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Ratched é boba – então, se você gosta de coisas bobas, OK

Ryan Murphy é um criador de séries bem inconstante. Ele pode fazer coisas incríveis, como é o caso, na minha opinião, de Hollywood. Algumas de suas obras conseguem fazer mais que simplesmente contar uma história: elas nos fazem refletir, e quando elas fazem isso é incrível. Também existe outra crítica válida a respeito dele: suas séries costumam perder o ritmo no meio. Ficam fracas, frouxas. Às vezes o fim é bem chinfrim, também.

E Murphy também tem outras fortalezas. O senso estético, por exemplo: suas séries são plasticamente instigantes, envolventes, estimulantes. E tem a representatividade: mulheres trans em Pose, principalmente, mas também gays e mulheres mais velhas – que não costumam ser bem-tratadas pela indústria do entretenimento depois que envelhecem. Muitas já encontraram ótimos espaços com Murphy, de Jessica Lange a Frances Conroy, passando por Kathy Bates, Patti LuPone, Bette Midler.
Na manga, ele tem um trunfo: Sarah Paulson, a sua atriz-fetiche mais longeva, que conseguiu manter esse posto mesmo competindo com Lange por muito tempo.

Ratched, a última série de Murphy para a Netflix, tem tudo isso: mulheres mais velhas (Judy Davis incrível, Sharon Stone suprema, Amanda Plummer deliciosamente excêntrica e até uma ponta da maravilhosa e injustiçada por Harvey Weinstein: Rosanna Arquette). Conta com a atriz-fetiche como protagonista. A estética é inspirada em noir mas com um colorido surpreendente. Mas então qual é o problema?

Bom, se você gosta de uma novelinha macabra (no sentido pejorativo do diminutivo), tá tudo bem.

A primeira coisa que não saquei foi a inspiração. Se você quer pegar uma personagem clássica do cinema e fazer uma prequel, então, bem, espera-se que você remeta ao filme em si, certo? Ou ao livro, que seja.
Ratched não tem nada de Um Estranho no Ninho (1975), onde Mildred Ratched apareceu pela primeira vez de maneira dramática (o livro é de 1962, e a peça da Broadway que veio antes é de 1963). Estética? Não. Ritmo? Não. Temática? Quase: sim, ela é uma enfermeira. Ela trabalha num hospital psiquiátrico.
Mas se alguém me disser que acha que a personagem Ratched de Louise Fletcher do filme (atuação pela qual ela ganhou um Oscar) e a Ratched de Sarah Paulson na série são a mesma coisa… Ah, me desculpe. No longa, parte da sinistrice dela era o sadismo inexplicável. Ratched era assustadora pelo simples fato de personificar a sede do ser humano pelo pequeno poder, a maldade que existe em todos nós pronta para ser liberada quando nos sentimos superiores em um grupo. A trama da série Ratched a humaniza e portanto a estraga, a justifica. Como se todo sadismo tivesse um trauma por trás. E a responsabilidade nem é de Paulson, que faz bem o que lhe cabe.

E existe o lado do terror visual, que é bem diferente do que a gente vê em Um Estranho no Ninho e por isso mesmo estabelece uma distância ainda maior dele.

Annie Starke em cena como Lily Cartwright, uma mulher lésbica submetida a tratamentos

Se a ideia era fazer uma história de terror envolvendo uma personagem traumatizada… Por que raios Ryan Murphy não fez simplesmente mais uma temporada de American Horror Story com essa história e deixou Um Estranho no Ninho em paz?
É uma história americana. É uma história de horror. Não vejo diferença. E acharia a série muito melhor se ela fosse uma AHS. Poderia haver o receio de se repetir em relação à segunda temporada, a Asylum, mas não: é bem diferente! Mesmo!
E é até legalzinha – apesar do final, pra variar, chinfrim.

É isso, pela atenção obrigado.


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