O KFC fez um chapéu-balde inspirado no seu balde

É mais ou menos só isso mesmo o post…

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Tá bom, vai, vou dar mais informações.

O que é conhecido como chapéu pescador por aqui (ou chapéu do Chorão do Charlie Brown Jr - saudades) lá fora é chamado de bucket hat, ou chapéu-balde. Ele está na moda, dizem.

Aí a KFC Rússia (nem um pouco surpreso por ser na Rússia, e você?) fez uma parceria com uma marca de streetwear russa, a Мам, купи (ou Mam Cupy).
Agora sim, é isso o post.

Vai um frango?

Vai um frango?

Harajuku, a meca do kawaii

Nossa, faz tanto tempo que prometi esse post que nem sei! Acontece!

Hoje vamos falar de um dos bairros mais famosos do MUNDO. Harajuku! Mas antes, para o caro leitor ficar mais contextualizado, recomendo a leitura dos seguintes posts anteriores:

Memória afetiva
O que é kawaii?
A rainha & a embaixadora do kawaii
O lado dark do kawaii

Leu tudinho? Amou? Então vamos começar a contar essa história - grande parte dela saiu do livro Style Deficit Disorder: Harajuku Street Fashion da Tiffany Godoy que eu estou aceitando de presente, viu, pode me dar, agradeço!

Essa imagem saiu desse post do site Tokyo Dandy - coisa fina!

Essa imagem saiu desse post do site Tokyo Dandy - coisa fina!

Um distrito internacional batizado de Washington Heights e inaugurado em 1946 tinha moradias para oficiais norte-americanos no pós-guerra na capital japonesa de Tóquio. Ele ficava na região de Shibuya, mais para o lado de onde hoje fica o Yoyogi Park. A juventude toquiana, ou pelo menos os jovens daquela região, viram e gostaram do estilo cool ocidentalizado de quem morava por ali. Essa foi a sementinha plantada - depois, nas Olimpíadas de 1964, Washington Heights voltou a ser de domínio japonês, as famílias norte-americanas foram embora e ali virou a Vila Olímpica. Atraiu comércio.

Pula para a década de 1970. Estilistas precisavam de um aluguel mais barato para seus estúdios e lojas. E lojas próprias, sim - eles já acreditavam nessa coisa de sentir o sucesso direto da fonte, porque assim conseguiam saber o que os clientes mais gostavam, o que não vendia tanto etc. E sabe um endereço que encaixava nessas necessidades e era entre Shibuya e Shinjuku, bem central?
Resposta: a Takeshita Dori, rua que fica praticamente na frente do Yoyogi Park e que hoje é o “centro turístico” de Harajuku! Um manual popular na época chamado em tradução livre Como ser bem sucedido em fashion business dizia que um dos passos tinha que ser alugar um espaço em Harajuku, simples assim.
Portanto, desde os anos 1970 que Harajuku é considerado um bairro fashion de Tóquio, bem antes do kawaii virar essa indústria que influenciou e influencia a moda.

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A Milk foi uma das primeiras lojas

E se hoje ela é reconhecida pelo estilo mais lolita, ela foi a que vendeu a moderna Comme des Garçons primeiro, lá nos anos 1970! Pah!

Aliás, sabe um cara que apareceu lá em Harajuku nessa época?

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David fucking Bowie

Esse agachado é Kansai Yamamoto, um estilista japonês incrível que fez vários looks para Bowie nessa fase montadíssima do artista

Kansai veio antes de Rei Kawakubo (da Comme), Issey Miyake e Yohji Yamamoto. Não era “japonista” como eles, no sentido que a expressão ficou conhecida em Paris: os desconstruídos cabeçudos que adoram um look preto. Na verdade, seu universo era mais coloridão, e particularmente acho bem mais próximo de Kenzo Takeda, que abriu sua butique Jungle Jap em 1970 em Paris. Kansai desfilaria na mesma Paris em 1975, mas antes, 1972, já tinha apresentado roupas em Londres (um ano depois de inaugurar a marca!).
Em resumo: Kansai Yamamoto é um personagem riquérrimo que merecia um post só para ele, viu? Tudo indica que ele está voltando e tem tudo para ser redescoberto por uma nova geração: participou da coleção da Louis Vuitton de cruise 2018 de Nicolas Ghesquière apresentada em Quioto, fez pop-up recentemente em Harajuku (onde mais?), e organiza um evento anual chamado Nippon Genki Project que pelo que entendi é tipo um desfile-show. O último rolou faz pouquinho, 8/06:

(e pelo que vi não foi em Harajuku e sim em Roppongi)

Bom, o shopping mais legal (até hoje!) de Harajuku, o Laforet, abriu em 1978. É quase sempre lá que abrem pop-ups importantes - já teve da Michiko Koshino e de uma das vezes que fui tinha uma da Undercover de Jun Takahashi, por exemplo. Aliás, tanto Takahashi quanto o Nigo, o fundador da A Bathing Ape (Bape), marca super-super de streetwear, eram sócios. Eles abriram a loja Nowhere em 1993 em Urahara (que quer dizer ura-Harajuku, uma Harajuku escondida).

Olha aí a Nowhere - bem noventista mesmo, né?

Olha aí a Nowhere - bem noventista mesmo, né?

Eu sei, pulei uma década inteira: os anos 1980 marcaram ascensão e queda, o boom econômico e o crash da economia japonesa, a bolha imobiliária de Tóquio. Em 1989, acabava a era Showa (que começou em 1926) e começava a era Heisei. Harajuku se estabeleceu, e na década de 1990 viraria a meca do kawaii, do cyberpunk, das lolitas, do visual kei. Com uma ajudinha da Nowhere!

In many, and perhaps most, instances there is a total disconnect between what something is and what it’s supposed to mean. Punk can be cute. Mico-mini skirts aren’t sexy. Ghoulish makeup isn’t macabre. Hip-hop is a state of mind rather than a reference to a specific cultural experience. The extremes to which average youth use body piecing as personal adornment have nothing to do with tribal beats, sexuality, or counter-culturalism. Here, it is pure fashion.
— Do livro Style Deficit Disorder - Harajuku Street Fashion

Várias são as lojas clássicas de Harajuku.

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Hysteric Glamour

de Nobu Kitamura

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Baby, the Stars Shine Bright

O templo das lolitas de Akinori Isobe

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Cream Soda

uma das pioneiras, de Masayuki Yamazaki

Mas vamos voltar na Nowhere? Acho a história muito interessante. Foi lá que Takahashi começou a vender Undercover, uma das marcas mais legais do Japão, e o Nigo também começou a vender a Bape. Ambos se conheceram no Bunka, a lendária escola de moda japonesa. E na época Jun atendia por Jonio. Nigo & Jonio - uma boa dupla sertaneja, né? Mas eles estavam mais para Charlie Brown Jr, ligados na cultura do skate. E diz que eles deram um novo ânimo para Harajuku, que estava meio caída com o crash.

Nigo & Jonio

Nigo & Jonio

Hoje acho que quem substitui um pouco esse espaço da moda masculina na região, sem o mesmo ineditismo mas com bastante charme, é a Beams.

Pode me dar tudo

Pode me dar tudo

A Beams é no fundo mais antiga que a Nowhere - ela foi inaugurada em Harajuku em 1976 e hoje em dia expandiu, virou uma rede que inclusive abriu pontos fora do Japão. O segredo é a curadoria: tem muita roupa legal. E pronto, fim de papo: você tem vontade de ter cada uma daquelas peças. Está mais para o japonês médio (que normalmente se veste muitíssimo bem) do que para o fashionista montado.

Aliás, bem lembrado: vamos falar de Harajuku hoje? E por que ele virou o sinônimo de kawaii?

Provavelmente quando você chegar em Harajuku vai começar seu passeio pela Takeshita Dori, o que faz sentido mesmo, é a rua mais turística e celebrada.

A entrada da Takeshita Dori

A entrada da Takeshita Dori

Acontece que a Takeshita hoje é turística demais, lotada demais, uma overdose. Tem toda aquela estética do kawaii, com várias lojas cheias de bugigangas, uma Daiso gigantesca para quem curte, crepes maravilhosos e instagramáveis (e meio sem gosto), multidões de curiosos. As lolitas às vezes dão uma pinta mas a verdade é que elas já não existem em tanta quantidade em lugar algum. O melhor jeito de ver como os modernos se vestem em Harajuku atualmente segue sendo a lendária revista FRUiTS - e agora, em vez da gente esperar algum contrabando da publicação como no começo dos 2000, dá para ver no Instagram:

E a meia da Marine Serre com blusa da Prada?
Eu morta vendo, né? Affff! (dispenso a bolsa da Chanel)

A FRUiTS era #lookdodia antes do look do dia, e é look do dia com informação e criatividade. Era a nossa digital influencer quase inacessível, rodava de mão em mão porque era cara e difícil de encontrar. Saudades!

Mas se você for a Harajuku e ficar um pouco decepcionado com a Takeshita, não desista. Recomendo ir no Laforet, que é bem grande e precisa de tempo e disposição, e atravessar a rua depois da Takeshita parecer ter acabado, em direção de Omotesando - que eu me lembre é por ali que fica a Beams e também cafés e lojinhas bacanas.

Toda essa história de Harajuku de lojas e marcas que viraram mitos, ruas que hoje estão no mármore eterno da memória da moda, me lembra outra história… que fica mais ou menos a 11 horas de avião de lá.
Já conto.
E também fico devendo mais uns dois posts relacionados ao kawaii: um especial de mascotes (e finalmente terei que encarar o horripilante Funassyi) e outro de uma banda que quer democratizar o kawaii. Oi? Pois é.
Enquanto isso você fica com esse especial do Google sobre moda streetwear japonesa de 1980 para 2017 e imagens kawaii típicas de Harajuku - porque afinal prometi isso no título!

Estou muito confuso a respeito do termo streetwear

Estava tudo bem. Eu usava o termo streetwear (e usava streetwear em si) livremente. Sempre liguei isso à geração millennial, mais informal, menos apegada a regras sociais de dresscode. Teve essa coisa de Karl Lagerfeld ter colocado tênis na alta-costura da Chanel de spring 2014, e aí as ricas todas começaram a usar tênis mas eu mesmo já usava tênis antes e continuei usando depois - a oferta aumentou e tudo bem.

Mas aí veio esse artigo da Vogue UK: Why we need to rethink the therm “streetwear”?

A coleção da parceria entre Louis Vuitton e Supreme de 2017

A coleção da parceria entre Louis Vuitton e Supreme de 2017

O artigo explica que o termo muitas vezes pode ser ligado à raça:

(...) the involvement of people of colour (either designers or models) is ultimately not the determining factor of whether something is “streetwear”. The always-shifting category, which grew out of skate, surf and hip-hop subcultures, has historically done what it says on the tin – represented the way that those resisting the fashion mainstream have worn comfortable, everyday garments outside in the real world.

Fiquei bem incomodado comigo mesmo. Será que eu acabo usando desse mecanismo para apontar o que é streetwear e o que não é sem perceber, inconscientemente, por conta de um racismo estrutural que, not surprised, nunca me dei conta?

Pode ser que, em alguns momentos, não (conscientemente, streetwear para mim tem a ver com jeanswear, moletom, tênis, roupa informal; não necessariamente hip-hop, e sem juízo de valor porque para falar a verdade prefiro streetwear do que alfaiataria). Mas inconscientemente, talvez, sim. Um grande exemplo é o trabalho de Virgil Abloh na Louis Vuitton. Será que eu chamaria esses looks de streetwear se eles fossem feitos por um cara branco que veio de um outro contexto?

A resposta: é provável que não.

Acredito que não dá para demonizar o termo, mas ao mesmo tempo é importante refletirmos sobre a questão.
E você, já pensou no jeito que você usa o termo streetwear hoje?