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Banana Fish é um anime LGBTQ sem pegação, é TUDO e tem em streaming

O nome não é estranho? Bom, Banana Fish também está no título de um conto superfamoso da literatura norte-americana, e de um dos meus autores preferidos. Um Dia Ideal para os Peixes-Banana é um conto de J. D. Salinger que faz parte da coletânea Nove Estórias e traz um dos personagens da família Glass, Seymour Glass (a família Glass aparece em grande parte das obras de Salinger). A boa notícia é que Um Dia Ideal para os Peixes-Banana está disponível online no site da revista Bula - leia, mas com cautela, é um conto aparentemente simples mas trata-se de uma armadilha. E é bom ler já antes de continuar, porque mais para frente vou dar spoilers dele, OK?

O conto saiu pela primeira vez na revista New Yorker em 1948. O trauma pós-guerra e decorrentes problemas na saúde mental são retratados na figura de Seymour. Salinger aproveita as figuras recorrentes em seu trabalho da família Glass para mostrar a complexidade do ser humano e as decorrências de fatos contemporâneos nas nossas vidas. Ele também é autor do profundo e emblemático O Apanhador no Campo de Centeio - se você não leu, recomendo parar tudo o que está fazendo. Alguns dirão que é uma obra voltada para adolescentes, mas não espere por Jogos Vorazes. O negócio é tenso e mexe com a gente. Já ouvi falar que é um dos livros preferidos do Washington Olivetto - ele tem um monte de cópia extra e dá para as pessoas, tipo evangelizando a palavra de Salinger para o povo!

E Banana Fish, o anime, também mexe com a gente.

O anime é inspirado num mangá de mesmo nome que, disfarçadamente, foi direcionado para garotas. Não sei se você sabe mas mangás no Japão são bem divididos e segmentados em revistas que tem público cativo: o dos meninos, a das meninas etc.
Entre essas histórias para as meninas, é comum que existam as de estilo yaoi. Elas trazem casais de meninos gays com papéis bem definidos de ativo e passivo, são românticas e ao mesmo tempo possuem cenas estilizadas de estupro (sim, pois é), dominação e congêneres. Geralmente essas historias são vistas como válvula de escape para leitoras que não possuem um relacionamento ou que até o possuem, mas são infelizes nele e gostam de sonhar com algo mais idealizado (e impossível de ser vivenciado por elas, já que os personagens principais são rapazes).
Os yaoi vem desde a década de 1970 e são um sucesso sedimentado. Você também pode ver isso como parte do conjunto semântico do ideal masculino mais frágil e feminilizado da Ásia hoje, contemplado, por exemplo, por ídolos do j-pop e k-pop.
(Existe outro estilo de mangá, o bara, voltado para os homossexuais, nos quais os homens são mais musculosos ou gordos, geralmente mais masculinos e maduros, e o foco dele é mais voltado ao sexo em si do que ao relacionamento, pelo menos ao meu ver. Acho que podem até haver exceções mas yaoi e bara são coisas bem diferentes, definitivamente.)

Já está complicadíssimo na sua cabeça, eu sei, mas vou complicar ainda mais: Banana Fish é um ponto fora da curva. Ao contrário da tradição dos yaoi, a história que começou a ser publicada em 1985 na revista Bessatsu Shôjo Comic não traz exatamente um casal gay que faz sexo. Os protagonistas Ash e Eiji na verdade nem transam. É algo mais platônico, apesar de existir uma tensão amorosa entre eles. Eles são gays? Há discussões sobre isso até hoje, e a própria Akimi Yoshida, autora de Banana Fish, costuma ser dúbia em suas respostas para entrevistas.

Outra grande diferença entre Banana Fish e outros é que o estupro aqui não é glamourizado: o tempo todo ele é tratado como algo negativo, perverso, um fetiche nojento. Quem o pratica na trama deve ser punido, existe uma clara criminalização. Ufa.

Não tenho certeza, mas acho que Yoshida fez tudo isso de caso pensado, para criar algo diferente. Tanto que Banana Fish virou cult e conseguiu furar a bolha dessa divisão de gênero: muitos homens héteros e cis são fãs e não tem vergonha de admiti-lo.

Mas vamos à história em si?

Eiji e Ash, o casal mais shipável <3

O mangá começa com Griffin, um soldado da Guerra do Vietnã que é usado como cobaia para uma nova droga chamada Banana Fish. Ele acaba pirando com os efeitos dela e sai matando todo mundo - um amigo, Max, é obrigado a atirar nas suas pernas deixando-o paraplégico. Ele fica catatônico.

O irmão de Griffin é Ash, um rapaz de 17 anos que parece uma versão desenhada de River Phoenix, ex-garoto de programa e atual líder de uma gangue de rua de NY que tenta desvendar o que aconteceu com o irmão. Ele acaba descobrindo ao longo da história que essa droga é pura bad trip e que a pessoa fica tão maluca que mata e depois comete suicídio.

Essas duas temáticas, a guerra militar e o suicídio, são o que ligam o mangá (e consequentemente o anime) ao conto de Salinger. Mas também acho que esse retrato de jovens com questões existenciais profundas é inspirado nos personagens salingerianos.

Griffin no flashback eterno da bad trip

Nesse meio tempo, aparecem os japoneses Eiji e Ibe: o segundo é um fotógrafo que quer fazer uma fotorreportagem do universo das gangues juvenis de NY, e o primeiro é seu assistente. Eles acabam se envolvendo mais com Ash, Eiji constrói uma relação íntima, mas que nunca chega as vias de fato, com Ash; eles são como opostos que se completam, um rebelde e o outro conformado, um loiro americano e o outro japonês de cabelo preto, um teve uma vida relativamente feliz (na verdade com um trauma, Eiji era atleta mas não consegue mais competir) e o outro teve uma infância dolorosa que o empurrou para uma vida criminosa.

A gente descobre que quem está patrocinando os estudos dessa droga para que ela seja usada pelos militares americanos na guerra é a máfia controlada por Papa Dino Golzine. Golzine também é a cabeça de um círculo pedófilo que comercializa crianças como escravos sexuais - e do qual Ash foi vítima. Esse pessoal inclui figurões do governo.

Ou seja: Golzine é um sugar daddy nojentão

O anime lançado em 2018 adapta várias coisas mas se mantém relativamente fiel à história. A maioria das diferenças é de adaptação de época: a história é atualizada para 2010, com smartphone, Guerra do Iraque no lugar de Guerra do Vietnã e outras coisinhas.

Tem um mar de coisas para falar de Banana Fish para te convencer a correr para a Amazon Prime Video e assistir, mas vou me focar em apenas algumas.

Para começar: Banana Fish é uma série de ação. Tem briga de gangue, tem polícia, cadeia, máfia, incêndio, sequestro, reviravoltas. A sexualidade fica em segundo plano principalmente se você não prestar atenção nela. Agora, se você quiser prestar atenção, ótimo: são personagens complexos, portanto é bom ver retratos ficcionais de gente com sexualidade ambígua mas que ao mesmo tempo vivem histórias que não giram só em torno disso.

Yut-Lung Lee é um bom exemplo: não fica claro se o personagem é crossdresser ou uma mulher trans. Mas fica claro uma coisa: você não gostaria de ter essa pessoa como sua inimiga…

Outra coisa é a inspiração na literatura, não só em Salinger. Todos os capítulos possuem títulos retirados de obras importantes da literatura, e nessa entram F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e outros.

Não fica por aí: o tema da prostituição masculina e a semelhança entre Ash e River Phoenix, por exemplo, remetem ao longa Garotos de Programa (1991) de Gus Van Sant, um clássico queer. A culminação da guerra de gangues no metrô de NY em direção a Coney Island nos lembra Warriors - Os Selvagens da Noite (1979).
Provavelmente deve ter mais filme que inspirou Yoshida e eu não pesquei. Sei que o personagem Max sai do físico de Harrison Ford e Eiji replica o físico de Hironobu Nomura, um aidoru bem fofito.

E como nada é perfeito, um defeito: a música de abertura. Emocore dos ruins.

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