Rick Astley: muito mais que um meme

Ah, você já viu os memes.

(Sim, ele mesmo tuitou isso)

Mas a verdade é que Rick Astley é muito mais do que o seu hit blockbuster Never Gonna Give You Up.

A dança, os looks (parece J.W. Anderson para Uniqlo, não parece???), o topete (que continua o mesmo, para quem não sabe), os óculos (acho que é um Ray-Ban Wayfarer, confirma, produção?), o microfone (chiquérrimo, vai), os coadjuvantes (todos maravilhosos).

Rick Astley é inglês e mais ou menos fez parte da segunda invasão britânica das paradas norte-americanas. Never Gonna Give You Up ganhou o Brit Award de 1988 de Melhor Single Britânico (yes, that's apparently a thing). Whenever You Need Somebody, outro hitzão, veio na sequência, mas a surpresa que ninguém reparava direito com as músicas dançantes pintou com a versão de Astley para When I Fall in Love, do repertório de ninguém menos que o fodão Nat King Cole em dezembro de 1987, a tempo das compras de Natal.

Astley sabia cantar. Ele era da escola de crooners, com um vozeirão imenso.

Em 1988, outro hit do mesmo álbum: Together Forever, que eu adoro, e que só não alcançou o topo das paradas inglesas porque existiu uma Kylie Minogue no meio do caminho com I Should Be So Lucky.

Astley seria o astro de um disco só? 1989 chegou provando que não com a maravilhosa, intensa, deliciosa Hold Me In Your Arms.
Existia um certo preconceito contra Astley, chamando-o de produto da indústria, pois ele começou com os produtores Mike Stock, Matt Aitken e Pete Waterman - lembra que eu falei do SAW no post da Donna Summer? Bom, Hold Me In Your Arms é uma balada de autoria do próprio Astley. Então não é bem assim, né? E 1991 provaria ainda mais isso: Astley parou de trabalhar com o SAW, abandonou os anos de dance hits e lançou seu álbum Free (hum, pegou essa?) com a música que eu mais amo dele: Cry For Help.

Ao lançar o álbum seguinte, Body and Soul (1993), Astley decidiu se desvencilhar da indústria musical. Simples assim. Entre 1994 e 2000, resolveu se dedicar à família - a filha Emilia nasceu em 1992.

O comeback com a música Sleeping, em 2001, é uma surpresa. Porque é… dance! E fez um sucessinho por causa do remix de Todd Terry, quem diria!

E claro que sua voz continuava mara.

Rolou um Greatest Hits, e depois um álbum chamado Portrait em 2005 no qual ele canta standarts e mostra que sim, é da escola de crooners mesmo. Tem Cry Me A River, Close To You, Somewhere e até Nature Boy, tá, meu bem? Renato Russo amaria (será?).

Aí, entre 2007 e 2008, aconteceu a memetização (como eu falo isso?!) de Never Gonna Give You Up. Nessa esteira, ganhou o EMA (da MTV europeia) de Best Act Ever em 2008. Uau!

Desde então, ele continuou lançando músicas. Sabia? Pois. Tem um álbum de 2016 que, na linha Adele, se chama 50.

E por que estou falando tudo isso agora? Bem, Rick Astley acaba de lançar o álbum The Best of Me nessa semana que passou, e ele conta com, óbvio, as suas melhores músicas. Mas não é apenas uma compilação: no fim, tem algumas regravações de seus sucessos em pegadas diferentes. Gostei porque é bom relembrar que Astley é uma das vozes mais incríveis em atividade hoje, à parte da irresistível Never Gonna Give You Up. Aliás, a versão em piano dela para The Best of Me é bem bonita.
Ouça!

<3

<3

A Donna da pista

É muito esquisito como a gente idolatra certos artistas e quase esquece de outros. Um exemplo é Donna Summer, uma das melhores vozes da geração dela. Ela era intimamente ligada à disco music, e talvez por causa do ainda persistente preconceito com o estilo, tenham diminuído toda sua história.

Porém, se você ouve o começo de Last Dance hoje, você identifica muito bem um enorme talento.

LaDonna Adrien Gaines nasceu no último dia de 1948 - isso mesmo, 31/12. Mas seu nome não é exatamente artístico: ela participou da seleção do musical Hair em NY e acabou convidada para assumir o papel da personagem Sheila em Munique, Alemanha. Ficou fluente em alemão, participou de outros musicais. Mudou para Viena depois de 3 anos e casou em 1973 com o ator austríaco Helmuth Sommer.
Eles ficaram casados entre 1973 e 1975. Nesse meio tempo, saiu o primeiro single em parceria de Donna com Giorgio Moroder e Pete Bellotte, Lady of the Night. Dizem que por causa de um erro de grafia na capa desse álbum ou porque deliberadamente eles quiseram anglicizar o sobrenome, saiu Summer. E pegou.

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Alguém sabe dizer se a Vera Verão se inspirou no Summer da Donna para a criação do seu nome?

Apesar de produzida por Moroder e da temática (sim, é sobre uma prostituta), Lady of the Night não é tão disco quanto as músicas dos álbuns seguintes de Donna. Mas é boa, meio ABBA, vocais precisos, castanholas dramáticas, climões:

Não estourou. Mas calma, 1975 chegaria como um tufão. Dizem que Moroder comentou com Summer que a supersexy Je T’Aime (Moi Non Plus) de Serge Gainsbourg e Jane Birkin, lançada em 1969, estava vendendo bem de novo na Inglaterra.

(Ai, como é tudo <3)

Summer comentou, brincando, que eles deviam fazer uma “música de amor” deles, a Love to Love You. Só que Moroder levou a sério: adaptou o refrão que ela criou, cortou a faixa e, depois de sessões de gravação de voz difíceis (a ideia era que a cantora realmente incorporasse um momento sexy, um orgasmo ao microfone)… Pronto, lá estava o primeiro grande sucesso disco de Donna Summer, que a marcaria para sempre, que seria sua moeda da sorte e sua sina, com créditos de composição para Summer, Moroder e Bellotte. Lançada pela mítica Casablanca Records, com uma versão especial de 17 minutos para tocar nos clubes, ela traz gemidos hipnóticos que, segundo Summer, foram inspirados no seu então namorado Peter.

Esse do pincel é Peter Mühldorfer, o cara que fez Donna Summer gemer em Love to Love You, que virou Love to Love You Baby

Esse do pincel é Peter Mühldorfer, o cara que fez Donna Summer gemer em Love to Love You, que virou Love to Love You Baby

Bom… vamos a ela? Coloca o fone e sobe o som que a coisa é quente:

I didn’t want to hear it. I heard a couple of oohs and aahs once and I – black people don’t get red – I was blue! I love the music, I just wished that I hadn’t sung it. But it doesn’t bother me anymore.
— Donna Summer em entrevista para a Rolling Stone

Donna lançaria outras ótimas músicas entre 1976 e 1977. A Love Trilogy, de 1976, refere-se ao lado A do álbum, uma música só chamada Try Me, I Know We Can Make It. Na verdade são 3 músicas unidas (por isso a trilogia do amor): Try Me, I Know e We Can Make It. Juntas, elas dão em quase 18 minutos! A faixa é assinada mais uma vez pelo trio Sommer, Moroder e Bellotte.

E aí, olha que maravilhoso… chegou I Remember Yesterday, um clássico a ser redescoberto.

A ideia simpática era fazer uma sequência de músicas que relembrasse décadas anteriores. A faixa título I Remember Yesterday se refere aos anos 1940, Love's Unkind aos anos 1950 roqueiros, Back in Love Again representa os anos 1960 da Motown, Black Lady seria o som funky à trilha sonora de blaxploitation dos anos 1970 (vigentes, porque o álbum saiu em 1977). E a última faixa representaria o futuro. Sim, ela mesma, I Feel Love, cheia de sintetizador, inspirada segundo o próprio Moroder em Vangelis e Kraftwerk (!!!). E aí muita gente diz que, sem o uso inovador de sintetizador pela música inteira, o electro dos anos 1980 não seria a mesma coisa. I Feel Love era do futuro mesmo. Abaixo, vídeo produzido por um fã:

E com a palavra… Nada menos que David Bowie comentando sobre o que ouviu na época da sua lendária trilogia de Berlim:

One day in Berlin, Eno came running in and said, ‘I have heard the sound of the future.’ He puts on ‘I Feel Love’, by Donna Summer. He said: ‘This is it, look no further. This single is going to change the sound of club music for the next fifteen years.’ Which was more or less right.
— David Bowie

Em 1979, a disco music já dava sinais de cansaço. A Disco Demolition Night, evento-chave do hater Steve Dahl que destruiu um monte de vinil em um parque em Illinois, aconteceu em julho de 1979 - muita gente afirma que o movimento antidisco tinha um tom homofóbico e racista, e eu também afirmo, oras! Donna lançou o maravilhoso álbum duplo Bad Girls um pouco antes, em abril, e ele já flertava com outros estilos. Hot Stuff, para mim, é o maior rockão, cê não acha? I need hot stuff!

Bad Girls é disco clássica com o "tu-tu, hey, bip-bip” maravilhoso. O apitinho (no ano seguinte Rita Lee incluiria um apito malandro em Lança Perfume), a provocação atrevida e empoderada. Dizem que Neil Bogart, o fundador da Casablanca (reparou? Bogart, Casablanca…), queria que Summer desse a música para Cher. Summer não deu e a gravou, lindamente:

Mas existe outra grande faixa que quase ninguém de lembra nesse álbum. Summer compôs Dim All the Lights sozinha e pensou em dá-la para Rod Stewart, depois quis gravá-la ela mesma. Era para o single ter crescido nas paradas, mas Bogart não cumpriu com o que prometeu para a artista e lançou um dueto dela com Barbra Streisand um mês antes, não dando tempo para Dim All the Lights virar o hit que merecia ter virado.

E o dueto com Barbra? É a belíssima No More Tears (Enough is Enough). Páreo duro!

Em algum momento de 1979, Donna sofreu um colapso mental. Ela não se reconhecia (na verdade nunca se reconheceu) naquela imagem supersexy forjada desde Love to Love You Baby - confira nesse artigo da Vice. Nesse momento ela voltou para igreja e, enfim, encontrou Jesus? Esse foi um ponto de virada dela, que também estava chateada por causa do flop de Dim All the Lights e mudou de gravadora, da Casablanca para a Geffen Records. O primeiro álbum lançado por lá, The Wanderer, contava com o gospel I Believe in Jesus.

Aí teve um álbum duplo "perdido” do qual David Geffen não gostou, o I'm a Rainbow, que acabou vendo a luz do dia (ou da noite?) só em 1996. Antes disso, algumas das músicas dele acabaram aparecendo antes, como o delicioso electropop Romeo que apareceu na trilha de Flashdance, um dos meus filmes da vidaaa.

Aí Geffen decidiu chamar o gênio Quincy Jones para produzir o próximo disco de Summer, marcando o fim da era Moroder-Bellotte-Summer. O homônimo Donna Summer de 1982 não chegou a fazer tanto sucesso quanto Thriller de Michael Jackson, lançado no mesmo ano, mas olha… é bom, viu? Além de Love is in Control (Finger on the Trigger), tem Protection, composta para ela por Bruce Springsteen!

Sobre esse álbum, Summer falou para o Los Angeles Times: "Sometimes I feel it's a Quincy Jones album that I sang on.” Eeeeeeitaaaa, olha a tretaaaaa!!!
E olha mais essa treta: nessas alturas a artista foi avisada (ou melhor, notificada) que deveria entregar mais um álbum para a Casablanca por contrato. Vixe! Dessa história saiu essa música babadeira aqui, um hino pop:

Houve uma controvérsia nessa época envolvendo a cantora: boatos dizem que ela fez comentários homofóbicos relacionados a Aids e ao HIV no meio dos anos 1980. Ela sempre negou. Fato é que suas vendas não foram as mesmas na época; e fato é que grande parte do seu público era homossexual.

Vai chegando o fim da década e Geffen chama o time SAW (Stock Aitken Waterman), responsável por hits tipo I Heard a Rumor do Bananarama, Never Gonna Give You Up do Rick Astley e I Should Be So Lucky da Kylie Minogue para gravar o álbum de 1988 de Summer. Pop na veia, amore. Another Place and Time é uma riqueza maravilhosa, mas adivinha… David Geffen não gostou. Rolou uma separação de artista e gravadora e Another Place and Time saiu pela Warner na Europa em 1989. Virou o quê? Sucesso. This Time I Know Is For Real é inegavelmente irresistível:

OLHA
ESSA
CAPA.

Bom, o disco ficou mara e ficou combinado que SAW e Summer iam fazer uma nova dobradinha. Só que Summer não encontrava mais tempo para voltar para Inglaterra e gravar com eles. Então quem ficou com a música que era para ser dela foi a cantora Lonnie Gordon, e o hit saiu em 1991:

Seria um hit maior e melhor com Summer? Nunca saberemos.

Summer morreu de câncer no pulmão em 2012. Ela alegava que, como era não-fumante, provavelmente teria sido intoxicada com a fumaça do 11/09 de NY.

Caso houvesse sobrevivido, Donna Summer teria 70 anos hoje. Ouça mais de Summer, homenageie mais Summer, ela era uma grande cantora, tão influente quanto Madonna, Cher e Tina Turner.