Mas então a febre country é real?

Um dos primeiros posts desse blog, lá em maio, brincava com o fato de que o country tinha voltado. Mas, menina… e não é? Escute os sinais. Além de tudo aquilo que de fato falei naquele post, tem mais, contando certo movimento de country rap (!) com um interessante artista chamado Lil Nas X que, em pouco tempo, trouxe Billy Ray Cyrus (sim, ele mesmo, o pai da Miley) de volta às paradas e ao mesmo tempo saiu do armário. Eita!

Nesse clipe já tem a versão “atualizada", que conta com Billy Ray e Diplo, mais um sample de Nine Inch Nails (quem diria); e Lil Nas brinca com essa coisa de se vestir de caubói hoje. O hit é um fenômeno que está faz 14 semanas na parada da Billboard. O segredo: além de juntar o trap com o country, a música virou desafio no aplicativo fenômeno TikTok. Misturas explosivas.

Na passarela em si, durante a Casa de Criadores, a gente viu sinais bem calcados da mistura do street com o country. Você reparou? Vem:

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Clube Irmã Caminhoneira

Franjas e jeans na Ken-gá. Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

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Franja do sertão

A leitura da seca sertaneja de Jal Vieira passa por franjas na bolsa e muita cortiça e navalhados. Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

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Para dançar isso aqui é bomber

As jaquetas de Rafael Caetano ganham recortes e franjas country. Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

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These boots are made for walking

Os romeiros de Rober Dognani usam bota de caubói. Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

Mais do que um country rústico à Marlboro, esse novo country está mais conectado com a ostentação de Nudie Cohn. Sabe quem é ele? Talvez um dos estilistas ucranianos mais famosos de todos os tempos, Nudie chegou nos EUA aos 11 anos e é um selfmade man. Nudie's Rodeo Tailors é parte essencial da estética da música popular americana!

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A estética de Nudie é superinfluente até hoje, do look de Diplo naquele post anterior até Elvis Presley em si.

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We are golden

Lookinho discreto: esse é o Nudie Cohn com Elvis Presley em si, na seção de fotos da capa do álbum 50,000,000 Elvis Fans Can't Be Wrong

Quer mais? Pois não:

Essa prática de aplicação de bordados tem tudo a ver com o movimento de upcycling e customização que volta à cena agora, na necessidade de uma imagem fashion para a sustentabilidade. Os recortes de camisa de caubói também me parecem uma boa opção para reaproveitamento de resíduo têxtil.

O country, um dos símbolos do conservadorismo, tem sido colocado de cabeça para baixo. Kacey Musgraves, por exemplo, ganhou um Grammy incluindo coisas em sua música que aparentemente não passariam incólumes num rodeio. Ela tem sido encarada como mais uma para quem não conhece tão bem seu trabalho, e não deveria… Você fica sabendo mais sobre Kacey nesse link, num ótimo artigo do The Guardian. E olho também na Kesha, outra que usa o country como ferramenta para mensagens de igualdade e quebra de padrões.

Nudie morreu mas seu legado continua vivo, principalmente com sua neta Jamie Nudie. Saiba mais no vídeo abaixo, da Vice:

E resumindo: em caso de sensação febril, acompanhe. O 37ºC pode virar 39ºC.

Um dos meus restaurantes preferidos voltou!

Não vou entrar em motivos de mudanças porque não vem ao caso, hein. Só sei que foi tudo muito rápido e provavelmente pegou todo mundo de surpresa: o Kazu Cake, com café, doces e saquê que ficava em cima do Espaço Kazu na Liberdade e dividia espaço com o Meu Udon, passou por uma expansão e agora ocupa o andar inteiro. Ficou vistoso, e como às vezes ficava bem cheio e sem mesa para sentar, que bom, agora tem mesa. De lá recomendo o choux cream.

Mas, com isso, o Meu Udon do mestre Yoshio Mizumoto fechou. Fiquei chateadíssimo e aposto que vários dos meus amigos que converti para grandes fãs também ficaram. O segredo do Mizumoto está em usar massa caseira - ele constrói o udon do zero, e o macarrão é feito diariamente de acordo com a temperatura e umidade do ar.

