Um apelo para o Spotify: Momoe Yamaguchi para toda a população

Eu só queria que uma playlist minha ficasse perfeita, entende?
Para isso, preciso de músicas da Momoe Yamaguchi.
Aí pintou uma notícia maravilhosa: os serviços de streaming vão disponibilizar a discografia completa de Yamaguchi. Fogos de artifício quase percorreram meus neurônios antes de notar um PORÉM:
Isso só aconteceu para contas registradas no Japão.
E o meu Spotify é brasileiríssimo.

Por quê??? CÉUS, por quê?????

Mas, OK, já entendi: você não sabe quem é Momoe Yamaguchi. Segura a respiração para descobrir quem é uma das minhas cantoras preferidas do MUNDO, num altar ao lado de Tracey Thorn, Sade, Dave Gahan e mais um pessoalzinho.

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Momoe Yamaguchi

A mais linda e talentosa do rolê – e o olho de ressaca da Capitu em forma de gente, cês não acham??

Yamaguchi teve apenas 7 anos de carreira. Pois é: só 7 aninhos. E nesse tempo lançou nada menos que 22 álbuns. É uma média de mais de três álbuns por ano!
Aos 13 anos, Momoe se inscreveu no show de talentos Star Tanjô e se apresentou cantando a música Kaiten Mokuba. Ficou em segundo lugar mas mesmo assim recebeu propostas de produtores para ser a mais nova aidoru do pedaço (entenda o que é aidoru nesse post).

Nem gosto tanto dela nessa fase, mas acho importante para entender o mecanismo todo. Ela assinou com a Hori Productions, também conhecida como HoriPro (e ficou por lá pelo resto da carreira). O seu segundo single, Aoi Kajitsu, chegou ao 9º lugar das paradas. De 1973 (ou seja, Yamaguchi tinha apenas 14 anos), a música parece uma gracinha inofensiva para a gente, que não entende a letra:

Só que ela diz: "Tudo bem se boatos falando que sou uma garota má se espalharem."
Isso mesmo.
E também tem uma coisa meio "você pode fazer o que quiser comigo, eu não ligo” à moda Sempre Livre na música Eu Sou Free.
Vindo de uma menina de 14 anos, bem… Que ousadia.
A primeira parte da carreira de Yamaguchi foi marcada por essa sensualidade das letras, o que gerava polêmica e que, fala sério, é mesmo um absurdo nojento. O single Hitonatsu no Keiken de 1974, por exemplo, causou porque ela dizia que ia “dar a você a coisa mais preciosa que uma garota tem.” Quando jornalistas e apresentadores perguntavam o que era a coisa mais preciosa que uma garota pode ter, Yamaguchi respondia: “a devoção.”
Mas que bando de escroto, né?

Capa do Hitonatsu no Keiken

Capa do Hitonatsu no Keiken

Essa música fez tanto sucesso que Yamaguchi a cantou no Kôhaku Uta Gassen de 1974 – acho que nunca expliquei aqui mas o Kôhaku Uta Gassen é o festival de música japonês supertradicional de fim de ano no qual um time de cantores (o grupo de branco) concorre contra um time de cantoras (o de vermelho). Só é convidado para participar dele quem está fazendo muito sucesso, portanto ele virou um índice de fama no showbusiness nipônico.
A partir de 1974, Yamaguchi participaria de todas as edições do programa, que sempre acontecem em 31/12, até sua aposentadoria. O negócio é tão grande e tão sério que existe uma pesquisa demográfica e um comitê para decidir quais músicas serão apresentadas. Mas toda regra tem sua exceção: Yamaguchi insistiu em cantar Hitonatsu no Keiken em sua estreia, apesar da letra atrevida que deixava o comitê de cabelo em pé. Cantou. E mesmo assim, continuou sendo convidada – é normal que a poderosa produção do programa, assinada pelo canal NHK, faça represálias, só que nesse caso a estrela em ascensão seguiu intocada! Confira a gata no festival de 1974 abaixo:

(O time das mulheres ganhou em 1974. A votação é da audiência e jurados especializados.)

