Boy bands: conexão EUA-Japão

Vocês já assistiram esse doc?

O babado é certo.
Lou Pearlman foi uma das pessoas mais sinistras do showbusiness. O nome por trás de boy bands como Backstreet Boys e *NSYNC era muito controverso - além de acusações de abuso sexual, ele era o responsável por um dos maiores esquemas Ponzi da história. No doc aparecem pessoas (muitos velhinhos!) que confiaram no cara, deram dinheiro na mão dele para investimento em algo que simplesmente… não existia! É tipo o mesmo choque que você sentiu quando assistiu o doc do Fyre Festival. Vale a pena.
(E também dá uma confusão mental ver o quanto JC Chasez embarangou. Tadinho!)
O doc tem produção do próprio Lance Bass, então não espere por algo imparcial, tá?

Bom, isso leva a aquilo. Você sabia que Johnny Kitagawa morreu em julho?
Well, talvez você nem saiba quem é Johnny Kitagawa, então vos explico.

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O misterioso empresário das boy bands de j-pop tinha um poder imensurável sobre a mídia japonesa. Escândalos sobre - olha ele aí de novo - abuso sexual simplesmente não eram noticiados pelos maiores veículos, apesar de um julgamento chegar à conclusão que sim, ele era culpado por abuso sexual de menores. Quando o grupo SMAP, que era dele, acabou, dizem que a empresa dele proibiu as emissoras de TV de contratar os ex-membros! Ele conseguia esse tipo de feitos porque era uma das pessoas mais poderosas da indústria do entretenimento.
Sua fórmula de sucesso baseia-se em o que a gente conhece como boy band hoje, mas foi pioneira - do fim da década de 1960! Lembra que eu falei de aidorus no post sobre o Babymetal? Nessa linha, Kitagawa reunia rapazes jovens que sabiam cantar e dançar - e não precisavam tocar instrumento nem nada. Formava esses grupos que faziam muito sucesso em uma escala de indústria de entretenimento. O supracitado SMAP, por exemplo, virou uma instituição: seus integrantes não apenas lançavam discos mas tinham programa de TV, atuavam também no cinema, tinham programa de rádio. Kitagawa não lançava cantores: lançava estrelas. Celebridades.

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Olha esses picumããã

SMAP é mais um produto das fórmulas que depois o k-pop aprimorou

Em algum momento, Johnny construiu o seguinte esquema: Johnny's Jr era o nome do recrutamento dos meninos, que eram escolhidos ainda novinhos. Tinha selecionado com 10 anos! Ficavam num tipo de internato, frequentando uma escola da empresa de Johnny, e treinando para virem a ser um integrante de um dos novos grupos. Tinha quem, depois de passar por isso, era dispensado. Mas quem conseguia ser lançado como grupo provavelmente estava com a vida feita: como Johnny tinha esse controle sobre a mídia, era provável que só fossem feitos artigos e coberturas favoráveis ao lançamento. Ele tinha tanta obsessão pelo controle da imagem de seus contratados que, antes de imagens de seus artistas saírem na mídia, elas precisavam passar pelo crivo da sua agência. Que tal? A revista ia dar capa para o SMAP mas mesmo assim tinha que ser uma foto criteriosamente escolhida… pelo agente do SMAP!

E o Japão é um lugar muito doido, me encanta. Outra banda do Johnny, a Hey! Say! JUMP, foi lançada em 2007. Um dos integrantes foi suspenso porque vazaram fotos dele fumando aos 14 e aos 15 anos. Ryutaro Morimoto, que em 2011 tinha 16 anos, respondeu ao escândalo (sim, foi considerado um ESCÂNDALO) que isso não era grande coisa… e parece que pegou mal mesmo. Morimoto nunca mais voltou ao Hey! Say! JUMP.

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Hey! Say! JUMP

Adoro as modas

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Ryutaro Morimoto

Fumou, saiu

Bom, eu comecei a fumar aos 15. Identifiquei-me muito!
(Parei já faz um tempo)

Todo mundo se pergunta se agora o comportamento da mídia em relação à empresa Johnny & Associates vai mudar após a morte de seu fundador. Será? Será que os membros do SMAP vão voltar a trabalhar na TV?
Quem ficou curioso sobre Kitagawa pode saber mais sobre ele nesse podcast:

A mestra da camiseta slogan: Katharine Hamnett

Você não conhece Katharine Hamnett? Ou conhece e não está lembrado?

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Musa

das camisetas slogan

Se você fala em camiseta slogan, não tem como desviar de Hamnett. Ela não é necessariamente a primeira a fazê-las - a marca própria da estilista, que é inglesa e formada pela Central Saint Martins, só foi inaugurada em 1979. E só lançou o modelo que virou sua marca registrada em 1983. Ou seja, camisetas hippies pacifistas e punks niilistas (inclusive da minha amada Vivienne Westwood) já existiam.

Mas Hamnett quem popularizou um jeito específico de fazer camiseta slogan: oversize, sempre com uma fonte Helvetica em caixa alta, uma frase simples e direta. Às vezes política, às vezes simplesmente algo para se pensar, como foi o caso na camiseta que George Michael usou no clipe de Wake Me Up Before You Go-Go da dupla que fazia parte, Wham!:

(Gosta de músicas pop perfeitas? Então veja esse post!)

Essa camiseta Choose Life virou um símbolo. Lembra que, anos depois, a primeira fala de um filme que marcou uma geração, Trainspotting (1996), começa com essa mesma frase? Pois é: em 2017 Katharine fez uma parceria-licenciamento com o filme Trainspotting e lançou versões especiais da camiseta. Foram vendidas em lugares específicos, tipo Japão (e aconteceu de eu estar no Japão um pouco depois, portanto sou um feliz proprietário de uma dessas belezinhas).

(A minha é outro modelo, mais próximo do original só que com a frase em laranja, a cor do filme)

(A minha é outro modelo, mais próximo do original só que com a frase em laranja, a cor do filme)

Outro momentinho com música e Hamnett virou notícia, e tem a ver com, quem diria, o Rock in Rio.
Foi na apresentação histórica da banda Queen no festival.

Não dá para ver direito mas eu juro que o Roger Taylor está usando uma camiseta igual a que Hamnett veste na primeira foto desse post

Não dá para ver direito mas eu juro que o Roger Taylor está usando uma camiseta igual a que Hamnett veste na primeira foto desse post

(Falou em banir energia nuclear, aliás, tô dentro. Ouça a música portuguesa que protesta contra energia nuclear aqui nesse link.)

Hamnet é foda demais. Ela encontrou com Margareth Thatcher em 1984 vestindo essa singela camisetinha:

Lê-se "58% não quer Pershing", em referência a uma pesquisa sobre base com mísseis Pershing no Reino Unido. Hamnett sempre teve um posicionamento político pacifista, e sempre foi muito vocal sobre o assunto

Lê-se "58% não quer Pershing", em referência a uma pesquisa sobre base com mísseis Pershing no Reino Unido. Hamnett sempre teve um posicionamento político pacifista, e sempre foi muito vocal sobre o assunto

(Isso me lembra uma coisa muito deliciosa: você sabia que, depois que Thatcher morreu, ofereceram o guarda-roupa dela para o museu Victoria & Albert? E eles, educadamente, recusaram a oferta… Risos! Leia mais sobre o assunto no The Independent! Ai, isso só me faz gostar mais do V&A… <3)

Campanha da marca homônima de Hamnett, que hoje é bem menor do que já foi mas tem ensaiado uma volta maior

Campanha da marca homônima de Hamnett, que hoje é bem menor do que já foi mas tem ensaiado uma volta maior

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Encontro de rainhas

Hamnett & Westwood salvando as abelhas

É importante dizer que Hamnett ficou muito famosa com as camisetas, mas não faz só isso: tem peças variadas. E ela se preocupa com produção mais sustentável.
A seleção de camisetas da marca de Hamnett hoje inclui uma necessária Cancel Brexit:

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O mais legal, pelo menos na minha opinião, é que Hamnett nunca se importou com as versões de seu trabalho que aparecem por aí. Parece-me que ela entende que ela inventou uma estética efetiva para passar mensagens via camiseta, mas o que cada um fizer disso tem a ver com democracia e livre expressão. É o caso de Henry Holland, da House of Holland: ele transformou esse tipo de camiseta em piadas fashionistas.

As características específicas da House of Holland: sempre tem um nome famoso de modelo, marca ou estilista; e sempre é uma rima

As características específicas da House of Holland: sempre tem um nome famoso de modelo, marca ou estilista; e sempre é uma rima

Bom, eu mesmo estou pensando em dar uma passadinha na Liberty ou em outra loja que venda Katharine Hamnett no fim do ano para ver se compro mais um mimo. Olha essa, que tudo:

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Para arrasar nas ruas de Roma

Que tal?

How would you like to be remembered?
I don’t care.
— Katharine Hamnett na entrevista para o The Guardian

Rick Astley: muito mais que um meme

Ah, você já viu os memes.

(Sim, ele mesmo tuitou isso)

Mas a verdade é que Rick Astley é muito mais do que o seu hit blockbuster Never Gonna Give You Up.

A dança, os looks (parece J.W. Anderson para Uniqlo, não parece???), o topete (que continua o mesmo, para quem não sabe), os óculos (acho que é um Ray-Ban Wayfarer, confirma, produção?), o microfone (chiquérrimo, vai), os coadjuvantes (todos maravilhosos).

Rick Astley é inglês e mais ou menos fez parte da segunda invasão britânica das paradas norte-americanas. Never Gonna Give You Up ganhou o Brit Award de 1988 de Melhor Single Britânico (yes, that's apparently a thing). Whenever You Need Somebody, outro hitzão, veio na sequência, mas a surpresa que ninguém reparava direito com as músicas dançantes pintou com a versão de Astley para When I Fall in Love, do repertório de ninguém menos que o fodão Nat King Cole em dezembro de 1987, a tempo das compras de Natal.

Astley sabia cantar. Ele era da escola de crooners, com um vozeirão imenso.

Em 1988, outro hit do mesmo álbum: Together Forever, que eu adoro, e que só não alcançou o topo das paradas inglesas porque existiu uma Kylie Minogue no meio do caminho com I Should Be So Lucky.

Astley seria o astro de um disco só? 1989 chegou provando que não com a maravilhosa, intensa, deliciosa Hold Me In Your Arms.
Existia um certo preconceito contra Astley, chamando-o de produto da indústria, pois ele começou com os produtores Mike Stock, Matt Aitken e Pete Waterman - lembra que eu falei do SAW no post da Donna Summer? Bom, Hold Me In Your Arms é uma balada de autoria do próprio Astley. Então não é bem assim, né? E 1991 provaria ainda mais isso: Astley parou de trabalhar com o SAW, abandonou os anos de dance hits e lançou seu álbum Free (hum, pegou essa?) com a música que eu mais amo dele: Cry For Help.

Ao lançar o álbum seguinte, Body and Soul (1993), Astley decidiu se desvencilhar da indústria musical. Simples assim. Entre 1994 e 2000, resolveu se dedicar à família - a filha Emilia nasceu em 1992.

O comeback com a música Sleeping, em 2001, é uma surpresa. Porque é… dance! E fez um sucessinho por causa do remix de Todd Terry, quem diria!

E claro que sua voz continuava mara.

Rolou um Greatest Hits, e depois um álbum chamado Portrait em 2005 no qual ele canta standarts e mostra que sim, é da escola de crooners mesmo. Tem Cry Me A River, Close To You, Somewhere e até Nature Boy, tá, meu bem? Renato Russo amaria (será?).

Aí, entre 2007 e 2008, aconteceu a memetização (como eu falo isso?!) de Never Gonna Give You Up. Nessa esteira, ganhou o EMA (da MTV europeia) de Best Act Ever em 2008. Uau!

Desde então, ele continuou lançando músicas. Sabia? Pois. Tem um álbum de 2016 que, na linha Adele, se chama 50.