Então, eis a boa notícia: o Meu Udon está vivo aos fins de semana! Fica num restaurante que é bem na frente de um dos prédios da Unip da Vila Clementino (r. Doutor Bacelar, 1189) e continua uma delícia.

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Agora funciona assim: tem combos, de R$ 35 a R$ 40, que chegam com alguns acompanhamentos (no Japão eles chamam isso de setto, que vem do inglês set). Se você quiser só o udon mesmo, é de R$ 25 a R$ 30. Recomendo também experimentar o guioza, bem delicioso; a minha mãe comeu o tonkatsu (que é o milanesa) e curtiu.

Parece que a partir desse fim de semana eles voltaram com o ginger ale também, que era a minha bebida preferida deles - oba!
Recomendadíssimo, e agora o lugar é maior, não tem fila, tudo perfeito. Vale o Uber! E quem for de fora e vier para SP - inclui aí na programação!

Rober Dognani na Casa de Criadores: uma questão de fé

Tem desfiles que não servem necessariamente para propor roupas e jeitos de usá-las. É outra coisa, e é importante, e azar de quem veio só para ver tendencinha.
O desfile de Rober Dognani na Casa de Criadores foi um desses que desafiam essas regras.

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

O assunto religião e fé sempre foi muito atraente para mim. Fui criado no catolicismo mas nunca realmente me empolguei com o ritual da missa nem com alguns dogmas, mas outras coisas eram extremamente potentes: o amor incondicional de Jesus (uma das minhas músicas preferidas da vida, é sério, é aquela "amar como Jesus amou / sonhar como Jesus sonhou…”); a questão da atenção para as minorias (o que me incomoda é a necessidade de apontá-las como pecadoras e convertê-las); a figura de São Francisco que renuncia sua vida de luxo para uma vida de doação (vi uma roupinha original de São Francisco na Sagrada Família em Barcelona e desabei a chorar); por aí vai.
Um dos meus sonhos é ir para Israel e para Istambul, e muito disso vem de querer entender melhor a cultura judaica e islâmica de perto porque ainda acho que tenho uma noção muito caricatural por falta de conhecimento.
E finalmente, para quem não sabe, antes de casar no civil eu casei com meu marido perante os olhos de Buda em cerimônia bem íntima no Japão. Não sou budista, na verdade acho que sou meio sincrético, meio agnóstico, meio sei lá. As religiões que mais me sinto simpatizante são as de origem asiática e as de matriz africana. Mas não pratico nenhuma.

E perante todo esse cenário, uma das coisas que mais me chocou nesse assunto foi o chute que o pastor Sérgio von Helder deu na imagem da Nossa Senhora Aparecida em cadeia nacional no mês de outubro do ano de 1995. Ali, materializava-se a imagem de uma religião conservadora, agressiva e intolerante que hoje ganhou tanto poder no país que, adivinha, está no poder.
É importante salientar que ao pregar um mundo sem preconceito, é bom não repetirmos frases feitas sem pensar. Quando falamos em evangélicos, costumamos abarcar tudo num mesmo pacote. Só que não é bem assim: existe todo tipo de crente (assim como existe todo tipo de católico); e para deixar a situação ainda mais complexa existem várias igrejas diferentes, com graus muito diversos de tolerância, com cabeça mais ou menos aberta, de perfis mais ou menos agregadores. Então não gosto quando as pessoas ouvem a palavra "evangélico” e automaticamente torcem o nariz. Mesmo porque conheço pessoas incríveis que são evangélicas.

Porém, sim, quando o pastor chutou a santa, eu fiquei TITICA com os evangélicos.

