? O vocalista do Oingo Boingo fez a música-tema de Mulher Nota 1000!); sofreu um acidente de carro em 2003 no qual fraturou uma vértebra e… nunca mais voltou a atuar. A última coisa que ela fez foi um filme para a TV em 2002, o bobinho Snow Queen.

Era outra época. Estrelas de cinema não queriam ser estrelas de TV. Dizem que Fonda recusou o papel principal da série Ally McBeal em 1999 para focar nos filmes. E também dizem que ela está muito feliz, obrigada, na sua aposentadoria precoce; bem sossegadinha e linda.

Falando em TV: houve um interesse para que Vida de Solteiro se transformasse numa série. Crowe diz que esse projeto foi a semente de… Friends (1994-2004). Esse formato de jovens que moram num mesmo prédio, tudo e tal… Não é que faz sentido?

E Caindo na Real (1994) é basicamente para o mesmo público, com o mesmo apelo.

Ethan Hawke e Winona Ryder em Caindo na Real - que casalsão!

Ethan Hawke e Winona Ryder em Caindo na Real - que casalsão!

Mude de Seattle para Houston, de Matt Dillon para Ethan Hawke, de Bridget Fonda para Winona Ryder, e de música para cinema. O papel de Ryder, Lelaine Pierce, é de uma recém-formada que está fazendo um documentário sobre a vida… após se formar. Ou seja, é como um espelho: o longa fala sobre a Geração X naquele momento, e essa coleta de material dela também lida com o mesmo assunto. A narrativa segue para ela fazer uma escolha: o que é melhor, o idealismo de Troy (Hawke) ou o materialismo de Michael (Ben Stiller, que também vem a ser o diretor)? Nesse meio tempo, assim como em Vida de Solteiro, correm histórias paralelas, só que com um tom mais realista contemporâneo: Vickie (Janeane Garofalo) teve vários parceiros sexuais e se depara com a necessidade de fazer um teste de HIV; Sammy (Steve Zahn) é gay mas ainda está no armário.

A turminha: Hawke, Ryder, Garofalo e Zahn em Caindo na Real

A turminha: Hawke, Ryder, Garofalo e Zahn em Caindo na Real

Esses dois filmes são claramente dirigidos para a geração que assistiu Clube dos Cinco (1985) com 15 anos. Naquele momento com 20 e poucos, eles queriam continuar se vendo na telona. Mas as histórias também acabaram me atingindo de alguma maneira: eu, na época com bem menos de 20, assisti e imaginava como seria a minha vida na faculdade e depois dela, e imaginava que seria meio parecida com aquilo, com amigos que gostavam de ir no cinema, em shows, em exposição; com uma mistura de gente engraçada e gente profunda.

Foi exatamente isso que aconteceu, e hoje eu penso: será que eu forcei a barra para isso acontecer por causa desses filmes ou será que tudo já estava fadado a acontecer assim, naturalmente? Ou é uma combinação das duas coisas?
Acho que não importa muito. Mas esses filmes me marcaram profundamente: tenho uma conexão com eles a ponto de, inconscientemente, qualquer coisa meramente parecida com um dos dois para mim já é maravilhosa. Paixão instantânea. Seja na atuação, na estética, na narrativa.

Amo vocês! kkkkkkkkk

Amo vocês! kkkkkkkkk

Por outro lado, existe o outro lado: os filmes de John Hughes, os colegiais. É claro que Hughes virou um mote, um tema, uma referência, um objetivo. Ele era a junção da autoria com o comercial; seus filmes não são considerados o tal "cinema de autor” mas é ele quem escreve, é ele quem dirige ou quem interfere muito na direção. Não dá para negar um estilo característico. Então teve gente que não só gostou do que viu mas que quis fazer igual. Um dos nomes óbvios é Chris Columbus, tão herdeiro que, na fase "família" de Hughes, dirigiu um dos roteiros mais bombados dele, Esqueceram de Mim (1990) e sua sequência de 1992. Uma Babá Quase Perfeita (1993) e Nove Meses (1995) poderiam muito bem ter saído da cabeça de Hughes, são a cara dele.
Aí ele cometeu Eu Te Amo, Beth Cooper (2009), que apesar do nome não tem nada a ver com o universo de Riverdale, e que é uma bobagem cheia de estereótipos. Columbus ainda virou o rei das adaptações de best sellers literários com dois Harry Potters e um Percy Jackson.
NEXT!

Mas sem contar Crowe, existe um outro herdeiro de Hughes em Hollywood.

O nome dele é Judd Apatow.

Basically, my stuff is just John Hughes films only with four-letter words. Nobody made me laugh harder than John Hughes.
— Judd Apatow

Sim, ele é um herdeiro autoproclamado e a prova disso é Freaks and Geeks (1999-2000).
A série nem foi uma criação dele (ele assina como produtor executivo e dirigiu alguns episódios) mas ficou marcada como o começo de, adivinha só, uma turma. Um grupo. Um grupo de Hollywood. O FRAT PACK.

