Hum, então parece que querem nos vender uma sobrevida da temporada de moda

Acabou a NYFW (acabou? Na verdade não sei, mas quando acontece o desfile de Marc Jacobs eu fico achando que acabou) e ao que tudo indica a crítica especializada quer que a gente acredite que rolou uma "reenergização” com a nova diretoria encabeçada por Tom Ford e a redução de 7 para 5 dias de evento.

Não vou me estender aqui nas problemáticas dessa NYFW porque dois colegas já o fizeram muy bien: vai no Instagram da Giu Mesquita no primeiro destaque de stories e também no Twitter do Luigi Torre para saber. Spoiler: envolve apoiador de Trump, foco de crise de opioides… O babado é certo, amore, a gente fica até ansiosa pelos próximos capítulos!

Eu acredito na "nova fase da NYFW"? Não. Sabe por quê? Vamos ser bem honestos aqui: para ter propósito real-oficial, as marcas primeiro precisam pensar no que significa ainda produzir. Esse artigo aqui da i-D exemplifica bem o que eu quero dizer, mas vou tentar resumir em bom português: simplesmente não dá para falar que você é uma marca sustentável porque sustentável mesmo é PARAR de produzir. É se transformar de uma marca de bens de consumo para uma marca de serviço. O artigo dá alguns exemplos bem simples que a gente consegue pensar logo de cara: customização no lugar de roupa nova. Também acho legal produzir a partir de banco de tecido - ou seja, você utiliza só matéria-prima que já foi produzida e é considerada refugo hoje. Ou marcas que buscam lona usada (lembra da Será o Benedito?), tecido de guarda-chuva quebrado e pneu usado (caso da Revoada). Isso quer dizer que não, amore, usar algodão sustentável ou malha de pet não te faz sustentável, você continua produzindo mais roupa num mundo cheio de roupa. Você é, no máximo, uma marca mais sustentável que algumas outras marcas.

Desculpa ser o mensageiro dessa notícia.

Isso posto: sim, gostei de algumas imagens & desfiles de NY. Surpresa, a maricona mal humorada que vos fala não está tão chatona assim! A gente continua tendo uma alma fashionista, continua querendo novas imagens de moda incríveis, e sim, somos contraditórios porque ainda assim queremos o fim do aquecimento global e sabemos que a economia baseada em fabricação de novos produtos, no ritmo que segue, vai esgotar os recursos do planeta e poluí-lo ainda mais, a níveis ainda piores do que já estão.
MAS… fazer o quê. Vamos às imagens.

Marc Jacobs

Respect: se Alessandro Michele é o atual rei, Marc Jacobs é imperador. Veio antes. E arrasa. O seu desfile foi bem Gucci: uma ode à individualidade & diversidade. E um convite à moda como ferramenta para se divertir, com chapéus de Stephen Jones, make e cabelo da dupla imbatível Pat McGrath e Guido Palau, nail art de Mei Kawajiri. As modelos desfilaram com personalidade, não apenas como um cabide de roupa, algumas sorrindo, outras gesticulando… Gostei do desfile como um todo, mas acho que esses looks são meus preferidos do momento, especialmente o primeiro, meio andrógino, meio Jarvis Cocker.

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Tom Ford

Ele já foi o rei da cintura baixa mas na primavera-verão 2020, mesmo com a barriga de fora, a cintura encosta no umbigo sim! Amo o top estruturadão e a fluidez da calça

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Chromat

O sample size é tipo a peça piloto, geralmente produzida num tamanho pequeno. O vestido usado por Tess Holliday, que é atriz, modelo e ativista do body positive, é irônico, uma crítica bem humorada à indústria que ainda discrimina o corpo gordo

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Pyer Moss

Parte final da trilogia American, Also da marca de Kerby Jean-Raymond sobre participações da comunidade afro-americana para a cultura estaduniense que foram apagadas pelo preconceito racial, a primavera-verão 2020 da Pyer Moss homenageia Sister Rosetta Tharpe, capítulo importante da história do rock 'n’ roll. Mulher queer negra, ela ainda não é reconhecida como deveria: o verdadeiro rei do rock. E aqui é um fã de Elvis Presley quem fala, OK? Mas não dá para negar: o pioneirismo e o poder da musicalidade de Sister Rosetta Tharpe são imbatíveis.

O look específico que mostrei acima é bem icônico, não só porque retrata Tharpe em cores vivas, mas porque é o trabalho de Richard Phillips. Ele ficou 45 anos na cadeia por um crime que não cometeu e foi recentemente solto, aos 73 anos de idade. Durante o período de encarceramento, Phillips começou a pintar. Ou seja: são várias camadas de significado em um vestido.

Mais um desfile que eu gostei por inteiro - eu e a torcida do Corinthians.

Releituras do trench coat

Gostei delas. É isso, apenas.

Coach + Richard Bernstein

Sou muito fissurado nas capas da Interview que traziam desenhos de Richard Bernstein - como você pode ver nessa galeria que montei para o site Lilian Pacce, que infelizmente ficou distorcida no novo layout (para ver melhor em laptop ou desktop, clica com o botão direito em cima de cada foto, vai em copiar link da imagem e cola em uma nova aba do browser). Então adorei as estampas da Coach com as ilustras de Richard Bernstein de Michael J. Fox, Rob Lowe e Barbra Streisand. São ícones em imagens icônicas, olha a metalinguagem!

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DSquared2

Não costumo gostar da marca, mas menção honrosa à homenagem ao Bruce Lee que permeia toda a coleção inspirada na China, principalmente logo após o retrato babaca que Quentin Tarantino fez dele no seu filme novo

Savage x Fenty: o desfile que a gente ainda vai gostar

A partir de 20/09/2019, o supershow que as pessoas tem considerado um "Victoria's Secret para os novos tempos” estreia no Amazon Prime Video. A marca de lingerie de Rihanna chamou uma cambada de pessoas famosas (de Normani a Paris Hilton!) e encantou quem viu ao vivo. A gente fica no aguardo, roendo as unhas!

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Ulla Johnson

Gosto do climão folk dela, meio Zandra Rhodes, meio Florence Welch fazendo feitiçaria em sua casa de campo…

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Longchamp

A proporção do volume, o material (nylon), a camisa por baixo, a botinha meio boxer meio motocross… OK, acho que gostei desse look porque é tipo Prada

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Jonathan Cohen

Esse look que remete à bandeira norte-americana (com arco-íris, é bom salientar) é bordado por mulheres da Cidade do México, de onde a família de Cohen vem. E a modelo é mexicana. Também gostei da papete que ela usa, com umas florzinhas naïf aplicadas

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Gypsy Sport

Gosto do look, gosto mais ainda da pele azul - vide esse post!

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Vera Wang

Essa coisa boudoir chic com toques dark da estilista que é tão conhecida pelas suas noivas é instigante - e bonita!

Sandy Liang

É o desfile de estreia dela e achei fofo, bem humorado, refrescante. A citação à Mary Quant no padrão de flores, as transparências encapando looks, o very acid jeans, o Bob Esponja e Lula Molusco estampados na camiseta e a referência à cinta liga, o que a conecta à Vera Wang que eu mostrei logo acima. Tudo muito bem feitinho - não é um desfile perfeito, mas é um desfile legal!

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Vaquera

Gosto do bom humor, apesar de achar a Vaquera superestimada

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Khaite

Parece que a Khaite é um dos segredos bem guardados prontos para estourar da NYFW. Gosto do vermelhão e das franjas da jaqueta, do tom de marrom da camisa e o caimento, a combinação de cores e a calça floral - mesmo sabendo que se calça floral virar moda, isso vai ser TENEBROSO

Essa shoulder bag da Rag & Bone

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Não que eu goste de shoulder bag. Mas talvez eu goste. Dessa eu gosto. Ai! <3

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Pois baby

Esse look da Carolina Herrera é um exemplo da tendência que pinta nas passarelas: bolinhas!

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Tie dye, I die

O do Prabal Gurung, em um desfile bem bonito, é um dos mais legais. Tie dye é uma tendência que o povo tá insistindo, né? Não sou muito fã, não, gosto quando é mais trasheira para usar de um jeito irônico kkkkk #hipster

Mansur Gavriel

Uma homenagem ao tempo de São Paulo na coleção nova da Mansur Gavriel - a bolsa azul, aliás, achei ótima.

Uma citação a Flashdance

Direto da passarela da Ralph Lauren - foi a Ale Farah quem lembrou!

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E Tomo Koizumi

que foi tão mara que ganhou um post só dele!

Mas a gente sabe que a burguesia fede desde 1989, Slimane...