O desfile de Rober é uma criação mais artística e performática do que fashion em sua concepção - apesar de também mostrar roupa sim, e como teve colaboração de Felipe Fanaia, seu parceiro na loja Das Haus, funciona um pouco como um desfile da Das Haus, uma amostra do que você pode encontrar nas araras (e na alma das marcas). É, ao mesmo tempo, um desfile muito pessoal pois Rober é devoto, vai a Aparecida todo ano e ele passa por um problema delicado de família - a apresentação é uma demonstração de fé que parte do caso dele e vai para o universal.

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Milagre dos peixes

No começo, cardume impresso em tactel domina a passarela. Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

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Devoção

Ombreira de velas acesas. Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

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Cores fortes

E o oversize elevado à máxima potência. Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

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Leve tudo consigo

Os looks inspirados nos romeiros, que precisam carregar coisas consigo, também remetem à situação atual dos refugiados. Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

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Ex-votos

É o nome que se dá a essas esculturas, geralmente de madeira, que se faz de perna, coração, cabeça, demais órgãos e até casa, carro. Você dedica aquela peça em pedido ou agradecimento para o seu santo de devoção: cura de alguma doença, quitamento da casa própria etc. Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

E por fim ainda tinha a Nossa Senhora Aparecida em si para entrar na passarela.
Eu pensei: "Será que não vai ser literal demais? Será que não vai ser clichê demais?"
Tinha visto uma foto da prova de roupa no backstage e sei lá porque não tinha reconhecido.
Porque a Nossa Senhora era a Anna Luiah.

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

A primeira vez que falei com a Anna ao vivo foi na redação do site da Lilian Pacce. A gente fez um editorial juntos no qual eu acreditei demais e gostei demais do resultado. Ela arrasou - uma simpatia em pessoa, para cima, uma energia ímpar, uma fotogenia de babar.

A última vez que eu falei pessoalmente com a Anna não foi um dia tão feliz.
Foi no dia 27/04.

Como eu já falei um pouco anteriormente no meu texto sobre o desfile da Flavia Aranha, o fim do SPFW N47 foi muito difícil e simbólico - o dia 27 foi o dia da morte do Tales Cotta. Quando fui encontrar a Lilian no backstage da Cavalera para entregar a bolsa dela e ir embora, encontrei com a Anna no corredor. A gente se cumprimentou e ela percebeu que algo estava errado (claro, ninguém ali estava OK). Chorei e ela me consolou, foi muito importante o abraço dela naquele momento.

Tenho muito carinho pela Anna. Então para mim teve um gosto a mais, maravilhoso, vê-la como Nossa Senhora. Porque acima de tudo, e pelo pouco que a conheço, sei que ela é mais do que merecedora desse papel de destaque, e ela de certa forma funcionou como conforto para mim naquele momento difícil de entender.

A verdade é que ainda tem sido difícil assistir a desfiles e encontrar propósito neles depois disso tudo que aconteceu, e também depois de sair do site da Lilian e não sentir uma obrigação profissional de comparecer.

Um beijo carinhoso para o Rober - eu estava precisando de um desfile desses.

Deus não é acima de todos. Deus, ou esse complexo conceito, é para todos. E pronto.

A nova MPB que é pop demais para caber nessa categorização

MPB é um estilo musical muito abstrato, porque na minha cabeça se fundamenta também em ecletismo, além da brasilidade. O mito do Brasil mestiço parece que desemboca na MPB, do repertório esperto e misturado de Elis Regina, Gal Costa e Marisa Monte, para ficar só em 3 referências praticamente intocáveis da tal música popular brasileira. Elis tinha essa coisa de extrema qualidade - até quando soava dominada pela emoção era técnica, uma contradição doida. É uma experiência sensorial ouvir, por exemplo, Tiro ao Álvaro no fone de ouvido mais alto. Aquele timbre, a inflexão, o conforto que a gaúcha que desenvolveu sua sensibilidade artística no Rio sentia dentro daquela música tão paulistana. Elis interpretava uma música como grandes atrizes interpretam papéis, era um assombro. E o que davam para ela, Elis tornava dela e comia de garfo e faca: de Gracias a La Vida a Cartola (Basta de Clamares Inocência é uma das minhas preferidas), de Jorge Ben a Tom Jobim. Tudo virava dela e tudo, hoje, é considerado MPB.
E Gal? Ouvi esses dias o single novo, Motor, e que mulher, não é mesmo?

