Érika Martins lançou um single novo - por que a gente não escuta mais a Érika Martins?

Ah, você lembra dela sim. É essa aqui, ó:

"Se não tocar eu quebro o seu nariz…"

A Érika Martins era a vocalista da Penélope, banda que existiu de 1995 a 2004 que eu adorava.

Essa foto é muito pequenininha mas serve para mostrar quão virada dos anos 1990 para 2000 que a Penélope conseguia ser

Essa foto é muito pequenininha mas serve para mostrar quão virada dos anos 1990 para 2000 que a Penélope conseguia ser

Lembra dessa música?

Só de citar Júlio Barroso e a Gang 90, já ganha os nossos corações…

(Breve parênteses para Júlio Barroso. O cara era o máximo, deu pérolas para o pop brasileiro, e você fica sabendo mais sobre ele nesse episódio do Escuta, podcast do Nexo:

Fecha parêntesesssss)

Bom, depois que a Penélope acabou, Érika seguiu em carreira solo. Gosto de bastante coisa, assim como gostava da Penélope; um exemplo é a versão de Ainda Queima a Esperança da maravilhosa Diana:

(Aliás, como ainda não fiz um post sobre a Diana? É uma das melhores cantoras do Brasil. Pelamor. Vou fazer.)
Aí teve o segundo álbum solo de inéditas, o Modinhas, de 2013. Ele é bem interessante porque mistura músicas novas com outras tipo Villa-Lobos e Casinha Pequenininha do repertório de Silvio Caldas. Tudo num filtro roqueiro. Uau!

E finalmente chegamos em 2019: Érika acabou de soltar A Verdade Liberta nos streamings da vida.
Bem simpática, começa com um registro de voz mais grave, e pelo tema parece até uma resposta para os nossos tempos de fake news e informações desencontradas.

Um pouquinho antes, em junho desse mesmo 2019, Érika já tinha lançado Barra Limpa. Música de Martinha na época da Jovem Guarda, é um registro ao vivo de um show-tributo dedicado ao Queijinho de Minas (o apelido de Martinha dado por Roberto Carlos que particularmente considero pouco lisonjeiro porque imagino um cheiro de queijo). Acho a música boba, só é divertidinha pelo uso das gírias da época, tipo “ele é uma brasa, mora?”. Enfim, fica o registro:

O Autoramas, banda clássica do indie rock nacional da qual Érika faz parte desde 2015, lançou um EP ao vivo também em junho. Mas a gente espera que esse single novo que saiu agora seja sinal de álbum novo também, né?
Ou não, só com o single a gente já se contenta!

Érika, a gente te adora! Foto de Léo de Azevedo

Érika, a gente te adora! Foto de Léo de Azevedo

Odair José & Diana: uma história bem atribulada

Um dos casais mais explosivos da história da música brasileira foi formado ainda nos anos 1960. Ana Maria Siqueira Iório e Odair José de Araújo estavam começando as carreiras artísticas como Diana e Odair José e se apaixonaram. Casaram-se oficialmente em 1973, quando paralelamente o sucesso para ambos chegou (Odair gravou seu clássico Vou Tirar Você Desse Lugar em 1972; Porque Brigamos e Ainda Queima a Esperança de Diana é do disco de estreia dela, também de 1972).

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Dizem que Diana pegou birra com jornalista e por isso é tão avessa a eles: o povo dava mais valor às histórias de brigas do casal do que ao trabalho artístico, principalmente o dela. Odair tem coisas incríveis em sua discografia (O Filho de José e Maria, por exemplo, do qual vamos falar daqui a pouco), mas Diana também, e a sensação é de que ele é muito mais incensado hoje que ela.
Justiça seja feita: a cantora Bárbara Eugenia resgatou Diana nessa década, cantando várias músicas do repertório dela e com ela! Foi Fernando Catatau quem apresentou Diana para Bárbara na discotecagem do aniversário da cantora em 2008.

E adivinha quem estimulou essa união? Sim, ele mesmo: Odair José. Bárbara cantou uma das músicas do repertório de Diana, Porque Brigamos, no programa Som Brasil da Globo dedicado ao brega (não concordo com o rótulo mas que seja). Odair estava no backstage e elogiou, disse que ela tinha que gravar a música, que combinava muito.
Bárbara gravou no álbum É o que Temos (2013). E aí Diana a procurou!
Mas Bárbara poderia ter conhecido Diana antes: em 2006, a linda versão de Everything I Own, original da banda Bread, que virou Tudo o que eu Tenho com Diana, era a música que abria o longa O Céu de Suely de Karim Aïnouz. Everything I Own já foi regravada por Olivia Newton-John, Culture Club do Boy George e até *NSYNC! Sinceramente? Não sei se é por causa do filme, que é lindo e delicado, mas para mim a versão da Diana é a melhor de todas disparado.

Voltando ao Odair José com Diana: a filha do casal, Clarice, nasceu em 1976. Em 1977, se separaram. Odair diz que eles foram o quarto casal a conseguir obter o divórcio no Brasil, em 1981, logo após a lei sair. E a coisa mais esquisita: quando Clarice ficou muito doente e foi internada no Hospital Sírio Libanês, Odair conheceu o segundo grande amor da sua vida. Era Jane, que trabalhava na administração do hospital.

Odair e Jane se casaram em 1984. Essa foto é de 2014, quando eles comemoram 30 anos de casados!

Odair e Jane se casaram em 1984. Essa foto é de 2014, quando eles comemoram 30 anos de casados!

Ficou uma história de que Diana teria esfaqueado Odair em dezembro de 1973, por causa de uma manchete do jornal O Dia. Ela defende que não é isso: a notícia seria um clickbait da época, porque se tratava de uma facada… financeira. Ela explica que Odair acreditou que se essa história de que ela tinha o agredido fosse mais divulgada ele ia vender mais. Essa é uma das maiores mágoas de Diana, que hoje faz shows pelo interior do Brasil (dizem que são animadíssimos, eu infelizmente nunca consegui ir em um).

Não é estranho que as referências sobre Odair José hoje quase nunca citam Diana e tudo que sai sobre a Diana fala de Odair? E não posso deixar de pensar que o esgotamento do sucesso dela, que foi tão famosa um dia, é relacionado com o preconceito co…

Não é estranho que as referências sobre Odair José hoje quase nunca citam Diana e tudo que sai sobre a Diana fala de Odair? E não posso deixar de pensar que o esgotamento do sucesso dela, que foi tão famosa um dia, é relacionado com o preconceito contra a mulher separada

Queria falar mais do trabalho da Diana primeiro: um nome importante por trás dos sucessos dela é Raul Seixas. Ele produziu as primeiras coisas dela, na CBS, inclusive o mítico álbum de estreia, o chamado "disco azul". Também compôs, desse primeiro repertório pós-tentativa de vendê-la como jovem guarda numa época que a jovem guarda já tinha acabado, Estou Completamente Apaixonada e Ainda Queima a Esperança com Mauro Motta. A artista diz que ele a chamava de sua "maluca beleza". O álbum é MARAVILHOSO. E é roqueiro sim!

O álbum de 1973, Uma Vez Mais, também é produção de Raulzito, portanto é bom:

Em 1974, Diana mudava de gravadora e deixava a parceria com Raul. O disco Você Prometeu Voltar é legal sim, contava com Jairo Pires e o então marido Odair José como produtores e traz músicas incríveis como Foi Tudo Culpa do Amor e pérolas escondidas como Que Vontade Eu Sinto de Voltar:

Já Odair vive sendo redescoberto a cada cinco minutos, né? Ele renega o título de terror das empregadas, porque diz que nunca foi bonito. Parece que aceita mais o título de Bob Dylan da Central. Uma das coisas que eu mais adoro da discografia dele é O Filho de José e Maria, uma tentativa de ópera-rock que não deu certo na época e hoje é cult. Ganhou versão ao vivo em 2014 - mais ou menos a mesma época que Bárbara Eugenia resgatou Diana!

Pensa que o disco foi lançado em 1977 e traz uma narrativa bombástica, tipo uma versão contemporânea de Jesus Cristo: diz que José e Maria não eram casados, que Jesus foi concebido tipo numa noite alegre e é isso aí, que o mesmo assume sua homossexualidade e usa drogas… E você achando Like a Prayer muito babado, né? A gravação contou com a guitarra de Hyldon (aquele da casinha de sapê!), piano de Robson Jorge (o parceiro de Lincoln Olivetti) e integrantes do Azymuth, o que garantiu um belo suíngue nas músicas.
Odair sofreu ameaça de excomunhão da igreja católica. Voltou para o repertório romântico mais popular, mas nunca mais alcançaria as mesmas vendagens de antes. Dele ainda recomendo o anterior Assim Sou Eu… (1972), o primeiro dele pela Polydor que conta com o instrumental da banda Azymuth, exceto a última faixa, Cristo Quem é Você, com arranjos de Zé Rodrix e acompanhamento luxuoso da banda Som Imaginário que fazia a cozinha de Milton Nascimento:

E claro, o clássico:

O curioso de Vou Tirar Você Desse Lugar é que ela foi um compacto lançado um pouco antes de Assim Sou Eu… e não entrou no álbum. Instigante!
Ah, e Odair jura que Vou Tirar Você Desse Lugar não é biográfica - ele explicou em uma edição de 2004 na revista Trip que nunca aconteceu de uma prostituta se apaixonar por ele. “Infelizmente não aconteceu. Porque se uma prostituta se apaixonar por você, ela será a mulher mais fiel do mundo. Se ela optar ficar com você, é porque encontrou o que quer."

Agora uma curiosidade mais instigante ainda. Não, não é a Sandy: Clarice Iório, a filha de Diana e Odair, cantando Bring me to Life. !!!!!! Filha de roqueira, roqueira é…

Uma reportagem pós-desquite (!): Clarice no colo de Diana. Na entrevista, Diana diz: “Elis é uma grande estrela; eu sou uma flor selvagem".

E é isso. Vou encontrar minha paz num mosteiro.
Ouçam Diana.