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Pigmaleão, mas no Japão e com críticas ao capitalismo: o filme Kyojin to Gangu

October 19, 2021 by Jorge Wakabara in cinema, celeb

Não é toda hora que a gente se depara com um filme e pensa “ah, OK, talvez seja bom, não estou fazendo nada mesmo…”
E aí você fica completamente vidrado no filme.
Kyojin to Gangu, que em inglês virou Giants and Toys, é um longa japonês do celebrado diretor Yasuzo Masumura. Respeitadíssimo porém ainda meio obscuro por essas praias, Masumura morreu em 1986 mas deixou uma filmografia bem robusta. com histórias do pós-guerra que mostravam o avanço do individualismo em detrimento do senso de coletividade tão importante na cultura japonesa, entre outras influências dos EUA e do ocidente em geral. E ele também foi um dos diretores de pinku eiga, os filmes eróticos japoneses, mais ou menos um correspondente à nossa pornochanchada. Só que o período forte do pinku eiga é correspondente ao da nosso pornochanchada e ao do exploitation estadunidense, por volta dos anos 1960 e 1970 - Kyojin to Gangu é anterior a isso, de 1958, apesar de suas modernidades e de seu ar “prafrentex” - mais a seguir.

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Bom, vamos ao filme em si: apesar de eu nunca ter ouvido falar nele antes de assistir, parece que Kyojin to Gangu é um clássico cult - de fato, seu frescor na narrativa leve e pop parece preconizar os anos 1960. Ritmo mais ágil, temas mais modernos.
A história original vem de obra de Takeshi Kaikō, escritor importante do Japão, e tem suas fórmulas. O que eu pesquei:

. Mito do Pigmaleão, ou seja, da transformação de uma menina simples em uma mulher “de classe”. Na mitologia grega, o rei Pigmaleão se sente muito sozinho e esculpe a “mulher perfeita”. Aí chora as pitangas e Afrodite dá vida à escultura, batizada Galateia. Ou seja: não é só o mito de transformação de uma pedra em uma mulher perfeita, mas a construção disso pelas mãos (e visão) de um homem, com tudo o que pode surgir de problemático ao redor disso. O exemplo mais famoso da cultura pop é o musical e filme My Fair Lady, que acabou virando um mito do Pigmaleão moderno, porém mais casos é que não falta. De cabeça já cito o filme que chama Pigmaleão em si, de 1938; todas as versões de Nasce Uma Estrela; Cinderela em Paris; a novela de 1970 Pigmalião 70 (que invertia os papéis: dessa vez era uma mulher, interpretada por Tônia Carrero, que transformava um homem). Kyojin to Gangu tem o mito do Pigmaleão (um homem transforma uma menina boba, pobre e simples em uma celebridade), mas não é só…

. Sucesso ou fracasso nos negócios? Qual é o preço que você pagaria para conseguir promoções na concorrida carreira profissional? O mundo da publicidade e marketing que aparece no filme, com a disputa de três indústrias de doce, a Giant, a Apollo e a World, sobre o mercado japonês. O plot principal, na verdade, é esse: quem será que vai ficar na frente? O importante é vender mais que as concorrentes. Nishi (Hiroshi Kawagushi), o assistente do ambicioso executivo Goda (Hideo Takamatsu) da World, tem um amigo na Giant e um flerte na Apollo. Ele tenta descobrir a estratégia da campanha anual dos concorrentes em conversas de bar para ter alguma vantagem competitiva. E Goda aparece com a ideia de uma nova celebridade, um rosto que ninguém conhecia antes - é ele quem transforma a simples Kyoko (Hitomi Nozoe), que é meio doidinha e tem dentes podres (de tanto comer doce?), em uma estrela da noite para o dia. O interesse dele é que ela, claro, seja a garota-propaganda da World. Mas a que custo? E a inocência de Kyoko? E as amizades de Nishi? Tudo isso vale o preço?

. Ou seja: no fundo, o filme também é uma fábula contra a ambição desmedida, a fábrica de celebridades, a disputa de mercado ganhando mais importância que as relações humanas. Figuras cínicas (e certamente não muito longe da realidade) vão desfilando pela tela: o fotógrafo assediador. A produtora da TV que descarta uma “ex-famosa” que saiu de moda. E melhor eu parar por aqui para não dar spoilers.

Bom, tudo isso para dizer que amei esse filme. Um segredinho: está no YouTube. Na íntegra e com legenda em inglês. Corra antes que acabe:

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October 19, 2021 /Jorge Wakabara
Yasuzô Masumura, Kyojin to Gangu, Japão, individualidade, coletividade, anos 1950, Takeshi Kaikō, mito do Pigmaleão, My Fair Lady, publicidade, marketing, Hiroshi Kawagushi, Hideo Takamatsu, Hitomi Nozoe
cinema, celeb
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A Taste of Honey: quando duas mulheres negras tomam a frente

October 12, 2021 by Jorge Wakabara

Imagine que você está no ano de 1978. A disco music bombando, mas sendo considerada por muitos como algo supercomercial, frívolo.
E aí aparecem no palco duas mulheres negras, uma empunhando uma guitarra e outra segurando um baixo. E elas tocam disco music. E tocam de verdade. Esse era o A Taste of Honey!

A real é que A Taste of Honey surgiu bem antes, lá em 1972. A baixista Janice-Marie Johnson nem foi uma das fundadoras. Mas aí os membros começaram a sair e ela e Perry Kibble, o tecladista, sobraram. Eles decidiram manter o nome e chamaram, entre outros, a guitarrista Hazel Payne.

Me parece que o grupo sabia do poder da imagem: duas mulheres negras que não apenas cantam, mas também tocam instrumentos, certamente atrairiam olhares. Bom, claro que isso não bastava. Eles corriam o mundo, tocando em diversos lugares. E diz a lenda que foi num desses lugares, diante de uma plateia apática que não se levantava para dançar, que Janice-Marie teve a ideia de Boogie Oogie Oogie: “If you're thinkin' you're too cool to boogie / Boy oh boy have I got news for you…”
Surgia um dos maiores sucessos da disco music. Ele foi o primeiro single lançado, chegou ao topo do Hot 100 da Billboard e vendeu nada menos que dois milhões de cópias na época.

Bom, se eu me deparasse com essa capa em uma loja de discos, eu não ia conseguir passar incólume sem comprar…

Bom, se eu me deparasse com essa capa em uma loja de discos, eu não ia conseguir passar incólume sem comprar…

A Taste of Honey ainda levou o Grammy de Melhor Novo Artista em 1979. Só que infelizmente o pior aconteceu: com esse sucesso retumbante, A Taste of Honey nunca conseguiu se equiparar a Boogie Oogie Oogie e acabou reconhecida como banda de um sucesso só.

Mas a história real não é bem essa.

Para começo de conversa, a banda já fazia shows pelo mundo antes de gravar um disco. E um dos países no qual ela chamava bastante atenção era… o Japão. Vamos abrir parênteses para um capítulo que pouca gente conhece da história do pop mundial…

Sekai Kayōsai, o “Eurovision do oriente”

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Também conhecido como Festival de Música Yamaha, por causa do patrocinador principal, o evento japonês durou entre 1970 e 1989 (sendo que o de 1988 foi cancelado por causa do estado de saúde do Imperador do Japão na época e o de 1989 aconteceu não mais como uma competição e sim como um concerto beneficente).
Agora, a parte legal: músicos do mundo todo participavam do Sekai Kayōsai. A primeira música que foi a grande ganhadora do festival, na edição de 1970, foi אני חולם על נעמי (Ani Cholem Al Naomi), da dupla Hedva & David de Israel. É TUDO.

Isso quer dizer que o festival era bem mais que o “Eurovision oriental”, como acabou conhecido. Virou um festival mundial com participação de muitos países de outros continentes (no mesmo ano de 1970, participaram Coreia do Sul, Japão, Chile, Singapura, Nova Zelândia, Emirados Árabes, Malásia, México, África do Sul, Bolívia, Vietnã, Filipinas, Hong Kong - alguns com mais de um concorrente na disputa!).
Claro que tudo isso pede um post exclusivo só para o Festival de Música da Yamaha um dia, né?
Virá, um dia, impávido que nem Muhammad Ali.