E por que estou falando tudo isso agora? Bem, Rick Astley acaba de lançar o álbum The Best of Me nessa semana que passou, e ele conta com, óbvio, as suas melhores músicas. Mas não é apenas uma compilação: no fim, tem algumas regravações de seus sucessos em pegadas diferentes. Gostei porque é bom relembrar que Astley é uma das vozes mais incríveis em atividade hoje, à parte da irresistível Never Gonna Give You Up. Aliás, a versão em piano dela para The Best of Me é bem bonita.
Ouça!

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<3

Asiático, gay e... country

Ouça o hit: Nathan Ramos-Park, que nasceu de uma mistura de filipino e coreano, fez uma música-paródia chamada Gay Asian Country Love Song!

Já falei bastante aqui sobre o próprio Lil Nas X e sobre a cultura machista e racista do country americano. Enquanto Lil Nas X se apropria do country e o mistura com trap para fazer os seus hits, Nathan, também um artista homossexual, na verdade traz uma música piada, que brinca com estereótipos. Provocadora, a ponto de a gente pensar "que bom que é de fato um coreano-filipino cantando porque se fosse um branco a gente caía matando".

Nathan fala de Brokeback Mountain, usa nomes famosos tanto do country quanto celebridades asiáticas que conseguiram algum sucesso em Hollywood, e traz vários elementos sexuais do tipo “I'll be your monster truck rally ride all night long”. Acho ótimo porque existe uma tendência do ocidente a ver o corpo asiático masculino como assexuado (e o feminino como extremamente sexualizado e servil). Isso quebra essa lógica.

A música de Nathan é a nova Old Town Road? Não, não mesmo. Mas é divertida.

Nathan Ramos-Park, você é mara

Nathan Ramos-Park, você é mara

Grunge de luxo - de verdade

Um cardigã de mais de US$ 300.000. Como assim, né? Quem pagaria? Mesmo que fosse da Gucci?
Mas e se eu te dissesse que ele é um cardigã que já foi de Kurt Cobain?

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Esse aqui

Na cor que alguns fashionistas conhecem como "cinza rato” - kkkkkkkkk

O cardigã vai entrar em leilão nessa sexta-feira, 25/10, pela casa Julien's Auctions, e espera-se que ele alcance esse preço - mas pode até ultrapassá-lo. As pessoas estão chamando-o de cardigã do MTV Unplugged porque é justamente a peça que Cobain usou na gravação do programa do canal.

Mas a verdade é que nos últimos meses de vida (o Unplugged foi gravado em novembro de 1993, Cobain foi encontrado morto em abril de 1994), o vocalista do Nirvana andava com o cardigã para cima e para baixo. O atual dono dele é Garrett Kletjian - que o comprou em outro leilão em 2015. Kletjian alega que sente muita pressão por possuir uma peça tão importante de memorabilia, e por isso quis revendê-la. Eita…
O cardigã não foi lavado depois de Cobain tê-lo usado. That's grunge, baby!

Agora, é certo que essa peça seja cultuada e vendida a esse preço? Não é justamente contra isso que Cobain sempre foi? Courtney Love conta que, quando eles ganharam a mítica coleção de Perry Ellis criada por Marc Jacobs de spring 1993, eles a queimaram toda. Era o mundo do luxo se apropriando de uma estética que, no cerne, simbolizava o contrário disso; o grunge era herdeiro do punk e estava sendo cooptado como ele. Era a roupa de brechó, o sujo, o maldito, o marginalizado… entrando na vitrine da Bloomingdale's.

Jacobs foi despedido da Perry Ellis após o lançamento dessa coleção, que é a mais conhecida e comentada da marca até hoje. Ele seguiu tendo o grunge como um dos nortes de suas criações - está em sua essência até hoje. Recentemente, ele relançou essa coleção pela sua marca homônima em parceria com… a Perry Ellis!

Ele devia comprar esse cardigã.
E talvez queimá-lo. Uma questão de ajuste de contas e respeito à memória.

I need an easy friend

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