Motor, aliás, tem uma história tipicamente MPB: é da banda Maglore, de Salvador, e foi lançada em 2013 no álbum deles Vamos pra Rua. Marcus Preto, que atualmente assina direção artística das coisas que Gal tem lançado, mostrou para ela dizendo que lembrava Vapor Barato (na versão de Gal, ela cita a ligação, incluindo uns honey baby).
E Motor, como boa pérola, também ganhou versões recentes de Pitty, no álbum novo dela, e do próprio compositor Teago Oliveira em Maglore ao Vivo com participação de Helio Flanders do Vanguart.
Essa coisa de pinçar compositores diferentes para o repertório ficar mais rico é típico das cantoras da MPB: Elis fazia isso (Fagner, Belchior, Gil, Mliton, tantos outros), Gal faz isso (Lulu Santos, Luis Melodia, Mautner, Roberto & Erasmo). E o chique era também resgatar artistas antigos, tipo Gal com Lupicínio Rodrigues, Ismael Silva e Geraldo Pereira. Nara Leão também curtia essa coisa de descoberta do baú.
Marisa Monte, no começo da carreira, seguiu essa cartilha de ecletismo e mistura do antigo e moderno direitinho: samba-enredo (Lenda das Sereias, Rainha do Mar), música de trabalho (Ensaboa, que é de Cartola mas provavelmente é música de trabalho tradicional e Cartola adaptou) e Titãs. Ela era hipster antes do termo se popularizar - conseguia buscar o lado B daquele disco que ninguém tinha descoberto e transformar em ouro. Depois ela vai assumindo seu lado compositora.

Aí MPB é isso.
Mas os novos nomes da MPB são isso? Para mim, os que mais me empolgam não tem nada disso. E digo mais: eles têm sede de pop. Não falo isso como algo ruim - acho ótimo! É que a MPB sempre pareceu gostar do cabeçudismo, do cult, do "para poucos”. Gosto de ambos os caminhos, existem momentos para ambas as coisas, mas adoro o desenvergonhado pop!
(aliás, as 3 cantoras acima citadas, apesar de terem coisas no repertório que são mais conceituais, abraçaram o popular bem lindas em estágios das carreiras. certas elas!)
A última vez que concretamente a MPB deixou de ser tão MPB e ficou mais pop foi no estouro do samba-reggae baiano. No afoxé. Na música para cantar junto dançando na ladeira. Sim, estou falando da axé music!

Todo mundo que gosta de música PRECISA assistir esse documentário! Tem no GNT Play.

Ao contrário de muita gente, não acho que comparar algo com axé music é pejorativo. É brasileiro e é uma delícia. Tem coisa boa e tem coisa ruim, como em qualquer outro estilo.
Sinto, nessa vontade de pop desses artistas que estão chegando, algo diferente do axé mas ao mesmo tempo próximo, gostoso, meio despretensioso. É mais axé que MPB, no sentido de que não existe pedestal, elitismo. Mas existe estrela pop, sim, em ascensão.
Vou mostrar aqui o que considero que é meio primo - acaba sendo uma generalização, mas é para fins de exaltação e mais divulgação e não de reducionismo; cada um aqui é importante por si só e maravilhoso. Gosto de tudo - goste também!

MC Tha

Eu sei, é irresistível comparar a MC Tha a Clara Nunes com as simbologias de religiões de matriz africana nos figurinos, com as referências a umbanda na música, MAS PORÉM MC Tha deixa a matriz do samba de lado - ela se refastelou no funk antes de lançar esse disco, que tem um viés bem pop. A capa do disco materializa essa relação:

Mistura do look ostentação do funk com iconografia da umbanda

Mistura do look ostentação do funk com iconografia da umbanda

Faz sentido que ela use o funk como matriz no lugar do samba se a gente pensar no espaço que os estilos musicais ocuparam/ocupam na periferia ontem e hoje. Mas o que me interessa, acima de tudo, é que esse disco de estreia de MC Tha transcende o conceito: é bom de ouvir na pista, na festinha, no rádio. Ouçam!

Jaloo

Falando em MC Tha, vamos falar também de um amigo dela! Jaloo a chamou para participar de Céu Azul, uma música muito bonita lançada em single por ele; e ela por sua vez traz Jaloo no álbum de estreia na faixa Onda.
O Jaloo não chegou no rolê ontem - tem um disco de 2015, o #1, que já era bom. Mas a safra de singles novos e de participações em músicas de colegas mostra que ele trouxe uma vontade de dialogar com um público maior, de se propor novos desafios. Vide, inclusive, o filme Paraíso Perdido de Monique Gardenberg, em que ele faz a adorável personagem Imã, uma das coisas mais carismáticas do longa. Não é pouca coisa: foi a mesma Gardenberg que mostrou o quanto Cléo Pires era fotogênica em Benjamin, de 2003. A lente dela também adora Jaloo, passeia por ele, brinca de intimidade.
Só falta o disco novo, né, Jaloo? KD?
Aproveito para falar de outra cantora que também chamou Jaloo para participar de uma música…

Duda Beat

Já entrevistei Duda para o canal do YouTube da Lilian Pacce - assista abaixo. Atesto que ela é simpática e me pareceu uma pessoa muito bacana para ser amiga e tomar uma breja.

Acontece que ela já está estourando. A mistura de sofrência com batidas pop mais melodias de forte apelo levam Duda para todo lugar: ela é a nova atração musical que toda marca quer para a festinha, foi destaque no Festival da Cultura Inglesa desse ano e sua Bixinho bateu mais de 7 milhões de streams no Spotify.
A música que ela canta com Jaloo, Chega, traz outra pessoa que nos ajuda a explicar um pouco como chegamos nesse cenário de hoje: é o Mateus Carrilho, egresso da Banda Uó.
A Banda Uó veio na matriz de outro trio, o Bonde do Rolê, que começou em 2005 e trazia o DJ Gorky (e tem a infelicidade de também contar com Pedro D’Eyrot na sua formação, que vem a ser um dos fundadores do MBL). Eles trouxeram o funk para a cena da noite indie, na época majoritariamente branca, e causaram. A melhor formação é mesmo a primeira, com Marina Gasolina (o codinome de Marina Ribatski). Na mesma época, os palquinhos também ferviam com Cansei de Ser Sexy - era uma cena.
Aí veio a Banda Uó em 2010, com a produção do mesmo Gorky. Eles incluiram outras referências como letras mais próximas do forró popular dos Aviões do Forró e Calcinha Preta, melodias do brega, aparelhagem, rap… Estourou. Também eram mais diversos que o Bonde: um moreno bem latino (o Mateus), um loiro bem branquelo, e Mel Gonçalves, linda, de cabelo crespo maravilhoso e superpresença de palco.
A Banda Uó anunciou uma interrupção (ou um término?) em 2017. Foi nesse mesmo ano que o mesmo Gorky estava envolvido na produção de outro fenômeno, que seria o maior dele até hoje…

Pabllo Vittar

"Não gosto da voz", “acho que canta mal", “não é boa a música". A maioria das pessoas que já ouvi falando isso curtem uns funks. Gosto das duas coisas e acho que essa rejeição com a Pabllo tem a ver com outra coisa… Mas esse sou eu supondo algo, sei lá, néam.
Aceita o hit, bi.

Pabllo é um fenômeno não só por ser uma drag queen. A música é boa e bem produzida sim. É mais ou menos a mesma fórmula da Banda Uó atualizada, com letras ainda melhores, mais pop e radiofônica que nunca. O último álbum, Não Para Não, também produzido por Gorky e mais uma turma, é muito superior a muita coisa que a gente vê por aí, inclusive internacional. Caprichado, variado mas mantendo uma coesão. Sou fã mesmo! Leia esse texto do Reverb com o Gorky falando do seu trabalho com a Pabllo.

Tem um monte de outras coisas que considero que são próximas desse movimentinho pop popular mas que se aproximam mais da MPB (Liniker, Jade Baraldo, Mahmundi, Johnny Hooker, As Bahias e A Cozinha Mineira, a própria Luísa Sonza em grande parte do repertório dela), e outras ainda que se aproximam mais do conceitual (Teto Preto, Letrux). Acho (quase) tudo bom, o que na verdade é ótimo: a qualidade da música pop brasileira tem se mostrado uma constante.
Não me incomoda a hegemonia do sertanejo e do funk principalmente porque com a internet isso é facilmente burlado por quem quiser - basta procurar. E não acho o sertanejo necessariamente ruim (aliás, acho que tem umas coisas ótimas sim), nem o funk (até incluiria Anitta e Ludmilla aqui nesse post mas as considero casos à parte, elas estão internacionalizando o som para ficar mais pop enquanto esses que citei pegam muitos elementos do som popular brasileiro).

Pegando o gancho do último parêntese, se a gente for pensar bem: do mesmo jeito que a MPB pegava músicas populares e as trazia para o seu cercado (samba, Roberto Carlos, e até o sertanejo com a gravação de É o Amor com Maria Bethânia e de Nuvem de Lágrimas com Fafá de Belém), esse pop de hoje tem feito a mesma coisa (funk, forró, sertanejo, arrocha). O Brasil é o país da mistura mesmo.

Misturem-se. Que a caretice nunca crie muros e nunca derrube pontes.

Entrevista com Dudu Bertholini: "Nenhuma das iniciativas sustentáveis gera menos impacto do que usar o vintage"

Dudu Bertholini é um stylist com muita personalidade, daqueles que você identifica em trabalhos mais autorais - ou você identifica certa inspiração, se não for styling dele… Lembro que me senti muito burro por não ter ido no primeiro desfile da Neon, a marca que Dudu teve com Rita Comparato (hoje à frente da ótima Irrita), que foi no teatro Oficina. Tanto que fui em praticamente todos os outros, porque eram sempre os desfiles mais comentados do SPFW, empolgantes, dramáticos, divertidos.

Nessa estreia na Casa de Criadores da Ahlma de André Carvalhal, Dudu foi convidado pela marca para, adivinha só, criar um desfile vintage. São peças únicas garimpadas que receberam interferências de dois criadores muito marcantes da turma dele, Vanessa Monteiro e Fabio Kawallys. Tudo a ver com o que eu falei no fim desse post super recente! Mas o Dudu pode explicar melhor do que eu, claro.

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Dudu e André Carvalhal no backstage

Foto: Paulo Cândido

Dudu: A Ahlma, muito mais do que ser uma marca, é uma plataforma de boas práticas, de sustentabilidade, de uma moda com propósito, de uma nova consciência. E aí me chamaram para fazer um desfile 100% vintage, feito a partir de upcycling de peças que já existiam. A gente entende que o maior valor disso, muito mais que despertar o desejo por essas peças, é fomentar essa consciência, fazer com as pessoas queiram fazer essa customização em casa, olhar para aquilo que já foi produzido em excesso para que todos nós pudéssemos nos vestir por muitos anos ao longo da história! E nenhuma das iniciativas sustentáveis gera menos impacto do que usar o vintage. 

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Letrux estava no casting do desfile

Vermelhou sempre ;) Foto de Paulo Cândido

Wakabara: Onde vocês encontraram as roupas?
D: A gente trabalhou primordialmente com peças da ASA, que é a Associação Santo Agostinho e faz um trabalho social muito legal de muitos anos ajudando idosos, crianças e adolescentes. Compramos as peças deles, ressignificamos e assim também trazemos visibilidade para eles. E aí chamei Fabio Kawallys, rainha da customização tropical punk antes de todas, e Mística Selvagem Vanessa Monteiro - temos uma história de colaboração de 20 anos de roupas de brechó

W: Sim, eu lembro!
D: Você lembra bem, ela de maiô jeans, precursora! Nós que já somos vintage (risos), há 20 anos já usando vintage, nos juntamos nessa aventura, o que também é muito especial, colaborar criativamente depois de tanto tempo.

Em primeiro plano, da esq. pra dir.: Vanessa Monteiro, Mãeana (que cantou a trilha ao vivo com músicas da Xuxa), André Carvalhal, Fabio Kawallys, Dudu Bertholini (Foto: Paulo Cândido)

Em primeiro plano, da esq. pra dir.: Vanessa Monteiro, Mãeana (que cantou a trilha ao vivo com músicas da Xuxa), André Carvalhal, Fabio Kawallys, Dudu Bertholini (Foto: Paulo Cândido)

W: E a edição do desfile?
D: É uma edição solta, que prioriza a individualidade, mas acho que a gente tem um tom de casualidade; são camisas, camisetas, moletons, com paletós mas usados de forma relaxada; uma pegada cotidiana. Temos signature piece também - uma saia do Dener [Pamplona de Abreu], por exemplo, que virou um look punk. Existem highlights mas no geral são peças casuais, que você poderia encontrar em qualquer lugar e que ganham vida a partir do upcycling. É essa a grande mensagem.

W: E essa saia do Denner você encontrou na ASA?!
D: Não, essa é do acervo de Mística Selvagem; mas na Associação tem Burberry, tem doações muito babado. As peças não são tão baratinhas, tem uma triagem, higienização... Mas sob a nossa ótica, a gente incentiva que a pessoa abra o olhar para todos e quaisquer valores, talvez aquela peça que está ali na bacia de R$ 1 é a que mais precisa de uma ressignificação.

W: Claro, e sem etiqueta nenhuma…
D: Exatamente.

Fotos: Paulo Cândido

W: Esse novo uso do vintage, com passarelas apresentando roupas novas que parecem vintage - na minha leitura o segredo está no exercício do styling. Ou seja: a passarela agora mostra styling?
D: A moda é um reflexo do mundo e a passarela é um reflexo da moda. A gente está falando de uma moda que quebra padrões, com esse papel no presente e no futuro de desmontar essas regras e padrões para que todos nos sintamos incluídos. E essa quebra tem que estar na passarela. Quando começamos a colocar um exercício que diz assim: "Ter estilo é a melhor ferramenta de sustentabilidade”, não vai ter revista alguma que vai dizer "use este blazer". Ela vai defender que você tenha essa visão de que aquela peça pode virar algo nas suas mãos. Existe um exercício de independência, de autoria em cima do look, que é muito corajoso a moda se dispor a fazer. E não é só a Ahlma, todo mundo está falando isso. Então a gente está aqui propondo: você vai consumir o que você tiver desejo mas não estamos aqui para impor regras do que você tem que usar; estamos aqui para criar um cenário que fomente sua individualidade. Desde Gucci até Versace, você tem um mercado inteiro passando essa mensagem. Como é que você vai andar na rua e ter um look que se diferencia dos outros? Existe uma camada individual em cima disso que ninguém pode ter dar, só você pode desenvolver, e esse desfile é um exercício a favor disso.

W: E você acha que o trabalho de styling mudou por causa disso?
D: Acho que não dá mais para dizer o que é styling e o que é direção criativa. E não dá mais para dizer o que é uma tendência e o que é um rumo para onde o mundo está indo. É um novo lugar para o stylist sim, é um novo momento de pensar o styling.

Esse post e a minha cobertura da Casa de Criadores traz fotos do super Paulo Cândido: sigam o Paulo no Insta

Para complementar esses pensamentos, sugiro o vídeo novo da Ale Farah (que inclusive cita esse desfile e é superamiga do Dudu):

E esse vídeo que fiz com a Lilian Pacce faz mais de um ano já falando do mercado de revenda: