Wakabara

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Às vezes você precisa ver com seus próprios olhos: Cats

É uma bomba e já está claro. Existem notícias que garantem que Cats vai perder pelo menos US$ 71 milhões entre o que foi gasto (quase US$ 4 bilhões) e o que vai arrecadar nas bilheterias. Um elenco de estrelas que inclui Taylor Swift (num papel que parece mais um clipe inserido no filme; ela surge toda estrela, canta, dança e… some, desenvolvimento de personagem nota zero), Idris Elba (tadinho), Judi Dench (tadinha), Ian McKellen (tadinho mas nem tanto, achei que ele até está bem perto de todo o resto, mantendo um tanto da dignidade), James Corden (um pouco forçado), Rebel Wilson (uma das coisas mais divertidas do filme inteiro), Jason Derulo (canta bem, é bonito, tudo e tal… mas não entrega) e Jennifer Hudson (que obviamente canta bem a música mais conhecida do musical e que vai se redimir em breve quando a cinebiografia de Aretha Franklin estrear).

Ah, e tem a personagem principal, Francesca Haywarth, que tem formação como bailarina do Royal Ballet (não só bailarina, mas primeira bailarina). Ela visivelmente sabe o que está fazendo… quando dança. Putz. Desculpa, mas eu sou do tipo de pessoa que não acha a Taylor Swift um poço de carisma, porém perto de Haywarth a cantora fica extremamente simpática. A personagem de mocinha ingênua é mesmo cruel, poucas dão certo, e mesmo quando dão a gente costuma nem ligar para elas - afinal, a identificação é difícil uma vez que não somos ingênuos e nem mocinhos…
Mas Francesca fica fazendo uma cara de "vou espirrar” que, olha, não dá. Sem gravitas algum.

Mas por que fui para o cinema ver Cats se eu não gosto de musical?
Porque eu tinha esperanças que o lado camp de Cats me conquistasse.
Só que, segundo Susan Sontag em seu Notes on Camp:

Parece-me que Cats não quer, no fundo, se levar a sério. Ou quer? Ele não é exatamente infantil, apesar de children friendly até aos olhares mais conservadores; ele não é uma comédia rasgada apesar das tentativas com Jennyanydots (Wilson) e Bustopher Jones (James Corden); ele não é um drama apesar da ranhenta Grizabella (Hudson) em sua Memories. Ele é um… musical. Com efeitos especiais entre o esquisito e o risível (tipo chroma key mal feito, mas o efeito não é engraçado). A música é bem cantada, bem ensaiada, bem dançada. Mas partindo-se do pressuposto de um universo com gatos cantantes e toda uma mitologia sobre uma gata anciã que decide qual gato dessa espécie de tribo vai ter a chance de, sei lá, ressuscitar de outro jeito… ou se escolhe o completamente ridículo, ou não se escolhe coisa alguma. O diretor Tom Hooper, por trás de coisas como Les Misérables (2012), A Garota Dinamarquesa (2015) e O Discurso do Rei (2010), dramas densos, se esforçou para trazer um musical clássico para o cinema mas ele... ele não é o Baz Luhrmann. Para mim falta mais personalidade - até no cenário, que é ou chroma key, ou aquele chiaroscuro de propaganda de perfume de grife no qual você espera que Keira Knightley apareça de vestido vermelho a qualquer momento e faça um beicinho antes de montar numa moto e sair à toda em direção do Big Ben.

Você gosta de todas as músicas de Cats? Fala a verdade. Você GOSTA? Tipo, ouviria de noite, no trânsito, depois de um dia estressante no trabalho? Pode ser que você GOSTE de TODAS as músicas de Cats, mas convenhamos que esse grupo do Facebook não conta com tantas pessoas assim para dar um número expressivo digno de blockbuster. Acho que foi um cálculo um tanto quanto exagerado do estúdio, ou do diretor, pensar que ele poderia alcançar um estrondoso sucesso baseado no musical e no elenco.

Se você GOSTA de TODAS as músicas de Cats, parabéns, agora possui mais uma mídia para se divertir. Por favor, não me chame.

Não é que o filme Cats é ruim. Ele é na verdade bizarro. Ele é incompreensível na sua tentativa de blockbuster, de obra. O que pretendiam, afinal? Qual era o plano? Cats é um mistério, para alguns uma tortura, para outros que talvez tenham um lado obscuro e masoquista como eu é um desafio, daquelas narrativas que você está constantemente pensando: onde mais vão chegar? É quase insuportável, mas não a ponto de eu poder deixar de lado, levantar da poltrona, sair da sala porque quero saber, PRECISO saber até onde isso vai, qual vai ser o próximo caminho extremamente entediante que isso vai tomar!!!

Tenho uma memória que é tão distante que pode até ser inventada de ler sobre artistas que se inspiraram no movimento de gatos para fazer algum personagem e que isso foi incrível-recompensador, de resultado maravilhoso. É clichê falar sobre e principalmente fazer esse processo, e me pergunto - será que a primeira vez que li algo do tipo, isso se relacionava à Cats em si, à peça?
Outra memória que tenho é das minhas irmãs espumando de raiva porque elas foram ver Cats na Broadway e acharam tudo um grande cocô.

Mas a mesma Sontag, sempre ela, também diz em Notes on Camp:

Quem sabe daqui um tempo Cats vai ser a coisa mais cult que tem?
Preparado para mudar de ideia? kkkkkk