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Você não esperava uma reviravolta a essa altura do campeonato, aos 45 do segundo tempo, no meio do último post dessa série, né? Mas TEM SIM!
O termo Frat Pack foi cunhado pelo USA Today em 2004. Ele se referia a Vince Vaughn e Owen Wilson em Penetras Bom de Bico (2005) e seus comparsas, todos acostumados a trabalhar juntos assim como o Brat Pack (e talvez até mais que o Brat Pack). Em 2005, a Details chamaria Apatow (com os outros diretores Adam McKay e Todd Phillips) de frat packager. Ele é o escritor e produtor (e às vezes diretor) de várias comédias ligadas ao Frat Pack.
Minha opinião?

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Pronto falei. Mas Freaks and Geeks? Pode levar TODO MEU OURO.

Criada na verdade por Paul Feig (Missão Madrinha de Casamento, o Caça-Fantasmas só com mulheres e o filme que está em cartaz Uma Segunda Chance para Amar), a série é um mistério. Com apenas 18 episódios e aclamada pela crítica, ela não ganhou uma segunda temporada porque… por quê? Tem quem aponte o seu horário ingrato (sábado à noite) para a baixa audiência apesar dos elogios; tem quem diga que existia desentendimento na criação e que Feig (e Apatow) não queriam fazer mudanças e deixá-la mais de acordo com o gosto dos executivos da NBC. Mas é até bom que ela seja assim, uma série que durou uma temporada só, que o povo guarda no coração com saudade.

James Franco, Jason Segel, Linda Cardellini, Seth Rogen, John Francis Daley, Martin Starr e Samm Levine em Freaks & Geeks

James Franco, Jason Segel, Linda Cardellini, Seth Rogen, John Francis Daley, Martin Starr e Samm Levine em Freaks & Geeks

Freaks and Geeks entende a frustração adolescente e também apresenta um cenário de colegial com as "castas" às quais Hughes tanto se referia. Dá para entender logo pelo título: os freaks, a turma "problemática" da qual Lindsay Weir (Cardellini) quer fazer parte; e os geeks, da qual Sam Weir (Daley) faz parte. Tem muito em comum com as narrativas hughesianas, inclusive a década (se passa em 1980). E até a questão de um par romântico na trama ir para a vida real também rolou: Cardellini e Segel namoraram por um tempo.

Cardellini é a mulher do Gavião Arqueiro em Vingadores. Todo o resto desse povo, um clube do Bolinha, também foi bem-sucedido em maior ou menor grau em suas carreiras.

Ah, e não sei se você reparou: sim, na melhor tradição de Hughes, o Freaks and Geeks (e o Frat Pack) é branco, branquíssimo, branquérrimo. A diversidade racial passa longe.

Why so white?

Why so white?

Apatow parece ter ficado tão abalado com o fim de Freaks and Geeks que constantemente chama pessoas do elenco original para trabalhar com ele (o que confirma o Frat Pack). Foi o caso de um dos projetos seguintes dele, Curso: Incerto (2001-2003), série que também contou com 18 episódios e se passa na faculdade. Seth Rogen também está no elenco fixo e existem várias participações especiais: Jason Segel, Busy Philipps, Samm Levine e por aí vai.
Só que Curso: Incerto não caiu tão bem. Não ganhou status cult. Não colou.

Com coisas como Superbad: É Hoje (2007) e Ligeiramente Grávidos (2007), o Frat Pack ocupa um espaço para um público jovem que o Brat Pack ocupava antes.
A minha opinião eu já disse lá em cima em forma de gif. Freaks and Geeks é muito legal, o resto é uma bobagem.

Outras coisas deveram muito aos filmes do Brat Pack. Um episódio de Dawson's Creek de 1998, por exemplo, se chama Detenção e é totalmente baseado em Clube dos Cinco (spoiler para quem não lembra: é IDIOTA). 10 Coisas que Eu Odeio Sobre Você (1999) traz esse ambiente colegial e atualiza a história de A Megera Domada de Shakespeare com a ajuda do charme de Heath Ledger. As Vantagens de Ser Invisível (2012), baseado no livro de Stephen Chbosky (que também dirigiu e fez o roteiro), é meio que um drama Hughes atualizado e mais dramático. Juno (2007), um roteiro de outra herdeira de Hughes, a Diablo Cody, traz um drama que nunca esteve no universo criativo de Hughes: a gravidez na adolescência. Cody já chamou Hughes de um dos seus "grandes heróis”.

Hughes’ movies were my film school. As crazy as it sounds, The Breakfast Club is the first thing that I ever wrote about online. Ever. My brother got a dial-up modem a long time ago and we got on one of those like bulletin board-type chatrooms — very crude — and I just started asking people about it. And they told me to go away, because I didn’t understand chatroom etiquette at the time. I was interrupting the conversation between the other hardcore geeks on their dial-up modems. It was my first time being flamed. [Laughs] But it’s funny to me that my very first impulse was to talk about that movie. More than influencing me as a filmmaker, it influenced me as a person.
— Diablo Cody para a Rolling Stone
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Ellen Page e Michael Cera em Juno

Muita gente acha o filme melhor que os retratos de Hughes da adolescência. Gosto de ambos por motivos diferentes!

Bom, eu acho que tem uma outra série que pouca gente comenta que é muito hughesiana. MUITO. E é maravilhosa. Se você tiver chance, assista My Mad Fat Diary (2013-2015)!