Aiai, lembra quando a gente amava o Hedi Slimane?
Era na longínqua primeira década dos anos 2000. Ele assinava a Dior Homme e Kate Moss, ícone fashion de mulheres, homens, cachorros, papagaios e alienígenas, decidiu usar as roupinhas da Dior Homme.
(Aliás, breve adendo: você já parou para pensar que existem seres maiores de idade hoje que talvez não tenham muita noção de quem é Kate Moss? O escândalo do uso de cocaína em capa de tablóide aconteceu em 2005 - as pessoas com 18 anos hoje tinham 4 aninhos…)

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Kate Moss de Dior Homme por Hedi Slimane

Foto de Willy Vanderperre para Another Man em 2005

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De novo, Kate de Dior Homme por Slimane

Tipo Marlene Dietrich. Foto de Mert & Marcus para Vanity Fair em 2006

Dizem que foi Raf Simons quem "reinventou” a skinny mas que Hedi Slimane que popularizou. É que o universo imagético de Slimane tinha timing: era época de Last Nite dos Strokes; era o namoro de Kate Moss com Pete Doherty; o rock americano pedia a benção de Iggy Pop e Ramones e invadia o espaço da primeira onda do britpop de Oasis e Blur. E a roupa? Paletozinhos ajustados com camiseta, jeans skinny, botinha ou Converse. Very Slimane (e se você pensar bem, também é super Zezé di Camargo). Androginia fazia parte da sua cartilha, assim como magreza extrema, o resquício da era heroin chic de maneira um pouco mais velada. Kate, de skinny e coletinho, se confirmou como ícone de estilo de toda uma época que não era muito sexy (muito osso, né? A gente gostava na época, hoje temos vontade de dar um x-burguer para a pessoa se alimentar), mas sem dúvidas tinha drogas e rock 'n’ roll.

O estilista saiu da Dior Homme em 2007 e, durante 5 anos, se dedicou a uma outra coisa que também faz com sucesso: fotografia. Sabe aquela capa de The Fame Monster? É dele. Lady Gaga é uma grande entusiasta de Hedi Slimane e não dá para culpá-la: ela era uma adolescente no auge de Kate Moss, então deve ter visto naqueles looks skinny tudo o que a gente também via, ou seja, referência de moda e estilo.

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The Fame Monster, 2009

Cabelo de Rei Kawakubo só que loiro, foto de Hedi Slimane

Então, na primeira década dos anos 2000, Slimane era o que havia de hype, de contemporâneo, de fashion.

Aí veio 2012 e as máscaras começaram a cair…
Ele entrou na então Yves Saint Laurent, tirou o Yves do nome da marca e o povo já começou a pensar: “ih, o que que esse cara tá pensando??”

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A camiseta mais pirateada da virada de 2012 para 2013

A “original", da marca What About Yves, foi parar nas lojas mais cool da época, tipo a Colette e a Maison Kitsuné, mas deu ruim: a Saint Laurent abriu processo

Mas o que mais deixou o povo ressabiado é que o tempo havia passado - e como - e Slimane parecia continuar batendo na mesma tecla. A calça era skinny, tinha o paletozinho, o clima era meio Pete Doherty. Pete Doherty was very last decade e o pessoal tentava entender. Diziam: "essa roupinha tem cara de fast fashion!” Defendiam: “é cara de fast fashion mas com uma qualidade muito maior, quem viu de perto e tocou sabe." Bem esnobe, né, do tipo "chora querida, se você não foi na loja em Paris não sei porque está dando sua opinião.”
A verdade verdadeira? Tinha qualidade muito maior mas tinha cara de fast fashion mesmo. Imprimia algo que, na visão dos especialistas (e inclusive na minha) tinha tudo para dar errado.
E não deu. As vendas aumentaram. Na época a Saint Laurent virou queridinha do grupo Kering. Você sabe, né, isso foi um pouco antes de Alessandro Michele começar a sua pequena revolução na Gucci. É, meu bem, o tempo passa voando…

Só que hoje, se você compara o que Hedi Slimane fez e o que Anthony Vaccarello vem fazendo na Saint Laurent, é nítida a diferença. Não é que Vaccarello tenha mudado tudo - pelo contrário, ele não ignorou o que Slimane fez mas foi além e deu, na minha modesta opinião, mais originalidade e espetáculo para aquilo. A androginia agora tem doses calorosas de uma sensualidade adulta, um jogo de sedução que sempre fez parte da história da maison Saint Laurent. Slimane já era sensual, mas um sensual um tanto raquítico, um tanto jovem demais a ponto da gente questionar se aquilo era… saudável.

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Saint Laurent de Slimane

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Saint Laurent de Vaccarello

E aí Slimane surpreendeu todo mundo quando assumiu a Céline no ano passado. A marca é do grupo LVMH. Em teoria, ele não saiu muito feliz do LVMH quando se desligou da Dior Homme. Mas o que é uma alma #chatyada quando o cheque é gordo, não é mesmo, meu bem?

A primeira coisa que Slimane fez foi tirar o acento do nome Celine. Começaram a surgir piadas do tipo "se o Slimane entrar na Forum vai colocar acento no nome e vai virar Fórum, né?” (essa piada eu inventei agora, é ruim, mas você entendeu o que eu quis dizer)
Quando ele fez o primeiro desfile a galera ficou pistola: a marca, que antes era superadulta sob a batuta elogiadíssima de Phoebe Philo, se rendeu mais uma vez à estética própria de Slimane. Inclusive com várias comparações espalhadas pela internet.

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Só que a temporada de fall 2019 chegou para desgraçar a cabeça. Primeiro porque Slimane estava fazendo algo diferente.
A arqui-inimiga de Slimane, a jornalista Cathy Horyn, que também não é bem quista por Gaga e por meio mundo (é sério), fez um supertexto sobre o fall 2019 da Celine. Ele basicamente diz que Slimane é esperto e sabe fazer negócio na moda, e não necessariamente o elogia enquanto um criativo. Por quê? Porque ele colocou ali na passarela uma alta dose de um estilo burguês à moda dos anos 1970 e 1980, quase que literal, o que deve atrair outra faixa de público - ou até o mesmo público seu que o acompanha, afinal todo mundo envelhece.

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Foi muito fácil, no calor da hora, a gente achar bacana Slimane mudar sua estética. Era um outro universo e é disso que a moda gosta: de mudança, de novo. Não é? No meu caso, pelo menos, é isso que gera assunto. Então ninguém se perguntou em implicações morais ou simplesmente no que significava uma marca de luxo explorar esse look e suas simbologias nessas alturas do campeonato. Em seu texto, Horyn sugere uma aproximação com o universo da Hermès, sinônimo de uma alta sociedade que tem tanto dinheiro que, adicional meu: pratica equitação.
Essa exploração de uma imagem burguesa, se referindo tanto à classe alta quanto à classe média que tem aspirações a ser classe alta e por isso se veste de acordo, me parece um tanto sombria em sua lembrança de exclusão, de clubinho onde só endinheirado entra, e principalmente: me parece muito careta. Ainda mais quando colocada lado a lado com a imagem anterior de Slimane, rock 'n’ roll, adolescentes prontos para fazer bobagem - não deixa de ser fútil, mas ao menos é mais liberada em todos os sentidos. Essa nova burguesinha de Slimane vai no cabeleireiro, no esteticista e, de imaginar um storytelling ali, ele é bem medíocre na minha modesta opiniãozinha…

É preconceito mas me diga com sinceridade: quantos livros parece que uma moça vestida assim lê por ano?

O look de saia na canela e bota, aliás, é o figurino da personagem de Molly Ringwald no filme Clube dos Cinco. Claire, a princesa mimada filhinha de papai, é rejeitada pelos colegas que estão presos no castigo com ela na biblioteca. Suas roupas são a imagem da burguesia classe média feita para o sistema, comezinha, pronta para casar com um menininho rico e fazer outra Claire.

Claire (Molly Ringwald) é a quarta da esquerda para a direita. O look podia ser Celine!

Claire (Molly Ringwald) é a quarta da esquerda para a direita. O look podia ser Celine!

Quem não assistiu ao filme: tem plot twist… Só que isso não muda o fato do que aquela roupa precisava significar naquele contexto.

É certo direcionar a energia do hype para essa coisa tão desinteressante e conservadora, mesmo que seja um simulacro com provavelmente um grau de ironia? A patricinha, que é um público alvo desejável para uma marca de moda, precisa ir na Celine e sair uniformizada? Para a direção da marca, é provável que sim. Para quem curtia o trabalho de Philo, é uma morte horrível.
Resumindo: Slimane está fazendo roupa para a cliente que compra na Ralph Lauren e, um pouco mais recentemente, na Michael Kors?
Olha, é o que parece.

Olha bem nos meus olhos e me diz se isso não parece propaganda de Ralph Lauren.

No meu mundo fashionista, isso quer dizer roupa sem imaginação, sem tempero, medíocre.
E é isso. #militei um pouquinho, né?

"Às quatro da manhã para me falar de Slimane…”

"Às quatro da manhã para me falar de Slimane…”