Se houvesse MTV Brasil nos anos 1970: Os Gadelha, sem dúvida

Existem duas famílias que fazem pororocas imbatíveis na MPB.

Uma delas, a mais óbvia, é a Buarque de Hollanda. Os filhos do historiador Sérgio Buarque de Hollanda fizeram história, a começar por Chico, claro, que casou com a atriz Marieta Severo e com ela teve três filhos: Sílvia Buarque, atriz, que tem como padrinho Vinícius de Moraes e como marido o ator Chico Díaz; Helena, que foi casada com Carlinhos Brown; e Luísa Buarque.
Ainda tem Miúcha, que casou com ninguém menos que João Gilberto e teve Bebel Gilberto. A cantora Ana de Hollanda, que foi casada com o diretor e ator Fernando Peixoto. A cantora Cristina Buarque. E por aí vai.
Mas não é dessa família que eu queria falar.

Eu quero falar dos Gadelha!
Vocês não acham surreal que Moreno Veloso, Preta Gil, Patrícia Pillar, Luiza Possi, Davi Moraes e Marina Lima sejam todos… PRIMOS?
Pois bem, tô falando: todos unidos pelos Gadelha.

Tudo começa com Caetano Veloso. Uma professora de dança chamou o então iniciante músico pra conhecer uma garota que cantava bem, amiga de uma de suas alunas. Esse seria o começo da história de uma das maiores cantoras do Brasil, Gal Costa, então Gau, Maria da Graça, e o compositor que ela provavelmente mais gravou, Caetano.
E a aluna? Era Dedé Gadelha.

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As irmãs Dedé e Sandra moravam no prédio que ficava em frente à casa de Maria da Graça. Quando Dedé e Gal conheceram Caetano, diz a lenda que rolou uma aposta: quem conquistasse o rapaz primeiro ganhava, e a outra ia ter que tirar o time de campo. Dedé ganhou o rapaz – e Gal ganhou uma carreira… kkkkkkk

E aí Dedé e Caetano casaram em 1967. Ela com capuz e capa, meio chapeuzinho vermelho. Modernérrima.

E sabe quem casou em 1969, pela terceira vez?
Gilberto Gil. Com Sandra Gadelha, irmã de Dedé. Ou seja: Caetano e Gil são de fato compadres.

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Gil já tinha sido casado com Belina Gil (com quem teve Nara e Marília) e Nana Caymmi (que já tinha filhos do casamento anterior dela, Stella, Denise e João). Imagina se ainda tivesse filho de Gil com Nana nessa história? Vixe!

Aí em 1972 nasceu Moreno, filho de Caetano e Dedé.

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Volta a fita. Volta, volta. Antes de Dedé e Caetano se casarem, lá em 1964, sabe quem nasceu? Patrícia Pillar. Ou melhor: Patricia Gadelha Pillar. A mãe de Patricia, Lucy Gadelha Pillar, é filha de Ideuzuith, avó de Dedé e Sandra.

E na década de 1960, sabe quem era advogada e meio administradora da carreira de Caetano e Gil (e, posteriormente, de Gal e Maria Bethânia)? Lea Millon. Ou melhor, Lea Gadelha Millon.

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Lea era chamada por todos como Tia Lea. Mas ela de fato era tia de algumas pessoas: Dedé, Sandra, Patrícia, Marina Lima…

Sim: Marina Lima. Eu nunca entendi se esse parentesco com a Tia Lea é de sangue ou de consideração. Marina, para quem não sabe, nasceu no Piauí em 1955. Mudou-se bem nova para Washington (o pai, Ewaldo Correia Lima, viajou a trabalho) e passou boa parte de sua infância por lá. Ganhou um violão como consolo.

Em 1970, Pedro Gil, o filho de Gil e Sandra, cujo apelido é Drão (sim, a música Drão é para ela!) nasceu em Londres, ainda no exílio do pai. Em 1974, já no Brasil novamente, chegava Preta Gil. E em 1976, Maria Gil.

Drão no meio com Preta, Pedro e… Maria? É a Maria ou é a Nara? Ajuda, Luciano!

Drão no meio com Preta, Pedro e… Maria? É a Maria ou é a Nara? Ajuda, Luciano!

Em 1973 outro baiano, um pouco mais novo, também tinha um filho. Era Davi Moraes, filho de Moraes Moreira com Marília Mattos.
Por que estou dizendo isso aqui? Bom, mês passado Marília Mattos morreu. E olha a mensagem que o Moreno Veloso deixou no Instagram do Davi…

(O print é da minha amiga Aurea Calcavecchia, que é tão fascinada com todas essas ligações quanto eu)

(O print é da minha amiga Aurea Calcavecchia, que é tão fascinada com todas essas ligações quanto eu)

Marília também era prima de Marina Lima. Portanto tinha parentesco (não sei ao certo qual, acho que prima mais distante) com Drão, Dedé e todo esse povo. Que tal?
Inclui o Davi Moraes na lista, então! E guarda um pouquinho, já volto nele.

Falando em Marina: ela tinha voltado a morar no exterior nos anos 1970. Acabou mandando uma fita com músicas para a Tia Lea. Bethânia ouviu e gravou Alma Caiada, composição de Marina com letra do irmão dela, Antonio Cícero, em 1976. Mas a gravação foi censurada pelo regime militar e não saiu – até hoje. Quem acabou lançando Alma Caiada foi Zizi Possi, só em 1979.

Mas quem lançou Marina mesmo, no fim das contas, foi Gal com Meu Doce Amor em 1977. Tia Lea chamou Marina de volta ao Brasil, e rolou a gravação e lançamento do primeiro disco dela, Simples Como Fogo, em 1979. O seguinte dela, Olhos Felizes de 1980, tem Nosso Estranho Amor em dueto com Caetano. O meu primo Ricardo Antunes já comentou comigo um dia desses que esse disco tem um clima meio percursor do pagode. Ouvi pensando nisso e, menino, não é que tem?

Em 1984, mais um cenário dessa trama rocambolesca aparece: nasce Luiza Possi, filha de Zizi Possi com… Líber Gadelha. Líber é primo de Dedé e Drão, sobrinho de tia Lea. Produtor musical, viraria o cara por trás da fase mais popular de Zizi. Mas não sei se a gravação da música da prima Marina pintou por causa dele.

Em 1990, uma tragédia aconteceu: Pedro Gil morreu, supernovo. Foi num acidente de carro.

As famílias, tanto Veloso quanto Gil, seguiram crescendo em paralelo, com os cantores se separando das Gadelha e casando novamente com outras mulheres. Com Flora, Gil teve Bela, Bem e José. Com Paula Lavigne, Caetano teve Zeca e Tom.

Ainda em 1990, uma das polêmicas mais tontas da MPB apareceu em forma de um quase jingle que virou hit e que, hoje, todo mundo esquece que foi batizado com o nome de uma agência de publicidade! W/Brasil era o nome da agência de Washington Olivetto e também é o nome de um dos grandes hits de Jorge Ben, já assinando Jorge Ben Jor. Saiu em 1990 no Ao Vivo No Rio. Dizem que a origem da música foi a festa de fim de ano da W/Brasil, na qual Ben Jor cantou. E ele puxou um coro ali: “alô, alô, W/Brasil". A música é cheia de comentários daquele momento, quase uma crônica daquele fim de década e começo de uma década nova. Mas estou falando tudo isso para falar de quem? Claro, da Tia Lea.

Alô, alô, Tia Lea, se estiver chovendo muito não venha de helicóptero!
O verso enigmático referia-se a quê? Todo mundo atribuiu a Lea Gadelha Millon.
Mas existe outra Lea! A produtora e assessora de imprensa Lea Penteado diz que a Tia Lea é ela.
Ela conta, inclusive, que virou assessora de eventos da prefeitura do Rio de Janeiro e, como primeira função, produziu uma festa para o padroeiro da cidade, São Sebastião. Shows na Penha, Barra da Tijuca, Campo Grande e Arpoador aconteceriam todos na mesma data e horário, com artistas indo de helicóptero de lá para cá. Jorge Ben Jor fechou o evento no Arpoador. Ela diz que é óbvio que helicóptero + Lea se referem à esse evento.
Só que, detalhe… Esses shows aconteceram em 1993!
Ou seja: é a Tia Lea Gadelha Millon, mesmo. Desculpa, outra Lea.

Por fim, gostaria de falar do ápice da pororoca do DNA.
Davi Moraes, para quem não sabe, tem uma filha. É a Alice.
Alice é filha dele com… Maria Rita.
Ou seja: Alice junta o DNA de Moraes Moreira com o dos Gadelha com o de Elis Regina e César Camargo Mariano!
Eita!

Como extra, eu poderia falar do caso extraconjugal que Djavan teve com Patricia Pillar durante as filmagens do longa Para Viver um Grande Amor, de 1983. Mas deixa quieto, né? Hihihihihi!
Para Viver Um Grande Amor é baseado no musical Pobre Menina Rica, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes. Ó! Voltei ao padrinho da Silvia Buarque! E foi para esse musical que… Elis Regina fez teste! E foi rejeitada por Tom Jobim! Tudo planejado nesse storytelling!

Djavan e Patricia Pillar em Para Viver um Grande Amor

Djavan e Patricia Pillar em Para Viver um Grande Amor

Um resumo do SPFWN48 - sendo que nem fui em todos os desfiles

Primeiro queria dizer que é libertador.
Não ir a todos os desfiles é maravilhoso. Você fica mais descansado, você presta mais atenção no que escolheu. É difícil escolher? É. Mas também fica mais gostoso, e por mais que você possa achar ruim não ter visto uma coisa ou outra, o saldo é positivo.
O clima do SPFW dessa vez estava infinitamente melhor, também. Do tamanho certo, adequado para o tamanho do line-up, num prédio (o Pavilhão das Culturas Brasileiras) que deixa entrar a luz natural, ao redor do verde (no meio do Parque do Ibirapuera). Ufa. Melhor que um caixote todo envelopado por cortinas de veludo vinho pesadas com propagandas agressivas gritando em videomapping, eu hein.

