O bubblegum pop

Quando a gente fala em bubblegum pop, a gente se refere a uma música grudenta que nem chiclete, né? Mas não é só: tem gente que considera o bubblegum pop um estilo identificável de música, que nem, sei lá, o trap e a house music. Produzido entre a segunda metade dos anos 1960 e durante os anos 1970, o bubblegum pop é composto por musiquinhas bem comerciais, animadinhas, supervoltadas para adolescentes e pré-adolescentes, onde a figura-chave é mais o produtor do que os músicos. A maioria virou one hit wonder (ou seja, de músicos e bandas de um sucesso só) e era lançada para um fim bem pouco nobre do ponto de vista artístico: ganhar dinheiro. Muito dinheiro. E quanto mais melhor.

O maior expoente desse estilo é uma banda de… desenho. E nem estou me referindo ao Gorillaz, viu?

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"Sugar / oh, honey honey” - você já ouviu essa música, né?

(Ah, sim, essa Riverdale é a mesma Riverdale da série homônima. O desenho animado e a série se baseiam nos quadrinhos do Archie e sua turma.)
E quem eram os Archies na vida real? Músicos de estúdio. Simples assim. Ganharam por hora. O superprodutor Don Kirshner (de The Monkees, Carole King, Neil Diamond…) é a cabeça por trás de tudo isso, mas Jeff Barry quem produziu a música em si (e a compôs, com Andy Kim). Barry é o nome por trás de Chapel of Love, Be My Baby, River Deep Mountain High… Tipo pouco foda, né? Fora as que ele só produziu.

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Jeff Barry carregando Davy Jones, do The Monkees

É, esse carregou muita música no muque, mesmo

Mas tem mais? Claro que tem!

Amo que esse vídeo da música Green Tambourine começa com um… pandeiro verde. Para ficar bem claro. The Lemon Pipers são os responsáveis por essa música de 1967, considerada o primeiro bubblegum pop a alcançar o primeiro lugar nas paradas (em 1968). Vida curta: em 1969 a banda, que se encontrou no turbilhão da fama com as agruras que isso traz, se dissolveu. Nunca mais obtiveram o mesmo sucesso.

E aí a gente chega na dupla Super K. Não, isso não é uma referência a ketamina.

“Ué, você não ia falar de uma dupla chamada Super K?"
Ia e estou falando. 1910 Fruitgum Company é apenas um veículo para um dos sucessos da dupla de produtores Jerry Kasenetz e Jeff Katz, a cativante Simon Says, cheia de "papapapapá…". O Super K clama a criação do termo bubblegum pop para si, como se não bastasse ter produzido tantos desses sucessos. E o mais estranho é que muitas dessas bandas são de garagem, transitando entre o bubblegum pop e o protopunk. Inocência e trasheira - quase uma metáfora da vida.
Simon Says é inspirada em uma brincadeira de criança homônima. De tão cativante, ganhou versões em outras línguas, como o italiano:

Muita gente considera o The Monkees, que a princípio era uma banda "fabricada" com direito a série de TV, como uma pioneira do bubblegum pop. Bom, eu sou suspeito: ADORO. Depois, em 1967, o The Monkees faria um… motim? Dispensariam Don Kirshner e virariam uma banda “autêntica".

Voltando ao Super K - outra "criação” deles foi The Ohio Express, após o estouro de Simon Says. Tente não se irritar com a voz do vocalista:

O Ohio Express é superinstigante porque ninguém sabe exatamente quem é a banda, o que cada integrante gravou. O primeiro single deles foi Beg, Borrow and Steal, lançado no fim de 1967. Mas a banda Rare Breed lançou a exata mesma música antes, em 1966! É a mesma banda? O nome Ohio Express, adivinha, é registrado pelo Super K. Sabe-se lá qual foi o acordo: eles compraram a música do Rare Breed? Roubaram?
Em 1967, o Ohio Express era o novo nome de outra banda que o Super K achou chamada Sir Timothy and the Royals (a Rare Breed nunca assumiu o nome Ohio Express, portanto). Mas o vocal que você ouviu no vídeo acima é bem diferente do de Dale Powers, o vocalista da Sir Timothy. É que Yummy Yummy Yummy foi um caso à parte…
Joey Levine é quem compôs a música com Artie Resnick. Ele mandou uma demo com a sua voz para o Ohio Express se basear na gravação deles. Só que o chefe da gravadora Buddah Records amou a música do jeito que estava (ou não quis gastar dinheiro com a gravação? Sei lá!). E lançou-a assim!
A partir daí, a voz do Ohio Express era de Levine e a banda que tocava nas gravações era o staff de estúdio do Super K. O grupo que aparecia na capa do disco e na TV era de mentira! Milli Vanilli feelings
Levine, para quem ficou curioso, não é parente de Adam Levine (pelo menos não é parente próximo). E depois dessa fase bubblegum pop trabalhando com o Super K, o músico foi fazer jingles de sucesso. Tipo esse do fim desse comercial:

Outra curiosidade entre as bandas do Super K: The Crazy Elephant ficou famosa pelo hit Gimme Gimme Good Lovin de 1969, com Robert Spencer nos vocais. Essa aqui:

Acho engraçado porque não acho que tem o tom ingênuo do bubblegum pop, né? Mas era Super K, era uma banda inventada. E eles também lançaram essa música chamada There Ain't No Umbopo em 1970:

A voz de There Ain't No Umbopo é de Kevin Godley e não de Spencer. E sabe em qual outra música Godley trabalhou, algum tempo depois, como backing vocal e no sintetizador Moog? Essa aqui:

Permita-se uma leve digressão sobre I'm Not in Love do 10cc? A música, composta pelos membros do grupo Eric Stewart e Graham Gouldman, foi a princípio rejeitada pelos outros membros Lol Creme e Godley. E foi justamente esse último que sugeriu que eles recriassem a canção, originalmente meio bossa nova, só com vozes. Começava a gênese de um clássico, um som novo. Gouldman, Godley e Creme gravaram cada um 16 vezes desses “aaaah” que você ouve, formando um coro de 48 vozes! Para as vozes parecerem infinitas, Stewart fez loops na fita. No fim, a mesa de mixagem se transformou numa espécie de instrumento: Stewart ia subindo e zerando o volume das fitas, cada uma das 12 formada por vozes em uma escala musical de notas (pelo que entendi kkkkkk). Assim ele ia tocando os acordes. O resultado é etéreo, diferente de tudo que havíamos ouvido até o lançamento, em 1975. E é de Stewart a voz principal.

Bom, tudo bem diferente de bandas supercomerciais fabricadas por produtores ganaciosos, né?
Mais ou menos: 10cc tinha inspirações artísticas (Godley e Creme saíram um pouco após I'm Not in Love em busca de algo ainda mais experimental) mas também tinha ambições comerciais (assumidas pelos superpop Stewart e Gouldman).

Não posso encerrar esse post sem duas referências que eu amo de bubblegum pop. Primeiro…

E essa regravação da Liz Phair (!!!):

Lots of fun for everyone!