Não se engane com Universo Anime

Esse “documentário" que entrou na Netflix agora chama a atenção: ele promete desvendar os animes, que é o nome dado às animações japonesas. Acontece que… ele é um pouco mais (bem pouco mais) do que um vídeo-catálogo das produções de anime que já existem na Netflix.

Aggretsuko é um dos desenhos que aparecem no doc e que, sim, estão na Netflix

Aggretsuko é um dos desenhos que aparecem no doc e que, sim, estão na Netflix

Eles pouco disfarçam: no fim (sim, assisti até o fim, mas dei umas dormidas lá pelo meio) aparece uma frase dizendo que todas as produções que aparecem fazem parte do catálogo.

Mas o documentário é ruim?
Olha, fora o fato de ver coisas do Japão, que eu sempre gosto, é ruim sim. A narradora Tania Nolan e a diretora-apresentadora Alex Burunova fazem comentários bem desnecessários tratando a cultura japonesa e oriental no geral como se fossem uma coisa bizarra só porque não correspondem ao que elas achariam normal. E as duas nem ficam tão distantes assim do Japão: Nolan é neozelandesa, Burunova é russa. E não importa, né? Mesmo se fossem americanas, o ideal seria que elas investigassem o universo do anime com interesse, tentando explicar suas particularidades. E não ressaltando a todo momento os seus, er, "exotismos".
Aliás, o que Burunova não deixa claro, por exemplo, é que as subculturas de Tóquio são exatamente isso: subculturas de Tóquio. Que Aggretsuko também é atraente para os japoneses porque é uma personagem tão inusitada para eles quanto para gente - por mais que exista a cultura de funcionários de escritório, karaokê e death metal, essas 3 coisas não costumam andar juntas.
E já que nenhuma outra produção fora as que estão na Netflix entram na história, eles ignoram solenemente: o Studio Ghibli. Os desenhos do Momotarô da década de 1940 que são marcos históricos na fase propagandista do anime. O clássico Akira.

Resumindo: não perca o seu tempo, por mais que o documentário dure um pouco menos de uma hora. Parece mais, bem mais. É bem bobo.
E a Netflix devia tomar cuidado. Num momento em que a concorrência do conteúdo via streaming promete ficar acirrada, ela devia colocar só produção incrível no catálogo. Cada coisa ruinzinha que você assiste te deixa mais próximo daquele botão do cancelamento…

Momotarō no Umiwashi, produzido em 1942, é uma espécie de versão ficcional do ataque à Pearl Harbor com o personagem infantil Momotarō no papel principal

Momotarō no Umiwashi, produzido em 1942, é uma espécie de versão ficcional do ataque à Pearl Harbor com o personagem infantil Momotarō no papel principal

A latinidade cigana que na verdade veio... da França

Você sabe, você conhece e, confessa, você gosta:

Isso é uma das cenas do filme Amante Latino (1979), de Pedro Carlos Rovai, que ajudou a reforçar o mito de que Sidney Magal era cigano. Não era. Esse clima veio da ideia do produtor Roberto Livi, um argentino bem esperto. Ele se inspirou no cigano Sandro de América, que era sucesso em seu país.

Particularmente acho o suíngue de Sidney mais sexy! kkkkkk

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O primeiro disco do Magal saiu em 1976 e trazia o cantor cantando Amante Latino e outras. Essa capa de cima é do segundo, de 1978 - o da Sandra Rosa Madalena, a Cigana.

E ao contrário do que diz o locutor: ele não é descendente de ciganos.
Essa sensualidade, os figurinos e as músicas, um pop fácil e divertido, fizeram Sidney estourar, provavelmente na mesma lógica do Secos & Molhados alguns anos antes: fantasia e sonho, exotismo e mistério, escapismo para os últimos anos de ditadura militar.
Mas eu queria falar mesmo é da música do primeiro vídeo, Meu Sangue Ferve Por Você. Que é… uma versão, sabia? E de ninguém menos que Sheila:

Sabe quem é a Sheila?
Uma expoente das ye-ye girls como France Gall e Sylvie Vartan, cresceu depois dos anos 1960 e entrou no grupo B. Devotion direto na onda disco - gravou Spacer, produzida pela dupla do Chic Nile Rodgers e Bernard Edwards.

