Preciso falar do desfile da Flavia Aranha mesmo que ele tenha sido uns borrões pra mim

Não quero me estender muito nessa introdução, mas esse SPFW N47 como um todo e especialmente o fim dele foi algo muito catártico e difícil pra mim. Só para explicar por alto o que aconteceu, eu já sabia que ia sair do site da Lilian antes da morte do Tales Cotta, no sábado. Pareço (e realmente quero parecer) muito forte e seguro mas desabei - motivo pelo qual tive que colocar os óculos escuros que estavam na minha pochete no desfile da Flavia Aranha. É que eu não parei de chorar, já estava sentado e com o vídeo de introdução rolando quando percebi que isso estava acontecendo, e para tentar não chamar tanto a atenção foi o que me ocorreu. Só que o pior de tudo é que eu, que gosto de procrastinar com algumas coisas, não mudei a lente desses óculos específicos até hoje, então assisti ao desfile míope, chorando, tudo borrado, com a cabeça na lua.

E ainda assim sei que o desfile foi maravilhoso, pois de qualquer forma vi alguma coisa; pois vi fotos; pois fui no backstage antes e conversei com a Flavia. Ele é o resultado de um trabalho que começou há 10 anos, pioneiro em moda sustentável com um belo design, o resultado de várias parcerias e várias descobertas da estilista ao longo desse tempo.

Foto do Zé Takahashi / Ag. Fotosite - Fonte FFW

Foto do Zé Takahashi / Ag. Fotosite - Fonte FFW

Ao contrário do que pode parecer, entrevistei a Flavia poucas vezes, talvez duas, antes dessa no backstage do SPFW. Mas uma delas é uma das minhas entrevistas preferidas - sobre o então projeto de uma lavanderia-tinturaria na qual os processos naturais poderiam ser colocados em prática com escala (ou seja, em uma quantidade bem maior e mais rapidamente). Leia aqui no site da Lilian Pacce.

1,353 Likes, 87 Comments - Flavia Aranha (@flaviaaranha) on Instagram: "Essa imagem representa muito o que nos propusemos a fazer nesse desfile. Quem faz, quem consome,..."

A passarela dessa estreia no SPFW foi feita assim, circular. O círculo foi um símbolo constante em outros desfiles do evento - em especial o da Lilly Sarti (leia sobre no site da Lilian). Toda vez que penso em círculo nesse contexto mais simbólico e artístico, penso nas obras da Tomie Ohtake.

Sem título (2012), da galeria Nara Roesler

Sem título (2012), da galeria Nara Roesler

Pra mim, Tomie também pintava círculos nessa procura pelo simbolismo universal dele, que perpassa várias culturas. Círculo é unidade e coletividade, uma forma sem arestas. Penso também nas danças circulares, no David Bowie com o círculo dourado na testa, em como a gente escutava música até bem pouco tempo atrás (os discos, do gramofone ao laser disc).

Para Flavia, também são vários os significados: círculo de conversa, economia circular, um lugar em que só existe primeira fila e em que todos são importantes sem primeiro nem último, o olhar o desfile e também o outro. Na moda, ela incluiu bastante godês nas modelagens - para quem não sabe, a saia godê é a que sai de um círculo com um furo no meio, grosso modo.

293 Likes, 6 Comments - Flavia Aranha (@flaviaaranha) on Instagram: "❤️"

Antes, Flavia só desfilou no evento Ecoera, cerca de 8 looks, algo bem menor. Agora são 28. “A Mercedes [Tristão, assessora de imprensa] plantou essa semente, dizendo que a marca precisava dar esse passo no sentido da imagem de moda. Mas passei muitos anos organizando os processos, a gestão da empresa, pra mim é muito importante que isso seja viável como negócio, não dá pra falar de sustentabilidade só na imagem. Fui protelando esse caminho, mas há uns dois anos a Mercedes começou a conversar com a Graça [Cabral, da Luminosidade, que organiza o SPFW]. Quase resolvemos desfilar antes, achei pouco tempo… E nessa edição deu certo.”

Flavia teve um mês para fazer tudo - pesado, mas ao mesmo tempo parece que essa década anterior sedimentou certezas e deu segurança para ela já saber melhor o que queria concretizar. “Queria esse espaço subjetivo para falar sobre coisas que você não consegue expressar na loja, é tanto o meu processo pessoal quanto resultado da maturidade da marca.” Ela explica também que a criação rolou de maneira bem diferente, tirando-a da zona de conforto, e abriu espaço para coisas que no dia-a-dia da gestão ela acabava deixando de lado.

O tema mistura pau-brasil, ancestralidade e identidade do país.

Qual é o impacto da exploração do pau-brasil como primeiro ciclo econômico na colonização e o quanto a gente ainda vive todas essas dores da desigualdade social e das injustiças? A eleição, todos os retrocessos bizarros que a gente vem vivendo. Uma angústia da situação política que está impactando minha rede totalmente: programas sociais e cooperativas que já vem sofrendo cortes.
— Flavia Aranha

Flavia começou fazendo experimentações na cartela de cores no tingimento com o pau-brasil, misturando-o. O vermelho vira bege com ácido cítrico, com outros componentes ele vai para o vinho. Depois ela acrescentou urucum e crajiru, formando um triunvirato nativo brasileiro e acrescentando a questão indígena. Chamam a atenção pinturas manuais, impressão botânica e os tons mais vivos. Na dupla de fotos acima, o que vemos é impressão de araucária na organza.

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Parece semente?

Mas não: esse top é feito com miçangas de cerâmica do Jequitinhonha queimadas na fogueira e pintadas com o próprio barro! Foto: Zé Takahashi / Ag. Fotosite

Tem também: seda com elastano do Casulo Feliz, enfeites de antúrios de cerâmica, amarrações e torções. Tudo belo. “É um reencontro com a minha manualidade”, ela diz.

Acessórios de quartzo rosa e cristal - Flavia vem estudando astrologia. Segundo ela, “quartzo rosa é amor, energia, uma força do ritual, do feminino, dos amuletos”. Foto: Zé Takahashi / Ag. Fotosite (detalhe)

Acessórios de quartzo rosa e cristal - Flavia vem estudando astrologia. Segundo ela, “quartzo rosa é amor, energia, uma força do ritual, do feminino, dos amuletos”. Foto: Zé Takahashi / Ag. Fotosite (detalhe)

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Casaco mara!

Das fiandeiras do Vale do Urucuia. A ideia é se referir à bandeira do Brasil mas com outras cores. Foto: Zé Takahashi / Ag. Fotosite

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Por um linho brasileiro

Você sabia que não tem linho no Brasil? Nem a fibra têxtil! Em sua pesquisa de material, Flavia encontrou a malva, planta nativa que pode dar num similar de linho maravilhoso. Essa peça é o primeiro exercício de algo que pode virar um tecido incrível e 100% nacional! Foto: Zé Takahashi / Ag. Fotosite

Flavia contou para mim que já está conversando com a Castanhal, companhia têxtil que trabalha com malva e juta, para desenvolver um fio melhor, mais macio, para o uso em vestuário. Gente que faz!

Por que o estilista só precisa pensar na imagem final? Por que, como designer, a gente também não consegue ter processos criativos na base? Se só tem linho chinês, por que não podemos criar nosso próprio linho aqui?
— Flavia Aranha

1,141 Likes, 22 Comments - Lane Marinho (@lanemarinho) on Instagram: "〰️🌸. { sobre o que vem da terra e que é raro, lindo e efêmero : essa é a cor do extrato de pau-..."

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Bolsa da Marchetaria do Acre

Tudo é madeira num trabalho de tingimento natural de cair o queixo. Foto: Fotosite/Divulgação

1,647 Likes, 127 Comments - Flavia Aranha (@flaviaaranha_) on Instagram: "Este ano amanheceu estranho. Difícil. Apertado. Parecia que nossos sonhos e nossas ideias não..."

Acho que deu para entender porque eu decidi escrever sobre o desfile da Flavia mesmo sem ter visto direito, né?
No fundo, acho que vi direito, sim.

Você gostou de mais alguma coisa do SPFW? Adorei Aluf, João Pimenta, Handred, Lenny Niemeyer e Led (os links levam para os textos que fiz no site da Lilian)! E merece menção também os outros jovens designers que participaram dessa edição - marcas independentes, estou com vocês. ;)

Um fervo no Centro de SP

Um dia desses fui conhecer a loja Nó do Rodrigo Basso, um lugar bem bacana que é voltado pra moda masculina e pra repensar noções de masculinidade partindo da roupa e da estética. E acabei descobrindo que a região em que a Nó está, na Major Sertório pertinho do Copan, está o maior fervo! O Rodrigo inclusive me ajudou a levantar as coisas que estão rolando por lá, vem saber:

379 Likes, 5 Comments - LOJA NÓ (@noaloja) on Instagram: "Ah o outono 🌞🍃 camisa disponível na loja 😎"

A Nó em si é tu-do! Eu sei que às vezes parece que eu acho tudo incrível, mas se está aqui nesse blog é porque achei incrível, né nóm? São 40 marcas brasileiras reunidas, a maioria de caráter mais independente, desde as mais básicas tipo Saint Studio até a estamparia babadeira da Psicotrópica, as camisetas divertidas da Stay Ugly, o streetwear bem charmoso da Philadelphia Company
Apesar do foco em masculino, Rodrigo diz que 40% das vendas acontecem pra mulheres. Dá pra entender - o mix é superatraente. Ele é esforçado, cavoca sapatos bonitos de Franca, produtos de beleza interessantes com pegada mais orgânica… Outra coisa bacana na curadoria do Rodrigo é que ele presta bastante atenção no preço - como trabalha com marcas menores, tem a liberdade e a facilidade de conversar com eles para chegar num preço que seja mais adequado para o seu público (entra nisso mudanças em tecidos e detalhes nas peças para diminuir o valor).
A loja Nó fica na rua Major Sertório, 114.

153 Likes, 3 Comments - Instituto Feira Livre (@institutofeiralivre) on Instagram: "Atlas do Agronegócio: Fatos e números sobre as corporações que controlam o que comemos. ...."

O Instituto Feira Livre vende orgânicos direto do produtor, sem intermediários, e ainda conta com café e restaurante! Quando você compra lá, eles dão o preço de custo mas a sugestão é você mesmo incluir uma porcentagem para a manutenção e custos operacionais do espaço. Abre de fim de semana (fecha segunda) e dá para encontrar coisas que você não acha em qualquer lugar tipo cenoura roxa! Não cheguei a entrar mas pretendo voltar para conferir mais de perto!
Fica na Major Sertório, 229.

O Jardim Secreto, que virou praticamente uma instituição de SP, começou como uma feira mas hoje tem uma Casa Jardim Secreto no Bixiga e esse Galpão Jardim Secreto no centro, sempre com uma curadoria charmosa de marcas independentes, pequenos produtores, com o grande plano de fortalecer a economia criativa. As minhas amigas da Jouer Couture são ocupantes do coworking que faz parte do local, e ainda tem café, chá e comidinhas - tudo isso ajuda a fazer do ambiente um local supervivo!
O Galpão Jardim Secreto fica na Major Sertório, 209.

Quer mais? Falo mais então: tem a balada-prédio Tokyo; o Z-Deli; a Casa do Porco; o Orfeu; o Sertó; o charmosérrimo Café Modernista; o JazzB; o Fel… Tudo isso com a distância de alguns passos entre um e outro. Diz que vai abrir uma padaria artesanal na frente do Instituto Feira Livre e um La Guapa, a rede de empanadas da Paola Carosella, do lado. Legal, né? Vá pro Centro!!!

Você tem só mais alguns dias pra ver 3 exposições maravilhosas de uma vez

Fui no MASP e fiz esse post que eu sei que soa bem pedante mas foi de coração:

A exposição em cartaz da Djanira (nome completo é Djanira Motta e Silva) vai só até 19/05, então é bom correr. Em 2019, o MASP está focando no tema das artistas mulheres e a representatividade delas. A exposição das Guerilla Girls que rolou em 2017 deve ter sido um wake up call - elas produziram uma obra especificamente pra mostra que faz parte de uma série de cartazes na qual elas expõem a porcentagem de artistas do acervo das instituições que são mulheres.

Esse é o cartaz!

Esse é o cartaz!

Por isso o triunvirato que está em cartaz no MASP agora é imperdível. Tem a supracitada Djanira, que era uma artista considerada naïf por preconceito da elite intelectual - e que na verdade pensava no Brasil e em questões importantes como a realidade social e ecologia de maneira profunda.

Aí tem a expô da Lina Bo Bardi, que é simplesmente quem assinou o projeto do prédio do MASP. Arquiteta, designer, pensadora - a mulher era foda! Peguei essa citação aqui da exposição porque acho que ela é muito emblemática:

“Pode-se achar até feio e digo: não é bonito o Museu de Arte de São Paulo, nunca foi bonito. Não procurei a beleza, procurei a liberdade. Os intelectuais não gostaram, o povo gostou. Gostou muito. Sabem quem fez isso? Foi uma mulher!”
— Lina Bo Bardi, sobre o projeto do MASP

Achou pouco? Bom, ela também assinou os projetos do Sesc Pompéia, Casa de Vidro, MAM-SP, Teatro Oficina. Simplesmente amo todos.

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Sesc Pompéia

Acho esse projeto um escândalo! Ultrapassa os padrões de beleza, é outra coisa, é convivência, é criatividade!

