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A segunda onda do City Pop: Miki Matsubara

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Primeiro foi Plastic Love. Já contei toda história aqui: uma música japonesa foi redescoberta nos EUA graças a uma loucura do algoritmo do YouTube que até agora ninguém conseguiu explicar. Música essa que nem era o maior hit de Mariya Takeuchi! De repente, surgiu toda uma subcultura ao redor dessa canção, com uma gama de pessoas fãs de um estilo musical do Japão do fim dos anos 1970 e grande parte dos anos 1980 que nem existe mais. E que nem os japoneses reconhecem direito! Mais exótico ainda: grande parte dos fãs do City Pop nem eram nascidos na época que os hits foram lançados.

Depois de Plastic Love, vários outros artistas, incluindo Tatsuro Yamashita (que é o marido de Mariya Takeuchi), foram descobertos. Discos esgotaram, ficaram caríssimos. E já ouvi muita gente falar que gosta de City Pop porque não entende japonês, então consegue curtir as melodias superchiclete trabalhando ou fazendo outra coisa, sem se distrair muito - vira música boa de fundo.

E finalmente, Mayonaka no Door - Stay With Me de Miki Matsubara virou outro capítulo dessa história do j-pop. Ela chegou a ocupar o topo da parada global do Spotify de hits virais em uma semana de dezembro de 2020! Existem duas teorias para esse acontecimento, mas eu não acho que uma elimina a outra.

Mayonaka no Door foi lançada na voz de Matsubara em 1979. Mais de 40 anos atrás. Então como isso aconteceu?
Quem é rato de YouTube sabe que tem muito canal em que cantores fazem cover de músicas para mostrar seu talento - aliás, acho que era o caso de bastante gente famosa hoje, como Justin Bieber e a brasileira Iza.
Uma dessas cantoras que aproveitam o YouTube para fazer isso é a Rainych.
Ela já é uma figura bem interessante por si só, da Indonésia, muçulmana (dá para sacar pelo hijab) e bem kawaii, uma voz bem gracinha. Atualmente acumula 1,7 milhões de seguidores.
E Rainych decidiu gravar Mayonaka no Door - em japonês mesmo!

Esse vídeo tem mais de 5 milhões e meio de views. E contando.
Raynich, ou quem quer que planeje o visual dos seus vídeos, sabia o que estava fazendo. Como o City Pop é um estilo rodeado de referências retrô, que vão de animes antigos ao disco de vinil, o clipe também tem esse visual inspirado.

Mayonaka no Door então foi redescoberta na Indonésia e outros países asiáticos. Aí foi entrando em playlists e se popularizando. Até que virou… um desafio do TikTok.
Ah, o TikTok. Sempre ele. TikTok é a nova Hollywood, o lançador de tendências atual.

Dizem que existe um primeiro vídeo, que eu não consegui localizar, no qual um usuário do Tiktok coloca Mayonaka no Door para tocar e filma a mãe e a tia ou algo assim. São duas japonesas. E elas invariavelmente começam a balançar de um jeito muito característico quando o refrão da música chega - memória afetiva total.
Aí outras pessoas que têm mãe que viveu na década de 1980 no Japão decidiram fazer a mesma coisa. E descobriram que elas… reagiam da mesma forma!
A coisa tomou tal proporção que virou meme: as pessoas começaram a fazer a mesma coisa com qualquer um, e tudo combinado, claro, esse qualquer um reagia do mesmo jeito que as mulheres japonesas! Risos!

(Sorry pela propaganda no meio desse vídeo! Don’t shoot the messenger!)

E foi aí que Mayonaka no Door se popularizou de vez, chegando na parada global viral do Spotify. Aliás, o fato da música já estar no Spotify na época que começou a viralizar também deu um impulso mais imediato nela, se a gente comparar com Plastic Love que se manteve por muito tempo como fenômeno específico de YouTube e só foi chegar na plataforma de música no mesmo mês de dezembro de 2020.

Certo. E a Miki Matsubara em si?

Matsubara foi um caso raro na época de cantora pop que não era considerada idol. Isso quer dizer que, por mais que ela fizesse um som comercial, era respeitada enquanto cantora. Reconheciam seu talento e sua capacidade. Uma idol seria um produto massificado feito para ser consumido por adolescentes, Matsubara era artista. Mayonaka no Door foi o single de estreia dela, em 1979, e virou um hit que não chegou no topo das paradas, mas se manteve perene (tanto que resistiu na memória das japonesas que viraram mamães até 2020). É considerada até hoje a grande música da carreira de Matsubara, mesmo que ela tenha lançado outras coisas bem sucedidas depois.

O compositor de Mayonaka no Door também não tinha muita experiência: Tetsuji Hayashi tinha acabado de começar na carreira, com bastante influência da música estadunidense no seu trabalho. Na mesma época, fez coisas para outros nomes do City Pop como Takeuchi e Junko Ohashi.
Hayashi veio a se tornar o grande mago do j-pop: compôs grandes sucessos para nomes gigantescos como Seiko Matsuda, Momoko Kikuchi, Hideki Saijo e Akina Nakamori.

Matsubara lançou vários álbuns ao longo dos anos 1980, se aventurando até pelo jazz em 1984 com Blue Eyes, que traz as suas versões de vários standarts como Love for Sale e Misty. Ladygagou toda!

A minha capa preferida é a do último solo, Wink, de 1988. Em 1992, sairia a trilha de um OVA do Gundam (aquele do robô gigante, o mecha) com sua participação. Depois disso, ela se dedicou mais a trilha de animes e ao seu trabalho como compositora.

Matsubara era bastante reservada a respeito de sua vida pessoal. Ela morreu de câncer do colo do útero em 2004, aos 44 anos, mas sua morte foi anunciada publicamente só dois meses depois.

Para acabar esse post numa energia mais para cima, confira Matsubara e Matsuda, que é uma das maiores idols que o Japão já teve (e, segundo muitos, a maior de fato), cantando Mayonaka no Door juntas em 1980:

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