Nico Mirallegro, Jodie Comer, Sharon Rooney, Dan Cohen (lá atrás) e Jordan Murphy em My Mad Fat Diary

Nico Mirallegro, Jodie Comer, Sharon Rooney, Dan Cohen (lá atrás) e Jordan Murphy em My Mad Fat Diary

Para começo de conversa, a série é inglesa. À sensação de inadequação inerente do adolescente, aqui também se acrescenta uma protagonista gorda e na luta pela sua saúde mental. Rae (Sharon Rooney) passou por uma instituição psiquiátrica por meses por causa de uma tentativa de suicídio e agora tenta reatar laços com a sua amiga de infância Chloe (Jodie Comer). A turma de Chloe acaba virando também sua turma, mas Rae procura esconder os problemas do seu passado recente.

A série se passa em 1996, portanto tem uma trilha sonora absolutamente PERFEITA com britpop e o pop dos anos 1990. Sinto-me em casa! Acho bem diferente de Skins, que para mim é mais novelão com momentos muito bobos.
Rae Earl realmente existe na vida real. A série se baseia em seus diários (daí vem o nome). Mas Finn (Nico Mirallegro) foi criado, e a história original se passa nos anos 1980.

Só de ouvir a música de abertura dá uma aquecidinha no coração e cai uma lagriminha!

Assista! Faça isso por você!

Assista! Faça isso por você!

Para terminar com chave de ouro, queria falar sobre um tesouro que segue desconhecido até hoje.

Oil and Vinegar, o roteiro perdido

Em algum momento da história, existiu um roteiro de John Hughes chamado Oil and Vinegar, que seria protagonizado por Ringwald e Matthew Broderick e dirigido por Howard Deutch. Na mesma lógica de um dos maiores sucessos de Hughes Clube dos Cinco, Oil and Vinegar se passaria quase em sua totalidade dentro de um carro. Ringwald seria uma mulher pedindo carona, bem rock and roll, e Broderick seria um vendedor que viaja para as praças que ele precisa atuar de carro, está noivo e… dá carona para Ringwald. Tudo isso era uma desculpa para que ambos, daquele jeitinho bem Clube dos Cinco, se abrissem um para o outro em pegada existencial.

Dizem que Hughes acreditava tanto no roteiro que queria dirigi-lo ele mesmo. Deutch teria convencido-o a passá-lo para ele - porque também ficou encantado com o texto. Só que Deutch, segundo o próprio, deu para trás - estava estafado após Alguém Muito Especial e queria começar a fazer coisas só dele, a se desprender de Hughes. Jon Cryer conta uma versão diferente: na verdade Hughes não gostou desse interesse todo de Deutch e o desligou do projeto para tocá-lo sozinho.

Nessas idas e vindas, com o estúdio pedindo alterações (e Hughes não querendo reescrever o roteiro), Ringwald também diz que, na hora do vamos ver, ela acabou entrando em outro filme e abandonando o barco.

Essas páginas ainda devem existir em algum lugar. Seria certo fazê-lo hoje? Imagino que não: sem Hughes, sem Ringwald, sem Broderick? Resta-nos imaginar. Seria a versão melhorada de O Primeiro Ano? Seria melhor que Vida de Solteiro? Traria uma carreira mais prolífica e com hits para Ringwald nos anos 1990?

Ficam as perguntas.

Brat Pack parte 2: o primeiro filme (será?) e o quarteto de S. E. Hinton

Toque de Recolher é um filme de 1981 que contava com um elenco de jovens feras promissoras. Eram eles: Timothy Hutton, Tom Cruise e Sean Penn. Pois é, realmente, não existe integrante do núcleo mais, digamos, representativo do Brat Pack aqui, mas o jornalista David Blum encara esse longa como "o primeiro filme dos Brat Pack".
(Há controvérsias, como veremos mais tarde nesse texto!)

Chegou agora e não entendeu nada? Então, antes de continuar, confira o post Brat Pack parte 1: Quem são eles para ficar por dentro!
Pronto? Leu tudinho? Então bora!

Em Toque de Recolher, da esquerda para a direita: Cruise, Hutton e Penn

Em Toque de Recolher, da esquerda para a direita: Cruise, Hutton e Penn

É interessante que Blum aponte Toque de Recolher como o primeiro filme do Brat Pack porque ele tem mesmo muito em comum com a maioria do que veio depois. Leva o amadurecimento do adolescente a sério - esse, aliás, é o tema central. O roteiro: uma escola militar de 141 anos está em vias de fechar e os cadetes, se vendo sem o seu comando adulto e maior referência, a fecha e a ocupa à força, exigindo que ela siga existindo. Valores como honra e dignidade, com o blablablá militar, são levantados. Não é o meu tipo de filme - odeio filme de guerra e qualquer coisa bélica em geral - mas sabe que me convenceu? Os atores fazem papéis complexos, profundos, com diálogos às vezes tocantes. Hutton, que ganhou um Oscar por um filme anterior (durante o início das gravações de Toque de Recolher), concorreu ao Globo de Ouro de Melhor Ator por esse desempenho.
Ou seja: não é o filme mais moderno do mundo. Tem um começo bem modorrento. Mas também não é uma bomba.

Moreland (Hutton), Shawn (Cruise) e Dwyer (Penn) em ação

Moreland (Hutton), Shawn (Cruise) e Dwyer (Penn) em ação

Curiosidades: na preparação, esses 3 atores foram para uma escola militar de verdade e ficaram 45 dias por lá, como estudantes. Quer dizer, mais ou menos: Cruise preferiu um hotelzinho mais confortável ali por perto…
Esse foi o primeiro longa com Sean Penn no elenco, e o segundo de Cruise!

Os músculos do garoto Tom Cruise em cena de Toque de Recolher

Os músculos do garoto Tom Cruise em cena de Toque de Recolher

Agora vamos voltar um pouco no tempo. Mais especificamente em 1967. Esse foi o ano de lançamento do livro The Outsiders, escrito por S. E. Hinton. Ela tinha 19 anos na época do lançamento, o que já é um fato espantoso, mas comenta-se que ela escreveu o texto quando tinha 15, inspirada no fato de um amigo ter apanhado no caminho do cinema para casa.

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Virou um clássico, adotado como um dos livros estudados em escolas americanas, best seller até hoje - meio na onda do O Apanhador no Campo de Centeio, sabe? O fato da escritora usar só suas iniciais aconteceu porque os editores ficaram com medo do pessoal descobrir que ela era uma garota de 19 anos e não acreditar que ela poderia escrever a obra.
Apesar desse ser o primeiro livro de S. E. Hinton, esse não foi o primeiro a virar filme. O escolhido foi Tex, de 1979, quarto livro dela. Estrelando: Matt Dillon, sob direção de Tim Hunter, que hoje trabalha bastante com TV. No elenco também estava Emilio Estevez, um dos símbolos do Brat Pack.

A própria S. E. Hinton com Matt Dillon caracterizado como Tex, o personagem principal do filme Tex: Um Retrato da Juventude (1982)

A própria S. E. Hinton com Matt Dillon caracterizado como Tex, o personagem principal do filme Tex: Um Retrato da Juventude (1982)

Hora de me desculpar: tentei de todas as maneiras assistir Tex: Um Retrato da Juventude, mesmo porque fiquei muito curioso com as coisas que li sobre ele. Não consegui: aparentemente você precisa morar nos EUA para conseguir assistir em streaming mesmo que queira pagar por isso, e não fui feliz ao tentar baixá-lo (não consegui, simplesmente). Também não tenho um nível de hacker bom o bastante para conseguir a Apple TV lá de fora - kkkkkk A boa notícia é que o filme é da Disney, então provavelmente deve estar no Disney+ quando o serviço chegar ao Brasil.

E o fato dele ser da Disney já é estranho, certo? Quem conhece o trabalho do estúdio naquela época já espera algo bem água com açúcar. Mas parece que não foi bem isso que aconteceu. Vamos contar a história desde o começo: Dillon está no elenco de Over the Edge (1979), longa que trazia roteiro de Hunter. O rapaz era fã dos livros de S. E. Hinton e pediu para que Hunter adaptasse algum deles para o cinema. Foi algo do tipo "homem certo com a oportunidade certa no timing certo": a Disney queria tentar algo diferente, e o vice-presidente da companhia na época, Tom Wilhite, estava disposto a dar espaço para jovens inexperientes. Porque Hunter não queria apenas escrever o roteiro - desejava dirigi-lo.

Quando Hinton recebeu uma ligação dizendo que a Disney estava interessada em adaptar um de seus livros para o cinema, ela desconfiou. Seu medo era justamente que o estúdio transformasse a história em algo bobinho. Wilhite precisou convencê-la ao vivo. Ela cedeu, mas quis que seu cavalo, Toyota, fosse o cavalo de Tex no filme!

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Emilio Estevez e Matt Dillon

E Toyota, o cavalo de Hinton, no set de Tex: Um Retrato da Juventude

Mas por que incluí Hinton aqui? Bem, ela viria a ser um símbolo do Brat Pack. Mais 3 livros seus foram adaptados para longas com integrantes do Brat Pack no elenco: Vidas Sem Rumo (1983), O Selvagem da Motocicleta (1983) e A Força da Inocência (1985). Os dois primeiros também contam com Dillon no elenco - ele se transformou numa referência do cinema para Hinton. E Hinton ficaria para sempre conectada com o começo da história do Brat Pack, por mais que suas histórias divergissem bastante do que o filme clássico de Brat Pack virou, e por mais que John Hughes, o diretor Brat Pack por excelência, nunca tenha adaptado uma de suas histórias para a telona. Hinton sempre localiza suas tramas no subúrbio de Tulsa, Oklahoma; elas envolvem jovem marginalizados, geralmente delinquentes. Possui esse olhar mais humano sobre o mundo teen, mas ao mesmo tempo não se trata de uma classe média em contexto mais urbano - que é o que Hughes faz.

Esse episódio do podcast Song by Song que eu incluo abaixo sobre Vidas Sem Rumo é bem esclarecedor - ou não. Primeiro: o Song by Song é sobre Tom Waits, olha que esquisito, que não tem nada a ver com o Brat Pack. Risos. É por causa de uma ponta que Waits faz em Vidas Sem Rumo que o epê foi feito: ele é Buck, o cara que fica na porta de um bar, tipo jagunço. Aparece por menos de cinco minutos!
Mas não é isso que eu acho esclarecedor desse podcast: o convidado Kevin Smokler fala que os filmes do Brat Pack são importantes porque pela primeira vez o adolescente é visto no cinema sob a ótica do próprio adolescente, e que por isso Vidas Sem Rumo, que muita gente encara como o primeiro filme Brat Pack por causa do elenco (no lugar de Toque de Recolher!), no fundo não seria um filme Brat Pack.

Só que essa lógica é meio esquisita, por causa do fator S. E. Hinton. Ela escreveu o livro justamente quando era adolescente. Quer mais ótica teen que isso?
Entendo o que ele quer dizer: Vidas Sem Rumo tem um tom épico que Coppola inclui, uma cinematografia bela mas pesada, adulta, especialmente na cena clássica do por-do-sol com poema de Ponyboy (C. Thomas Howell) e Johnny (Ralph Macchio) e na cena final, com a imagem de Johnny falando o texto da carta que Ponyboy lê. Lembra filme dos anos 1940, sabe? Uma coisa grandiosa. O livro que Ponyboy gosta e vira uma de suas conexões com Johnny é … E o Vento Levou, para você ter ideia da coisa!
Agora, eu acho que Vidas Sem Rumo é um filme de Brat Pack sim, diferente em vários aspectos, mas que possui muitos pontos que o aproximam do resto dessa filmografia que varia de pessoa para pessoa. Tem Emilio Estevez e Rob Lowe, por exemplo. Fala da realidade adolescente - quase não aparecem personagens adultos. É sobre as dificuldades desse trânsito entre a fase infantil e adulta. O núcleo familiar principal, formado por Ponyboy, Sodapop (Lowe) e Darrel (Patrick Swayze), é justamente um trio de irmãos órfãos, com Darrel assumindo as responsabilidades de pai por ser o irmão mais velho.

Darrel, Ponyboy e Sodapop: família

Darrel, Ponyboy e Sodapop: família

Outra coisa que achei interessante desse episódio de podcast é que Smokler, agora sem nem falar exatamente de Brat Pack, conecta Vidas Sem Rumo a uma tendência interessante dos anos 1980: filmes centrados em adolescentes e nostálgicos sobre as décadas de 1950 e 1960. É real: depois viriam De Volta Para o Futuro (1985), Peggy Sue: Seu Passado a Sua Espera (1986) e tantos outros.

Mas vamos falar de Vidas Sem Rumo em si? A começar pelo elenco, que acho impressionante pela quantidade de futuras estrelas por metro quadrado:

Da esq. para a dir.: Two-Bit (Emilio Estevez), Sodapop (Rob Lowe), Ponyboy (C. Thomas Howell), Dallas (Matt Dillon), Johnny (Ralph Macchio), Darrel (Patrick Swayze) e Steve (Tom Cruise). Tá bom para você?

Da esq. para a dir.: Two-Bit (Emilio Estevez), Sodapop (Rob Lowe), Ponyboy (C. Thomas Howell), Dallas (Matt Dillon), Johnny (Ralph Macchio), Darrel (Patrick Swayze) e Steve (Tom Cruise). Tá bom para você?

A procura por um "novo James Dean", do jeitinho que a mídia gosta, seguia desde a morte dele em 1955. É muito notável que sejam as décadas de 1950 e 1960 que morem na memória afetiva de filmes produzidos na década de 1980: época de Dean, de Amor, Sublime Amor (a adaptação do musical para a telona é de 1961). Vidas Sem Rumo, aliás, conversa com Amor, Sublime Amor na sua temática de guerra entre gangues juvenis e flerta com a história principal ao aproximar Ponyboy e Johnny de Cherry (Diane Lane), que é da turma dos ricos Socs. Se lá a história era embebida do preconceito contra os latinos, aqui desponta a luta de classes: Greasers são pobres, Socs são playboys.
Outro filme que pode ser apontado como primo desses é Os Selvagens da Noite (1979), o clássico The Warriors, que não entra na lista do Brat Pack por ter um elenco bem diferente da turma e, na minha opinião, um roteiro meio infantil apesar do tema sério da morte de um dos integrantes das gangues retratadas.
E não me leve a mal: adoro The Warriors!

Cena do clássico Os Selvagens da Noite de Walter Hill, o mesmo diretor de Ruas de Fogo (1984) e que quase dirigiu Alien, o Oitavo Passageiro (1979) - que como todo mundo já sabe foi parar nas mãos de Ridley Scott e virou um classicão

Cena do clássico Os Selvagens da Noite de Walter Hill, o mesmo diretor de Ruas de Fogo (1984) e que quase dirigiu Alien, o Oitavo Passageiro (1979) - que como todo mundo já sabe foi parar nas mãos de Ridley Scott e virou um classicão

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A Capricho da época?

Os astros de Vidas Sem Rumo à paisana

Vidas Sem Rumo é uma história de redenção? Quer mostrar que o delinquente juvenil é apenas produto do meio? Que no fundo ele é uma boa pessoa? Bom, tem algo nesse tom grandiloquente que não ajuda, se é essa a tese que Coppola queria aplicar. Pelo contrário: artificializa.

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E daí a gente parte para O Selvagem da Motocicleta, a segunda adaptação de Hinton com direção de Coppola, também sobre gangues, também com um elenco estelar: Dillon faz o personagem principal, Rusty James, ao lado de Nicolas Cage, Mickey Rourke, Laurence Fishburne, Diane Lane e, adivinha, mais uma participação especial de Tom Waits!

Smokey (Nicolas Cage), Steve (Vincent Spano), Rusty (Matt Dillon) e B. J. Jackson (Chris Penn, o irmão de Sean Penn)

Smokey (Nicolas Cage), Steve (Vincent Spano), Rusty (Matt Dillon) e B. J. Jackson (Chris Penn, o irmão de Sean Penn)

Parece uma imitação low-budget de Marlon Brando em O Selvagem (1953)? Bom, talvez seja proposital: Dillon, na época, era a promessa de próximo Brando! E O Selvagem da Motocicleta é o momento em que ele mais imita a interpretação de Brando.
O destaque do filme na verdade não é ele. É Coppola, cheio de metáforas em forma de imagem e planos longos com bastante ação, exercitando-se e obtendo um resultado bem mais interessante que em Vidas Sem Rumo ao meu ver; e são as interpretações de Mickey Rourke, que faz o irmão mais velho de Rusty (a lenda Motorcycle Boy) e de Dennis Hopper como o pai dos dois.

Dos 4 filmes com tramas de Hinton, O Selvagem da Motocicleta é o que menos se aproxima do universo Brat Pack. Mais cult e muito autoral, menos adolescente, extremamente estiloso, visualmente moderno até para os padrões atuais. Portanto recomendo que assistam, mas não incluam em um pacote Brat Pack! Risos!

Dillon & Rourke: nessa, o primeiro saiu perdendo no quesito potencial dramático…

Dillon & Rourke: nessa, o primeiro saiu perdendo no quesito potencial dramático…

E finalmente chegamos no último longa baseado em um livro de S. E. Hinton. A Força da Inocência foi a iniciação de Estevez em outra área: o roteiro é o primeiro assinado por ele. Craig Sheffer faz o rapaz mais velho, Bryon, e Estevez interpreta o mais novo e mais problemático Mark. Hinton não foi envolvida nessa adaptação, e com isso eles também mudaram o fim e a ambientação (os livros se passam todos em Tulsa, Oklahoma; o filme A Força da Inocência acontece em Minnesota).

Bryon (Sheffer) e Mark (Estevez) em A Força da Inocência

Bryon (Sheffer) e Mark (Estevez) em A Força da Inocência

A crítica de Vincent Canby para o New York Times na época do lançamento de A Força da Inocência chama o filme de "a adaptação menos interessante de um livro de S. E. Hinton para o cinema". Acho a afirmação um tanto pesada mas não deixa de ser verdadeira! Isso também não quer dizer que o filme seja péssimo - ele é bacaninha sim.

Para terminar: lembra que eu falei no post anterior que o Brat Pack variava, que cada um fazia um grupo na sua cabeça e não existia exatamente uma regra única para incluir alguém? Olha essa imagem…

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Pois é!

Curiosamente, atores como Matt Dillon não colaram como integrantes do Brat Pack para sempre. Dillon tinha a mesma faixa de idade (Estevez é inclusive mais velho), mas começou a se afastar dessa temática após O Selvagem da Motocicleta. Em 1989, faria o papel principal em Drugstore Cowboy, que é bem centrado no vício em drogas.

E chega de falar de boys - esse post transbordou testosterona, eu hein! O próximo é especial, com a maior musa do Brat Pack… Aguarde!

Brat Pack parte 1: Quem são eles?

Tenho falado, pouco a pouco, das agruras da fama. Não tenho? Comentei disso no post das idols japonesas (e cito uma, Yukiko Okada, que cometeu suicídio), no da freira que cantava Soeur Sourire (que também cometeu suicídio), e tangencialmente falo de fama e efeitos no post da Angela Ro Ro e outros. Me interesso bastante pelo assunto.
E ao mesmo tempo me interesso bastante pelos filmes adolescentes de Hollywood dos anos 1980. Foi uma reinvenção de um gênero, uma redescoberta de um público, e um estilo de fazer a coisa sem infantilizá-la que basicamente estava nas mãos de um homem só, John Hughes.

Juntando esses dois universos, a gente tem algumas histórias de vida que funcionam quase como parábolas sobre alguns jovens que começaram a carreira juntos e eram amigos (bem, há controvérsias); e que a fama veloz quase que devorou. Para eles o sucesso veio antes de Angelina Jolie, Leonardo di Caprio, Brad Pitt, Scarlett Johansson, Julia Roberts e outros que hoje são considerados grandes estrelas. Mas esse grupo nunca conseguiu se equiparar numa carreira longeva como esses colegas citados.
Está na hora de falar do… Brat Pack.