E finalmente tem Tarsila do Amaral. É uma exposição muito imperdível, muito inacreditável, uma mulher brasileira que é uma das artistas mais importantes do mundo e que ainda assim, mais de 45 anos após sua morte, não tinha tido uma retrospectiva dessas proporções no seu país de origem. E, aliás, precisou ter uma exposição dessas proporções antes… no MoMA.

Não sou especialista em arte, o que sei e conheço sobre o assunto foi por pesquisa e umas aulinhas na escola e na faculdade. Mas não dá para ficar incólume diante do conjunto das obras de Tarsila. É paupável a importância dela.

Mas por tudo isso e pelo meu background, vou falar algo que os puristas talvez achem futilidade mas eu não acho: Tarsila é CHIQUÉRRIMA.

Essa coisa de desafiar o BCBG (bon chic bon genre), de colocar o que ela chamava de cores caipiras como um dos seus principais motes, de usar temas da cultura popular e elevá-los - é um tipo de plot twist que também me faz admirar outros criadores como Miuccia Prada (desafiando o conceito de cafona na moda). Claro que Tarsila fazia parte de uma elite, era de outra época e portanto sua visão da pobreza - do Morro da Favela, por exemplo - é romântica.

Morro da Favela (1924), Tarsila do Amaral

Morro da Favela (1924), Tarsila do Amaral

Ainda assim, levando em conta o contexto da época e comparando com o que havia, acho MUITO FODA. Algumas das obras que me deixaram hipnotizado, fora o clássico Abaporu:

Queria falar mais uma coisinha sobre Composição (Figura Só), o único quadro que Tarsila fez em 1930. Em 1929, a família dela quebrou com o crash da bolsa; em 1930, golpe de Estado; e nesse mesmo 1930 Oswald de Andrade a abandonava pra ficar com Pagu. Forte. No texto que acompanha o quadro na exposição, a última frase é: “Nada mais seria como antes”.

Resumindo: já gostava; gosto ainda mais. Vá ao MASP!!!

Autorretrato de 1923 de Tarsila do Amaral. O casaco é Jean Patou - e aposto que ele é mais bonito no quadro do que era na vida real!

Autorretrato de 1923 de Tarsila do Amaral. O casaco é Jean Patou - e aposto que ele é mais bonito no quadro do que era na vida real!

A Melissa está fazendo 40 anos!

A minha lembrança da Melissa é mesmo de infância pois - abafa o caso - eu tenho quase 40.
Vai ter um monte de comemoração relacionada com a data, cheia de relançamentos de produtos icônicos - em outubro chega um bem especial, que eles dão a entender que é completamente novo.

A Melissa tem um problema na mão hoje: seu produto é feito de plástico, e a turma eco-consciente torce o nariz com razão. Será que esse novo produto que está chegando tem algo relacionado a isso? Espero que sim, mas seria uma reinvenção completa da marca que sempre se baseou no plástico em campanhas, imagem de marca, visual merchandising - tudo! A gente sabe que existem estudos de materiais biodegradáveis cada vez mais avançados (esse da USP que foi divulgado no fim do mês passado é um deles) mas ao mesmo tempo outra notícia que girou recentemente é a de que as sacolas de plástico biodegradável não são tão eficientes em seu processo de decomposição quanto a gente pensava. Até outubro a gente fica sabendo se o futuro, para a Melissa, é feito de outro material.

Enquanto isso, a marca já lançou os primeiros produtos comemorativos que recebem os nomes autoexplicativos Alma e Origem. São inspirados em garrafões de vinho - na sua origem, a Melissa fazia aquelas telas de plástico que cobrem esses garrafões.

A sapatilha Alma e a bolsa Origem - Foto: Divulgação

A sapatilha Alma e a bolsa Origem - Foto: Divulgação

A sapatilha custa R$ 159,90 e a bolsa R$ 279,90 - achei a bolsa bem divertida!

Mas o que você queria ver de relançamento da Melissa? Tenho uns palpites!

Vou contar uma coisa minha: odeio a Melissa Aranha! Desculpa, é algo quase irracional, mas acho feia pra dedéu, apesar de reconhecer o seu status de clássico…
E você, de qual Melissa você gosta?

As irmãs Koshino

Achei que essa thread é bonita demais para não ser destacada aqui nesse humilde blog.

Clica nesse embed de twitter acima pra ler a thread inteira!

Tchauzinho das lindas - Fonte da foto é esse Nifty

Tchauzinho das lindas - Fonte da foto é esse Nifty