Casa de Criadores: os veteranos e a estreia

Fui no primeiro dia da Casa de Criadores edição 46 e gostei bastante de algumas coisas que eu vi. Vamos a elas?

London calling: Weider Silveiro

Todas as fotos desse post são de Marcelo Soubhia/Fotosite

Todas as fotos desse post são de Marcelo Soubhia/Fotosite

O Weider disputa com o meu marido o posto de pessoa que mais gosta de ir para Londres. A sua nova coleção traz a cidade. Mas de qual Londres a gente está falando? Ele vai brincando: em 20 minutos de backstage citou Camden Town (o bairro boêmio onde vivia Amy Winehouse e onde fica a megaloja da marca-ícone dos ravers Cyberdog), Mayfair (que é o bairro do luxo, onde estão as estadias mais caras de hotel do mundo todo) e Shoreditch (uma das mecas hipsters, tipo um condado de Pinheiros de lá).

Mas então, que Londres é essa, afinal? Parece-me que Weider, não só agora mas sempre, está na constante busca da imagem contemporânea mais fresca, mais deliciosa, mais "quero vestir agora". É por isso que a gente ama Londres: ela significa essa mistura cosmopolita, esse pico de contemporaneidade. Passa Berlim, passa Tóquio, passa NY, mas Londres é sempre uma antena, um hub, uma ideia, nunca deixa esse posto porque, tal qual um marca de luxo, a capital conjuga valores do tipo originalidade, excelência e tradição.

Depois que fomos atravessados por Rei Kawakubo e Miuccia Prada, entendemos que o bonito nem sempre é o mais interessante. É essa a tônica desse frescor contemporâneo, que na passarela internacional de hoje é liderada por Demna Gvasalia na Balenciaga. A imagem urbana de Weider usa estampas mas é quase limpa; se sedimenta nos volumes pequenos (em ombros e golas) ou enormes (na alfaiataria; as calças foram garimpadas em brechós por Marcelona e ganham um upcycling de ajustes na cintura e barras apertadas evidenciando ainda mais o máxi).

Além dessa participação chique de Marcelona, fecham o desfile outras amigas de Weider. São elas: a jornalista e dona da Giu Couture Giuliana Mesquita, the wonderful Johnny Luxo e a estonteante Renata Bastos (que você talvez viu no papel de Roberta Close na cinebiografia da Hebe). Amo essa turma <3

Falando em turma…

Elloanigena Onassis pour Rober Dognani

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Depois da emocionante Nossa Senhora Aparecida do desfile anterior, Dognani vai para os… club kids. A alma clubber esmorece (infelizmente é só abrir o jornal) mas não morre. E dizem as boas línguas que fervo também é luta, então que tal cair na pista, na montação, como se 2000 fosse hoje? O cenário é a porta da A Lôca, sim, a nossa A Lôca, não aquela tentativa de ressurreição; o nosso inferninho eterno onde a gente viu coisas absurdas. E o começo, com os palhaços Bozo voguing ao som de canto lírico, não deixa dúvidas: já vi esse make antes, já vi esse fervo antes… Elloanigena Onassis é a grande homenageada do desfile.

Rober comentou com ela, faz um tempo, que queria fazer uma coleção baseada nela. A bi ferveu, adorou e quis - aí teve a coleção do Rober sobre o Gallery, a sobre os estilistas brasileiros, a da Nossa Senhora, e ela lá sempre perguntando: "Cadê meu desfile???” Agora rolou: o estilista foi na casa dela, viu álbuns de fotos que ela guarda, acervo de roupas. Buscar Elloanigena (e, por consequência, a amiga que também é tudo Zeze Araujo) é prestar atenção em outro tipo de montação paralela ao agora onipresente RuPaul's Drag Race: entraram no vocabulário polished e "arte drag"; espera-se que uma drag grave um disco! Mas a montação de clube já foi (e é, e pode ser) outra coisa, os club kids são outra coisa, o fervo da noite e a criatividade também se encontram em outro lugar onde a ilusão de uma mulher idealizada é menos importante. O corpo é tela, o binarismo é cafona. Sem desmerecer Drag Race, eu adoro, mas existe muito mais coisa na montação do que "fazer um contorno perfeito". A performance não precisa ser no palco. "Existo, logo performo".

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As bocas são feitas uma a uma

Em latex branco e depois, por cima, latex colorido - passando camada, esperando secar, passando mais uma camada, secando…

E é isso que acontece na passarela de Rober, que vira uma fila da boate. Tem a segurança, a hostess (que é a Zeze), o DJ (que é o próprio Zé Pedro, autor da trilha) e outros personagens que são puro fervo tipo Johnny Luxo, Marina Dias, Geanine Marques. Cabeças absurdas (by Davi Ramos), makes absurdos (by Marcos Costa), latex absurdo (by Rober mesmo, feito manualmente no tule). O latex das boquinhas é um babado, o do ovo frito (usado por Bianca Dellafancy) é diversão pura (lembra o trabalho de Lindebergue Fernandes, do Ceará).

Pompoms de mil cores tipo Tomo Koizumi ganham caráter festeiro. E a Skol leva uma divulgação gratuita sem ser patrocinadora nas irreverentes fivelas de glitter com a seta em círculo descendo redondo, uma referência a latinha de cerveja que Elloanigena sempre traz na mão.
Aliás, é ela mesma, claro, quem fecha a apresentação.

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Elloanigena em si

Com a sua latinha!

Escapista, hedonista, mas ao mesmo tempo um ambiente seguro como a Casa costuma ser, mesmo em tempos tão sinistros politicamente. Hoje um desfile desses é pura resistência poética.

Falando em poesia…

Aviso aos navegantes: Cho.Project é tudo

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Isso me lembra aquilo: há muito, muito tempo, nem lembro se era Projeto Lab, apareceu uma menina muito legal com uma coleção bem conceitual e poética. Fora o mérito da própria coleção, que era uma delícia, ela tinha algo no currículo que chamava a atenção. Era da equipe de estilo de Juliana Jabour. O tempo passou, Karin Feller eventualmente saiu da equipe da Ju, deu estofo para a marca própria, exportou, ficou mais comercial sem perder o charme. Hoje ela é diretora criativa da Di Gaspi. Saudades, Karin! <3

E claro, a estreia da Cho na Casa de Criadores lembra a estreia da Karin porque ela vem das mesmas escolas: Santa Marcelina e Ju Jabour. Assim como Karin, que nasceu em Israel, Cho também veio ao mundo em outro país. Ela é da Coreia do Sul, de uma cidade portuária, e uma das suas lembranças desse tempo é o cheiro do mar. Vem daí essa primeira coleção na CdC, que foca na figura do pescador. Cheia de poesia, ela traz muita camisaria, formas distantes do corpo, amarrações. O styling de Alexandre Dornellas é precioso, com redes, tranças longas que se misturam às roupas, ganchos e brincos articulados de Brennheisen. E o casting, quase inteiro formado por não-brancos, traz uma quantidade importante de asiáticos.

Uma roupa chique, imagens de moda fortes. Cho já tem uma ideia firme e consistente da sua marca Cho.Project, e sabe concretizá-la. Muito, muito bom; e muito bem acertada a escolha de já colocá-la direto no line-up sem passagem pelo Projeto Lab.

E vocês, do que gostaram?