Um disco incrível está ganhando uma reedição em vinil

Já falei aqui o quanto adoro a Tracey Thorn e também já enumerei Amplified Heart, um dos álbum do Everything But The Girl (dupla de Tracey com o marido Ben Watts), como um dos discos que marcaram minha vida.
Mas o álbum que veio na sequência de Amplified Heart, o Walking Wounded de 1996, também foi muito importante para mim.

Para quem não sabe, a foto da capa e essa são do brasileiro Marcelo Krasilcic. Marcelo fez fama no exterior como fotógrafo e trabalhou para diversas publicações internacionais. Confira outros trabalhos no site dele

Para quem não sabe, a foto da capa e essa são do brasileiro Marcelo Krasilcic. Marcelo fez fama no exterior como fotógrafo e trabalhou para diversas publicações internacionais. Confira outros trabalhos no site dele

Para mais contexto sobre a minha relação com o disco: Amplified Heart saiu em 1994, e era ele que trazia o super hit Missing. Mas Missing só ganhou remix de Todd Terry, que ganhou as pistas, em 1995. Naquela época sem as facilidades da internet, Missing chegou ainda mais tarde por aqui. Em 1996, do alto de meus quinze aninhos, fui para Atlanta visitar minha irmã Ana Flávia Wakabara, que estava morando lá por um ano para aprimorar o inglês. Eram as Olimpíadas, a minha primeira viagem para o exterior, a primeira viagem sozinho (só encontrei minha irmã lá).

A minha irmã já tinha o CD do Amplified Heart. Foi uma das trilhas sonoras dessa viagem, ao lado do The Stonewall Celebration Concert do Renato Russo. Não lembro exatamente quando que achei e comprei Walking Wounded, mas na minha fantasia foi um pouco antes das férias do meio do ano seguinte, 1997, quando fui fazer intercâmbio de um mês em Londres.
Foi meio que nessa hora que a música eletrônica virou outra coisa para mim. O poperô das 7 Melhores da Jovem Pan e a drag music que eu ouvia com RG falsificado nas boates GLS (na época a sigla era essa) agora iriam conviver com drum 'n’ bass, Prodigy, Chemical Brothers - o cool britannia não era só britpop mas também todo esse som da pista. Ainda em Londres, entrei no mítico clube Ministry of Sound sem poder (tinha 16 anos!!) com uma carteirinha de albergue de uma carioca chamada Daniela.
A minha vida agora ia ter roupas de nylon da Slam, colarzinho de bolinhas de metal e a coleção da Triton que era bem streetwear, com blusas que eu adorava (uma tipo jaco da Adidas azul clarinha com detalhes em preto e laranja e um suéter cinza mescla com faixas também em laranja). Eu ia pintar a franja do meu cabelo comprido de azul. E ia ler Noite Ilustrada da Erika Palomino toda sexta - só não ia no Hell's porque era meio cagão.

Era uma época de descobertas.

Nesse meio tempo, o Everything but the Girl, também conhecido como EBTG, já tinha sido muita coisa. Começou jazzy com namoricos com bossa nova, virou meio new romantic em seu segundo álbum, no terceiro gravou com uma orquestra no estúdio famoso da Abbey Road com resultado meio primo de Burt Bacharach e Phil Spector, nos seguintes assumiu uma versão meio Alpha FM de si mesmo, tipo o que as pessoas chamavam de “pop adulto contemporâneo” porque não conseguiam achar outro termo para aquilo! Depois de Walking Wounded virei fã de vez do EBTG de vez e busquei as coisas mais antigas, gosto muito de algumas.

Enquanto gravava Amplified Heart, Tracey e Ben "cometeram” duas músicas para os reis do trip hop Massive Attack: Protection e Better Things. Isso, ao lado do remix de Missing, virariam pontos de transição para Walking Wounded. Protection é uma das músicas mais lindas que tem para você ouvir na sua vida, e apesar de ter sido composta na época do medo da Aids e poder ser lida dessa forma, dizem que Tracey a escreveu pensando em Ben, que em 1992 foi diagnosticado com uma rara doença autoimune chamada síndrome de Churg-Strauss e passou por uma cirurgia que removeu cerca de 80% do seu intestino, fazendo-o passar por um longo período de convalescença. Confira:

E aí chegamos em Walking Wounded em si, com sua capa icônica e músicas não tão icônicas mas que formam um conjunto poderoso, um retrato e uma estética de uma época; e que agora está sendo relançado em formato vinil em novembro.

Logo na primeira música, Before Today, tudo fica claro: com batidas e melodia nitidamente eletrônicas, Tracey canta que não quer isso, não quer aquilo, não quer aquilo outro. O que ela quer? O amor do interlocutor. O resultado não é necessariamente dançante, também não é música de lounge para ouvir ao fundo sem prestar atenção. No fim, ela diz que achava que seu coração era mais duro… até hoje. Ou seja, uma das coisas que correm por todo o disco é o tema romântico - desmistificação da ideia de música eletrônica como desprovida de sentimento, incapaz de passar emoções.
Em seguida vem o primeiro single, Wrong.

Um jogo de estica e puxa; quem tudo quer nada tem. A letra conta de um casal que precisa alinhar expectativas, a voz de Tracey diz que vai seguir o interlocutor para onde ele quiser porque ela estava errada. É a música desse álbum que tentou ser a nova Missing, mais uma vez com remix de Todd Terry, e até fez sucesso mas nada comparado ao hit mundial anterior.

Watts, depois do diagnóstico e da cirurgia que citei, ficou mergulhado em computadores e sintetizadores no seu período mais recolhido. E no processo de composição do Walking Wounded, já recuperado, mergulhou na cena dos clubes de eletrônica levando Tracey junto. Para essas músicas, especificamente, usou um sampler Akai, um sintetizador, um computador, um violão, um microfone e uma mesa de oito canais.
Esse post do Pitchfork fala bastante sobre todo esse processo do Walking Wounded. É interessante como a autora Ruth Saxelby o lê como um disco bem pessoal, com todas as questões do casal naquele momento vindo à tona.

Uma outra das minhas preferidas desse disco é Mirrorball, o que na verdade é um pouco incongruente porque é uma das que mais se aproxima da fase mais acústica do EBTG apesar da produção bem eletrônica:

Não sei porque gosto tanto, acho que é mais a melodia. A música parece bem autobiográfica sobre Tracey, com ela relembrando seus tempos de adolescente e tentando ser mais condescendente consigo mesma, tipo "águas passadas não movem moinhos". É fofa.

Outra que gosto muito é Single - é sobre, pelo que entendo, aqueles períodos em que o casal precisa ficar separado. Viagem de trabalho, coisas assim.

And how am I without you?
Am I more myself or less myself?
I feel younger, louder
Like I don’t always connect
Like I don’t ever connect
— Tracey Thorn em Single

Ouça o disco inteiro:

As ilustras de Elifas Andreato em capas de disco

Elifas Andreato talvez não seja um nome que você ligue a uma obra logo de cara, mas se você gosta um pouco de música brasileira você provavelmente já se deparou com alguma coisa criada por ele. É que Elifas é um artista que fez MUITA capa de disco para a MPB, e quando eu digo MUITA você realmente tem que acreditar.

Tem exposição do trabalho do Elifas em cartaz no Museu Afro Brasil até 5/10/2019, e eu aproveito para mostrar algumas das capas que ele já criou abaixo. Confira!

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Nação (1982)

De Clara Nunes

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Canta Canta, Minha Gente (1974)

Martinho da Vila

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Espiral de Ilusão (2017)

Criolo

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Nervos de Aço (1973)

Paulinho da Viola

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Adoniran Barbosa e Convidados (1980)

Adoniran Barbosa

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Luz das Estrelas (1984)

Elis Regina

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Clementina, Cadê Você? (1970)

Clementina de Jesus

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Estudando o Pagode (2005)

Tom Zé

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A Arca de Noé (1980)

Toquinho, Vinícius de Moraes e mais um timão

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Wilson, Geraldo, Noel (1981)

João Nogueira

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Gonzaguinha Presente - Duetos (2015)

Gonzaguinha, disco póstumo

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Cheiro de Mato (1976)

Rosinha de Valença

(Aliás, recomendo fortemente a visita ao Museu Afro Brasil - e com tempo, para ver tudo, é MUITO legal)