Mélancolie foi lançada antes do B. Devotion, em 1973. Mas enfim, achei a versão em francês bem boa também. Já o requebrado…

Realmente Sidney bate todos os gringos no mexer das cadeiras. Pois é…

Por que Célia não fez tanto sucesso e não é lembrada como deveria?

Célia morreu aos 70 anos em setembro de 2017. É muito provável que você só tenha ouvido falar mas não se lembre de ter escutado, ou mesmo que nunca tenha escutado essa cantora. É uma pena - corra contra o tempo e comece logo com a estreia, que saiu em 1970.

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Amo essa capa pela sua simplicidade e por ela estar de olhos fechados. Fora que o cabelo é lindo e a maquiagem está ótima! Logo de cara Célia mostra uma voz com um registro mais grave. Os arranjos são de Arthur Verocai, Pocho Pérez, José Briamonte e Rogério Duprat e eu destacaria sua versão de Adeus Batucada, clássico do repertório de Carmen Miranda - com Célia a coisa fica mais introspectiva, quase uma bossa nova, meio jazzy, só que diferente do que faria uma Nara Leão porque em alguns momentos rolam uns rompantes mais poderosos e volumosos. Chic!

O álbum ainda tem outras preciosidades tipo No Clarão da Lua Cheia de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, bem roqueirinha tropicalista; To Be da Joyce, uma letra que é em português mas usa esse "to be”, melodia gostosinha e interpretação brincalhona; outra de Joyce, Abrace Paul McCartney por Mim, uma balada para provavelmente alguém que foi morar em Londres? kkkk; e ainda a versão belíssima com arranjo de Duprat de Para Lennon e McCartney. Coisa fina.
O álbum seguinte, de 1972, também merece destaque com coisas lindas como Toda Quarta-Feira Depois do Amor e a suingada Vida de Artista, ambas de Sá e Rodrix sem o Guarabyra (aliás, que trio, né, também precisava ser mais lembrado); Na Boca do Sol que chegou a ser sampleada por Ludacris (?!) na música de 2008 Do the Right Thang com participação de Common e, claro, olha o título, Spike Lee; e uma delicada e diferente Detalhes, o clássico de Roberto & Erasmo. Lembra uma coisa meio Ornella Vanoni, meio ensolarada à Riviera Italiana, com um tom mais displicente e empoderado que o desesperado dramático da versão original do Robertão. E ao mesmo tempo tem o mesmo cheio forte dos anos 1970! Confira:

"Mas é só isso, Wakabara?"
Não, não é só isso. Um ano antes de morrer ela estava fazendo isso aqui:

Sim, uma versão boa de Não Existe Amor em SP do Criolo que não é dele. Vem do álbum que ela lançou em 2015, Aquilo que a Gente Diz, que acho tão bom quanto os primeiros dela. Tem Crua do Otto, que ele mesmo lançou em Certa Noite Acordei de Sonhos Intranquilos; Dois Rios do repertório do Skank e do Nando Reis (de autoria dele, Samuel Rosa e Lô Borges); Eu Sou Aquele que Disse do Sergio Sampaio, um momentinho meio Belchior do artista; e Opus 2, aquela do "Você abusou, tirou partido de mim, abusou” do Antonio Carlos & Jocafi cuja versão da Célia não gosto tanto, mais séria e introspectiva, mas sei lá, talvez você goste.

Resumindo: ouça mais Célia. Já que você não ouviu enquanto ela estava viva, ao menos agora. Tem coisas muito muito boas.

Ryan Murphy, por que fazes isso conosco?

É sempre assim e a gente não aprende. Deve ser alguma síndrome prima da de Estocolmo, sei lá.
Ryan Murphy tem ótimas ideias. Geralmente faz ótimos começos de série. E geralmente se perde no meio delas - o roteiro fica frouxo, a coisa desanda e dá vontade de dar uma editada em tudo. Em 6 capítulos a gente resolve, pessoal!
Uma exceção é Feud: a primeira temporada, sobre a rivalidade entre Bette Davis (Susan Sarandon) e Joan Crawford (Jessica Lange), é ótima por todos seus 8 episódios. Talvez porque fossem só 8, mesmo.

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Mas Pose também foi até bem em sua primeira temporada inteira, com pouca gordura em seus 8 episódios. Agora, nessa segunda, com 10 (será que é isso?), fica um gosto meio esquisito de novelão na boca. Soluções de desenvolvimento bem ruins culminam num episódio, o Blow, em que Blanca (MJ Rodriguez) e Pray Tell (Billy Porter) assumem um papel de “anciões sábios” que vão ajudar os novinhos perdidos a recuperar a garra com um desafio: encapar a casa de campo da gananciosa Frederica (a ótima Patti LuPone) com uma camisinha gigante.
Sério?
Tô achando bem besta. Não vou parar de assistir, mas acho que a falta de um núcleo paralelo, que existia na primeira temporada com o personagem de Evan Peters, está pesando nessa - Frederica é incrível mas não desenvolve exatamente uma história além, só rivaliza com Blanca; a falta de Candy (Angelica Ross) não ajuda muito na diversidade das casas do baile; a entrada de Judy (a maravilhosa Sarah Bernhard) ajuda a dar uma movimentada e a trazer o tema da Aids para uma realidade de hospitais e remédios mas, como ela tem poucas cenas, também não segura.
E ainda tem uma terceira temporada, né?
A ver. O que vocês estão achando? Tô exagerando?

Salvem Pose, por favor!

Salvem Pose, por favor!

Não lavou e tá novo

Você já ouviu falar do desafio da Lilian Pacce #1lookporumasemana?
É assim: você usa pelo menos duas ou mais peças de roupas por cinco dias seguidos, sem lavar. Dá para usar a criatividade para variar - coisas do tipo usar a saia como um top, colocar um vestido curto por dentro da calça como se fosse blusa.

A gente chama de desafio porque obviamente é desafiador mas eu sei como é pouco prático fazer no dia-a-dia para quem pega ônibus, sua debaixo do sol etc etc.
Só que ao mesmo tempo é muito doido fazer. Primeiro porque você percebe que talvez esteja lavando demais sua roupa, e às vezes não precisa lavar só por ter usado uma vez. Além de gastar água, energia e sabão, isso também gasta a própria roupa.

(Muita gente defende que essa coisa de lavar roupa após apenas um dia de uso é uma coisa que colocaram na sua cabeça. Para ser mais específico: a Unilever e outras fabricantes de sabão de lavar roupa bombardearam essa informação em suas campanhas publicitárias. Elas ligam isso à higiene, hábitos saudáveis etc. e tal. Para o brasileiro, que já tem essa cultura de se lavar bastante, cai como uma luva, e no verão reconheço que a coisa aqui fede - literalmente rsrsrs! Mas e nas temperaturas mais amenas? Será que a gente precisa lavar tanto a roupa assim?)

Voltando ao desafio: você também acaba fuçando mais o seu armário a procura de mais alguma coisa que combine com aquelas peças. Precisa exercer sua criatividade. É interessante as coisas que você descobre.
Mas principalmente, lá pelo quarto ou quinto dia, começa um questionamento em um grau um pouco mais filosófico. Afinal, qual é o seu estilo? Qual é o limite dele? Você usaria esse look caso não estivesse no desafio, repetindo essas peças? Por que não? O que te impediu de ser tão criativo antes? Por que você não exerce mais sua criatividade no dia a dia, não só no look mas em tudo? E por aí vai.

Já existiu uma campanha relacionada à lavagem exagerada da roupa que veio da AEG: o Care Label Project. A ideia é lavar menos, com água fria, com o foco da roupa durar mais e um subtexto de consciência ecológica. Eles defendem que muitas marcas nem têm estrutura para fazer testes de lavanderia com as roupas que produzem (e outras provavelmente não fazem porque isso custa dinheiro), então elas acabam já colocando "somente lavagem a seco” na etiqueta - isso traz um exagero no uso da lavagem a seco. Que tal se todo mundo soubesse mais sobre a duração do tecido, especialmente quem faz roupa, para assim o consumidor ser informado sobre o que está comprando direitinho? Para quem está preocupado com um consumo mais sustentável, os cuidados após a compra, em suma, são tão importantes quanto os cuidados relacionados a comprar menos e com qualidade.

No cotidiano, fora do desafio #1lookporumasemana, a gente pode alternar o uso de dois looks - enquanto um é usado, o outro está arejando. Faz supersentido, principalmente para calças.

Só que na verdade falei tudo isso por causa de roupas e tecnologias que são criadas especialmente com esse propósito: lavar menos.
A start up Unbound Merino é uma delas.

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Camiseta da Unbound Merino

A promessa é não lavá-la por dias, e dias, e mais dias

O foco da Unbound é em roupas para viajar: são leves, feitas de lã de merino (daí que vem o segundo nome) e você não lava por SEMANAS. Isso mesmo, SEMANAS.

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Camiseta da Pangaia

Feita de algas marinhas (?!), a peça dessa marca que tem todo um viés sustentável leva um tratamento com óleo natural de hortelã para ficar mais "fresca” sem precisar de lavagens

A Pangaia promete uma economia de até 3.000 litros de água por toda a vida útil da camiseta pela quantidade menor de vezes que você lava. Uau, né? A pegada da Pangaia é menos pela praticidade e mais pela sustentabilidade. E o desafio: convencer o consumidor que ele não vai cheirar mal usando a mesma camiseta seguidamente.

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Vestido de merino da Wool&

#1lookpor100dias: a marca diz que você pode usá-lo por 100 dias. 100 dias seguidos!!! Sem lavar!!! Será que um dia de verão com busão conta?

A Wool& é a marca feminina da Wool & Prince, que também faz roupas para os rapazes que não precisam ser lavadas com frequência.

E por que a preferência por lã de merino dessas marcas? É um tecido praticamente tecnológico só que natural: esquenta quando está frio, mantém a temperatura quando está quente porque respira, é leve e não amassa, é resistente ao odor e ainda é uma delícia ao toque. Ou seja: perfeito!
Mas como é que é resistente ao odor? Simples: o suor evapora no lugar de ficar ali preso no tecido. Isso ajuda a não criar colônias de bactérias - é isso que cheira mal, e não necessariamente o suor.

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Camisa com a tecnologia HiDry

A brasileira HiDry tem parcerias com fabricantes de roupas. Os tecidos passam por um tratamento com nanotecnologia que repele líquidos - isso deixa as roupas mais limpas, inclusive de suor, por mais tempo segundo a empresa!

Essa camisa da foto é da marca Principessa com a HiDry, mas ela tem outras parcerias, como com a Mormaii.

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Camisa da Horvath que também repele líquidos

Conheci a start up no festival WeAr da Alexandra Farah mas não entendi se eles continuam existindo - acho que não! Que pena!

Agora imagina um tecido que fica mais “cheiroso" em contato com o suor?

Foto meramente ilustrativa de janeb13

Foto meramente ilustrativa de janeb13

Pois é: por enquanto é protótipo mas engenheiros da Universidade do Minho, em Portugal, encontraram um jeito do tecido liberar um aroma de citronela em contato com o suor. No processo é usada uma proteína encontrada no narizinho de porcos, então os veganos não vão poder usar. Existe um outro caminho que envolve lipossomas, não entendi de onde esses lipossomas viriam mas no meu parco conhecimento de biologia, a origem também precisa ser animal. A citronela é interessante porque, além de deixar a roupa cheirosa, ela é um repelente natural de insetos! Agora, será que o pessoal vai usar a roupa de academia mais de uma vez? Sinceramente acho esquisito, para dizer o mínimo…

Outra questão que fica é: se você é fashionista, como a gente resolve isso? Haja criatividade no styling, né?
E como é que eu vou posar todo dia com a mesma roupa para a foto do Instagram? Que tédio…
Hum…
Junte os pontos: já estamos na era da realidade virtual. E você consegue vestir um avatar de videogame como quiser, certo?
Sim.
Mas alguém já juntou esses pontos também. A empresa escandinava se chama Carlings.

Já está chocado?
Carlings existe fisicamente também: é uma loja que vende roupas de verdade. Mas quando ela abriu o seu e-commerce no ano passado, quis fazer uma coisinha diferente. O processo ainda não é exatamente automatizado tipo filtro: você sobe uma foto e um designer da Carlings te "veste”. E sim: custa dinheiro, claro. Tipo € 30.

E a roupa virtual já chegou no mercado de luxo, ou pelo menos no preço de luxo. Olha o precinho desse vestido:

E aí, você usaria uma camiseta por tipo um mês?
Você compraria uma roupa virtual por US$ 9.500?
Isso tudo vai pegar?

Sinceramente: acho que sim.