Motivos para beber segundo Alanis Morissette

Sim, a mulher que vendeu pencas do disco Jagged Little Pill também tem razões para beber.

O novo single de Alanis Morissette saiu e ele se chama Reasons I Drink, mas não parece exatamente biográfico. A pessoa que foi considerada a voz de uma geração (ou pelo menos a voz de mulheres de uma geração) volta à tona agora falando sobre a nossa necessidade contemporânea de se entorpecer e descontar em bebida, remédio ou comida. Estresse, pressões do mundo moderno, ansiedade: está tudo no subtexto da letra. Meio #classemédiabrancaproblems? Sim. Mas é isso aí, né, quem não for classe média branca pode reclamar; uma vez que sou, me identifico.

E quer saber? A música é boa mesmo!

Tem as palavras difíceis, a voz rasgadona, as guitarras. A gente até ouvia o acústico mas a gente gosta mesmo é disso, né?

Alanis deve lançar um novo álbum, Such Pretty Forks in the Road, em maio de 2020 - Reasons I Drink é o primeiro single dele. E vai ser o primeiro álbum de inéditas desde Havoc and Bright Lights, de 2012. Ao mesmo tempo, ela acaba de anunciar uma nova turnê de 25 anos de, adivinha, Jagged Little Pill, que deve contar com shows de abertura de Liz Phair e Garbage. Quase um festival, né? Achei mara - e achei bem anos 1990. A turnê deve passar pelos EUA e Europa.

Isso tudo me lembrou que eu era tão fã que fui no show do Jagged Little Pill, um dos primeiros da minha vida, e depois no do segundo álbum, Supposed Former Infatuation Junkie. Nesse segundo, que foi no Credicard Hall, sentei lá em cimão com a minha irmã Ana Flavia. A gente via um pontinho pulando no palco. Ou seja: poderia ser a Alanis ou a Lucélia Santos dublando a Alanis.

You oughta know…

O bubblegum pop

Quando a gente fala em bubblegum pop, a gente se refere a uma música grudenta que nem chiclete, né? Mas não é só: tem gente que considera o bubblegum pop um estilo identificável de música, que nem, sei lá, o trap e a house music. Produzido entre a segunda metade dos anos 1960 e durante os anos 1970, o bubblegum pop é composto por musiquinhas bem comerciais, animadinhas, supervoltadas para adolescentes e pré-adolescentes, onde a figura-chave é mais o produtor do que os músicos. A maioria virou one hit wonder (ou seja, de músicos e bandas de um sucesso só) e era lançada para um fim bem pouco nobre do ponto de vista artístico: ganhar dinheiro. Muito dinheiro. E quanto mais melhor.

O maior expoente desse estilo é uma banda de… desenho. E nem estou me referindo ao Gorillaz, viu?

The-Archies-Sugar-Sugar.jpg

"Sugar / oh, honey honey” - você já ouviu essa música, né?

(Ah, sim, essa Riverdale é a mesma Riverdale da série homônima. O desenho animado e a série se baseiam nos quadrinhos do Archie e sua turma.)
E quem eram os Archies na vida real? Músicos de estúdio. Simples assim. Ganharam por hora. O superprodutor Don Kirshner (de The Monkees, Carole King, Neil Diamond…) é a cabeça por trás de tudo isso, mas Jeff Barry quem produziu a música em si (e a compôs, com Andy Kim). Barry é o nome por trás de Chapel of Love, Be My Baby, River Deep Mountain High… Tipo pouco foda, né? Fora as que ele só produziu.

jeff-barry.jpg

Jeff Barry carregando Davy Jones, do The Monkees

É, esse carregou muita música no muque, mesmo

Mas tem mais? Claro que tem!

Amo que esse vídeo da música Green Tambourine começa com um… pandeiro verde. Para ficar bem claro. The Lemon Pipers são os responsáveis por essa música de 1967, considerada o primeiro bubblegum pop a alcançar o primeiro lugar nas paradas (em 1968). Vida curta: em 1969 a banda, que se encontrou no turbilhão da fama com as agruras que isso traz, se dissolveu. Nunca mais obtiveram o mesmo sucesso.

