As ilustras de Elifas Andreato em capas de disco

Elifas Andreato talvez não seja um nome que você ligue a uma obra logo de cara, mas se você gosta um pouco de música brasileira você provavelmente já se deparou com alguma coisa criada por ele. É que Elifas é um artista que fez MUITA capa de disco para a MPB, e quando eu digo MUITA você realmente tem que acreditar.

Tem exposição do trabalho do Elifas em cartaz no Museu Afro Brasil até 5/10/2019, e eu aproveito para mostrar algumas das capas que ele já criou abaixo. Confira!

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Nação (1982)

De Clara Nunes

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Canta Canta, Minha Gente (1974)

Martinho da Vila

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Espiral de Ilusão (2017)

Criolo

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Nervos de Aço (1973)

Paulinho da Viola

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Adoniran Barbosa e Convidados (1980)

Adoniran Barbosa

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Luz das Estrelas (1984)

Elis Regina

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Clementina, Cadê Você? (1970)

Clementina de Jesus

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Estudando o Pagode (2005)

Tom Zé

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A Arca de Noé (1980)

Toquinho, Vinícius de Moraes e mais um timão

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Wilson, Geraldo, Noel (1981)

João Nogueira

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Gonzaguinha Presente - Duetos (2015)

Gonzaguinha, disco póstumo

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Cheiro de Mato (1976)

Rosinha de Valença

(Aliás, recomendo fortemente a visita ao Museu Afro Brasil - e com tempo, para ver tudo, é MUITO legal)

Por que Célia não fez tanto sucesso e não é lembrada como deveria?

Célia morreu aos 70 anos em setembro de 2017. É muito provável que você só tenha ouvido falar mas não se lembre de ter escutado, ou mesmo que nunca tenha escutado essa cantora. É uma pena - corra contra o tempo e comece logo com a estreia, que saiu em 1970.

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Amo essa capa pela sua simplicidade e por ela estar de olhos fechados. Fora que o cabelo é lindo e a maquiagem está ótima! Logo de cara Célia mostra uma voz com um registro mais grave. Os arranjos são de Arthur Verocai, Pocho Pérez, José Briamonte e Rogério Duprat e eu destacaria sua versão de Adeus Batucada, clássico do repertório de Carmen Miranda - com Célia a coisa fica mais introspectiva, quase uma bossa nova, meio jazzy, só que diferente do que faria uma Nara Leão porque em alguns momentos rolam uns rompantes mais poderosos e volumosos. Chic!

O álbum ainda tem outras preciosidades tipo No Clarão da Lua Cheia de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, bem roqueirinha tropicalista; To Be da Joyce, uma letra que é em português mas usa esse "to be”, melodia gostosinha e interpretação brincalhona; outra de Joyce, Abrace Paul McCartney por Mim, uma balada para provavelmente alguém que foi morar em Londres? kkkk; e ainda a versão belíssima com arranjo de Duprat de Para Lennon e McCartney. Coisa fina.
O álbum seguinte, de 1972, também merece destaque com coisas lindas como Toda Quarta-Feira Depois do Amor e a suingada Vida de Artista, ambas de Sá e Rodrix sem o Guarabyra (aliás, que trio, né, também precisava ser mais lembrado); Na Boca do Sol que chegou a ser sampleada por Ludacris (?!) na música de 2008 Do the Right Thang com participação de Common e, claro, olha o título, Spike Lee; e uma delicada e diferente Detalhes, o clássico de Roberto & Erasmo. Lembra uma coisa meio Ornella Vanoni, meio ensolarada à Riviera Italiana, com um tom mais displicente e empoderado que o desesperado dramático da versão original do Robertão. E ao mesmo tempo tem o mesmo cheio forte dos anos 1970! Confira:

"Mas é só isso, Wakabara?"
Não, não é só isso. Um ano antes de morrer ela estava fazendo isso aqui:

Sim, uma versão boa de Não Existe Amor em SP do Criolo que não é dele. Vem do álbum que ela lançou em 2015, Aquilo que a Gente Diz, que acho tão bom quanto os primeiros dela. Tem Crua do Otto, que ele mesmo lançou em Certa Noite Acordei de Sonhos Intranquilos; Dois Rios do repertório do Skank e do Nando Reis (de autoria dele, Samuel Rosa e Lô Borges); Eu Sou Aquele que Disse do Sergio Sampaio, um momentinho meio Belchior do artista; e Opus 2, aquela do "Você abusou, tirou partido de mim, abusou” do Antonio Carlos & Jocafi cuja versão da Célia não gosto tanto, mais séria e introspectiva, mas sei lá, talvez você goste.

Resumindo: ouça mais Célia. Já que você não ouviu enquanto ela estava viva, ao menos agora. Tem coisas muito muito boas.

A cantora israelense que adora música brasileira

A música brasileira tem uma qualidade reconhecida mundialmente desde a bossa nova, o mestre João Gilberto, o maestro Tom Jobim, o sucesso retumbante de Garota de Ipanema e os discos maravilhosos de Stan Getz com João (de 1964) e de Frank Sinatra com Tom (de 1967).
Outros viraram ícones: os baianos, Djavan. E tem também Jorge Ben, hoje Jorge Ben Jor. E uma cantora israelense superbem sucedida adora Jorge Ben. Tanto que fez um álbum inteiro em homenagem a ele: é o Bolerio, de 1983. Mas antes disso, no começo da carreira de Yehudit Ravitz, ela participou de um disco de Matti Caspi em homenagem à música brasileira, o País Tropical - Songs from Brazil, com versões em hebraico:

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Ravitz é assumidamente lésbica e tem dois filhos com sua ex-mulher Naomi Kaniuk. Em Bolerio (que quer dizer algo do tipo "vem para o Rio"), o termo world music grita: uma mistura de hebraico com percussão brasileira e instrumental que tem uns sopros sem suíngue mas muito charmosos. Ravitz depois se transformaria em algo mais próximo do que a gente chama de "rock de tio” de maneira pejorativa, mas que eu particularmente gosto - provavelmente porque sou um tio. Risos. Mas entre o fim dos anos 1970 e o começo dos anos 1980, ela tinha essa coisa mais experimental e fusion.

Bolerio!

Quem quiser ouvir o álbum inteiro, de 1983, é só clicar abaixo:

E se você gostou desse post, é provável que goste também da Kimiko Kasai, cantora de jazz japonesa que fez um álbum de disco jazz incrível com Herbie Hancock. Confira aí!

Um bônus antes de ir embora: remix dançante delicinha que saiu recentemente de Omri Smadar para uma música de Ravitz. A música Hakol Beseder fala coisas do tipo “agora está tudo bem, tá rolando uma mudança no ar, ainda existe confusão e tensão mas devagar a gente vai encontrar um refúgio".
Hum… não sei por que me tocou? Ouça:

A nova MPB que é pop demais para caber nessa categorização

MPB é um estilo musical muito abstrato, porque na minha cabeça se fundamenta também em ecletismo, além da brasilidade. O mito do Brasil mestiço parece que desemboca na MPB, do repertório esperto e misturado de Elis Regina, Gal Costa e Marisa Monte, para ficar só em 3 referências praticamente intocáveis da tal música popular brasileira. Elis tinha essa coisa de extrema qualidade - até quando soava dominada pela emoção era técnica, uma contradição doida. É uma experiência sensorial ouvir, por exemplo, Tiro ao Álvaro no fone de ouvido mais alto. Aquele timbre, a inflexão, o conforto que a gaúcha que desenvolveu sua sensibilidade artística no Rio sentia dentro daquela música tão paulistana. Elis interpretava uma música como grandes atrizes interpretam papéis, era um assombro. E o que davam para ela, Elis tornava dela e comia de garfo e faca: de Gracias a La Vida a Cartola (Basta de Clamares Inocência é uma das minhas preferidas), de Jorge Ben a Tom Jobim. Tudo virava dela e tudo, hoje, é considerado MPB.
E Gal? Ouvi esses dias o single novo, Motor, e que mulher, não é mesmo?

Motor, aliás, tem uma história tipicamente MPB: é da banda Maglore, de Salvador, e foi lançada em 2013 no álbum deles Vamos pra Rua. Marcus Preto, que atualmente assina direção artística das coisas que Gal tem lançado, mostrou para ela dizendo que lembrava Vapor Barato (na versão de Gal, ela cita a ligação, incluindo uns honey baby).
E Motor, como boa pérola, também ganhou versões recentes de Pitty, no álbum novo dela, e do próprio compositor Teago Oliveira em Maglore ao Vivo com participação de Helio Flanders do Vanguart.
Essa coisa de pinçar compositores diferentes para o repertório ficar mais rico é típico das cantoras da MPB: Elis fazia isso (Fagner, Belchior, Gil, Mliton, tantos outros), Gal faz isso (Lulu Santos, Luis Melodia, Mautner, Roberto & Erasmo). E o chique era também resgatar artistas antigos, tipo Gal com Lupicínio Rodrigues, Ismael Silva e Geraldo Pereira. Nara Leão também curtia essa coisa de descoberta do baú.
Marisa Monte, no começo da carreira, seguiu essa cartilha de ecletismo e mistura do antigo e moderno direitinho: samba-enredo (Lenda das Sereias, Rainha do Mar), música de trabalho (Ensaboa, que é de Cartola mas provavelmente é música de trabalho tradicional e Cartola adaptou) e Titãs. Ela era hipster antes do termo se popularizar - conseguia buscar o lado B daquele disco que ninguém tinha descoberto e transformar em ouro. Depois ela vai assumindo seu lado compositora.

Aí MPB é isso.
Mas os novos nomes da MPB são isso? Para mim, os que mais me empolgam não tem nada disso. E digo mais: eles têm sede de pop. Não falo isso como algo ruim - acho ótimo! É que a MPB sempre pareceu gostar do cabeçudismo, do cult, do "para poucos”. Gosto de ambos os caminhos, existem momentos para ambas as coisas, mas adoro o desenvergonhado pop!
(aliás, as 3 cantoras acima citadas, apesar de terem coisas no repertório que são mais conceituais, abraçaram o popular bem lindas em estágios das carreiras. certas elas!)
A última vez que concretamente a MPB deixou de ser tão MPB e ficou mais pop foi no estouro do samba-reggae baiano. No afoxé. Na música para cantar junto dançando na ladeira. Sim, estou falando da axé music!

Todo mundo que gosta de música PRECISA assistir esse documentário! Tem no GNT Play.

Ao contrário de muita gente, não acho que comparar algo com axé music é pejorativo. É brasileiro e é uma delícia. Tem coisa boa e tem coisa ruim, como em qualquer outro estilo.
Sinto, nessa vontade de pop desses artistas que estão chegando, algo diferente do axé mas ao mesmo tempo próximo, gostoso, meio despretensioso. É mais axé que MPB, no sentido de que não existe pedestal, elitismo. Mas existe estrela pop, sim, em ascensão.
Vou mostrar aqui o que considero que é meio primo - acaba sendo uma generalização, mas é para fins de exaltação e mais divulgação e não de reducionismo; cada um aqui é importante por si só e maravilhoso. Gosto de tudo - goste também!

MC Tha

Eu sei, é irresistível comparar a MC Tha a Clara Nunes com as simbologias de religiões de matriz africana nos figurinos, com as referências a umbanda na música, MAS PORÉM MC Tha deixa a matriz do samba de lado - ela se refastelou no funk antes de lançar esse disco, que tem um viés bem pop. A capa do disco materializa essa relação:

Mistura do look ostentação do funk com iconografia da umbanda

Mistura do look ostentação do funk com iconografia da umbanda

Faz sentido que ela use o funk como matriz no lugar do samba se a gente pensar no espaço que os estilos musicais ocuparam/ocupam na periferia ontem e hoje. Mas o que me interessa, acima de tudo, é que esse disco de estreia de MC Tha transcende o conceito: é bom de ouvir na pista, na festinha, no rádio. Ouçam!

Jaloo

Falando em MC Tha, vamos falar também de um amigo dela! Jaloo a chamou para participar de Céu Azul, uma música muito bonita lançada em single por ele; e ela por sua vez traz Jaloo no álbum de estreia na faixa Onda.
O Jaloo não chegou no rolê ontem - tem um disco de 2015, o #1, que já era bom. Mas a safra de singles novos e de participações em músicas de colegas mostra que ele trouxe uma vontade de dialogar com um público maior, de se propor novos desafios. Vide, inclusive, o filme Paraíso Perdido de Monique Gardenberg, em que ele faz a adorável personagem Imã, uma das coisas mais carismáticas do longa. Não é pouca coisa: foi a mesma Gardenberg que mostrou o quanto Cléo Pires era fotogênica em Benjamin, de 2003. A lente dela também adora Jaloo, passeia por ele, brinca de intimidade.
Só falta o disco novo, né, Jaloo? KD?
Aproveito para falar de outra cantora que também chamou Jaloo para participar de uma música…

Duda Beat

Já entrevistei Duda para o canal do YouTube da Lilian Pacce - assista abaixo. Atesto que ela é simpática e me pareceu uma pessoa muito bacana para ser amiga e tomar uma breja.

Acontece que ela já está estourando. A mistura de sofrência com batidas pop mais melodias de forte apelo levam Duda para todo lugar: ela é a nova atração musical que toda marca quer para a festinha, foi destaque no Festival da Cultura Inglesa desse ano e sua Bixinho bateu mais de 7 milhões de streams no Spotify.
A música que ela canta com Jaloo, Chega, traz outra pessoa que nos ajuda a explicar um pouco como chegamos nesse cenário de hoje: é o Mateus Carrilho, egresso da Banda Uó.
A Banda Uó veio na matriz de outro trio, o Bonde do Rolê, que começou em 2005 e trazia o DJ Gorky (e tem a infelicidade de também contar com Pedro D’Eyrot na sua formação, que vem a ser um dos fundadores do MBL). Eles trouxeram o funk para a cena da noite indie, na época majoritariamente branca, e causaram. A melhor formação é mesmo a primeira, com Marina Gasolina (o codinome de Marina Ribatski). Na mesma época, os palquinhos também ferviam com Cansei de Ser Sexy - era uma cena.
Aí veio a Banda Uó em 2010, com a produção do mesmo Gorky. Eles incluiram outras referências como letras mais próximas do forró popular dos Aviões do Forró e Calcinha Preta, melodias do brega, aparelhagem, rap… Estourou. Também eram mais diversos que o Bonde: um moreno bem latino (o Mateus), um loiro bem branquelo, e Mel Gonçalves, linda, de cabelo crespo maravilhoso e superpresença de palco.
A Banda Uó anunciou uma interrupção (ou um término?) em 2017. Foi nesse mesmo ano que o mesmo Gorky estava envolvido na produção de outro fenômeno, que seria o maior dele até hoje…

Pabllo Vittar

"Não gosto da voz", “acho que canta mal", “não é boa a música". A maioria das pessoas que já ouvi falando isso curtem uns funks. Gosto das duas coisas e acho que essa rejeição com a Pabllo tem a ver com outra coisa… Mas esse sou eu supondo algo, sei lá, néam.
Aceita o hit, bi.

Pabllo é um fenômeno não só por ser uma drag queen. A música é boa e bem produzida sim. É mais ou menos a mesma fórmula da Banda Uó atualizada, com letras ainda melhores, mais pop e radiofônica que nunca. O último álbum, Não Para Não, também produzido por Gorky e mais uma turma, é muito superior a muita coisa que a gente vê por aí, inclusive internacional. Caprichado, variado mas mantendo uma coesão. Sou fã mesmo! Leia esse texto do Reverb com o Gorky falando do seu trabalho com a Pabllo.

Tem um monte de outras coisas que considero que são próximas desse movimentinho pop popular mas que se aproximam mais da MPB (Liniker, Jade Baraldo, Mahmundi, Johnny Hooker, As Bahias e A Cozinha Mineira, a própria Luísa Sonza em grande parte do repertório dela), e outras ainda que se aproximam mais do conceitual (Teto Preto, Letrux). Acho (quase) tudo bom, o que na verdade é ótimo: a qualidade da música pop brasileira tem se mostrado uma constante.
Não me incomoda a hegemonia do sertanejo e do funk principalmente porque com a internet isso é facilmente burlado por quem quiser - basta procurar. E não acho o sertanejo necessariamente ruim (aliás, acho que tem umas coisas ótimas sim), nem o funk (até incluiria Anitta e Ludmilla aqui nesse post mas as considero casos à parte, elas estão internacionalizando o som para ficar mais pop enquanto esses que citei pegam muitos elementos do som popular brasileiro).

Pegando o gancho do último parêntese, se a gente for pensar bem: do mesmo jeito que a MPB pegava músicas populares e as trazia para o seu cercado (samba, Roberto Carlos, e até o sertanejo com a gravação de É o Amor com Maria Bethânia e de Nuvem de Lágrimas com Fafá de Belém), esse pop de hoje tem feito a mesma coisa (funk, forró, sertanejo, arrocha). O Brasil é o país da mistura mesmo.

Misturem-se. Que a caretice nunca crie muros e nunca derrube pontes.