"Mas Jorge, você gosta de tudo, né?"
Não. Eu não gosto de tudo. Mas sim, eu costumo falar mais do que eu gosto. Não só aqui. Na vida também. Só falo de algo que não gosto se acho meu comentário extremamente pertinente.

Ao mesmo tempo, gostei de praticamente tudo que vi: fiz escolhas certeiras, que bom! Alguns desfiles não vi ao vivo mas me pareceram ótimos, como o da Gloria Coelho e o do Apartamento 03. Esse último segue a linha de alguns que, além de mostrar belas roupas, segue a cartilha de que um desfile não é um simples desfile. O marketing de experiência sabe muito bem disso; parece que alguns desfiles se esqueceram. A experiência, a história por trás, tudo isso conta: é um investimento tão grande que você já faz, então vale a pena fazer intersecções, pensar em música ao vivo, algo diferente (e que acrescente, que seja um movimento orgânico e não forçado).
No Apartamento 03, apresentação de butô com João Butoh. Na Handred, Moreno Veloso cantando ao vivo. Na Fernanda Yamamoto, Chico César e o Coral Jovem do Estado de São Paulo comemorando os 10 anos da marca com um exercício intenso de upcycling do acervo acumulado por todo esse tempo. Momentos emocionantes que costuram e dão gás para a moda nacional, que andava carente de emoções positivas.

E falando em experiência, falemos do desfile de Isaac Silva, lógico.
Fui relegado para a fila B mas nem liguei. Aconteceu uma coisa muito maravilhosa nesse desfile do Isaac e que talvez poucos veículos de moda comentem. Só que é histórico. Não só o casting era formado majoritariamente por negros, como já se esperava, mas a sala de desfiles, e também a fila A inclusa, tinha uma maioria negra! Sabe quando isso aconteceu antes? Nunca. Nunquinha. Nem nos desfiles da Lab de Emicida e Fióti essa sensação foi tão clara. Ajuda o fato de que hoje sobreviveram pouquíssimos veículos especializados grandes.
Cada look que entrava, a plateia vibrava. Gritava. Isso só acontece nos desfiles mais animados, tipo os da Neon, que não existe mais, e os da Amapô. A maravilhosa nova turma da Casa de Criadores, que dá energia e vida para aquele evento, chegou de vez ao SPFW.

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Os primeiros dois looks, em crochê

são uma parceria com Samira Carvalho, essa mulher linda que está desfilando. Samira, que é atriz e modelo, também é dona da marca Sambento

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O outro look foi usado pela outra maravilhosa modelo

e uma das melhores amigas de Samira, Carmelita!

Toda a coleção é branca, com um olho no Réveillon (sim, Isaac adora criar mas também adora vender, sempre foi assim!) e outro na sexta-feira, dia de usar branco. Richelieu, malharia, prata justinho, bordado de pedraria e búzios no algodão e a transparência com brilhos, que Isaac chama de céu de Oxalá. Chamada Acredite no seu Axé, expressão que já faz parte do repertório de Isaac desde antes, a coleção foi apresentada rodeada de ramos de arruda e montes de sal grosso - o público podia levar para casa depois do desfile acabar. Axé total! Uma delícia de energia boa.

Vamos falar mais de roupa? Destaco sempre a Aluf de Ana Luisa Fernandes - é emocionante ver o desenvolvimento dela em tempo real, uma moda que já surgiu cheia de personalidade valorizando tecido nacional e sustentabilidade mais design supercriativo. E que só melhora! Dessa vez Fernandes decidiu deixar o processo mais solto, sem muita teoria e overthinking, pincelando imagens para um moodboard que ela achava que tinham a ver com a marca e com suas vontades. Volumes e a inserção de coisas que normalmente ela nunca teria usado, como o xadrez e o pink, são estimulantes e trazem mais variedade para o repertório da marca ainda jovem, sem perder suas características.

O plástico é resultado de um processo de reciclagem de todo o plástico acumulado em um ano de ateliê. São peças de acervo que não vão ser comercializadas. E reparou nos volumes principalmente dos quadris? Isso conversa com aquela história que eu falei no post sobre a coleção do João Pimenta: masculino nos ombros largos, feminino nas ancas largas. Interessante.

Também tem roupa boa na Neriage, cada vez mais leve, na Angela Brito (que também não consegui assistir ao vivo), na Another Place (que apresentou um curta metragem, mais uma vez nessa onda de experiências no lugar de desfile puro e simples, e que se vê cada vez mais sozinha num line-up com menos marcas dedicadas ao streetwear).
Procure saber.
E chega de falar de SPFW! Mais posts em:
. Coisas que pensei vendo a Modem e a Lilly Sarti
. O meu Ceará na passarela da Amapô
. O novo lesbian chic em João Pimenta