Com o sucesso, começou a grande virada. Se no começo Yamaguchi foi direcionada para o estilo kayôkyoku, uma espécie de irmão mais novo e leve do enka (ambos se baseiam em elementos tradicionais da música japonesa misturados com instrumentos e produção ocidentalizada), agora a cantora começava a colocar as manguinhas de fora, pressionando seus produtores a ter mais voz nas escolhas artísticas.
Não é mera coincidência que essa é a fase que amo!
Uma das suas providências foi escolher o casal Yoko Agi e Ryudo Usaki como fornecedores de músicas. A primeira que ela gravou deles, Yokosuka Story, de 1976, é mais pop e mostra uma imagem um pouco diferente. Ela não era mais um brinquedo que fazia as vontades do homem. Logo de cara já perguntava: "Última vez, última vez, essa é a última vez?". Suas vontades eram colocadas na mesa. Pela primeira vez, ela mostrava que tinha sentimentos contrários ao que estava acontecendo e reclamava a respeito do egoísmo de seu interesse amoroso.
E o melhor: a música é muito legal. Play, vai por mim:

Amo a câmera fazendo uns travelling mutcho loko, amo a intensidade emocional do vocal de Yamaguchi (parecia que agora ela realmente sentia a música, que a interpretava direito pois acreditava nela).
Yamaguchi passou grande parte da infância em Yokosuka. Agi, a letrista, também. Yoko Agi conta que não conhecia Yamaguchi quando uma música foi encomendada e composta, então teve que se basear no que sabia dela. Yokosuka Story foi a música mais famosa de toda a carreira de Yamaguchi.

Acho que Zettai Zetsumei, de 1978, também é um bom exemplo dessa nova imagem da artista.

Lembrando que ela tinha apenas 19 anos nessa época!
A música, que também é da dupla Agi-Usaki, fala de um triângulo amoroso. Estão os três reunidos e ela intima o cara: “Ela ou eu?”. No fim, o boy diz que ama as duas. E ela, que não aguenta mais a situação, fala “pois então bye bye que assim não dá" (ela literalmente canta bye bye).

Agora pausa, volta um pouco.
Não contei mas Tomokazu Miura já tinha entrado nessa história. Em 1974, ele participou de uma campanha da Glico com Yamaguchi.

Que fofuras! Quer um chocolatinho da Glico?

Que fofuras! Quer um chocolatinho da Glico?

Miura coincidentemente começou a carreira na música: ele fazia parte da formação original da RC Succession, uma banda incrível que fez história no pop-rock japonês. Só que ele acabou saindo antes que eles fizessem uma primeira gravação profissional. Não fez mal: Miura acabou garantindo uma carreira como ator.

Ambos, Miura e Yamaguchi, contracenaram em um filme no mesmo ano de 1974 e a química era tanta que fez com que eles ganhassem papéis de casal constantemente. Ficaram conhecidos como o Goruden Combi (golden combo). Enquanto Yamaguchi levava as carreiras de atriz e cantora paralelamente, Miura se dedicava apenas à atuação. Em 1979, Yamaguchi finalmente confessou em uma entrevista que Miura era a sua "pessoa preferida". E Miura, por sua vez, abriu o jogo: estavam noivos.

Você pode imaginar que todo mundo ficou cheio de felicidade, tal qual como ficávamos quando víamos a família Pitt-Jolie em fotos felizes. Mas existe uma prática cultural no Japão, que ainda é bem machista, de que a mulher para de trabalhar quando casa. E passa a se dedicar integralmente ao marido e aos filhos.

”Ah, mas isso não aconteceria com alguém tão famosa!". HAH! Meu bem: não só aconteceria como de fato aconteceu. A notícia da data do casamento chegou com anexo: a data da aposentadoria de Yamaguchi. Um show de despedida no lendário Budokan de Tóquio foi anunciado para outubro de 1980, e um último álbum saiu em novembro. Você pode imaginar que isso virou uma loucura: compilações saindo que nem água, lucro estonteante com a venda de ingressos e tal. E foi entre o anúncio da sua saída estratégica do mundo do entretenimento e o casamento-aposentadoria em si que Yamaguchi cometeu o que considero (não sei se outros consideram, mas na minha opinião é isso aí) a trilogia de ouro do trio Yamaguchi-Agi-Usaki.

Vamos começar com Shanikusai, uma maravilha, a minha preferida de todas da Yamaguchi, lançada em março de 1980.

Chora nessa capa, Lady Gaga e Ariana Grande!

Chora nessa capa, Lady Gaga e Ariana Grande!

Alejandro. La Isla Bonita. Sandra Rosa Madalena. Tudo isso veio depois. Yamaguchi fez um improvável sangue latino correr nas veias do pop japonês com esse hit. Tem cigano, tem rosa vermelha, tem sangue, tem tarô. Play abaixo:

Ligue para o Sidney Magal e diga para ele regravar essa música AGORA!

A segunda dessa trilogia que inventei na minha cabeça é um rock.
Isso mesmo. Rock 'n’ Roll Widow saiu em maio de 1980.

rocknroll-widow.jpg

A música não tem uma pegadinha: ela fala que literalmente é uma viúva, o marido morreu faz tempo, que ele era muito muito muito muito cool (a parte que ela fica repetindo kakko kakko kakko se refere a isso) e pelo visto a linda tá num outro momento de… curtir a vida, você sabe o que eu quero dizer. No refrão, primeiro ela diz "corta essa, não sou sua mamãe” e depois “corta essa, você não é o único homem". Tá, meu bem?

A coreô, os looks, o carão: levem essa mulher para o Legendary já para ela levar tudo!
O single também faz parte do álbum Mobius Game, lançado simultaneamente. Um pré-City Pop maravilhoso com uma capa linda, recomendo.

A terceira e última canção da trilogia é uma balada, Sayonara no Mukōgawa, feita em homenagem aos seus fãs e lançada em agosto.

sayonara.jpg

É bem melosa: fica agradecendo por tudo (dá para entender pois ela agradece em inglês), fica dizendo que não quer embora (mentira, ela deu entrevistas falando que realmente não queria mais trabalhar como cantora ou atriz), fica dizendo que a música vai ser a última (mentira, saiu mais uma em novembro que não é uma composição de Agi-Usaki).
A letra da capa do single, feita à mão, é da própria Yamaguchi.
Gosto desse momentinho love-songs-alpha-fm. <3

Essa foi a última música que Yamaguchi cantou no show de despedida do Budokan. Diz que ela chorou.

Tal qual Lídia Brondi no Brasil (mas por motivos bem diferentes), Yamaguchi estava falando sério. Nunca mais fez uma aparição pública como cantora ou atriz depois de novembro de 1980. Isso só fez com que o mistério ao redor dela se tornasse maior, tanto que é muito querida pelos fãs até hoje. Sua família, incluindo os filhos (ela tem dois), sofreram muito com paparazzi – no fim acho que eles desistiram de lutar contra e tentaram carreira no entretenimento, mas sem tanto sucesso quanto os pais.

As pessoas se recusaram a deixar o mito morrer e ela continuou viva na memória de todo mundo, eternamente com 21 anos.
SIM: ELA SE APOSENTOU COM 21 ANOS. Para um brasileiro isso soa como ficção científica!
Yamaguchi segue casada até hoje com Miura.
E para mim, ela tinha o olhar mais lindo que existe, além de uma voz belíssima.

Então, Spotify: te convenci?

Vamos de mix de sucessos se você teve preguiça de ver todos os vídeos e quer dar play em um só: