Eu não gostei do clipe da Beyoncé and I care

Não, não sou um hater - acho que não sou. Já fui em 3 shows da Beyoncé Knowles; vibrei com Homecoming mesmo sabendo que a maior parte já tinha passado no YouTube ao vivo quando o Beychella aconteceu; até tentei ouvir Everything is Love mais do que gostaria para bombar o número de streamings; desejei (mas não comprei) Ivy Park; fingi demência e ignorei quando ela deitou no lugar errado no Super Bowl de 2013.

"Foi de propósito, do que você está falando?!”

"Foi de propósito, do que você está falando?!”

Mas, gente, não deu. Não rolou. Spirit de Beyoncé é muito ruim e vocês sabem disso. Ou existe algo chamado surdez seletiva e eu não me dei conta.

Vou tentar enumerar as minhas questões a respeito aqui e os beyfãs que não queiram me matar, por favor.

#1: a música em si

Essa coisa pasteurizada da Disney não me desce, especialmente porque sei que a Beyoncé é mais que isso. É uma música genérica, parece uma música de Copa do Mundo - sendo que a música de Copa do Mundo da África do Sul era muito mais legal. É tipo uma prima de Reach da Gloria Estefan - sendo que gosto mais de Reach da Gloria Estefan. O começo cantado em suaíle até promete entregar algo, mas depois o coro no refrão vira aquele coro genericão de estúdio, a percussão não vem, a letra é boba, a melodia é boba. Música esquecível total - Beyoncé já fez baladas muito melhores, tipo I Care, Halo, Pretty Hurts, Freedom (que eu nem considero balada mas tem esse tom épico e é de fato poderosa).
E quando chega no agudo? É um agudo tonto, sem clímax, pedido no meio de uma ponte.

#2: a pretensão

Aí o clipe tem Blue Ivy, tem figurino babadeiro; tem fumaça; tem take HD com roupas de franjas (de Hyun Mi Nielsen) e você já imagina alguém dizendo “vai, agora mais movimento, eu quero movimento e dramaaa”; tem citação a Oxum (inclusive com figurino brasileiro, da Maison Alexandrine, show); tem balé contemporâneo. O que parece: ela já fez tudo isso antes e quer igualar esse single de O Rei Leão com as coisas que fez antes. Não dá - o conceito aqui, nessa música bobinha genérica, fica parecendo um terno 5 números maior, um embrulho muito vistoso para um presentinho mequetrefe.

#3: um figurino muito reconhecível…

Não entendi a homenagem à nova versão do longa Suspiria

A marca que criou esses looks vermelhos é a Déviant La Vie - ela fica em Los Angeles e curte essas amarrações à shibari (técnica de amarração japonesa sadomasoquista).

Bom, é isso, estou esperando mais de The Gift - o álbum que Beyoncé deve lançar amanhã. Segue a lista de músicas e participações: sim, a gente quer afrobeat, a gente quer babadeirismos, a gente quer groundbreakinnnnng.

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E para o beyfã que está com raiva: não fique. Ela já tem 10 milhões e meio de views desse clipe chato no YouTube - and counting. Beyoncé não está nem um pouco preocupada com a minha opinião.

Mas que terror: a moda ainda não alcançou o cinema

A última coleção da Moschino, de resort 2020, foi desfilada em Hollywood e apostou no terror como inspiração.

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Oh, dear

Is my make-up that bad?

É uma coisa bem caricata, bem engraçada, com momentos, adivinha… guro kawaii (saiba o que falei sobre o guro kawaii nesse link). Tem mais fotos aqui nesse link do Fashionista e também divido com vocês o vídeo abaixo.

Olha a drag Violet Chachki dando um susto na Aquaria e na Pabllo Vittar! Risos!

Mas tanto a Moschino quanto outras marcas, tipo a Prada, estão apostando no terror antigo, o vintage, o do que os críticos especializados chamam de jump scare.

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Prada fall 2019

Com toque de noiva de Frankenstein

Aproveite para ver mais dessa coleção da Prada com texto da super Suzy Menkes aqui. Aproveito para deixar uma citação da própria Miuccia Prada tirada desse texto:

I would say that it reflects the current world, where there is a lot of danger, a lot of fear, a lot of war around us. Romance is an idea of opportunism, of good will, and of good sentiment – the opposite of fear. This is about love stories and introducing something positive. Romance means ideas.
— Miuccia Prada para Suzy Menkes

Medo. Pulo de susto. Já temos tudo isso na vida real atual. Mas poucos desfiles dessa onda fashion de terror acompanharam o chamado pós-terror, tendência atual dos cinemas. Escrevi sobre o terror da moda no site da Lilian Pacce em abril, mas antes de ter feito essa reflexão. Agora, penso que quatro dos poucos que já deram esse clima pós-terror, mais para o arrepio surreal do que para o grito primal, são…

Marc Jacobs spring 2014, precursor total. Uma trilha densa e uma sensação de que algo está para acontecer - mas não acontece!

A Calvin Klein de Raf Simons e seu “estado de emergência” com roupas para o apocalipse (faixa refletiva, balaclava, remendos) do fall 2018 (veja aqui), culminando na coleção de spring 2019 que homenageava um clássico do cinema, Tubarão, mas o juntava com outras coisas, como A Primeira Noite de um Homem, e suspendia o susto, transformando o clima de terror no desfile em algo mais psicológico, uma permanente sensação da eminência da tragédia, as águas da parede à espreita.
E no fim deu-se a tragédia fashion: essa foi a última coleção de Simons para a CK, e a marca anunciou que não vai mais fazer desfile.

Rick Owens fall 2019: o bizarro sempre esteve no terreno de Owens, circundando seu universo criativo. Pós-terror na veia.

Gucci fall 2018, que ficou famoso por causa da cabeça-acessório - risos risos risos. O estilista Alessandro Michele, que me parece um freak nerd que adora ficção-científica e filme B, depois também fez um desfile em Arles de cruise 2019 num cemitério, que também tem a ver com esse clima mas puxa mais para o assustador-padrão. Vale a menção de qualquer forma e o desfile é bem bom - assista no link.

Bom, você está viajando nesse papo de pós-terror? Eu também estava, e aí ouvi esse podcast:

Agora chegamos na pergunta de ouro: por que a moda ainda não engatou nesse pós-terror? As possibilidades são várias, mas eu tendo a ficar em duas:
. A moda de luxo, essa que vai para a passarela, ainda não conseguiu no geral processar essa ideia do pós-terror que está intimamente atrelada a soluções inventivas de trama e efeitos especiais em baixo orçamento. Eles não trabalham com baixo orçamento, e nem precisam. Um pode (e talvez deva) apresentar opulência. Outro tem que quebrar a cabeça para fazer um roteiro ótimo que caiba numa quantidade de dinheiro diminuta. Universos bem díspares.
. O pós-terror discute questões da sociedade que a moda no geral não quer discutir ou, quando discute, prefere usar de outros tipos de metáforas; acha que não precisa recorrer às ferramentas do terror para falar dessas questões.

Pensando bem a moda e o terror são vistos de maneira muito parecida. Ambos são considerados escapistas. Ambos são, no fundo, retratos da realidade e usam artifícios para representá-la de maneira mais criativa.

Minha lista pessoal para você que quer saber mais do pós-terror do que do terror fashion…

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Suspiria

A nova versão é tão fashion (de um jeito diferente) quanto a primeira

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Nós

Ao lado de Wild Wild Country, esse longa nos diz que usar vermelho é bizarro - e a gente quer usar mais ainda!

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Hereditário

Toni Colette: melhor que Olivia Colman, que Glenn Close e todo o mais. Se liga, Academia!

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Boa noite, mamãe

O futuro está nas mãos da nova geração…

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Corrente do Mal

Um nome horroroso para um filme incrível: uma atualização dos filmes adolescentes de terror dos anos 1980

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The Babadook

Não faça como eu, não demore tanto tempo para assistir Babadook caso ainda não tenha assistido. Não é o que você está pensando, garanto!

3 textos que fiz recentemente para o site da Lilian Pacce e que gosto muito

Sobre a tendência do terror:
Só que faltava, nesses prenúncios, algo que chega agora via “Nós” (do mesmo diretor de “Corra!” Jordan Peele) e “Suspiria” (remake do original de Dario Argento que toma várias liberdades, do cineasta Luca Guadagnino). Também conversa com essa nova fase a série “Stranger Things” e “It – A Coisa” (2017). São tramas que trabalham com metáforas mas que conquistam também os fashionistas porque capricham no seu visual, construindo um universo criativo próprio reconhecível – coisa que as marcas mais querem quando fazem seus desfiles. Alguns dos longas mais citados como inspiração pelos estilistas são de terror com superestética: “Fome de Viver” (1983) e “Os Olhos de Laura Mars” (1978) são dois exemplos.
Vem ver mais aqui.

O figurino de Volk, o espetáculo fictício de dança de Suspiria

O figurino de Volk, o espetáculo fictício de dança de Suspiria

Sobre a moda dos podcasts:
Quando a gente fala de podcast hoje em dia, já vem na cabeça o Spotify, né? No começo de fevereiro a plataforma anunciou a compra da Gimlet Media, empresa que produz podcasts de sucesso, e a Anchor, que te ajuda a criar e publicar podcasts – tudo isso de uma vez. Não foram anunciados valores, mas o mesmo Spotify já tinha prometido que investiria US$ 500 milhões só no ano de 2019 pra desenvolver o mercado de podcasts – que tal? Entre os estudos de tendência de consumo de conteúdo, já faz um tempo que se fala não de diminuição, como se acreditava, mas de variedade: as pessoas estão procurando informação e entretenimento em plataformas variadas, quebrando a hegemonia do texto escrito, da TV aberta… E sim, o áudio é uma tendência – o mercado de audiobook, por exemplo, está quentíssimo!
Leia o resto aqui!

Tem uma lista de podcasts bem legal no link, viu?

Tem uma lista de podcasts bem legal no link, viu?

Sobre o camp, tema do baile do Met (e da exposição também)!
Existe até uma bibliografia básica – tá, meu bem? Que tal um baile com bibliografia? – com um e apenas um livro, praticamente um texto, relativamente curto e escrito em tópicos tal qual um post do Buzzfeed mas nem por isso simples e fácil de entender. “Notes on Camp” de Susan Sontag foi escrito em 1964 e tenta explicar o camp, mas a verdade é que o conceito está no campo da subjetividade assim como o belo: discute-se, mas é possível que cada um tenha o seu.
Leia mais aqui!

Camp for kids: “Abracadabra”, filme de 1993 com Kathy Najimy, Bette Midler e Sarah Jessica Parker

Camp for kids: “Abracadabra”, filme de 1993 com Kathy Najimy, Bette Midler e Sarah Jessica Parker