Alguns, mas não todo o Brat Pack, com John Hughes abaixo (ele é o de óculos)

Alguns, mas não todo o Brat Pack, com John Hughes abaixo (ele é o de óculos)

Então vamos começar pelo apelido: Brat Pack é uma brincadeira com o Rat Pack, o grupo informal de artistas amigos da década de 1950 que incluía Frank Sinatra, Sammy Davis Jr, Dean Martin, Humphrey Bogart… Mas no lugar da palavra "rato", aparece algo como… "pirralho". O termo foi cunhado pela primeira vez por David Blum, jornalista que a princípio faria um artigo para a New York sobre Emilio Estevez, que hoje tem a alcunha de irmão do Charlie Sheen (também, né, Sheen fez e aconteceu…) e antes tinha a alcunha de filho de Martin Sheen mas, acima de tudo, era um dos novos nomes mais promissores de Hollywood. Blum foi encontrá-lo no Hard Rock Cafe (só existia um em 1985, e era em Los Angeles) e começou a observar o comportamento de Emilio e seus amigos Rob Lowe e Judd Nelson. Era um pouco depois do lançamento de O Clube dos Cinco e um pouco antes de O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas. Nascia uma nova ideia para o artigo, que agora incluiria toda a turma, e o apelido em si, que acabou pegando.

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O artigo original

que deu o que falar

O problema é que se o Rat Pack era admirado pelo lado que flertava com o marginal e o sacana, o Brat Pack foi retratado como um bando de meninos mimados. Segundo vários deles, isso se tornou um estigma: todo mundo passou a encará-los como moleques incontroláveis, com os quais você não conseguiria lidar profissionalmente se não tivesse muita paciência. Ao mesmo tempo que fazer parte do Brat Pack garantiria um passaporte de fama, isso virou uma maldição - e depois a gente vai ver que apenas uma integrante, e olhe lá, conseguiu superar o termo e talvez seja a única que não vai ser chamada de ex-Brat Pack para sempre.

Mas quem são os integrantes do Brat Pack? Olha, esses nomes variam de acordo com as fontes. Eu considero que são os atores principais de O Clube dos Cinco e O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas, assim como a maioria das pessoas, sendo que 3 deles estão em ambos os longas. Vou enumerá-los aqui, e depois falo dos "membros honorários", que transitavam ao redor.

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Judd Nelson

O jovem de aspirações políticas de O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas e o bad boy de O Clube dos Cinco. Hoje tem um personagem fixo na série Empire: Fama e Poder

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Emilio Estevez

O jock de Clube dos Cinco e o aspirante a advogado de O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas. Depois disso já fez o papel de Bobby F. Kennedy no filme Bobby (2006), que ele também escreveu e dirigiu. O longa foi premiado no Festival de Veneza!

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A pobre menina rica Claire de O Clube dos Cinco é a maior filhinha de papai do cinema. Molly foi um ícone teen irresistível e onipresente na década de 1980 - e vai ganhar um post só dela, claro!

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Rob Lowe

O galã da turma, e o irresponsável Billy em O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas. Não tenho como provar mas tudo indica que muitos rapazes tiveram o corte mullet achando que iam ficar bonitos que nem ele. E não ficaram. Lowe também vai ganhar um post pois NOSSA, que reviravoltas, viu?

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Anthony Michael Hall

Quem diria que o mascote da turma viraria um ator de filmes e séries de ação? Mas foi isso que aconteceu. Ele era o nerd Brian de O Clube dos Cinco - e era meio que especializado nesse tipo de papel no começo de sua carreira

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Ally Sheedy

Ela também está nos dois filmes, mas sinceramente gosto mais de seu papel em O Clube dos Cinco: a esquisitona Allison é maravilhosa!

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Andrew McCarthy

O escritor Kevin de O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas foi bem prolífico nos anos 1980. Na década de 2000, começou a se aventurar como diretor e a curiosidade é que ele dirigiu vários episódios de Orange is the New Black!

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Demi Moore

Sim. Ela mesma. Demi foi a que se deu melhor no Brat Pack logo depois da febre: em 1990 estrelou o blockbuster Ghost e em 1993 só se falava de Proposta Indecente (você aceitaria?). Só que depois rolou uma flopada gigante e hoje ela não é mais considerada uma superestrela. Ela é a modernete Jules em O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas

Detalhe: essa não é a turma original, do artigo de David Blum lá em 1985. Lembre-se que o artigo saiu antes de O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas estrear. O Clube dos Cinco ainda não tinha um status cult. Blum se baseou em amizades já formadas, focando no trio Lowe-Nelson-Estevez. Sendo assim, outros nomes jovens da época também aparecem lá. E, veja só, nenhuma mulher, reproduzindo a representatividade do Rat Pack original. Pior ainda: sem negros, assim como no Brat Pack que se convencionou depois.
Para Blum, estavam incluídos Tom Cruise, Matt Dillon, Nicholas Cage e Sean Penn, por exemplo. Todos eles viram, em maior ou menor grau, seus status de estrelas crescendo ainda mais pós anos 1980. E curiosamente Blum insere Timothy Hutton na lista, apesar do próprio Brat Pack na época rejeitá-lo porque, mesmo com um Oscar por Gente Como a Gente (1980) e protagonizando o respeitado Toque de Recolher (1981), o encanto acabou em suas escolhas profissionais posteriores, com filmes que fracassaram na bilheteria e não tiveram o retorno artístico esperado.
O que aconteceu é que o termo pegou e geral se apropriou dele. Como o artigo foi feito no calor do momento e baseando-se nas relações pessoais, a turma foi revisada a partir do momento que se convencionou um conceito mais para relações profissionais - jovens que costumavam trabalhar juntos e eventualmente eram amigos. Matthew Broderick e Kevin Bacon, por exemplo, não eram amigos deles, mas eram contemporâneos. Robert Downey Jr só seria considerado no futuro, por ter participado de Mulher Nota 1000 (1985), Abaixo de Zero (1987) e Johnny Bom de Transa (1988) e por ter feito parte do Saturday Night Live ao lado de Anthony Michael Hall no meio dos anos 1980.
E a mãe de Clark Kent, Martha? Diane Lane participou de dois filmes superimportantes ligados ao Brat Pack: Vidas Sem Rumo (1983) e O Selvagem da Motocicleta (1983). Mas sua carreira ficou mais ligada ao diretor de ambos os filmes do que ao grupo: nada menos que Francis Ford Coppola. Ainda faria Cotton Club (1984) e muito tempo depois estrelaria Paris Pode Esperar (2016) de Eleanor Coppola, a mulher de Francis.

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O elenco reunido

de O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas. Reparou que tem uma a mais que não foi citada?

Mare Winningham é outro caso a parte, a única atriz que atuou em papel principal em um dos dois filmes-chave para entender o Brat Pack (O Primeiro Ano) porém não é ligada ao grupo. Vai saber porquê: sua carreira de fato tomou outros caminhos. Já tinha ganhado o Emmy de Melhor Atriz Coadjuvante pelo telefilme Amber Waves (1980), ganhou outro Emmy de Melhor Atriz Coadjuvante pela série George Wallace - O Homem Que Vendeu Sua Alma (1997) e concorreu ao Oscar (de, adivinha, Melhor Atriz Coadjuvante) por Georgia (1995).
Ah, e tem uma curiosidade: Winningham é uma das atrizes recorrentes em American Horror Story! Já fez os papéis de Rita Gayheart, a irmã de Pepper (Naomi Grossman) em Freak Show; a mãe de Kyle Spencer (Evan Peters) em Coven; a empregada Hazel Evers em Hotel e a política Sally Keffler em Cult. E quase todos os personagens exceto Rita são assassinados por personagens de Evan Peters!

Bom, a gente já entendeu que os dois filmes mais importantes do Brat Pack são O Clube dos Cinco e O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas. Mas eles são os primeiros? Não necessariamente: Blum aponta o começo de tudo em Toque de Recolher (1981) de Harold Becker e tem quem fale, na verdade, do quarteto Tex: Um Retrato da Juventude (1982), Vidas Sem Rumo (1983), O Selvagem da Motocicleta (1983) e A Força da Inocência (1985) - são 4 filmes que vieram de livros escritos por S. E. Hinton. Mas isso é assunto para um próximo post… Afinal, o "parte 1” no título não está ali à toa! Aguardem!

Timothy Hutton em Toque de Recolher (1981): o primeiro filme do Brat Pack segundo Blum

Timothy Hutton em Toque de Recolher (1981): o primeiro filme do Brat Pack segundo Blum

A mocinha vence, mas a vilã se diverte muito mais até quase o final...

Por que será que a vilã sempre é tão mais legal que a mocinha?

Carminha vive! (pelo menos em nossos corações)

Carminha vive! (pelo menos em nossos corações)

No Brasil, por causa da novela, a gente tem uma longa linhagem de vilãs incríveis, que corre de Nazaré Tedesco a Odete Roitmann passando por Maria de Fátima e a gêmea Raquel (ambas da super Gloria Pires), Branca Letícia de Barros Motta, Perpétua, Violante (era a Drica Moraes em Xica da Silva, lembra? Afff, mulé má), Bia Falcão e, claro, ela…

Não sei o que é mais perfeito, a cena ou o título do vídeo.

(sim, sou fã de João Emanuel Carneiro)

Bom, tem muito mais. E isso se estende a muito mais do que a novela brasileira. Parece que é uma atração meio inconsciente e sinistra pela vilania - devem existir várias explicações psicológicas e pseudopsicológicas a respeito do tipo “é uma válvula de escape”. Mas acho, ainda mais, que a gente gosta mais quando a vilã é mulher - né, Cersei?

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E tudo isso para falar também de um Instagram que o Felipe Borges (que tem uma marca de bolsas e acessórios de couro) me apresentou: Wicked Goddesses! Só com vilãs, malvadas, vamps, bad girls! Delícia, né?

É bem demais e recomendo o follow!

E dizem que tem uma nova Dinastia, né? Oh, how dare you?

Por último, queria falar de novo da Madonna, posso? É que acho essa música muito boa, acho que ela devia ser regravada por alguém, ou a própria Madonna devia incluir em algum show.

A faixa é do álbum Erotica, de 1992.
Mostrar Madonna tendo um comportamento destrutivo, pelo menos para mim, significou humanizá-la. Ah, então ela sofria no amor? Por trás de toda vilã-vamp se esconde um coração…
O clipe é dirigido por David Fincher (o de Seven: os Sete Pecados Capitais, Clube da Luta, Garota Exemplar) e traz os atores Christopher Walken e Matt Dillon em participações especiais.
Chique.

E como dizia Mae West: