A relação entre os Zappa e os filmes adolescentes norte-americanos dos anos 1980

Esse título é simplesmente tudo, né?
Pois é. O episódio de podcast do Sessão da Tarde sobre A Garota de Rosa Shocking (1986) entrou no ar e eu até dou uma palhinha sobre o que se trata esse post aqui. É nele que falo sobre a aparição do Dweezil Zappa.

Está com preguiça de ouvir agora? OK, vou te explicar aqui, mas depois me promete que vai ouvir quando tiver tempo, tá?

Molly Ringwald era a it girl dos anos 1980 e não tinha para ninguém (quer dizer, até tinha, para a Demi Moore, mas Molly tinha uma pegada mais "namoradinha da américa"). Durante as filmagens do Clube dos Cinco (1985), a atriz namorou o colega Anthony Michael Hall (falei disso nesse post aqui). Mas na época de A Garota de Rosa Shocking, Michael Hall já era passado e ela estava em outra. Ou melhor, em outro. Ringwald namorava Dweezil Zappa.

ringwald-zappa.jpg

ADORO
UM CASAL

(Sim, você leu certo, tem uma chamada para a deusa Sonia Braga na capa da revista)

E quem era Dweezil? Ele vem a ser o filho de um dos caras mais bacanas da música underground norte-americana: Mr. Frank Zappa.

Simplesmente tudo.

Dweezil Zappa é o segundo filho de 4. Ele era VJ da MTV nos anos 1980. Sim!

Aí parece que ele falou mal da MTV no programa do Howard Stern e foi demitido. Acontece. A principal carreira dele é como guitarrista – teve um single lançado aos 12 aninhos, produzido por ninguém menos que Eddie Van Halen! Abaixo, uma música de Dweezil com vocais da sua irmã mais velha, a Moon Unit Zappa. E olha, Let's Talk About It é bem legal, viu?

Guarda o nome da Moon, ela vai aparecer de novo daqui a pouco nesse post.

Dweezil e Molly pareciam um casal feito para os adolescentes modernos se espelharem. Eles eram o auge do cool.

E eu amo acima de tudo a turma:

Em cima: Molly, Dweezil e Moon Unit. Abaixo, as irmãs Ringwald, o punk Matt Freeman e o cara do franjão eu não consegui identificar

Em cima: Molly, Dweezil e Moon Unit. Abaixo, as irmãs Ringwald, o punk Matt Freeman e o cara do franjão eu não consegui identificar

Molly, Dweezil, Moon Unit e o Donovan Leitch, que vem a ser o filho do Donovan!!! Quenda!

Molly, Dweezil, Moon Unit e o Donovan Leitch, que vem a ser o filho do Donovan!!! Quenda!

Dweezil depois teria uma coleção de namoradas famosas. É sério: ele já namorou Sharon Stone, Sandra Bullock, Jennifer Connelly, a própria Demi Moore, Lisa Loeb… Identificamos um tipo: mulheres que tem fama.

Mas a ligação de Dweezil com os filmes adolescentes norte-americanos dos anos 1980 é Molly? Bom, basicamente é, mas a cena de Garota de Rosa Shocking na qual ele aparece é MARA (corre até os seis minutos):

(Falando nisso: a gente AMA Alexa Kenin. Ela morreu bem nova, com 23 anos, em circunstâncias misteriosas. Quando Garota de Rosa Shocking saiu, ela já tinha morrido.)

Dweezil faz essa ponta como Simon. Quando Andie pergunta: “O que você faria se seu pai fosse rico?”, ele responde “Kiss his ass". Mas sinceramente ele parece mais interessado em ver a banda.

E qual é a outra ligação dos Zappa com filmes adolescentes norte-americanos dos anos 1980?
Prepare-se para ver algo que é MUITO Cansei de Ser Sexy.

UM HIT.

Sim, essa que está "cantando” (ou falando?) é Moon Unit Zappa. E apesar dela parecer muito madura, ela tinha apenas 14 anos. Valley Girl é um dos maiores sucessos de toda a carreira de Frank Zappa, lançada em 1982. A ideia era tirar um sarro do jeito das patricinhas do vale de San Fernando, em Los Angeles. Para isso, diz a lenda que ele acordou Moon no meio da noite, levou-a para um estúdio e ela recriou conversas que tinha com seus amigos usando as gírias, o jeito de falar…
Hoje é provável que o nome da música teria que ser Calabasas Girl ou algo assim…

valley-girl-capa.jpg

Aí procuraram o Zappa para propor uma adaptação cinematográfica da música. Ele não quis. E basicamente eles fizeram mesmo assim. O filme, chamado Valley Girl (em português é Sonhos Rebeldes) saiu em 1983 e traz uma história um pouco parecida com Garota de Rosa Shocking na dinâmica "par romântico de diferentes realidades". Nicolas Cage, bem novo, está no papel de Randy, o galãzinho modernete de Hollywood que conquista o coração de Julie Richman (Deborah Foreman), a patricinha que mora no vale.

Randy & Julie em Valley Girl

Randy & Julie em Valley Girl

Até o sobrenome de Julie é uma piada pronta: Richman?! Os pais de Julie nem são tão ricos assim: ex-hippies, possuem um restaurante de comida natureba. Ou seja: o conflito é mais de bolha e de bairro do que necessariamente de dinheiro e classe social. O jeito deles falarem é diferente, o jeito de se vestirem, os gostos musicais, a ideia de uma noite divertida…

Zappa processou a produção – e perdeu.

Um remake musical de Valley Girl foi realizado. O problema é que um dos seus astros é Logan Paul, o influenciador digital que não consegue parar de ser idiota, fazer absurdos e ser cancelado. Então o filme segue tendo o seu lançamento adiado. A última data era em maio, em forma de lançamento digital, e para te falar a verdade acho que foi lançado sim – mas quem se importa? Logan Paul? Musical? Não, obrigado.

Quem gostou desse post também pode gostar desses outros:
. O que é o Brat Pack, essa turminha do cinema dos anos 1980?
. Sucesso é volume, e esse valor deveria ser alterado: pensando na série Hollywood e outras coisinhas mais
. O preconceito contra amarelos em Era Uma Vez em… Hollywood

Brat Pack parte 8: Qual é o último filme do Brat Pack? Na dúvida, para mim é esse

A gente vai se aproximando do fim dessa grande saga dos longas que fazem parte do conjunto da obra Brat Pack dos anos 1980 do mesmo jeito que começamos: com opiniões diferentes.

Tem quem ache que o Brat Pack acabou com O Casamento de Betsy (1990), aquele filme que com Molly Ringwald e Ally Sheedy no qual a personagem de Molly, Betsy, casa usando… uma cartola. kkkkk Mas sinceramente acho que esse longa não tem o mesmo tom dos filmes mais clássicos do Brat Pack e que o diretor, Alan Alda, também possui pouco a ver com aquele tom adolescente.

Mas existe outro diretor que ainda não ganhou um post só dele aqui nessa série sobre o Brat Pack, apesar de já ter sido citado. Lembra que existiam 3 cineastas com escritório no mesmo lugar? John Hughes, Joel Schumacher e…

Cameron Crowe!

Antes, um alerta de questão de ordem! Você já leu os posts anteriores sobre o Brat Pack deste blog? Caso não tenha lido, vai ler agora - para facilitar, segue a lista abaixo:

. O que é o Brat Pack e quem faz parte dele?
. Uma pessoa muito importante no começo do Brat Pack: S. E. Hinton
. John Hughes e seus dois musos: Anthony Michael Hall e Molly Ringwald
. Clube dos Cinco, o melhor filme do Brat Pack
. Os filmes do Joel Schumacher (incluindo O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas)
. Rob Lowe, o sex symbol do Brat Pack que se envolveu num escândalo com sex tape
. Curtindo a Vida Adoidado, que não é (mas quase é) um filme Brat Packer

E agora, finalmente, vamos a ele: Crowe. Um cineasta superpop de pérolas como Jerry Maguire (1996) e Quase Famosos (2000), um ex-jornalista prodígio da Rolling Stone (começou a escrever para a revista aos 16 aninhos!!!). Dizer que ele é um herdeiro de Hughes é estranho porque na verdade, como ele começou na carreira muito cedo, ele é contemporâneo de Hughes. Enquanto o roteiro de Hughes Férias Frustadas estreou em 1983, o roteiro de Crowe Picardias Estudantis é de 1982, baseado no livro dele que virou um best seller, Fast Times at Ridgemont High, de 1981.

Shelly O'Neil e Jennifer Jason Leigh em Picardias Estudantis

Shelly O'Neil e Jennifer Jason Leigh em Picardias Estudantis

Picardias Juvenis funciona como um precursor dos filmes Brat Pack sobre o qual a gente não falou até agora nessa série de posts. É que ele tem pouquíssima gente que a gente poderia apontar como Brat Packer - para falar a verdade, só uma pessoa do elenco, Sean Penn, é considerada por alguns como membro-satélite. Mas ao mesmo tempo a "voz” por trás dele - ou seja, a de Crowe - é uma voz legitimamente jovem, argumento muitas vezes usado para diferenciar os filmes Brat Pack dos que já tinham sido produzidos e dirigidos a adolescentes antes.

O tom em que o sexo é abordado em Picardias é muito mais explícito visualmente do que em Gatinhas e Gatões, Clube dos Cinco ou A Garota de Rosa-Shocking. Crowe se infiltrou no Clairemont High School, em San Diego, fingindo ser estudante - o livro que inspirou o filme funciona como uma reportagem mais extensa. Essa visão mais crua e realista, se comparada ao mundo Brat Packer de Hughes, Picardias soa menos cor de rosa e suburbano. O trabalho não é um glamouroso balcão de loja de discos como o de Andie, e sim na chapa de uma lanchonete fast-food.

Judge Reinhold

Judge Reinhold

Questões mais sérias como o aborto, inimagináveis para as quases sempre virgens personagens de Ringwald, são tratadas em Picardias como foco. Também aparece peito (o de Leigh, inclusive), sem tantos pudores. Pelo menos 3 atores que integram o vasto elenco posteriormente ganharam o Oscar com outros trabalhos: o próprio Penn, Nicolas Cage e Forest Whitaker.

Falando em Whitaker: em relação aos colégios branquérrimos de Hughes, aqui temos diversidade racial. Ufa.
E a diretora? Amy Heckerling depois viria a dirigir dois clássicos: Olha Quem Está Falando (1989), que na verdade é a cara do John Hughes, e… As Patricinhas de Beverly Hills (1995)!!!

Stanley Davis Jr (que, até onde eu sei, não é parente do Sammy Davis Jr) e Sean Penn em Picardias

Stanley Davis Jr (que, até onde eu sei, não é parente do Sammy Davis Jr) e Sean Penn em Picardias

Mas eu quero mesmo é chegar na estreia na direção de Crowe. Digam O Que Quiserem (1989) é um roteiro dele que ele decidiu dirigir, diz, para salvar a história que de outra forma seria distorcida ou mal interpretada. Considero o último filme do Brat Pack porque 1) Traz John Cusack, um membro satélite, finalmente em destaque; 2) Trata da adolescência da mesma forma profunda e delicada que Hughes fazia, com vários pontos em comum como a importância da música, a existência de castas no Ensino Médio que em teoria não se misturam etc. 3) É um longa muito carismático 4) Fecha a década. Outros filmes de adolescente ou jovens adultos foram feitos depois, alguns com sensibilidade, um pelas mãos do próprio Crowe como vamos ver em um post futuro (ou você pensou que ia acabar por aqui?). Mas fora dos anos 1980, a coisa não é mais a mesma.

Vamos começar por Cusack, esse cara que a gente conheceu em outro longa bem Brat Pack… Uma Questão de Classe (1983), com Andrew McCarthy e Rob Lowe. Depois, ele faria outro papel menor em Gatinhas e Gatões (1984) e participaria de Conta Comigo (1986), um filme que se aproxima do Brat Pack e só não entra mesmo nesse cânone porque é muito infantil, mais próximo de Goonies. Cusack também esteve naquela bobagem do Um Verão Muito Louco (1986) com Demi Moore. E, nessa "periferia", chegou a fazer teste para o papel de Bender de Clube dos Cinco (1985). Mas foi com Lloyd Dobler e vestido em um trench coat que ironicamente lembra bastante o de Bender que ele encerrou essa era do cinema teen, levantando um rádio estéreo (um Toshiba RT-SX1) acima da cabeça em uma cena que virou um clássico.

