Não, eu não preciso saber o que a letra da música diz para gostar dela

Foi libertador.
Se você segue ouvindo música só em inglês, português e talvez um pouco de espanhol, me dê a mão que vou te levar para um novo mundo, onde existem muito mais músicas do que as que você já escuta.

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Foi em algum momento, entre descobrir Pizzicato Five e Laura Pausini, que entendi que as barreiras da língua não precisariam existir se houvesse melodia. Claro que o italiano, por exemplo, é mais próximo do português e a gente acaba pescando umas coisas. E também é claro que se eu gosto muito de uma música com uma letra em língua desconhecida, vou correr atrás de uma tradução. Mas é isso: canto junto, provavelmente num sotaque horroroso, e me divirto ao descobrir coisas novas.
As cerca de 9 pessoas que acompanham esse blog (kkkkk) já devem ter percebido que a língua não é uma barreira para mim ao curtir um som. Vou relembrar algumas que já trouxe aqui antes de sugerir mais algumas, pode ser? Então, segue a lista dos que não cantam em inglês ou português e foram citados por esse blog nesses meses de vidaaaah:

. Rosalía às vezes canta em catalão, mas a maioria das músicas é em espanhol
. O supracitado Pizzicato Five tem uma vocalista, Maki Nomiya, cantando em japonês
. Susana Estrada canta (e geme) em espanhol
. Meu Sangue Ferve por Você é uma versão de Mélancolie, música da francesa Sheila
. E Sandro de América, o cigano citado nesse mesmo post, canta em espanhol com sotaque argentino
. Veronica Maggio canta em sueco
. Raffaella Carrà canta em italiano e às vezes em espanhol
. Yehudit Ravitz canta em hebraico
. O Chai é formado por japonesas cantando em inglês - e japonesas cantando em inglês é quase outra língua
. Rupa canta em hindi (acho que é hindi, será que é um dialeto? não sei!)
. Holland canta em coreano como bom representante do k-pop (e partes do refrão são em inglês, como bom representante do k-pop)
. Kyaru Pamyu Pamyu canta em japonês
. Yumi Arai (e depois Yumi Matsutoya) canta em japonês|

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Yumi Arai

Você é um amor <3

Agora vamos para minhas outras sugestões…

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Ajda Pekkan

Você acha que a Madonna sofre preconceito no mundo pop por ser mais velha?
Fala isso para a Ajda Pekkan, que está com 73 anos e segue cantando… música pop.
É sério. Esse clipe abaixo é desse ano:

Ela não só canta mas sensualiza ao som das batidas de um eurodance safado.
Não é exatamente a minha música preferida dela - essas eletrônicas de Pekkan não são minha área. Prefiro as mais antigas, mas acho admirável ela seguir assim, belíssima.
Ajda (se pronuncia Aida) nasceu em Istambul e foi a estrelinha famosa de filmes turcos da década de 1960. Seus álbuns de 1968 a 1987 se baseavam em versões turcas de sucessos ocidentais, e seu apelido na mídia virou… Superstar! Particularmente acho chiquérrimo ser chamada de Superstar e as pessoas saberem de quem estão falando!!! Tanto que vários dos seus álbuns levam esse título, Superstar. Tem o Superstar 2, o Superstar 3

A música de Pekkan mais ouvida no Spotify é Bambaşka Biri , versão do clássico disco I Will Survive, e merece, é mais que um cover. Ouve aí:

Ouvindo a versão dela, a gente até pensa que a melodia de I Will Survive sempre foi meio turca mesmo!

Ajda Pekkan foi muito criticada pela imprensa da Turquia porque, claro, achavam-na muito "saidinha". Como todo bom ícone pop feminino, ela também é ícone gay, é bastante vocal pelos direitos das mulheres (contra a violência doméstica, especificamente), apoia os direitos dos animais e a causa humanitária no geral.
E como eu disse, gosto da Pekkan das antigas, mais turcona mesmo. Tipo isso:

Vozeirão chiquérrimo.

Nada

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Isso mesmo, o nome dela é Nada e quem já assistiu à série The Young Pope vai reconhecer:

Meio Marianne Faifthull italiana, Nada chama assim mesmo, não é um nome inventado. Ela nasceu em Livorno e estreou sua carreira no Festival de San Remo de 1969 com a música Ma Che Freddo Fa. Já dá para ver que ela sempre teve uma voz mais grossa e rouca:

A música Senza un Perché ficou famosa porque o álbum, Tutto L’Amore che mi Manca, foi produzido por ninguém menos que John Parish, que você conhece pelo trabalho com PJ Harvey. É de 2006, ouça, é muito bom:

Nada lançou mais um álbum nesse ano, È un momento difficile, tesoro. Ela tem uma veia roqueira que me atrai demais - aliás, essas cantoras meio roqueiras italianas, tipo Mia Martini e a irmã dela Loredana Bertè, são todas incríveis.

Happy End

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Já falei de Happy End muito por cima aqui, naquele post dos discos que marcaram minha vida e na thread sobre Yumi Arai.
Acho muito absurdo que as pessoas não conheçam e reverenciem Happy End porque para mim é da mesma qualidade e força artística de um Clube da Esquina. Só que… em japonês.
A banda existiu entre 1970 e 1973 apenas, com alguns revivals.

A história do Happy End é complexa porque é um grupo que se formou meio pelo caminho, para colaborar com o músico Nobuyasu Okabayashi, e acabaram "cometendo” 3 álbuns clássicos (mais um último ao vivo com músicas dos anteriores) antes de decidirem acabar em, de certa forma, um happy end. Continuaram amigos e ligados, e em suas carreiras posteriores seguiram se cruzando - não é uma coisa Mutantes de relação conturbada, sabe. Aí alguém que é considerado muito muito cool descobriu e incluiu uma música do Happy End em um filme muito muito cool também. Estou me referindo a Sofia Coppola e seu longa Encontros e Desencontros (2003), com a música Kaze wo Atsumete na trilha.

O integrante Eiichi Ohtaki infelizmente morreu em 2013. Os outros, Haruomi Hosono, Shigeru Suzuki e Takashi Matsumoto, seguem por aí fazendo música boa.
Happy End é uma das ausências mais inexplicáveis do Spotify.
Ouça o clássico Kazemachi Roman (1971), considerado o melhor álbum de rock japonês de todos os tempos pela Rolling Stone japonesa em 2007:

Le Système Crapoutchik

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É bem estranho como Le Système Crapoutchik quase repete o caso de Happy End, só que na França, com mais psicodelia e menos sucesso. A banda acompanhava Jacques Dutronc (sabe, o marido da Françoise Hardy?) e decidiu se chamar assim, diz a lenda, porque Dutronc não conseguia pronunciar o sobrenome do guitarrista Gerard Kawczynski e o chamava de Crapoutchik ou Crapou. Formada por Gerard mais o baixista Christian Padovan, o guitarrista Jean-Pierre Alarcen, o baterista Michel Pelay (depois substituído por André Sitbon), o tecladista Alain Legovic e o vocalista Claude Puterflam, durou mais ou menos entre 1968 e 1975. E tem no Spotify!

Esse álbum de onde sai Le Premier Amour é considerado um dos primeiros álbuns conceituais franceses. O segundo da banda, uma compilação de singles que eles tinham lançado e outras coisinhas, é duplo e tem o curioso nome de… Flop.

Ainda teve um terceiro, homônimo, em 1975. Gosto de músicas dos 3.

Essa banda, perdida no começo dos anos 1970, acabou meio apagadinha do mundo. Mas segue firme e forte nas minhas playlists.

Sarolta Zalatnay

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Por que raios sou tão fissurado em uma cantora húngara?
Bom, é por causa dessa música, com a qual me deparei em algum momento, sei lá porque:

É forte, é carismática, e eu não faço a mínima ideia do que ela está falando.

Depois, pesquisando, descobri que Sarolta, que fazia pop num país comunista, já era uma estrela adolescente quando encontrou Károly Frenreisz, integrante da Metro, a banda de apoio para seu álbum de estreia, … Ha Fiú Lehetnék (1970). Károly saiu da Metro e formou a Locomotiv GT, que é quem grava nesse álbum da música de cima, Álmodj Velem (1972), o terceiro e um dos mais cult da carreira dela, e no segundo, Zalatnay (1971).
Mas ainda teria o quarto, com uma nova banda de Károly pós-Locomotiv GT, a metaleira Skorpió. E dali vem a minha segunda música preferida da Sarolta:

Infelizmente o presente é bem maldoso com Sarolta. Ela virou uma artista tipo B, tipo frequentadora de reality show. Chegou a ir para a cadeia por sonegação de imposto. E essa sua era da década de 1970 fica meio perdida e até nublada pela sua imagem de hoje.

E você, curte dar uma variada na linguagem quando ouve música? É daqueles chatos que só ouve música em inglês? Me conta!