E aí a gente chega na dupla Super K. Não, isso não é uma referência a ketamina.

“Ué, você não ia falar de uma dupla chamada Super K?"
Ia e estou falando. 1910 Fruitgum Company é apenas um veículo para um dos sucessos da dupla de produtores Jerry Kasenetz e Jeff Katz, a cativante Simon Says, cheia de "papapapapá…". O Super K clama a criação do termo bubblegum pop para si, como se não bastasse ter produzido tantos desses sucessos. E o mais estranho é que muitas dessas bandas são de garagem, transitando entre o bubblegum pop e o protopunk. Inocência e trasheira - quase uma metáfora da vida.
Simon Says é inspirada em uma brincadeira de criança homônima. De tão cativante, ganhou versões em outras línguas, como o italiano:

Muita gente considera o The Monkees, que a princípio era uma banda "fabricada" com direito a série de TV, como uma pioneira do bubblegum pop. Bom, eu sou suspeito: ADORO. Depois, em 1967, o The Monkees faria um… motim? Dispensariam Don Kirshner e virariam uma banda “autêntica".

Voltando ao Super K - outra "criação” deles foi The Ohio Express, após o estouro de Simon Says. Tente não se irritar com a voz do vocalista:

O Ohio Express é superinstigante porque ninguém sabe exatamente quem é a banda, o que cada integrante gravou. O primeiro single deles foi Beg, Borrow and Steal, lançado no fim de 1967. Mas a banda Rare Breed lançou a exata mesma música antes, em 1966! É a mesma banda? O nome Ohio Express, adivinha, é registrado pelo Super K. Sabe-se lá qual foi o acordo: eles compraram a música do Rare Breed? Roubaram?
Em 1967, o Ohio Express era o novo nome de outra banda que o Super K achou chamada Sir Timothy and the Royals (a Rare Breed nunca assumiu o nome Ohio Express, portanto). Mas o vocal que você ouviu no vídeo acima é bem diferente do de Dale Powers, o vocalista da Sir Timothy. É que Yummy Yummy Yummy foi um caso à parte…
Joey Levine é quem compôs a música com Artie Resnick. Ele mandou uma demo com a sua voz para o Ohio Express se basear na gravação deles. Só que o chefe da gravadora Buddah Records amou a música do jeito que estava (ou não quis gastar dinheiro com a gravação? Sei lá!). E lançou-a assim!
A partir daí, a voz do Ohio Express era de Levine e a banda que tocava nas gravações era o staff de estúdio do Super K. O grupo que aparecia na capa do disco e na TV era de mentira! Milli Vanilli feelings
Levine, para quem ficou curioso, não é parente de Adam Levine (pelo menos não é parente próximo). E depois dessa fase bubblegum pop trabalhando com o Super K, o músico foi fazer jingles de sucesso. Tipo esse do fim desse comercial:

Outra curiosidade entre as bandas do Super K: The Crazy Elephant ficou famosa pelo hit Gimme Gimme Good Lovin de 1969, com Robert Spencer nos vocais. Essa aqui:

Acho engraçado porque não acho que tem o tom ingênuo do bubblegum pop, né? Mas era Super K, era uma banda inventada. E eles também lançaram essa música chamada There Ain't No Umbopo em 1970:

A voz de There Ain't No Umbopo é de Kevin Godley e não de Spencer. E sabe em qual outra música Godley trabalhou, algum tempo depois, como backing vocal e no sintetizador Moog? Essa aqui:

Permita-se uma leve digressão sobre I'm Not in Love do 10cc? A música, composta pelos membros do grupo Eric Stewart e Graham Gouldman, foi a princípio rejeitada pelos outros membros Lol Creme e Godley. E foi justamente esse último que sugeriu que eles recriassem a canção, originalmente meio bossa nova, só com vozes. Começava a gênese de um clássico, um som novo. Gouldman, Godley e Creme gravaram cada um 16 vezes desses “aaaah” que você ouve, formando um coro de 48 vozes! Para as vozes parecerem infinitas, Stewart fez loops na fita. No fim, a mesa de mixagem se transformou numa espécie de instrumento: Stewart ia subindo e zerando o volume das fitas, cada uma das 12 formada por vozes em uma escala musical de notas (pelo que entendi kkkkkk). Assim ele ia tocando os acordes. O resultado é etéreo, diferente de tudo que havíamos ouvido até o lançamento, em 1975. E é de Stewart a voz principal.

Bom, tudo bem diferente de bandas supercomerciais fabricadas por produtores ganaciosos, né?
Mais ou menos: 10cc tinha inspirações artísticas (Godley e Creme saíram um pouco após I'm Not in Love em busca de algo ainda mais experimental) mas também tinha ambições comerciais (assumidas pelos superpop Stewart e Gouldman).

Não posso encerrar esse post sem duas referências que eu amo de bubblegum pop. Primeiro…

E essa regravação da Liz Phair (!!!):

Lots of fun for everyone!

O que foi chique nos anos 1990?

Geral falando do clipe da Normani, né? Confesso que já assisti um pouco atrasado. Motivation é o primeiro single solo da ex-Fifth Harmony e traz as mãozinhas da hit maker Ariana Grande na sua composição. O clipe é cheio de homenagens aos anos 1990 - sendo que ela mesma nasceu em 1996, então não curtiu essas referências como nós, véias cansadas.

A i-D fez um compilado das refs nesse post aqui.
O que eu achei? Normani é linda e tem star quality, mas a música não chega a ser um blockbuster.
Posso estar enganado - não entendo coisa alguma do gosto da geração Z. Também achei 7 Rings uma bobagenzinha e olha aí no que ela se transformou.
Mas acho que Normani ainda precisa de uma Havana uh-nana, para ficar na referência de sua ex-colega e, dizem as más línguas, nêmesis, Camila Cabello.
E olhando para as refs da Normani comecei a viajar nos anos 1990. E no pessoal resgatando a década agora. A coisa vai de grunge ao minimal limpo passando bastante pela estética hip-hop, mix de sports e streetwear. Mas tem uma coisa dos anos 1990 que, pelo menos na minha lembrança, era muito chique e ainda teve pouca gente olhando nos últimos tempos. Sei que não era o objetivo da Normani fazer uma coisa “chique”, foi só uma viagem mesmo. E na falta de ter um nome para isso, vou dar uns exemplos. A começar pelo ícone…

jarvis-cocker.jpg

Jarvis Cocker

Para mim, o vocalista do Pulp que era chique e o resto eram tentativas frustradas

Ajuda o fato de que no meio dos anos 1990 eu era tão magro quanto Jarvis. O metabolismo muda, né?

Para os indies - sim, eu era indie - era bacana se referir aos mods no jeito de se vestir. Ou para os indies gays? Sei lá.

pizzicato-five.jpeg

Pizzicato Five

Ai, que saudade, chego a lacrimejar

A formação clássica (que nem é a original, já que houve alterações no começo) traz Maki Nomiya, Yasuharo Konishi e Keitarô Takanami e foi um dos expoentes mais famosos do Shibuya-kei nos anos 1990. Na época, o bairro de Shibuya era um fervo, o lugar para se estar em Tóquio. Bandas como Flipper's Guitar, Original Love (que eu também adoro) e Pizzicato Five colocavam referências do pop dos anos 1960 no liquidificador mas soavam bem contemporâneas. Só que o que eu realmente curtia no P5 não era só a música - existia uma preocupação estética em tudo o que eles faziam que me deixava ainda mais instigado. Nomiya era modelo quando foi pinçada para ser a vocalista deles; pose e close não faltavam.

Muita gente comparava o P5 com o Deee-Lite na época, quando eles eram um trio - esteticamente até fazia sentido, no fundo Nomiya era uma rainha da montação clubber assim como Lady Miss Kier. Mas o P5 também tinha um toque artsy à Andy Warhol que o Deee-Lite não tinha.

Embalagens lindas me fizeram gastar MUITO dinheiro de mesada

Embalagens lindas me fizeram gastar MUITO dinheiro de mesada

liz-phair.jpg

Liz Phair

Achava chique e continuo achando chique até hoje. Por quê? Não tenho certeza: uma mistura do ar blasé ao falar palavrão, da voz que soa mais natural, um charme pé no chão meio Kim Gordon

Eu gostava tanto da Liz Phair que devo ter gasto boa parte da internet discada que rolava em casa baixando coisa dela no Napster e fazendo CDs gravados com quilos e quilos de MP3. Tinha tudo, até as demos que ela fez antes de lançar o primeiro álbum Exile in Guyville (1993).

Numa época em que todo mundo era grunge ela já era só alternativa. Isso até 2003, quando ela lançou um disco homônimo que trazia músicas produzidas pelo The Matrix. Foi bem esquisito, mas várias entraram nessa mais ou menos na mesma época: Jewel com 0304 (2003) e Nelly Furtado com Loose (2006). Parecia que o mundo da música estava reagindo às princesas Britney Spears e Beyoncé e se preparando para um nova era do pop que estava para começar com Lady Gaga, Katy Perry e Rihanna. Dessas que entraram na onda, só Nelly se saiu melhor, e parece que até ela, hoje, se afasta desse passado apesar de não necessariamente renegá-lo. Mas isso eram os anos 2000, né? Voltemos.

liz-phair-whip-smart.gif
winona-ryder.jpg

Winona Ryder

Sim, a moça do Stranger Things

Em 2001, Winona foi pega roubando na Saks Fifth Avenue de Beverly Hills. Remédios e depressão pareciam ter apagado o brilho da atriz, mas não o carisma. O mundo pop cometeu isso:

Sim, essa é Winona usando uma camiseta Free Winona. Ela também apareceu numa capa da W Magazine vestindo a mesma peça

Sim, essa é Winona usando uma camiseta Free Winona. Ela também apareceu numa capa da W Magazine vestindo a mesma peça

Mas antes disso, Winona já era um sucesso. Quem é novo agora não tem como saber como ela era um símbolo máximo nos anos 1990. Musa da Geração X - o que no fundo é meio peba porque veja só a Geração X como está, né? Um exemplo é o filme Caindo na Real (1994) de direção de ninguém menos que Ben Stiller.

Risos. Bom, isso tudo para dizer que antes do ícone Kate Moss, houve o ícone Winona Ryder (e, aliás, antes de Kate & Johnny Depp, houve Winona & Johnny Depp).

winona-ryder-1993.jpg
sade.jpg

Sade

Afffff que mulher fina!

Música de publicitário quando quer criar um clima sexy? Talvez. Mas eu acho Sade incrível, com uma voz e um talento incríveis. E para quem não acredita em sereia negra: existe desde 1992, cantando No Ordinary Love, e é MARAVILHOSA.

Sade existe desde a década de 1980, mas foi nos anos 1990 que saiu a coletânea The Best of Sade. Foi com ela que muita gente realmente se apaixonou. Em certo momento dos anos 2010, virou moda usar camiseta com imagens de Sade entre os rappers. Kanye West foi um dos maiores entusiastas dessa mania.

Quer saber? Chique!

Quer saber? Chique!

Ah, eu tenho um bônus

No Brasil a coisa estava difícil. Tinha pouca coisa chique por aqui. Mas, para você ter noção, uma das coisas chiques era…

suzana-vieira-mulheres-de-areia.jpg

Suzana Vieira em Mulheres de Areia (1993)

É, meu bem, o tempo passa

ATUALIZAÇÃO MINUTOS DEPOIS DA PUBLICAÇÃO: siiim, tem isso aqui…

matrix.jpeg

The Matrix (1999)

É quase 2000, na verdade, e resume a estética minimalista para a era da Internet

Quem tem se referido muito à estética Matrix é o estilista Demna Gvasalia na Balenciaga.

Sinceramente acho CHIQUÉRRIMO, apesar de meio redundante - quase um xerox, né? Mas eu gostava sim.

Quem não se sentiu meio existencialista refletindo sobre Matrix que atire o primeiro byte

Quem não se sentiu meio existencialista refletindo sobre Matrix que atire o primeiro byte

Com a notícia de que Matrix vai voltar COM Keanu Reeves, as especulações fervem. Confira uma série de teorias sobre como será a história desse Matrix 2020.