A freira que cantava - e que vendeu pencas, e que morreu infeliz

Você deve saber. Você já ouviu. Não tem como: é um dos maiores hits da década de 1960 e chegou ao topo da parada da Billboard.

A Soeur Sourire (algo como Irmã Sorriso), também conhecida como Jeannine Deckers e como The Singing Nun (a freira cantora), era belga e era freira mesmo, da Ordem Dominicana. Quando entrou no convento, ela cantava para as colegas e para visitantes, de maneira casual - e foi encorajada a gravar um disco que seria vendido no próprio convento. Acontece que o álbum foi gravado e lançado pela Philips da Bélgica e, surpresa, se transformou na primeira e até agora única canção belga a alcançar o topo da parada americana.
Mas Jeannine era antes de mais nada freira. E virou one hit wonder: seu segundo álbum não vendeu quase nada, a maior parte do dinheiro ficou com a Philips e sua congregação. Não se sabe exatamente quais foram os termos do desentendimento, mas em 1966 Jeannine saiu do convento. E aí a coisa começou a descambar, com a agora ex-freira (mas ainda católica, apesar de suas críticas à igreja) proibida de usar o nome Soeur Sourire. Sob o novo apelido Luc Dominique, ela gravou uma música em 1967 defendendo… o uso da pílula anticoncepcional. Avançada, não? Abaixo, a versão em francês:

Antes disso, Jeannine viu a sua vida romantizada em um filme em 1966 com Debbie Reynolds. Ela o rejeitou.

Aí teve mais umas tentativas de repetir o sucesso de Dominique, todas falhas. Inclusive uma que infelizmente não achei registro, a música Sister Smile is Dead. É, Jeannine Deckers no fundo era bem rock 'n’ roll.
Um colapso nervoso e dois anos de terapia se seguiram. Em 1973, envolvida com o movimento da Renovação Carismática (que é o mesmo movimento que, por exemplo, adora o Padre Marcelo Rossi), ela própria se viu renovada. Mas o pequeno sucesso foi momentâneo: o governo cobrou impostos atrasados, Jeannine se viu em sérias dificuldades financeiras. Em 1985, ela e sua companheira da vida inteira Annie Pécher tomaram uma overdose de barbitúricos e álcool e morreram.

Sobre Annie, aliás, existem duas versões. A da própria Jeannine era essa:

People at my record company think that two women who live together must be lesbians. They assert even that nuns in convents are in love. I deny these rumors as I testify against every creepy spirit. The answer is still obvious that I am not homosexual. I am loyal and faithful to Annie, but that is a whole other love in the Lord. Anyone who cannot understand this can go to the devil!
— Jeannine Deckers sobre Annie Pécher e os boatos de uma relação homossexual

Creepy shit, irmã?!

Catherine Sauvat
, que é uma das biógrafas de Jeannine, diz que na verdade, após anos vivendo juntas, as amigas viveram um relacionamento sexual sim.
Teve uma outra cinebiografia em 2009:

E me lembro vagamente de ter assistido um filme muito doido em uma Mostra Internacional de Cinema de SP que era a história de uma freira que cantava essa música, mas que não me parece ser esse do trailer. Será que é? Tentei achar outro sem sucesso. Se alguém souber me dá um toque.

No Brasil, a cantora Giane alcançou certo sucesso com a versão em português de Dominique em 1964. Foi uma das primeiras cantoras do Brasil, ao que consta, a fazer overdub - uma segunda voz para si mesma em uma canção.

Os novinhos conhecem a música principalmente por causa de American Horror Story: Asylum. Lembra? Meda!

Dizem que Jeannine Deckers inspirou jovens a seguir uma vida religiosa no convento, sendo que ela mesma acabou saindo (mas deixou uma carta dizendo que seguia católica e foi enterrada segundo os ritos da religião). O mito da freira cantora com violão prosseguiu desde então, com referências como… essa aqui:

E essa, que vem de um dos únicos títulos de filme mais felizes no Brasil que no original: