Pink ou punk? A Chai quer democratizar o kawaii

“You are so cute / nice face / yeah, come on!”
É assim que começa a música N.E.O. do álbum de 2017 da Chai, a banda formada por quatro meninas japonesas que lembram CSS e mais um monte de coisa. Tem uma parte que diz neokawaii, neokawaii, neokawaii para não deixar dúvidas a respeito do que elas querem: uma revisão do que é considerado kawaii.

BREQUE - antes de dar o play no vídeo abaixo, você ainda não sabe o que é kawaii? OK, segue a lista de posts que você precisa ler antes de soltar o freio de mão:

Memória afetiva
O que é kawaii?
A rainha & a embaixadora do kawaii
O lado dark do kawaii
Harajuku: a meca do kawaii

Pronto? Ah, agora sim! Play:

O primeiro álbum da Chai, de onde sai essa música, chama-se Pink. E adivinha como chama o segundo, de 2019? Sim: Punk!

Elas têm essa coisa meio… empoderadora? Enfim, acho interessante a ideia do Japão como uma sociedade kawaiinormativa (hihihihihi) e a necessidade de quebrar essa lógica de alguma maneira, subvertendo o kawaii esticando o conceito.
E sim, elas conseguem me convencer que todo mundo pode ser fofinho.

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In Japan, being cute is probably the biggest compliment you can give a woman. And culturally, people don’t really compliment one another. People don’t really go up to someone and say, ‘I like your shirt’ or ‘I like your shoes.’ So when you’re not considered a part of that cute standard, people don’t say anything to you. In America, people just say: ‘You’re beautiful,’ ‘You have nice clothes.’ I love that about America. Since they don’t do that in Japan, it hits women harder when they’re not called cute. That’s the reason we made the songs now, to say it doesn’t matter. We are what we are. We’re happy with that.
— Yuuki, do Chai, para o Pitchfork

O Chai me lembra algumas outras coisas que adoro, em especial três bandas de japonesas.
São elas:

Shonen Knife!

O Ramones de vestido anos 1960 de Osaka. Tanto que elas também já se apresentaram como banda cover dos Ramones sob o nome de… The Osaka Ramones. Perfeito. Quem viveu os anos 1990 na MTV vai lembrar que o Beavis & Butthead assistiam a um clipe delas. E claro, emitiam opiniões muito inteligentes a respeito.

Cibo Matto!

Qual é o cheiro que mais te lembra os anos 1990?
Seja ele qual for: você vai senti-lo ao assistir esse clipe.
Eu amo o fato do primeiro disco Viva! La Woman é dedicado a… comida. Birthday Cake, Artichoke, Sugar Water… Meu tipo de conceito.
Depois o meu doppelgänger Sean Lennon (I wish) e mais um povo se juntou a elas e a coisa cresceu. Gosto bastante do Stereo Type A, o álbum seguinte.

Puffy AmiYumi!

No Japão elas são conhecidas como Puffy apenas, mas para o exterior decidiram assumir o nome Puffy AmiYumi (que são os nomes das duas integrantes) para não ter problemas com o Sean Combs HAHAHA
E sim, é a banda daquele desenho do Cartoon Network. Acontece que elas são mais do que aquele desenho - não se formaram por causa do desenho nem acabaram depois disso! No Spotify tem esse single fofo de 2018:

E são elas que cantam a música tema do desenho Jovens Titãs!

E aí? Já está se sentindo superkawaii agora? Eu sei, quando você é uma japonesa bonitinha é mais fácil. Mas sigamos tentando: kawaii power to the people!

E um extra, caso você seja novo demais para conhecer:

Luscious Jackson!

Não, elas não são japonesas. Mas acho a vibe parecida, e adoro, e acho que todo mundo devia ouvir.
É isso.

Ela era uma estrela cult e não sabia

Melhor que estar grávida e não saber até ter o filho, né?

Mas de qualquer forma, a história é digna de um programa do TLC.
Sukla Biswas é essa mulher da foto da capa desse disco:

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Essa capa é a típica capa de um disco que eu veria numa feirinha e diria "EU PRECISO TER ESSE DISCOOOO", alguém falaria: "Mas você conhece essa Rupa?” e eu diria "NÃO IMPORTAAAAA!!!"
Acontece que isso seria um pouco complicado pois um vinil original desse custa hoje em dia, sei lá, uns R$ 2.000?

Sukla nasceu em Bengala Ocidental na Índia - seu apelido em casa era Rupa. Ela viajou com a família para o Canadá, se apresentou na casa de um parente e o povo gostou. Aí ela fez um showzinho na University of Calgary, tinha bastante gente na plateia incluindo um ganhador de Grammy, o Aashish Khan, e seu irmão Pranesh. Os irmãos Khan acabaram combinando com o irmão de Rupa, Tilak, que iam gravar um disco com ela. As letras foram feitas pela Firoza, mulher do Aashish, e nessa foto acima foi a primeira vez que ela viu um microfone sem fio e que usou roupas ocidentais.
O disco foi lançado mas, ao que tudo indica, muito mal divulgado. A própria Rupa diz que a canção de Nazia Hassan Aap Jaisa Koi eclipsou as suas. Não faz muito sentido - Aap Jaisa Koi foi lançada em 1980; Disco Jazz saiu em 1982.
Porém precisamos concordar em uma coisa: Aap Jaisa Koi é muito boa mesmo!

Dê o play e tente não dar uma balançadinha!

Alguns anos depois Rupa casou, teve um filho (Debayan) e foi viver a vida.
Em 2012, o filme Miss Lovely usou o álbum Disco Jazz como trilha. Não assisti, mas parece ser babado! No trailer a música não aparece, então vamos ter que acreditar nos relatos do povo.

O mais esquisito: Rupa não tomou conhecimento disso! O filme parece meio artsy mesmo e não deve ter bombado como os mais comerciais de Bollywood.
Aí o filho Debayan buscou o disco online e… descobriu que um monte de gente era fã. Disco Jazz se transformou num cult, e um dos seus maiores entusiastas é o Caribou!

Hoje, que bom, não precisamos ter toda essa grana para ouvir Disco Jazz - ele foi relançado por uma gravadora americana e consequentemente está no Spotify.
E Rupa? Olha ela aí:

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I don’t care about the money. I’m just happy that people like my music. Boys, girls, everyone is dancing so much. That’s what makes me happy.
— Rupa em entrevista para o The Guardian

Amei demais. E se você gostou desse som, talvez também goste de uma das minhas músicas preferidas da vida:

Som na caixa, DJ! Se alguém souber o paradeiro da Brenda, por favor conta, vamos fazer um revival dela também! <3
Long life to disco!

O dia em que Ivete Sangalo encontrou com Cher na fila A da Chanel em Paris

A temporada de alta-costura está chegando e decidi falar dessa história que muita gente conhece para não deixá-la morrer. POR FAVOR NÃO DEIXEM ESSA HISTÓRIA MORRER!
Ivete Sangalo já contou essa FÁBULA, essa PARÁBOLA, várias vezes, on & off the record, como nessa vez no GNT Fashion da minha ex-chefe Lilian Pacce:

A história vai variando cada vez que Ivete conta. Tem esse outro registro, mais engraçado, que inclui na história a Shakira, não a colombiana, e sim a mulher de Michael Caine - que Ivete confunde com Michael Keaton, é um bololó só kkkkkk

Mas na verdade a minha versão preferida, cuja qual não encontrei registros, diz que Ivete chegou na Cher e falou: "CHER, o Brasil te adoraaaa!” e ela "é memo??” e Ivete "Sim, tanto que existe um estilo musical em sua homenagem: a A-CHER MUSIC!"

Aiai, Ivete, és isentona mas a gente te adora mesmo assim.

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Documentado!

Um belíssimo papagaio de pirata! Tem fila A mais maravilhosa que essa?

Saâda Bonaire: o trio que a gente adoraria que tivesse realmente acontecido

Às vezes (mas só às vezes mesmo) o Spotify surpreende a gente positivamente. Na verdade preciso ser justo: o Spotify tem melhorado depois da última mudança de layout deles também em suas sugestões musicais. Nunca entendi de onde o aplicativo tentava me empurrar tanto sertanejo sendo que quase nunca ouço - atenção ao quase. Agora a coisa ficou mais interessante e me deixa bem curioso para clicar nas sugestões deles. Isso é um sinal que o algoritmo foi, er, consertado?

Tudo isso para dizer que um dia desses ele me sugeriu Saâda Bonaire, eu acreditei e… Olha isso aqui:

saada-bonaire.jpg

Eita!

E o make à Secos & Molhados?!

O projeto Saâda Bonaire quis mexer com a cultura árabe muito antes da Lady Gaga falar em burca no Artpop: em 1982 o DJ Ralph von Richthoven (sim, eu sei, o sobrenome dele parece com o da menina que matou os pais) e as vocalistas Stephanie Lange e Claudia Hossfeld se juntaram para fazer um grupo bem conceito e bem artístico. hihihihihi

É, eles fizeram o que todos nós fizemos em algum momento da primeira década de 2000. hihihihihihihihi

Só que o deles meio que deu certo até certo ponto: a ideia era juntar punk, new wave, dub, disco, reggae e… música árabe. Assinaram com a EMI da Alemanha, produziram o single You Could Be More As You Are, só que aí os executivos encrencaram (devem ter percebido que o conceito estava um pouco demais para os padrões deles) e desistiram de lançá-los. O single saiu mas passou em branco; o trio acabou gravando o resto por conta e finalmente desistiu.

Corta para 2012: o povo do Thieves Like Us redescobriu o single e correu atrás de saber mais sobre o Saâda Bonaire. No ano seguinte, saía o disco com todas as gravações que eles fizeram na época - é esse aí de cima.

Achei essas minas bem das chiques

Achei essas minas bem das chiques

As músicas de destaque para mim são Your Touch, meio dub divertido da fofa pedindo um serviço de quarto "mais completo", e More Women, chicoza para ouvir enquanto se arruma para a balada fazendo pose para o espelho (inclua naquela playlist que também tem Sade). E tem o tal single You Could Be More As You Are, que pode ser entendido como um “acorda, linda, e vai viver" ou um “afff, que bom que não fiquei com você pois és de uma mediocridade nojenta".

Segue um videozinho meio artsy (ah, mas como não seria?) dessas gatas:

Manobras orquestrais nas sombras... e um monte de coisa que amo em um só post

Tem uma coisa que não gosto nesse post, mas apenas uma. O camuflado dazzle.

Isso é um navio da Primeira Guerra Mundial com a camuflagem dazzle

Isso é um navio da Primeira Guerra Mundial com a camuflagem dazzle

Nunca gostei de camuflado. Ele está voltando à moda e eu * apenas observo * porque acho bélico, acho bizarro ter se transformado em algo da moda, e resumindo acho feio. Já devo ter usado camuflado em algum momento da minha vida, mas hoje acho sem cabimento.
Sei que a camuflagem tem esse subtexto de proteção, de se esconder na paisagem. Mas isso é para fins bélicos. Para mim é o bastante para não curtir.

Mas esse camuflado dazzle é algo bem peculiar, né? Um cara chamado Norman Wilkinson que inventou: ele acreditava que, sob a ótica de um periscópio, essa pintura meio cubista confundiria o inimigo em alto mar. Diz que intuitivamente ele mudou tudo: redefiniu a camuflagem, que até então era ligada ao conceito de baixa visibilidade, e incluiu uma altíssima visibilidade, o extremo oposto. Esse P&B todo modernoso deixaria o cálculo do disparo de um torpedo difícil e salvaria um navio que, do contrário, seria difícil de simplesmente esconder naquele tamanhão.
A zebra já sabia disso faz tempo…

Uma exposição que esteve em cartaz até abril em um museu em Tucson, Arizona, foi mais a fundo no camuflado dazzle e pensou a sua influência na arte, na moda e na cultura pop. Ela se chamava Dazzled: OMD, Memphis Design and Beyond.

Memphis Design

Cadeira Bel Air de Peter Shire na exposição do Moca (Museum of Contemporary Art Tucson)

Cadeira Bel Air de Peter Shire na exposição do Moca (Museum of Contemporary Art Tucson)

Uma parte dessa exposição trazia exemplos do movimento de design italiano da década de 1980 chamado Memphis e fundado por Ettore Sottsass, cheio de cor e geometria. Diz esse post aqui de 2018 do My Modern Met que o Memphis está voltando. Nossa, eu acharia o máximo se isso acontecesse! Ei, Alessandro Michele: tudo a ver com a Gucci, hein? Fica a dica básica para o Salone del Mobile do ano que vem…

Na mesma exposição em Tucson tinha uma instalação. Essa aqui:

dazzle-ships-instalacao-omd.jpg

A ideia era fazer uma imersão em um álbum de uma dupla, a Orchestral Manoeuvres in The Dark, o chamado Dazzle Ships. Esse aqui:

Não entendeu nada dessa primeira música do álbum? Pois bem: é porque ele é um dos mais conceituais da banda que começou na mítica Factory Records.
E sabe quem desenhou essa capa? Bom, se você conhece um pouco da história da Factory Records, deve desconfiar…

Peter Saville

Não sei nem como começar a descrever o quão influente o designer gráfico Peter Saville é. Nesse artigo do Guardian ele fala das suas capas preferidas que criou para Joy Division e New Order, apenas duas das bandas com as quais colaborou.

Saville também é o cara que fez, a convite do diretor criativo Riccardo Tisci, o novo monograma da Burberry.

burberry-2018-logo.jpg

Se eu gosto? Não muito…

Não é o meu trabalho preferido de Saville. Mas quem tem que gostar são os clientes e não eu - risos! Repare que a cor de fundo, que tem a ver com o cáqui tradicional do trench coat da marca, também é o gengibre sobre o qual comentei nesse post!

Saville ficou empolgado quando soube que existia uma banda com o nome Orchestral Manoeuvres in the Dark, que já tinha uma música chamada Electricity. Era tipo "descobri o Kraftwerk inglês"! Aí ele encontrou com a dupla Andy McCluskey e Paul Humphreys e disse:

You sound like the future but you don’t look like the future.
— Peter Saville para o OMD quando os conheceu

Que bom que ele resolveu dar uma ajuda, né? As capas são in-crí-veis!

Orchestral Manoeuvres in the Dark

McCluskey &amp; Humphreys, a alma da banda

McCluskey & Humphreys, a alma da banda

Eles são da turma pioneira do synth-pop, com o single Electricity lançado em 1979 (para dar uma situada, Nag Nag Nag do Cabaret Voltaire saiu no mesmo ano; Warm Leatherette do The Normal é de 1978; o predecessor Kraftwerk lançou o primeiro álbum em 1970; o Yellow Magic Orchestra foi formado em 1978 em Tóquio; Depeche Mode sairia com seu Speak & Spell em 1981; Don't You Want Me do Human League chegaria nas paradas no fim do mesmo 1981).

O OMD conheceu seu primeiro hitzão em 1980, com esse petardo aqui:

Sim, é uma música sobre o Enola Gay, avião responsável por jogar a bomba atômica em Hiroshima em 1945. Meio bobinha (mas divertida), é uma música antiguerra - quem diria que a camuflagem no disco viria 3 anos depois?

Mas a minha preferida do OMD é essa daqui:

Tão chique quanto Roxy Music, na minha humilde opinião.

Mas e o Simple Minds, hein?
OK, o Simple Minds não é tão chique.
Sei que tirei eles do nada aqui nesse post, nem são synth pop, nem tem capa assinada por Saville (they wish!!), mas são contemporâneos do OMD e são do Reino Unido (mais especificamente de Glasgow).
Será que eles têm mais alguma coisa em comum com o OMD além disso?
Ah, mas pode apostar que sim: ambos fizeram músicas importantes nas trilhas de filmes de…

John Hughes

A música do Simple Minds espero que você já saiba, pois bem manjada:

Até tem uns trechos do ótimo Clube dos Cinco (1985) no clipe de Don't You (Forget About Me). O que você talvez não saiba é que essa mesma música foi usada como trilha base para uma outra cena final de um outro filme de Hughes, o megafashionista A garota de rosa-shocking, do ano seguinte.

O longa traz mais uma vez a musa adolescente Molly Ringwald, superestilosa no papel de Andie em suas peças garimpadas de brechó tipo stylist nata, e o melhor amigo Duckie (John Cryer, que depois voltaria a ver a fama em Two and a Half Men).
Esse artigo do Entertainment Weekly conta para a gente que o fim da trama seria Andie nos braços de Duckie e rejeitando o boy lixo Blane (Andy McCarthy, a pior cara de fuinha que o cinema já conheceu). Seria um sonho? No fim, em cima da hora, fizeram a Andie acabar com o Blane mesmo e perderam a chance de formar uma dupla (Andie e Duckie) que construiria um império fashion. Acontece.

Um dos melhores momentos com música do filme é esse aqui:

PURO AMOR.

Mas na verdade a música sobre a qual queria falar é a do fim. Como eles mudaram o roteiro em cima da hora, a música que já estava feita pelo OMD não fazia o menor sentido.
Sim, o Orchestral Manoeuvres in the Dark fez uma música para A Garota de Rosa-Shocking (que não foi usada) e aí teve que fazer outra com o andamento específico de Don't You (Forget About Me) para conseguir encaixá-la na cena - em 24 horas! E o resultado virou o segundo grande hit depois de Enola Gay!
Olha aí:

(Andie, sua trouxa)

E esse foi o post que saiu da Primeira Guerra Mundial e chegou em um vestido customizado incrível usado pela tonta da Andie que ficou com o boy errado.
Para quem quiser ouvir a canção If You Leave do OMD sem o áudio do filme, ei-la:

E um extra para quem gosta: Jon Cryer refazendo a cena de Try a little tenderness com James Corden. Aviso logo: não faz juz à original.