As meninas heterossexuais e os rapazes homossexuais se dividiam em duas turmas: os que queriam Jake Ryan na frente de um carro vermelho (de Gatinhas e Gatões) e os que queriam Lloyd Dobler segurando esse boombox

As meninas heterossexuais e os rapazes homossexuais se dividiam em duas turmas: os que queriam Jake Ryan na frente de um carro vermelho (de Gatinhas e Gatões) e os que queriam Lloyd Dobler segurando esse boombox

A CDF Diane Court, personagem de Ione Skye e interesse amoroso de Lloyd, é uma criatura rara no universo dos clichês. Todo mundo parece gostar dela apesar da garota chegar a ser antissocial de tão estudiosa. As pessoas a consideram um partidão; as amigas de Lloyd (é engraçado porque ele se dá melhor com a turma das meninas) dizem que ele está pirando porque ela nunca vai dar bola para ele.

Mas quem não daria bola para Cusack em uma comédia romântica? Quem seria a maluca? Lloyd, que dedica ao kickboxing, se esforça. Realmente está apaixonado. E ganha o coração de Diane. O problema é o pai, James Court, interpretado por John Mahoney, que não quer saber desse relacionamento.

A grande amiga de Lloyd é Corey Flood, vivida pela atriz que adoro Lili Taylor. Depois Lili faria parte de longas importantes de Robert Altman (Short Cuts - Cenas da Vida em 1993, Prêt-à-Porter em 1994), encarnaria a versão cinematográfica da radical Valerie Solanas em Um Tiro para Andy Warhol (1996) e se reuniria com Cusack em Alta Fidelidade (2000). Corey é uma das personagens mais maravilhosas de Digam o Que Quiserem - apaixonadíssima pelo boy lixo Joe (Loren Dean), ela faz 63 músicas para ele, e a gente ouve algumas durante a cena da festa. São ótimas. No fim, Corey se conforma que, apesar dele “invadir sua alma", ele é um lixo mesmo. Que bom!

Tipo precursora de Phoebe Buffay

Tipo precursora de Phoebe Buffay

Digam O Que Quiserem acaba em tom de esperança mas também de vida real, mais ou menos na mesma base dos dramas hughesianos: um pai com problemas de depressão que não trabalha, um nerd que pensa em se matar tamanha a pressão que sente para ser o melhor em tudo, um pai que deseja que o filho estude numa universidade para não ter o mesmo destino de trabalhador braçal que ele. Aqui, Diane se vê numa situação horrível quando seu pai é acusado de roubar dinheiro da casa de repouso para pessoas na terceira idade. Em quem acreditar? Skye se esforça para achar sua Ringwald interior: ela até dá conta do recado mas não tem tanto carisma e quem domina a tela é mesmo Cusack.

(Aliás, a curiosidade é que Ione Skye é filha do cantor Donovan. !!!!)

O filme funciona como uma transição para os cínicos e grunges anos 1990. Adeus aos yuppies. A trama acontece em Seattle - a cidade funciona para Crowe como Chicago para Hughes - e, por causa desse subtexto de dinheiro desviado, vira algo bem sério para o público jovem. Como um refresco, temos o próprio Lloyd, tipo o último romântico: ele sabe que Diane é melhor que ele, e diz que vai se dedicar a deixá-la feliz, a deixá-la se desenvolver até ela ser a melhor versão dela. Que homem é esse, me digam? Sorte a da Diane!

Diane & Lloyd: a gente shipa demaaaaaais

Diane & Lloyd: a gente shipa demaaaaaais

I gave her my heart, and she gave me a pen
— Lloyd Dobler

Crowe, assim como Hughes, é um grande fanático por música. A escolha do que ia tocar no boombox de Lloyd foi complexa, e a cena clássica quase caiu. Mas ele acabou achando!

Vou falar mais sobre isso no próximo post, o penúltimo dessa série Brat Pack, que fala justamente desse universo superimportante para esse conjunto de filmes: a música!

Brat Pack parte 2: o primeiro filme (será?) e o quarteto de S. E. Hinton

Toque de Recolher é um filme de 1981 que contava com um elenco de jovens feras promissoras. Eram eles: Timothy Hutton, Tom Cruise e Sean Penn. Pois é, realmente, não existe integrante do núcleo mais, digamos, representativo do Brat Pack aqui, mas o jornalista David Blum encara esse longa como "o primeiro filme dos Brat Pack".
(Há controvérsias, como veremos mais tarde nesse texto!)

Chegou agora e não entendeu nada? Então, antes de continuar, confira o post Brat Pack parte 1: Quem são eles para ficar por dentro!
Pronto? Leu tudinho? Então bora!

Em Toque de Recolher, da esquerda para a direita: Cruise, Hutton e Penn

Em Toque de Recolher, da esquerda para a direita: Cruise, Hutton e Penn

É interessante que Blum aponte Toque de Recolher como o primeiro filme do Brat Pack porque ele tem mesmo muito em comum com a maioria do que veio depois. Leva o amadurecimento do adolescente a sério - esse, aliás, é o tema central. O roteiro: uma escola militar de 141 anos está em vias de fechar e os cadetes, se vendo sem o seu comando adulto e maior referência, a fecha e a ocupa à força, exigindo que ela siga existindo. Valores como honra e dignidade, com o blablablá militar, são levantados. Não é o meu tipo de filme - odeio filme de guerra e qualquer coisa bélica em geral - mas sabe que me convenceu? Os atores fazem papéis complexos, profundos, com diálogos às vezes tocantes. Hutton, que ganhou um Oscar por um filme anterior (durante o início das gravações de Toque de Recolher), concorreu ao Globo de Ouro de Melhor Ator por esse desempenho.
Ou seja: não é o filme mais moderno do mundo. Tem um começo bem modorrento. Mas também não é uma bomba.

Moreland (Hutton), Shawn (Cruise) e Dwyer (Penn) em ação

Moreland (Hutton), Shawn (Cruise) e Dwyer (Penn) em ação

Curiosidades: na preparação, esses 3 atores foram para uma escola militar de verdade e ficaram 45 dias por lá, como estudantes. Quer dizer, mais ou menos: Cruise preferiu um hotelzinho mais confortável ali por perto…
Esse foi o primeiro longa com Sean Penn no elenco, e o segundo de Cruise!

Os músculos do garoto Tom Cruise em cena de Toque de Recolher

Os músculos do garoto Tom Cruise em cena de Toque de Recolher

Agora vamos voltar um pouco no tempo. Mais especificamente em 1967. Esse foi o ano de lançamento do livro The Outsiders, escrito por S. E. Hinton. Ela tinha 19 anos na época do lançamento, o que já é um fato espantoso, mas comenta-se que ela escreveu o texto quando tinha 15, inspirada no fato de um amigo ter apanhado no caminho do cinema para casa.

the-outsiders.jpg

Virou um clássico, adotado como um dos livros estudados em escolas americanas, best seller até hoje - meio na onda do O Apanhador no Campo de Centeio, sabe? O fato da escritora usar só suas iniciais aconteceu porque os editores ficaram com medo do pessoal descobrir que ela era uma garota de 19 anos e não acreditar que ela poderia escrever a obra.
Apesar desse ser o primeiro livro de S. E. Hinton, esse não foi o primeiro a virar filme. O escolhido foi Tex, de 1979, quarto livro dela. Estrelando: Matt Dillon, sob direção de Tim Hunter, que hoje trabalha bastante com TV. No elenco também estava Emilio Estevez, um dos símbolos do Brat Pack.

A própria S. E. Hinton com Matt Dillon caracterizado como Tex, o personagem principal do filme Tex: Um Retrato da Juventude (1982)

A própria S. E. Hinton com Matt Dillon caracterizado como Tex, o personagem principal do filme Tex: Um Retrato da Juventude (1982)

Hora de me desculpar: tentei de todas as maneiras assistir Tex: Um Retrato da Juventude, mesmo porque fiquei muito curioso com as coisas que li sobre ele. Não consegui: aparentemente você precisa morar nos EUA para conseguir assistir em streaming mesmo que queira pagar por isso, e não fui feliz ao tentar baixá-lo (não consegui, simplesmente). Também não tenho um nível de hacker bom o bastante para conseguir a Apple TV lá de fora - kkkkkk A boa notícia é que o filme é da Disney, então provavelmente deve estar no Disney+ quando o serviço chegar ao Brasil.

E o fato dele ser da Disney já é estranho, certo? Quem conhece o trabalho do estúdio naquela época já espera algo bem água com açúcar. Mas parece que não foi bem isso que aconteceu. Vamos contar a história desde o começo: Dillon está no elenco de Over the Edge (1979), longa que trazia roteiro de Hunter. O rapaz era fã dos livros de S. E. Hinton e pediu para que Hunter adaptasse algum deles para o cinema. Foi algo do tipo "homem certo com a oportunidade certa no timing certo": a Disney queria tentar algo diferente, e o vice-presidente da companhia na época, Tom Wilhite, estava disposto a dar espaço para jovens inexperientes. Porque Hunter não queria apenas escrever o roteiro - desejava dirigi-lo.

Quando Hinton recebeu uma ligação dizendo que a Disney estava interessada em adaptar um de seus livros para o cinema, ela desconfiou. Seu medo era justamente que o estúdio transformasse a história em algo bobinho. Wilhite precisou convencê-la ao vivo. Ela cedeu, mas quis que seu cavalo, Toyota, fosse o cavalo de Tex no filme!

tex.jpg

Emilio Estevez e Matt Dillon

E Toyota, o cavalo de Hinton, no set de Tex: Um Retrato da Juventude

Mas por que incluí Hinton aqui? Bem, ela viria a ser um símbolo do Brat Pack. Mais 3 livros seus foram adaptados para longas com integrantes do Brat Pack no elenco: Vidas Sem Rumo (1983), O Selvagem da Motocicleta (1983) e A Força da Inocência (1985). Os dois primeiros também contam com Dillon no elenco - ele se transformou numa referência do cinema para Hinton. E Hinton ficaria para sempre conectada com o começo da história do Brat Pack, por mais que suas histórias divergissem bastante do que o filme clássico de Brat Pack virou, e por mais que John Hughes, o diretor Brat Pack por excelência, nunca tenha adaptado uma de suas histórias para a telona. Hinton sempre localiza suas tramas no subúrbio de Tulsa, Oklahoma; elas envolvem jovem marginalizados, geralmente delinquentes. Possui esse olhar mais humano sobre o mundo teen, mas ao mesmo tempo não se trata de uma classe média em contexto mais urbano - que é o que Hughes faz.

Esse episódio do podcast Song by Song que eu incluo abaixo sobre Vidas Sem Rumo é bem esclarecedor - ou não. Primeiro: o Song by Song é sobre Tom Waits, olha que esquisito, que não tem nada a ver com o Brat Pack. Risos. É por causa de uma ponta que Waits faz em Vidas Sem Rumo que o epê foi feito: ele é Buck, o cara que fica na porta de um bar, tipo jagunço. Aparece por menos de cinco minutos!
Mas não é isso que eu acho esclarecedor desse podcast: o convidado Kevin Smokler fala que os filmes do Brat Pack são importantes porque pela primeira vez o adolescente é visto no cinema sob a ótica do próprio adolescente, e que por isso Vidas Sem Rumo, que muita gente encara como o primeiro filme Brat Pack por causa do elenco (no lugar de Toque de Recolher!), no fundo não seria um filme Brat Pack.

Só que essa lógica é meio esquisita, por causa do fator S. E. Hinton. Ela escreveu o livro justamente quando era adolescente. Quer mais ótica teen que isso?
Entendo o que ele quer dizer: Vidas Sem Rumo tem um tom épico que Coppola inclui, uma cinematografia bela mas pesada, adulta, especialmente na cena clássica do por-do-sol com poema de Ponyboy (C. Thomas Howell) e Johnny (Ralph Macchio) e na cena final, com a imagem de Johnny falando o texto da carta que Ponyboy lê. Lembra filme dos anos 1940, sabe? Uma coisa grandiosa. O livro que Ponyboy gosta e vira uma de suas conexões com Johnny é … E o Vento Levou, para você ter ideia da coisa!
Agora, eu acho que Vidas Sem Rumo é um filme de Brat Pack sim, diferente em vários aspectos, mas que possui muitos pontos que o aproximam do resto dessa filmografia que varia de pessoa para pessoa. Tem Emilio Estevez e Rob Lowe, por exemplo. Fala da realidade adolescente - quase não aparecem personagens adultos. É sobre as dificuldades desse trânsito entre a fase infantil e adulta. O núcleo familiar principal, formado por Ponyboy, Sodapop (Lowe) e Darrel (Patrick Swayze), é justamente um trio de irmãos órfãos, com Darrel assumindo as responsabilidades de pai por ser o irmão mais velho.

Darrel, Ponyboy e Sodapop: família

Darrel, Ponyboy e Sodapop: família

Outra coisa que achei interessante desse episódio de podcast é que Smokler, agora sem nem falar exatamente de Brat Pack, conecta Vidas Sem Rumo a uma tendência interessante dos anos 1980: filmes centrados em adolescentes e nostálgicos sobre as décadas de 1950 e 1960. É real: depois viriam De Volta Para o Futuro (1985), Peggy Sue: Seu Passado a Sua Espera (1986) e tantos outros.

Mas vamos falar de Vidas Sem Rumo em si? A começar pelo elenco, que acho impressionante pela quantidade de futuras estrelas por metro quadrado:

Da esq. para a dir.: Two-Bit (Emilio Estevez), Sodapop (Rob Lowe), Ponyboy (C. Thomas Howell), Dallas (Matt Dillon), Johnny (Ralph Macchio), Darrel (Patrick Swayze) e Steve (Tom Cruise). Tá bom para você?

Da esq. para a dir.: Two-Bit (Emilio Estevez), Sodapop (Rob Lowe), Ponyboy (C. Thomas Howell), Dallas (Matt Dillon), Johnny (Ralph Macchio), Darrel (Patrick Swayze) e Steve (Tom Cruise). Tá bom para você?

A procura por um "novo James Dean", do jeitinho que a mídia gosta, seguia desde a morte dele em 1955. É muito notável que sejam as décadas de 1950 e 1960 que morem na memória afetiva de filmes produzidos na década de 1980: época de Dean, de Amor, Sublime Amor (a adaptação do musical para a telona é de 1961). Vidas Sem Rumo, aliás, conversa com Amor, Sublime Amor na sua temática de guerra entre gangues juvenis e flerta com a história principal ao aproximar Ponyboy e Johnny de Cherry (Diane Lane), que é da turma dos ricos Socs. Se lá a história era embebida do preconceito contra os latinos, aqui desponta a luta de classes: Greasers são pobres, Socs são playboys.
Outro filme que pode ser apontado como primo desses é Os Selvagens da Noite (1979), o clássico The Warriors, que não entra na lista do Brat Pack por ter um elenco bem diferente da turma e, na minha opinião, um roteiro meio infantil apesar do tema sério da morte de um dos integrantes das gangues retratadas.
E não me leve a mal: adoro The Warriors!

Cena do clássico Os Selvagens da Noite de Walter Hill, o mesmo diretor de Ruas de Fogo (1984) e que quase dirigiu Alien, o Oitavo Passageiro (1979) - que como todo mundo já sabe foi parar nas mãos de Ridley Scott e virou um classicão

Cena do clássico Os Selvagens da Noite de Walter Hill, o mesmo diretor de Ruas de Fogo (1984) e que quase dirigiu Alien, o Oitavo Passageiro (1979) - que como todo mundo já sabe foi parar nas mãos de Ridley Scott e virou um classicão

the-outsiders.jpg

A Capricho da época?

Os astros de Vidas Sem Rumo à paisana

Vidas Sem Rumo é uma história de redenção? Quer mostrar que o delinquente juvenil é apenas produto do meio? Que no fundo ele é uma boa pessoa? Bom, tem algo nesse tom grandiloquente que não ajuda, se é essa a tese que Coppola queria aplicar. Pelo contrário: artificializa.

jornal-vidas-sem-rumo.jpg

E daí a gente parte para O Selvagem da Motocicleta, a segunda adaptação de Hinton com direção de Coppola, também sobre gangues, também com um elenco estelar: Dillon faz o personagem principal, Rusty James, ao lado de Nicolas Cage, Mickey Rourke, Laurence Fishburne, Diane Lane e, adivinha, mais uma participação especial de Tom Waits!

Smokey (Nicolas Cage), Steve (Vincent Spano), Rusty (Matt Dillon) e B. J. Jackson (Chris Penn, o irmão de Sean Penn)

Smokey (Nicolas Cage), Steve (Vincent Spano), Rusty (Matt Dillon) e B. J. Jackson (Chris Penn, o irmão de Sean Penn)

Parece uma imitação low-budget de Marlon Brando em O Selvagem (1953)? Bom, talvez seja proposital: Dillon, na época, era a promessa de próximo Brando! E O Selvagem da Motocicleta é o momento em que ele mais imita a interpretação de Brando.
O destaque do filme na verdade não é ele. É Coppola, cheio de metáforas em forma de imagem e planos longos com bastante ação, exercitando-se e obtendo um resultado bem mais interessante que em Vidas Sem Rumo ao meu ver; e são as interpretações de Mickey Rourke, que faz o irmão mais velho de Rusty (a lenda Motorcycle Boy) e de Dennis Hopper como o pai dos dois.

Dos 4 filmes com tramas de Hinton, O Selvagem da Motocicleta é o que menos se aproxima do universo Brat Pack. Mais cult e muito autoral, menos adolescente, extremamente estiloso, visualmente moderno até para os padrões atuais. Portanto recomendo que assistam, mas não incluam em um pacote Brat Pack! Risos!

Dillon & Rourke: nessa, o primeiro saiu perdendo no quesito potencial dramático…

Dillon & Rourke: nessa, o primeiro saiu perdendo no quesito potencial dramático…

E finalmente chegamos no último longa baseado em um livro de S. E. Hinton. A Força da Inocência foi a iniciação de Estevez em outra área: o roteiro é o primeiro assinado por ele. Craig Sheffer faz o rapaz mais velho, Bryon, e Estevez interpreta o mais novo e mais problemático Mark. Hinton não foi envolvida nessa adaptação, e com isso eles também mudaram o fim e a ambientação (os livros se passam todos em Tulsa, Oklahoma; o filme A Força da Inocência acontece em Minnesota).

Bryon (Sheffer) e Mark (Estevez) em A Força da Inocência

Bryon (Sheffer) e Mark (Estevez) em A Força da Inocência

A crítica de Vincent Canby para o New York Times na época do lançamento de A Força da Inocência chama o filme de "a adaptação menos interessante de um livro de S. E. Hinton para o cinema". Acho a afirmação um tanto pesada mas não deixa de ser verdadeira! Isso também não quer dizer que o filme seja péssimo - ele é bacaninha sim.

Para terminar: lembra que eu falei no post anterior que o Brat Pack variava, que cada um fazia um grupo na sua cabeça e não existia exatamente uma regra única para incluir alguém? Olha essa imagem…

brat-pack-alternativo.jpg

Pois é!

Curiosamente, atores como Matt Dillon não colaram como integrantes do Brat Pack para sempre. Dillon tinha a mesma faixa de idade (Estevez é inclusive mais velho), mas começou a se afastar dessa temática após O Selvagem da Motocicleta. Em 1989, faria o papel principal em Drugstore Cowboy, que é bem centrado no vício em drogas.

E chega de falar de boys - esse post transbordou testosterona, eu hein! O próximo é especial, com a maior musa do Brat Pack… Aguarde!