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Um curta muito bonito

August 18, 2021 by Jorge Wakabara in cinema

Não sei se vocês tão sabendo, mas nesse exato momento (e até 29/08) está rolando a Mostra Internacional Curta o Gênero, bem bacana, recheada de coisa boa para ver (curtas, como o próprio nome do evento já diz, que falam principalmente sobre gênero e sexualidade). É bom para a gente sair da nossa bolha e ver outras realidades e também para deixar descansar um pouco o catálogo de streaming (aliás, eu tô sentindo que estou pagando cada vez mais e me interessando cada vez menos pelos lançamentos, isso também está acontecendo com vocês?). Você acessa a mostra, que também inclui exibição de fotos, ilustrações, músicas, seminários e até programação infantil, nesse link.

Mas na verdade eu queria falar sobre um dos curtas que estão em exibição. Na verdade foi uma sugestão de pauta, coisa que é rara para esse site que vos fala (sem dramas, eu não tenho expectativas das assessorias incluírem meu blog nos seus mailings, está tudo bem kkkkkk). Mas o que foi muito instigante foi que eu recebi a sugestão de pauta, achei legal, fui me informando ali e… percebi só depois que conhecia aquele menino que aparece nas filmagens do documentário!

Esse é o Vicente bem novinho no doc

Esse é o Vicente bem novinho no doc

Não me lembro de ter conversado mais que cinco minutos com o Vicente, mas tem todo um círculo de amigos dele do qual eu sou bem próximo. Então esse curta, para mim, também teve esse lado interessante, meio BBB meio stalker, de conhecê-lo um pouco melhor.
Mas vamos ao curta porque esse texto não é sobre mim e sim sobre o curta: O Amigo do Meu Tio é uma narrativa construída com imagens caseiras da câmera filmadora do pai do Vicente Concilio, dirigida por Renato Turnes e narrada pelo próprio Vicente. É um documentário porque retrata a infância dele, a homossexualidade já presente ali, indisfarçável, e a paixonite no amigo do tio, o Chulé.
Eu não vou entregar tudo, mas é difícil porque o curta só tem oito minutinhos. Dá para assistir na hora do almoço, ou enquanto espera a roupa bater na máquina, ou enquanto o jantar do delivery não chega. Mas são oito minutos que ficam ecoando, principalmente para quem também foi uma criança viada. E especialmente para quem, como o Vicente, cresceu nos anos 1980 e 1990. Quando foi que você percebeu que se sentia atraído pelo mesmo sexo? Você sentia as expectativas da sua família para uma heteronormatividade? Você acha que crescer entre os anos 1980 e 1990 fez a sua vivência ser diferente da de outros LGBTQIA+ em que sentidos?

O Amigo do Meu Tio faz parte da sessão Muitas Outras Masculinidades da mostra. Já deixo o link aqui na mão para quem quer ir direto.
Bom filme! ;)

August 18, 2021 /Jorge Wakabara
Mostra Internacional Curta o Gênero, gênero, sexualidade, curta metragem, Vicente Concilio, O Amigo do Meu Tio, Renato Turnes, documentário, homossexualidade, anos 1980, anos 1990
cinema
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Akihiro Miwa icônica demais

February 25, 2021 by Jorge Wakabara in cinema, livro, música

Nossa senhora, isso que é MUSA.

Assisti ao filme Kurotokage com Akihiro Miwa, a versão de 1968 (existe uma de 1962), e depois Kuro Bara no Yakata, de 1969. É surreal como, no fim dos anos 1960, o Japão cheio de regras em relação a gênero apresentaria uma transformista como musa.
Ah, sim: Akihiro Miwa não é exatamente uma mulher trans. No lugar de determinar seu gênero, ele parece achar mais interessante a via do não-binário, do constante passeio entre gêneros. E isso parece que atrai ainda mais a atenção (e o deslumbramento) dos japoneses!

Mas vamos voltar para começo, quando Miwa ainda era artista de cabaré e, em 1957, gravou Me Que Me Que, um clássico da música francesa originalmente lançado por Gilbert Bécaud naquela mesma década.

A versão em japonês, malandrinha, fez sucesso. Miwa bombou. E parece que foi nessa época que o escritor Yukio Mishima, um machão de direita que surpreendentemente tinha muita sensibilidade nas suas obras, elogiou Miwa, dizendo que era como um “uma beleza dos céus", ou seja, um anjo. A comparação faz sentido no que eu já pesquisei e ouvi dizer sobre a homossexualidade japonesa. Acho que vale abrir um parênteses aqui para falar sobre isso – e um pouco mais sobre Mishima também.

Os rapazes prostitutos do Japão antigo

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O livro O Belo Caminho: História da Homossexualidade do Japão, de Gary P Leupp, explica bem que a homossexualidade não é algo "novo” ou "que os brancos trouxeram” para o Japão. Longe disso. O shudo, que se refere a uma estruturação específica de prática homossexual um pouco parecida com a da Grécia antiga, em que existe a figura do homem mais velho mentor e deflorador e o rapaz jovem, passivo, inocente e aprendiz, foi uma realidade em monastérios budistas com presença exclusiva masculina, e também nas relações entre samurais. Para mim também tem a ver com uma relação de dominação e submissão que, pelo pouco que sei e posso estar falando bobagem, é recorrente na sexualidade nipônica.

Com o tempo, meninos começaram a virar michês para sobreviver, muitos deles relacionados ao teatro kabuki, uma tradição dramatúrgica que não permite atrizes. Esses atores especializados em papéis femininos atraíram fãs e cobravam por sexo, alguns viravam amantes de homens ricos. Depois, existiram bordéis que já nem disfarçavam sob a fachada do teatro, só com rapazes. Eles se vestiam e se enfeitavam como moças.

A imagem do rapaz afeminado e submisso não ficou no passado. O filme Morte em Veneza (1971) foi uma grande referência no Japão – a figura de Tadzio (Björn Andrésen, que para quem não sabe é o ancião do sacrifício no recente Midsommar de 2019) era tudo que os japoneses achavam lindo. Androginia e mistério. Isso corre até os idols do j-pop, apresentados como sensíveis e com traços mais delicados, e respinga também no k-pop.

O próprio Andrésen virou uma celebridade no Japão. Quando ele visitava o país, as mulheres iam à loucura! A ponto de, bem… ele mesmo gravar músicas em japonês, tal qual um idol. Olha que loucura?

Yukio Mishima: um homossexual de direita?

Em 1951, Mishima lançou o livro Kinjiki, uma expressão que é um eufemismo para homossexualidade. Um trocadilho entre “cores proibidas” e “amores proibidos". A história, considerada autobiográfica por muitos, traz a relação entre um escritor mais velho e um rapaz jovem que confessa que vai casar com uma mulher por motivos financeiros, mas que não se sente atraído por ela nem por ninguém do sexo feminino. Críticos apontam uma misoginia forte enraizada no texto – um discurso de ódio contra as mulheres. Mas virou um clássico.
Acontece que Mishima foi casado com uma mulher, Yoko Sugiyama. E ela, por sua vez, odiava e negava os rumores sobre a homossexualidade do marido, mesmo que fosse público que ele, por exemplo, frequentava bares gays. Eles tiveram um par de filhos, inclusive.
Existe um livro não-autorizado, de 1998, de Jiro Fukushima. Ele alega que teve uma relação com Mishima em 1951. Foi um escândalo que acabou com Fukushima e a editora processados pela família de Mishima.

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Mishima tentou fazer um golpe de estado no Japão em 1970. Sério. Isso porque, antes de casar com Yoko, ele quase casou com Michiko Shoda, que depois virou imperatriz porque se casou com o príncipe Akihito! A tentativa de golpe não deu certo e ele cometeu seppuku, o suicídio ritualístico japonês, aos 45 anos de idade.

Voltemos para Akihiro Miwa.

Uma baita história

Miwa nasceu em Nagasaki e, sim, estava na cidade quando a bomba atômica explodiu em 1945, quando tinha 10 anos. Como outros sobreviventes, ele sofre com os efeitos da radiação.
Ainda na época de Me Que Me Que (ou Meke Meke), saiu do armário publicamente, declarando-se homossexual. Para quem não está familiarizado com a cultura japonesa: ser homossexual afeminado no Japão contemporâneo é um pouco diferente. Existe preconceito, mas também existe uma maior aceitação – a rejeição maior acontece justamente quando você não é afeminado e, na cabeça do povo, “confunde". Celebridades homossexuais que se travestem são famosas na TV e amadas, por exemplo (é o caso de Miwa, que nos anos 2000 virou uma celebridade televisiva de muita fama).

O boom desse primeiro hit arrefeceu e Miwa ficou mais apagadinho. Seu segundo hit só viria em 1965: Yoitomake no Uta. Composta por ele mesmo, tem uma pegada bem enka na sua temática, falando do esforço do trabalhador rural e como ele é digno (pelo menos acho que é isso, me desculpem se entendi errado!).

De volta ao sucesso, Miwa lançou sua autobiografia em 1968 e começou a atuar em peças de teatro. Uma delas, Kurotokage, foi baseada em um livro policial de Ranpo Edogawa e adaptada para o teatro por Yukio Mishima. A peça já havia sido montada com outras atrizes no papel principal da bandida Lagarto Negro (ou, em japonês, Kurotokage), mas foi com Miwa que ela chegou naquele ponto sublime de petardo pop. Tanto que… virou filme!

Miwa como Kurotokage no filme de 1968

Miwa como Kurotokage no filme de 1968

A história é um embate entre Kurotokage, essa bandida que gosta de roubar "coisas bonitas”, e o detetive Kogoro Akechi (Isao Kimura). Miwa está simplesmente magnética, arrebatadora, com figurinos babadeiros.

Incautos podem colocar o filme naquela caixa de “o queer sempre é o vilão, o errado". Mas acredito que Kurotokage é mais que isso. Kurotokage, a personagem, é bela, hipnotizante, e se deixa levar pela obsessão por tudo que é bonito. Também não vê o mundo como binário: enxerga a beleza nos homens e mulheres. Sua própria beleza está ligada à androginia. Mais do que camp, o filme é cheio de nuances, esteticamente instigante, transbordando pulsão de morte e sexo. Para mim, um dos filmes mais legais que já vi nos últimos tempos, sem exagero.

Vou dar um spoiler para explicar uma coisa muito importante, quem não quiser saber pode pular para / SPOILER TERMINA /.

/ SPOILER COMEÇA /

A criminosa Kurotokage tem uma coleção muito, er, peculiar. São corpos humanos bonitos, empalhados. Eles aparecem no filme, em seu covil, quando ela os exibe para a sequestrada Sanae (Kikko Matsuoka), que depois se revela ser uma sósia de Sanae contratada para se passar por ela.
A curiosidade: o homem empalhado que Kurotokage beija na boca é ninguém menos que… Yukio Mishima.
É um selinho apenas, OK. Mas é babado.
Isso alimentou os rumores de que Mishima e Miwa teriam tido um caso em algum momento da vida. Miwa já chegou a declarar que "Mishima não era um homossexual de verdade". Bicurioso, então? Enfim. O artista também se colocou contra o livro de Fukushima de 1998.
Como já contei lá em cima, Mishima morreu dois anos depois do filme lançado.

/ SPOILER TERMINA /

O trabalho na imagem de Miwa como uma mulher misteriosa e sedutora é típica do filme noir, mesmo que Kurotokage não seja um noir – a relação vem da inspiração, pois o argumento vem de um romance policial com direito a um superdetetive, mas a cinematografia também ajuda, cheia de sombras, ambientes noturnos.
Também acho interessante o jeito que o detetive é construído. Akechi tem prazer em desvendar os casos. A relação dele com Kurotokage é de interdependência, com ambos precisando dessa nêmesis para existirem em sua melhor performance. Ninguém é inocente. Akechi não é um herói. Ele depende do crime para fazer o que faz da vida: desvendá-lo.

Às vezes, Kurotokage fala com Akechi usando o espelho de seu bar. Eles são o espelho um do outro? Dois lados de uma mesma moeda?

Às vezes, Kurotokage fala com Akechi usando o espelho de seu bar. Eles são o espelho um do outro? Dois lados de uma mesma moeda?

Mas Miwa assumiria um papel ainda mais misterioso em Kuro Bara no Yakata, ou Mansão da Rosa Negra: o lagarto negro agora vira uma rosa negra no filme de 1969.

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A história de Kuro Bara no Yakata é de uma mulher misteriosa, Ryuko (Akihiro Miwa), que sempre carrega uma rosa inteira preta. Ela diz que, quando encontrar o verdadeiro amor, a rosa ficará vermelha. Uma coisa meio Bela e a Fera, né? Ninguém sabe do passado de Ryuko e ela atrai a atenção de Kyohei (Eitarô Ozawa), o dono da Mansão da Rosa Negra. O local é uma espécie de clube da alta sociedade, no qual Ryuko passa a se apresentar cantando e encantando (kkkkk desculpa, não resisti a essa frase feita). Os homens caem de amores, um pouco pelo mistério, um pouco pela beleza.

Homens do passado de Ryuko começam a aparecer. Eles alegam que se casaram ou que namoraram a musa, que ela os enlouqueceu ou que era má, mas seguem apaixonados. Ainda assim, Kyohei, que é casado e já tem dois filhos criados, torna Ryuko sua amante.

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Tudo parece ir bem até que o filho mais novo de Kyohei, Wataru (Masakazu Tamura), reaparece. Desde o começo, fica claro pela fala dos outros personagens que ele é um rapaz problemático, ovelha negra. E adivinha? Ele se apaixona por Ryuko…

Aqui, a figura de Ryuko, apesar de ainda mais misteriosa que a Kurotokage, é menos dúbia. Ela é a vamp, a que leva os homens à ruína. O toque subversivo fica por conta dessa figura tão desejada ser interpretada por um homem: a audiência sabia, o elenco sabia, todo mundo sabia. Não é um filme tão bom quanto Kurotokage, mas gostei.

Curiosidade: o diretor de ambos os filmes é Kinji Fukasaku. Em 2000, ele fez o filme que muita gente diz que influenciou Jogos Vorazes: a fábula sinistra Battle Royale.

Miwa acabou dando um tempo nas telonas após essa dobradinha e se dedicou à carreira de cantor. Isso deu em clássicos, como isso aqui:

Em 2012, já como uma personalidade consagrada no meio artístico, Miwa se apresenta pela primeira vez no tradicional Kôhaku Uta Gassen, o festival de fim de ano transmitido pelo canal NHK. Na época com 77 anos, ele foi a pessoa mais velha a se apresentar pela primeira vez no Kôhaku. E pelo que entendo também foi o artista que apresentou a música mais longa na história do festival, que costuma ser bem rígido com o tempo de apresentação dos artistas participantes, geralmente em torno de três minutos. Olha aí:

Antes disso, Miwa dublou um personagem de anime muito querido de quem curte Studio Ghibli. É a bruxa com papeira, como diria meu marido, de O Castelo Animado!

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Miwa segue vivíssimo. Vai fazer 86 anos.

Bônus: OLHA. ESSE. CLOSE.

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February 25, 2021 /Jorge Wakabara
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cinema, livro, música
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Saudades de chorar com Pose? Assista a It's a Sin

February 17, 2021 by Jorge Wakabara in TV

A epidemia da AIDS começou a fazer notícia e ganhou volume de doentes e mortos primeiramente nos EUA. E, claro, a série Pose também tem o pano de fundo do ballroom e o voguing. Sendo assim, a comparação entre ela e a nova It's a Sin segue mais por duas semelhanças: o tema da AIDS em uma época em que se sabia muito pouco sobre ela e a maior representatividade na telinha. No caso de Pose, predominantemente de mulheres trans; no caso de It's a Sin, predominantemente de homens gays.

O protagonista Ritchie Tozer (Olly Alexander) no meio com Jill Baxter (Lydia West) do seu lado, sentada e boquiaberta

O protagonista Ritchie Tozer (Olly Alexander) no meio com Jill Baxter (Lydia West) do seu lado, sentada e boquiaberta

Só minorias sabem a importância da representatividade na ficção. A gente vibra com qualquer migalha. Eu vibrei com Queer As Folk, com O Segredo de Brokeback Mountain, com Sandrinho e Jefferson em A Próxima Vítima. Ainda assim, todos esses exemplos estavam longe do meu dia-a-dia (talvez Sandrinho surpreendentemente seja o mais próximo?!).

Aí tiveram duas séries que, apesar de um pouquinho atrasadas, bateram forte em mim: a britânica My Mad Fat Diary, com o amigo gay Archie (Dan Cohen), e a australiana Please Like Me, com o protagonista mais idiota-chato-burro e mesmo assim queríamos continuar assistindo Josh (Josh Thomas).

Coincidência que as duas falem de saúde mental de maneira bem gatilhada? Talvez não.

Enfim: ambas trazem gays que não são bombados nem maravilhosos como artistas de cinema. Já é um grande avanço. E dá para identificar também… a minha turma. Sabe? Aquela nossa turma. Aquela que ia nas festas indie e dançava ao som de britpop (no caso de My Mad Fat Diary, cuja história se passa nos anos 1990). Aquela que combinava que o café do Espaço Unibanco de Cinema seria o ponto de encontro daquela tarde (no caso de Please Like Me). Se você é/era dessa turma, você entendeu. Se você não é/era, fica difícil explicar… kkkkkkk

Enfim, tudo isso para dizer que cheguei a ler por aí nas internets que It's a Sin era bobo, reforçava estereótipos.
Jura?
Eu achei EXTREMAMENTE MINHA TURMA. Sem gordos, sem ursos, é uma pena, mas bem minha turma MESMO.

Colegas de quarto: Colin Morris-Jones (Callum Scott Howells) e Roscoe Babatunde (Omari Douglas)

Colegas de quarto: Colin Morris-Jones (Callum Scott Howells) e Roscoe Babatunde (Omari Douglas)

O protagonista Ritchie (interpretado pelo vocalista do Years & Years Olly Alexander) não me parece exatamente um padrão, apesar de ser branco. E o personagem passa longe de ser virtuoso – talvez seja o que possui mais dimensões. Homossexual no armário para a família, conservador e promíscuo ao mesmo tempo, humanamente egoísta, despertando julgamentos e compaixão.

Os outros, bem… Roscoe é de família nigeriana e literalmente dorme com o inimigo – nesse caso, um ministro do partido conservador que o banca. O pobre galês Colin é de uma timidez e de um provincianismo quase paralisantes, apesar de muito simpático (e de ser um dos mais empáticos, o "menino bom”). Ash (Nathaniel Curtis) é indiano e possui a história menos desenvolvida de todas.

E finalmente tem a Jill interpretada por Lydia West, que na minha cabeça é uma das atrizes mais legais da atualidade (assisti quase tudo que ela fez até agora: Years and Years, o novo Drácula da Netflix e agora It's a Sin; se ela estivesse em I May Destroy You era jackpot).
Eles dão um pouquinho mais de dimensão para Jill, mas infelizmente ela não consegue superar aquele velho papel: o da amiga do gay. É quase subversivo, porque na ficção geralmente quem existe é o melhor amigo gay da protagonista, e aqui, veja só, tchanan! Preciso dizer que isso acontece na vida real. Tanto quanto o amigo gay, há a figura da amiga hétero.
O fato: West é tão boa que você simpatiza com ela, mesmo que a maior característica da personagem seja a empatia gratuita. Ou sou eu que já a vi em outras séries e simpatizo de graça? Não sei.
Tentei refletir se ela não era a versão "mulher hétero para gays" do white savior. Straight savior, anyone? Olha, enquanto eu assistia à série, quis mais é que ela salvasse todos. Acho que faz parte da narrativa. Acho provável muitos gays terem negado a realidade na época, e talvez amigas tenham tentado abrir os olhos deles. Não os culpo, mas como culpá-las? Não dá, né?

(Escrevi tudo isso deduzindo que ela é hétero, porém não me lembro de isso ter ficado exatamente claro na série. Acho que a sexualidade dela nem chega a ser debatida ou mencionada, e se foi, parece-me que foi bem de passagem, tanto que nem me recordo. Perdoem-me.)

"Adoro ser sua amiga!"

“Adoro ser sua amiga!"

O que mais ver em It's a Sin?

. Participações especiais: Neil Patrick Harris e Stephen Fry. Mara!
. Sexo. Não chega a ser um +18, mas é NSFW…
. Trilha sonora: virada dos anos 1980 para 1990 em Londres. Quer mais? Além da música dos Pet Shop Boys que dá título à série, tem Kate Bush, Orchestral Manoeuvres in the Dark, Eurythmics, Bronski Beat… Quero tudo.
. Russell T. Davies, o criador. Ele também é o nome por trás de Years and Years. É o Ryan Murphy do Reino Unido? Eu gosto!
Ah: Queer as Folk, a primeira versão, inglesa… é de Davies.

It's a Sin é da BBC e HBO Max, portanto infelizmente ainda não está disponível no Brasil em streaming.
Se vira.

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February 17, 2021 /Jorge Wakabara
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TV
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O babado é certo com Kenichi Mikawa

November 26, 2020 by Jorge Wakabara in música, TV

Não tive uma infância muito ligada à colônia japonesa (aliás, na verdade ela era quase completamente desligada não fosse o meu melhor amigo na época, que também era descendente). Mas sei que toda criança nipônica tinha essa lembrança de assistir ao Kôhaku Uta Gassen, o tradicional festival de música de fim de ano da NHK sobre o qual já comentei aqui. Se era uma criança viada, ela inevitavelmente ficaria esperando ansiosa pela participação de Kenichi Mikawa, que esteve em nada menos que 26 edições.

Mikawa no Kôhaku de 2007

Mikawa no Kôhaku de 2007

Em 1969, Mikawa apareceu pela segunda vez no Kôhaku para cantar Onna to Bara e leva nas mãos uma flor. Isso pra gente que está acostumado com Roberto Carlos distribuindo flores é completamente normal, mas no Japão daquela época foi um escândalo: para muita gente, deixou claro a feminilidade do artista. Para dar uma dimensão maior: o Kôhaku é coisa tão séria até hoje que o povo vai como se fosse ao Oscar, sabe, black tie na estica. Só que o smoking que Mikawa vestia começou a se transformar: incluía um bordado, um brilho, um paetê, um detalhe dourado… Olha o vídeo abaixo, de apresentações entre 1968 e 1975:

Em 1991, a história já era bem outra. Quando foi apresentar seu novo hit Sasozira no On'na no Kôhaku, Mikawa estava num look branco (cor do time dos homens no festival) com um detalhe vermelho bem aparente (cor do time das mulheres). Marcou o começo de uma montação fabulosa que proporcionaria momentos sem par na TV japonesa. Falando em Robertão: era como ver um show de drag (porque, baby, this is drag) no meio do especial de fim de ano do Roberto Carlos, sabe?

Em 1992, o babado continua com Hi no Tori, a música nova, e Mikawa com uma espécie de touca de cristais, um look todo brilhante puxado para o rosa e um boá de penas. Tá, meu bem?

Em 1993, é a vez de um contraponto aparecer. Era Sachiko Kobayashi, uma cantora que também é dada a um close certo, que chegou nesse look absurdo com direito a reveal digno de RuPaul's Drag Race. A partir desse momento, Mikawa e Kobayashi competiriam pela posição de look mais absurdo-enlouquecedor.

Mikawa também participou do Kôhaku de 1993, surgindo do chão para cantar Utakata no Yume. Também fez um reveal (o quimono dourado deu lugar a um conjunto com brilho e roxo), mas perto do look da Kobayashi daquele ano… Parece até discreta! kkkkkkk

A coisa foi ficando cada vez mais próxima do Carnaval do Rio: muito luxo. Em 1994, Mikawa mostra Odamari. Tem reveal de novo (que se transformou em uma marca das apresentações) e corpo de baile bem pintoso maravilhoso.

1995 é o ano de uma das minhas apresentações preferidas de Mikawa. O look do começo, com uma silhueta princesa, pra mim é o ponto principal: é personificação de mulher de fato, é camp… É drag. O reveal é sensacional (amo os ombrões quadrados brancos) e eu fico desmaiado com o look das bailarinas-coristas <3
A música, para quem ainda está se importando, é Shiawase ni Naritai.

Em 1996, Mikawa vem com uns chifres, um look meio de vilã de tokusatsu. Não tem reveal, mas tem surpresa: uma cauda dupla que se revela do meio para o fim, enorme, com figuras geométricas brilhantes.

Com Bojô em 1997, Mikawa começa a incluir efeitos especiais (no duro). Não vou contar muito para não estragar:

1998: surgir das chamas? OK. A música é Wakare no Tabiji e o look tem uma inspiração católica que não faria feio naquele baile do Met todo trabalhado no catolicismo, lembra? kkkkkkkk Bom, da Capela Sistina à maxiborboleta… Dê play para entender:

Em Eien ni Bara no Toki o, de 1999, Mikawa fez a egípcia. Tem esfinge, Cleópatra, faraó sem camisa, além de uma hélice muito doida que o corta no meio… Toda uma narrativa surreal! kkkkkk

2000: Mikawa retoma essa temática de “eles querem me destruir” com ainda maior efeito. Em Tokyo Hotel ela começa com uma roupa, tem uma troca rápida, colocam-na num vaso grande (acho que nesse momento não é ela porque não daria tempo da troca de look e a câmera está longe, mas posso estar errado), esmagam o vaso (!!!) e, não mais que de repente, ela ressurge montada num dragão voador. Juro que essa descrição é exata:

2001, ano de Koion'na e de… um pégaso.

2002 com Yuzawa no On'na: Mikawa vem até discretinha, só com fumaça, sem corpo de baile, num quimono quase simples para os padrões dela, e depois, claro, tem a troca babadeira. Nesse vídeo dá para ver bem a competição entre ela e Kobayashi, que aparece em seguida – e sinceramente a segunda leva a melhor, nos seus efeitos especiais rainha do gelo Frozen fechativa.

Mikawa deve ter sentido a competição: em 2003, ela volta meio Frozen com vestido que acende (!!!) e o seu hit Sasorizan On'na.

Não sei se as participações de Mikawa no Kôhaku foram rareando pois não achei mais nada. Essa volta ao maior hit foi uma despedida? O nível, de qualquer forma, era cada vez mais inalcançável, mesmo. Olha a Kobayashi em 2005, que coisa doida:

Em 2007, Mikawa volta ao Kôhaku com um remix dance da mesma Sasorizan On'na. Agora com drag music? Formô: cadê o bate-cabelo? O reveal é bem importante e por isso vou ser obrigado a dar um spoiler: é um look inteiro vermelho. Cor do time das mulheres no Kôhaku.

Bom, a figura de Mikawa acabou ficando superandrógina, um coisa meio Walter Mercado. Quem quiser pode assistir a esse show dela, que comemora 45 anos de carreira (de 2010, portanto):

Mikawa é tudo e continua na ativa. A grande Hibari Misora, uma das maiores cantoras que o Japão já teve, a adorava. Ah: e a rivalidade com Kobayashi era só brincadeira: Mikawa e ela eram amicíssimas. Tinha até boato que elas tinham casado. Er… Alguém avisa?

Aliás, usei o pronome feminino ao me referir a Mikawa mas na verdade não tenho certeza sobre como ela gosta de ser tratada. Enfim, espero que ninguém fique magoado, me avisem se eu tiver errado e eu corrijo, OK?

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November 26, 2020 /Jorge Wakabara
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música, TV
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A primeira versão de Lady Marmalade (e as outras)

October 12, 2020 by Jorge Wakabara in música

Primeiro de tudo, vou precisar perguntar: por onde anda a Mya, hein?
Pois eu te respondo: ela lançou single em 2020 e tudo! Vixe!

Mas vamos voltar. É provável que você saiba que a versão de Lil’ Kim, Pink, Mya e Christina Aguilera (e Missy Elliot fazendo o rapzinho, né) para o hit Lady Marmalade, que entrou na trilha sonora de Moulin Rouge (2001), é uma versão.
E é provável que você ache que a primeira versão é a do grupo Labelle.

Mas… não. Não é!!!

Lady Marmalade é uma composição dos estadunidenses Bob Crewe e Kenny Nolan. Nolan tinha um grupo de disco music, The Eleventh Hour, que era produzido por Crewe. Nolan era o vocalista e o resto eram músicos de estúdio.

Com a febre disco que assolou os EUA e o mundo, era comum que os grupos lançassem muitos singles, na ânsia de obter um superhit nas pistas ou nas rádios (mas, principalmente, nos dois) e conseguir ficar rico graças a essa onda. É por isso que o primeiro álbum do The Eleventh Hour, de 1974, é um… Greatest Hits. Ele junta alguns singles lançados anteriormente e inclui algumas inéditas – entre elas, Lady Marmalade.

E não me entenda mal, a versão original do Eleventh Hour é boa. Acontece simplesmente que ela não fez sucesso, e a do Labelle é melhor.

Diz a lenda que Crewe mostrou a música pra Allen Toussaint em Nova Orleans. E aí entra em cena THE ONE AND ONLY Patti LaBelle e seu grupo.

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Até então, as Bluebells ou Bluebelles tentavam a fama ao redor de tantos outros girls groups e não tinham conseguido se diferenciar, apesar da potente voz da vocalista principal. O tempo passava e Patti via que a coisa precisava mudar.

O quarteto virou um trio (uma delas, Cindy Birdsong, saiu pra se juntar às rivais Supremes, BABADO), elas estavam bem desesperançosas e parece que surgiu uma luz. “Ah, é pra mudar? Então vamos mudar.” Patti, Nona Hendryx e Sarah Dash se reinventaram, numa das reviravoltas mais deliciosamente doidas do pop, e se transformaram no Labelle, um trio que usava roupas futuristas no palco dignas de Lady Gaga e que cantava não só sobre namorinho de portão mas sobre preconceito, revolução e… sexo.

Os looks do Labelle são maravilhosos e absurdos até hoje

Os looks do Labelle são maravilhosos e absurdos até hoje

Falar sobre sexo nas rádios e nas pistas era um escândalo. A escandalosa I Feel Love de Donna Summer, com gemidos e sussurros, só sairia em 1977. Estamos falando de 1974, mesmo ano de lançamento do Lady Marmalade do Eleventh Hour. A canção que falava do ponto de vista de uma prostituta de Nova Orleans era puro escândalo, e Toussaint, o produtor de Nova Orleans que assumiu a gravação do novo álbum do Labelle chamado Nightbirds pela Epic Records, sabia que a pegada rock soul dançante com o tema tabu era explosiva. Em agosto daquele mesmo ano, a toque de caixa, surgia o primeiro megahit do Labelle em single, topo da parada de R&B e da parada principal.

Isso engatilhou o sucesso do Labelle e da própria Patti LaBelle, que seguiria pra ser uma das maiores divas dos EUA com seus cabelos absurdos e performances energéticas da carreira solo.

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Querida…

Eu disse QUERIDAAA… OLHA ESSE PICUMÃ, CARAIO!

O tempo passou… E quem resgatou a música mais de uma década depois, fora alguns covers insípidos, foi Sabrina, uma cantora italiana que tinha um inegável sex appeal, em 1987.

A música estava no álbum de estreia de Sabrina e fez sucesso localizado no continente europeu. Depois, em 1991, foi a vez da protegida do Prince: Sheila E.

A versão dela é bacana mas curiosamente é menos sensual.
Aí, em 1998, surgia a versão de um outro girl group, dessa vez britânico. Estou falando do All Saints! A Lady Marmalade delas já tinha rap e tudo, viu?

Uma versão remixada dessa do All Saints (por Timbaland!) fez parte da trilha sonora de Dr Doolittle (1998).

E sim: aí, em 2001, que Missy Elliot juntou aquele grupo de cantoras poderosas pra trilha de Moulin Rouge. A letra da música foi adaptada, de Nova Orleans pro Moulin Rouge em si, mantendo o toque francês do "Voulez-vous coucher avec moi?” – a origem dessa pegada bilíngue é que o quarteirão da prostituição de Nova Orleans nos anos 1970 era o French Quartier. E a curiosidade: a Patti LaBelle diz que só descobriu o significado da frase ("você quer ir pra cama comigo?”) depois de gravar! Risos!

O clipe de Pink, Aguilera, Mya e Lil’ Kim é um clássico, né? Acho que foi mais influente em matéria de figurino que o filme em si, pelo menos entre as jovenzinhas. Uma coisa lingerie & bordel com maquiagem carregada e cartola que conseguiu traduzir um pouco das roupas das lolitas japonesas mas deixou tudo mais, digamos… malandrinho.

Existe a história clássica que a própria Pink conta que Aguilera queria roubar todas as melhores partes da música (leia-se, as que demonstravam extensão vocal) e Pink não abriu mão da sua, o que teria gerado uma treta entre as duas. Outros detalhes jogam mais pimenta nesse caldeirão: Pink diz que elas foram pra uma boate e que Aguilera tentou bater nela; Aguilera diz que na verdade elas estavam brincando de "gire a garrafa" – aquela brincadeira adolescente feita em roda na qual quem cai nas duas pontas da garrafa tem que se beijar. Xtina conta que… queria beijar a Pink. Oi??? Outro capítulo dessa rinha de cantoras traz Aguilera chamando Linda Perry, parceira de Pink em composições, pra colaborar com ela – Pink levou pro pessoal e não economizou comentários em entrevistas posteriores…

Em teoria, elas fizeram as pazes em algum momento.

Mais especificamente nesse momento: no programa The Voice em 2017, quando se reencontraram, Aguilera como uma das juradas e Pink como treinadora convidada

Mais especificamente nesse momento: no programa The Voice em 2017, quando se reencontraram, Aguilera como uma das juradas e Pink como treinadora convidada

Minha versão de Lady Marmalade preferida? Aqui, a mais gritada de todas:

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October 12, 2020 /Jorge Wakabara
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