O que importa aqui é a edição de 1974.
Foi nela, quatro anos antes do lançamento de Boogie Oogie Oogie, que A Taste of Honey participou com Life (Don’t Have to Get You Down). É uma loucura! 1. Essa música virtualmente não existe, é considerada perdida 2. A banda ainda estava na sua formação original, sem Payne. Que coisa, né?
E quem foram os apresentadores do festival naquele ano? Kyu Sakamoto e Judy Ongg - eles assumiram esse lugar em 1974 (Sakamoto já tinha apresentado outras duas vezes, mas era a primeira de Ongg) e seguiram no posto até a morte de Sakamoto em 1985.
Reconhece o nome de Kyu Sakamoto?

Ah… Deveria.
Ele é o cantor da música japonesa mais famosa do mundo.

Até onde sei, Ue o Muite Arukō, de 1961, é a única música com letra em japonês a chegar no topo da parada Hot 100 da Billboard até hoje. E durante muito tempo, foi o único single de um artista amarelo a conseguir esse feito (até 2020, quando veio BTS e a sua Dynamite).
Mas a canção chegou ao topo com o nome de… Sukiyaki. Isso mesmo, Sukiyaki, o mesmo nome daquele ensopado com vegetais e carne. Não tem nada a ver com a música: o prato não é citado na letra. O nome incrivelmente idiota foi obra dos empresários ocidentais, que decidiram tornar a música mais identificável para o povo que não estava familiarizado com a língua japonesa. Poderia ser Yakisoba, Sushi, Tempura… Seja como for, deu certo: virou um fenômeno.

E por que falei tudo isso?
Fecha o parênteses…

Os outros hits de A Taste of Honey

Não chegou a ser número 1, mas foi número 3 do Hot 100 em 1981. Adivinha qual música o A Taste of Honey, já em formato de dupla apenas com Johnson e Payne, decidiram gravar depois do estouro de Boogie Oogie Oogie?
Sim, ela mesma. Sukiyaki.

Diz a lenda que Janice-Marie Johnson era vidrada na música desde pequena. Chegou a decorar foneticamente tudo para ficar cantando, mesmo sem saber o que aqueles sons significavam.
Não se sabe se Johnson chegou a encontrar Sakamoto no Japão naquele festival de 1974, mas em 1978, ela ouviu a versão de Linda Ronstadt para Ooh Baby Baby, originalmente de Smokey Robinson & The Miracles. Ah, então ela podia regravar um hit dos anos 1960 também, né?
Foi aí que Sukiyaki entrou na jogada. Johnson pediu uma tradução literal em inglês para Rokusuke Ei e depois a adaptou ela mesma.
Johnson e Payne eram babado - elas insistiram para que a música não fosse regravada em pegada dançante. Prefiriram um clima de balada. Também pegaram forte para trazer um sabor mais oriental para a faixa - o próprio produtor, George Duke, não botava fé mas cedeu pela vontade delas e chamou June Kuramoto para tocar koto, um instrumento de corda tradicional japonês. Tem uma cena maravilhosa que Johnson conta, do seu diálogo com Cecil Hale, o então vice-presidente da Capitol Records, na qual ele mostrou seu desprezo pela faixa dizendo “Absolutamente não! Gente negra não quer ouvir música japonesa”, no que ela respondeu “A última vez que olhei no espelho, era negra. E eu quero ouvir”.

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Esse é um daqueles casos que a apropriação cultural toma contornos complexos. Dá para ver o profundo respeito que Janice-Marie Johnson tem pela cultura japonesa. De verdade. Ela estuda. Se aprofunda.
Ao mesmo tempo, Sukiyaki se transformou na música mais estereotipada (tanto quanto Merry Christmas Mr Lawrence do Ryuichi Sakamoto, sendo que as duas são lindas). E Payne tocando koto no palco, durante as apresentações, provavelmente fingindo em cima de uma base pré-gravada… Não dá, né?

Depois disso, uma música do quarto álbum, de 1982, entrou na parada Hot 100 em 41º lugar. I’ll Try Something New também era uma versão, dessa vez um cover do repertório do mesmo Smokey Robinson & The Miracles, lançada originalmente em 1962.

Payne saiu da dupla antes das gravações do quinto álbum serem finalizadas, fazendo com que o disco virasse um solo de Johnson. Ela virou atriz de teatro. As duas já chegaram a se reencontrar e se apresentar em revivais, mas ficou por aí mesmo. Só um gostinho de Taste of Honey… hein, hein? TUNDUNTSSS

Bom, para variar (eu falo isso de quase todo mundo que aparece aqui nos posts do blog), acho que A Taste of Honey merecia ser mais valorizado.
Mas sabe quem já regravou Boogie Oogie Oogie?

Amo! Esse é o segundo álbum solo da Fernanda Abreu, de 1992.

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October 12, 2021 /Jorge Wakabara
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A segunda onda do City Pop: Miki Matsubara

September 30, 2021 by Jorge Wakabara in música

Primeiro foi Plastic Love. Já contei toda história aqui: uma música japonesa foi redescoberta nos EUA graças a uma loucura do algoritmo do YouTube que até agora ninguém conseguiu explicar. Música essa que nem era o maior hit de Mariya Takeuchi! De repente, surgiu toda uma subcultura ao redor dessa canção, com uma gama de pessoas fãs de um estilo musical do Japão do fim dos anos 1970 e grande parte dos anos 1980 que nem existe mais. E que nem os japoneses reconhecem direito! Mais exótico ainda: grande parte dos fãs do City Pop nem eram nascidos na época que os hits foram lançados.

Depois de Plastic Love, vários outros artistas, incluindo Tatsuro Yamashita (que é o marido de Mariya Takeuchi), foram descobertos. Discos esgotaram, ficaram caríssimos. E já ouvi muita gente falar que gosta de City Pop porque não entende japonês, então consegue curtir as melodias superchiclete trabalhando ou fazendo outra coisa, sem se distrair muito - vira música boa de fundo.

E finalmente, Mayonaka no Door - Stay With Me de Miki Matsubara virou outro capítulo dessa história do j-pop. Ela chegou a ocupar o topo da parada global do Spotify de hits virais em uma semana de dezembro de 2020! Existem duas teorias para esse acontecimento, mas eu não acho que uma elimina a outra.

Mayonaka no Door foi lançada na voz de Matsubara em 1979. Mais de 40 anos atrás. Então como isso aconteceu?
Quem é rato de YouTube sabe que tem muito canal em que cantores fazem cover de músicas para mostrar seu talento - aliás, acho que era o caso de bastante gente famosa hoje, como Justin Bieber e a brasileira Iza.
Uma dessas cantoras que aproveitam o YouTube para fazer isso é a Rainych.
Ela já é uma figura bem interessante por si só, da Indonésia, muçulmana (dá para sacar pelo hijab) e bem kawaii, uma voz bem gracinha. Atualmente acumula 1,7 milhões de seguidores.
E Rainych decidiu gravar Mayonaka no Door - em japonês mesmo!

Esse vídeo tem mais de 5 milhões e meio de views. E contando.
Raynich, ou quem quer que planeje o visual dos seus vídeos, sabia o que estava fazendo. Como o City Pop é um estilo rodeado de referências retrô, que vão de animes antigos ao disco de vinil, o clipe também tem esse visual inspirado.

Mayonaka no Door então foi redescoberta na Indonésia e outros países asiáticos. Aí foi entrando em playlists e se popularizando. Até que virou… um desafio do TikTok.
Ah, o TikTok. Sempre ele. TikTok é a nova Hollywood, o lançador de tendências atual.

Dizem que existe um primeiro vídeo, que eu não consegui localizar, no qual um usuário do Tiktok coloca Mayonaka no Door para tocar e filma a mãe e a tia ou algo assim. São duas japonesas. E elas invariavelmente começam a balançar de um jeito muito característico quando o refrão da música chega - memória afetiva total.
Aí outras pessoas que têm mãe que viveu na década de 1980 no Japão decidiram fazer a mesma coisa. E descobriram que elas… reagiam da mesma forma!
A coisa tomou tal proporção que virou meme: as pessoas começaram a fazer a mesma coisa com qualquer um, e tudo combinado, claro, esse qualquer um reagia do mesmo jeito que as mulheres japonesas! Risos!

(Sorry pela propaganda no meio desse vídeo! Don’t shoot the messenger!)

E foi aí que Mayonaka no Door se popularizou de vez, chegando na parada global viral do Spotify. Aliás, o fato da música já estar no Spotify na época que começou a viralizar também deu um impulso mais imediato nela, se a gente comparar com Plastic Love que se manteve por muito tempo como fenômeno específico de YouTube e só foi chegar na plataforma de música no mesmo mês de dezembro de 2020.

Certo. E a Miki Matsubara em si?

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Matsubara foi um caso raro na época de cantora pop que não era considerada idol. Isso quer dizer que, por mais que ela fizesse um som comercial, era respeitada enquanto cantora. Reconheciam seu talento e sua capacidade. Uma idol seria um produto massificado feito para ser consumido por adolescentes, Matsubara era artista. Mayonaka no Door foi o single de estreia dela, em 1979, e virou um hit que não chegou no topo das paradas, mas se manteve perene (tanto que resistiu na memória das japonesas que viraram mamães até 2020). É considerada até hoje a grande música da carreira de Matsubara, mesmo que ela tenha lançado outras coisas bem sucedidas depois.

O compositor de Mayonaka no Door também não tinha muita experiência: Tetsuji Hayashi tinha acabado de começar na carreira, com bastante influência da música estadunidense no seu trabalho. Na mesma época, fez coisas para outros nomes do City Pop como Takeuchi e Junko Ohashi.
Hayashi veio a se tornar o grande mago do j-pop: compôs grandes sucessos para nomes gigantescos como Seiko Matsuda, Momoko Kikuchi, Hideki Saijo e Akina Nakamori.

Matsubara lançou vários álbuns ao longo dos anos 1980, se aventurando até pelo jazz em 1984 com Blue Eyes, que traz as suas versões de vários standarts como Love for Sale e Misty. Ladygagou toda!

A minha capa preferida é a do último solo, Wink, de 1988. Em 1992, sairia a trilha de um OVA do Gundam (aquele do robô gigante, o mecha) com sua participação. Depois disso, ela se dedicou mais a trilha de animes e ao seu trabalho como compositora.

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Matsubara era bastante reservada a respeito de sua vida pessoal. Ela morreu de câncer do colo do útero em 2004, aos 44 anos, mas sua morte foi anunciada publicamente só dois meses depois.

Para acabar esse post numa energia mais para cima, confira Matsubara e Matsuda, que é uma das maiores idols que o Japão já teve (e, segundo muitos, a maior de fato), cantando Mayonaka no Door juntas em 1980:

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September 30, 2021 /Jorge Wakabara
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música
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Sugar Babe: o começo do city pop

September 22, 2021 by Jorge Wakabara in música, TV

Já falei muitas vezes aqui sobre meu amor incondicional pela banda japonesa Happy End e como eles foram o começo de tudo. TUDO é muita coisa, eu sei - mas do começo da música pop japonesa, foram mesmo. Tem a ver com a Yumi Arai, por exemplo, que virou Yumi Matsutoya depois de casar; tem a ver com o Haruomi Hosono, membro da banda que depois fez parte do Yellow Magic Orchestra e é, pra mim, um dos maiores artistas e produtores pop que o Japão tem; tem a ver com Eiichi Ohtaki, que também viria a ser um produtor e cantor solo.
E tem a ver com o "último" show do Happy End (entre aspas porque depois rolaram uns shows de comeback), que deu no álbum ao vivo Live Happy End. Quem participa desse show? O Sugar Babe, uma banda que meio que herdou esse público (que era escasso, vamos falar a verdade: Happy End era uma banda underground durante a sua existência que depois adquiriu um status cult, Sugar Babe idem).

Se o Happy End teve vida curta, com apenas três discos de estúdio lançados, imagine que o Sugar Babe teve apenas um! Songs, de 1975, conseguiu ainda assim ser uma pedra de Roseta. Lançado pela gravadora Niagara, tinha produção de… Ohtaki (aliás, é ele quem está com a banda nessa foto do topo).

Então vamos começar - e enquanto isso você vai ouvindo uma coisinha.

(Downtown é o único single de Sugar Babe. E já é BEM city pop, vamos combinar!)

Tudo começa com Taeko Onuki. Ela entrou na faculdade de artes, ficava desenhando, bem esforçada, mas isso piorou um problema que ela tinha nos ombros. O médico a proibiu de continuar desenhando assim. Ela já gostava de cantar, então continuou cantando, apesar de não levar aquilo a sério. Aí a chamaram para participar de uma banda folk, a Sanrincha. Ela foi, mas não combinava – as letras que ela escrevia não tinha a ver com o estilo da banda. Acabou que se separaram.

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Enquanto isso, em 1972, um cara chamado Tatsuro Yamashita estava produzindo e lançando o álbum independente Add Some Music to Your Day, com covers de Beach Boys e outros roquinhos. A gravação era meio uma ação entre amigos, e contou também com Kunio Muramatsu.

Pelo que entendi, existia uma loja de discos que Onuki frequentava e que fazia showzinhos no porão toda quarta-feira, após o horário comercial. Yamashita levou esse disco, Add Some Music to Your Day, para vender lá. O dono (ou gerente? acho que na verdade gerente) Yoshiro Nagato ouviu o disco, gostou e meio que rolou um “vem aí que a gente tá tirando um som no porão e tem uma cantora, a Taeko Onuki, que tá fazendo uma fita demo".
(Não deve ter sido assim, os japoneses são mais formais, mas você entendeu a ideia)
Foi assim que Onuki e Yamashita se aproximaram.

Uma foto mais recente de Onuki e Yamashita segurando o álbum e o single de Sugar Babe

Uma foto mais recente de Onuki e Yamashita segurando o álbum e o single de Sugar Babe

Nisso, Yamashita já estava pensando em ter uma banda para tocar suas músicas próprias – a que foi formada para gravar o Add Some Music to Your Day já estava dissolvida. A primeira pessoa que ele chamou? Onuki. Ela, que queria gravar solo depois da experiência ruim com a Sanrincha, acabou convencida. E ainda mudou de instrumento: voltou para o teclado, que era algo que não tocava desde que era pequena, porque Yamashita achava que “em banda, mulher tocava teclado” (hum, que cheirinho de irmãos Dias Baptista, né?).
Muramatsu se uniu a eles na guitarra, assim como os membros que depois sairiam Kikuo Wanikawa (baixo) e Akihiko Noguchi (bateria – esse tocou com bastante gente conhecida depois, como Mariya Takeuchi).

E aí decidiram o nome da banda, que veio de uma música do filme Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni. Não seria por falta de referências cult que eles fariam sucesso…

A partir daí, parece que Ohtaki (lembra? Lá do Happy End!) de alguma forma ouviu o disco de Yamashita, aquele Add Some… – e deve ter gostado porque começaram uma relação de amizade, com eles (Yamashita, Onuki e Muramatsu) visitando Ohtaki com constância. Foi aí que surgiu o convite para eles fazerem o coro naquele show do Happy End que citei no começo do post. Ao mesmo tempo, Onuki e Yamashita seguiram trabalhando em músicas próprias para o Sugar Babe.
Começaram a pintar mais shows ao vivo, para a própria banda. Foi um desses que Yumi Arai viu, o que resultaria também num convite para a banda participar de um disco dela.

Sobre essa coisa de todo mundo se conhecer e se cruzar, Onuki explicou em entrevista para o projeto Red Bull Music Academy:

“Like I mentioned, the dominant style in the mid-’70s was hard rock. There were a few people doing the poppier sound I was into, what ended up being called ‘new music’ in Japan, so when you’d hear someone doing something new, something I’d associate with what I was doing, you’d go out and gather together and play together. Looking back at it, something must have been blooming, based on all the names that started playing, many of whom are still active today.”
— Taeko Onuki na Red Bull Music Academy

Em 1974, no calor das criações do que viria a ser o disco Songs, Sugar Babe fez um show em Osaka que entrou para a história da banda. Mas não por ter sido um sucesso - eles foram vaiados! Onuki diz que o público gritava que eles soavam como um monte de cigarras.
Isso de alguma maneira me soa como um elogio? Enfim, não era um elogio. O som que Sugar Babe propunha era diferente, inclusive tecnicamente. Não entendo muito de música, porém me parece que eles usavam acordes de uma maneira que não era comum para bandas nipônicas de rock.
Ah, e isso é outro fator: o Sugar Babe era, mais do que rock, pop - coisa que não existia no Japão. Ou seja, provavelmente os jovens japoneses achavam que, entre os vendidos para o “inimigo capitalista estadunidense", o Sugar Babe era o mais vendido de todos!

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A gravação do Songs foi concluída em 7/03 de 1975. Em questão de meses – mais especificamente em julho – o Sugar Babes terminava seu contrato com o mítico selo Niagara, lar de vários álbuns que viraram clássicos raríssimos hoje em dia. A Niagara agora só iria ajudá-los nos shows.
Importante dizer que, na paralela, Yamashita ia fazendo outras coisas, tipo compor e arranjar Koibito to Yobarete, da cantora Mayumi Kuroki:

Também é em 1975 que uma estudante ouviu o Sugar Babe em uma apresentação ao vivo. Depois, ela virou cantora, casou com o band leader Yamashita e, produzida por ele, cometeu um hit que faria o City Pop voltar a ser conhecido nos anos 2000: Plastic Love. Sim: Mariya Takeuchi em si chegou a ver um show do Sugar Babe quando eles ainda existiam!

Se você observar a turma com quem esse pessoal tocava em shows , vai reparar em alguns outros nomes pulando por ali: Akiko Yano e Ryuichi Sakamoto (que depois casaram), o próprio Haruomi Hosono (ex Happy End e então futuro Yellow Magic Orchestra) e por aí vai.

Em janeiro de 1976, Yamashita reuniu Onuki e o resto da banda, tipo confraternização de Ano Novo, com uma má notícia: Yuata Uehara, que ficava a cargo da bateria, ia sair, e não havia substituto. O Sugar Babe acabou ali, apesar deles ainda terem participado de alguns shows. A sementinha, de qualquer forma, já estava plantada e ia dar muitos frutos…

Nesse mesmo ano, alguns outros discos começaram a aparecer. Um deles é o Niagara Triangle vol. 1, de Yamashita, Ginji Ito e Eiichi Ohtaki.

E no mesmo dia, 25 de março de 1976, saiu o álbum Flapper, de Minako Yoshida. Também é ligado ao Sugar Babe porque conta com vocais de Yamashita e Onuki em algumas músicas.

Uma coisa interessante dos integrantes do Sugar Babe é que o City Pop seguiu ligando-os. Yamashita, por exemplo, considerado o “rei do City Pop” por muita gente, lançou seu primeiro álbum solo em 1976 mesmo, o Circus Town. Hoje, toda a sequência que ele fez na década de 1970 é considerada um clássico (inclui o meu preferido Spacy de 1977, Go Ahead! de 1978, It’s a Poppin’ Time de 1978 e Moonglow de 1979). Em 1980, fez MUITO SUCESSO com Ride on Time, um álbum que teve a música homônima em trilha sonora de propaganda - acho que já falei por aqui sobre como isso é comum no Japão, músicas de comercial alcançarem o topo das paradas.

Ride on Time também traz uma música chamada My Sugar Babe, uma homenagem à banda!

E não estranhe os títulos em inglês de álbuns e músicas, isso é completamente normal no City Pop e algo que o j-pop herdou. Também é comum que as músicas tragam trechos das letras e/ou refrão em inglês.

E se Yamashita é o rei, Takeuchi é a rainha - já fiz um post bem extenso sobre ela e seu sucesso tardio do outro lado do mundo com Plastic Love, então leia lá!

Também em 1976, Taeko Onuki já saiu com um disco, o Grey Skies, que conta com guitarra de Hosono e teclados de Sakamoto. Mas é Sunshower de 1977, com seu som mais jazzy misturado ao pop, que viraria cult.

E Sunshower aparece num anime lançado recentemente. Isso mesmo, o disco em si.
Palavras que Borbulham como Refrigerante conta a história de um rapaz que odeio barulho e escreve haikais (aquelas poesias japonesas contemplativas com um número de sílabas contado) e de uma garota que é influencer e é complexada por ser dentucinha. Os dois se aproximam, mas aí surge uma história de fundo: a do Seu Fujiyama, que está numa procura incansável por um vinil que perdeu e só possui a capa.
Não vou dar spoiler, mas num certo momento da trama eles vão parar em uma loja de vinil e, entre os discos que aparecem, está o Sunshower.
A voz da música principal que toca no anime é de Taeko Onuki!

E também é importante dizer que a trilogia de destaque de Onuki é mais eletrônica do que o city pop costuma ser, com Romantique (1980), Aventure (1981) e Cliché (1982).

Acho importante dizer que Kunio Muramatsu, outro ex-integrante do Sugar Babe, também lançou discos solos na década de 1980, mas sem tanto destaque quanto Yamashita e Onuki.

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September 22, 2021 /Jorge Wakabara
Happy End, Haruomi Hosono, pop, Eiichi Ohtaki, Sugar Babe, cult, Niagara Records, City Pop, Taeko Onuki, Tatsuro Yamashita, The Beach Boys, Kunio Muramatsu, Yoshiro Nagato, Kikuo Wanikawa, Akihiko Noguchi, Mariya Takeuchi, Zabrinskie Point, Michelangelo Antonioni, The Youngbloods, Osaka, rock, Mayumi Kuroki, Yellow Magic Orchestra, Yuata Uehara, Ginji Ito, Minako Yoshida, Japão, j-pop, Palavras que Borbulham como Refrigerante
música, TV
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Akihiro Miwa icônica demais

February 25, 2021 by Jorge Wakabara in cinema, livro, música

Nossa senhora, isso que é MUSA.

Assisti ao filme Kurotokage com Akihiro Miwa, a versão de 1968 (existe uma de 1962), e depois Kuro Bara no Yakata, de 1969. É surreal como, no fim dos anos 1960, o Japão cheio de regras em relação a gênero apresentaria uma transformista como musa.
Ah, sim: Akihiro Miwa não é exatamente uma mulher trans. No lugar de determinar seu gênero, ele parece achar mais interessante a via do não-binário, do constante passeio entre gêneros. E isso parece que atrai ainda mais a atenção (e o deslumbramento) dos japoneses!

Mas vamos voltar para começo, quando Miwa ainda era artista de cabaré e, em 1957, gravou Me Que Me Que, um clássico da música francesa originalmente lançado por Gilbert Bécaud naquela mesma década.

A versão em japonês, malandrinha, fez sucesso. Miwa bombou. E parece que foi nessa época que o escritor Yukio Mishima, um machão de direita que surpreendentemente tinha muita sensibilidade nas suas obras, elogiou Miwa, dizendo que era como um “uma beleza dos céus", ou seja, um anjo. A comparação faz sentido no que eu já pesquisei e ouvi dizer sobre a homossexualidade japonesa. Acho que vale abrir um parênteses aqui para falar sobre isso – e um pouco mais sobre Mishima também.

Os rapazes prostitutos do Japão antigo

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O livro O Belo Caminho: História da Homossexualidade do Japão, de Gary P Leupp, explica bem que a homossexualidade não é algo "novo” ou "que os brancos trouxeram” para o Japão. Longe disso. O shudo, que se refere a uma estruturação específica de prática homossexual um pouco parecida com a da Grécia antiga, em que existe a figura do homem mais velho mentor e deflorador e o rapaz jovem, passivo, inocente e aprendiz, foi uma realidade em monastérios budistas com presença exclusiva masculina, e também nas relações entre samurais. Para mim também tem a ver com uma relação de dominação e submissão que, pelo pouco que sei e posso estar falando bobagem, é recorrente na sexualidade nipônica.

Com o tempo, meninos começaram a virar michês para sobreviver, muitos deles relacionados ao teatro kabuki, uma tradição dramatúrgica que não permite atrizes. Esses atores especializados em papéis femininos atraíram fãs e cobravam por sexo, alguns viravam amantes de homens ricos. Depois, existiram bordéis que já nem disfarçavam sob a fachada do teatro, só com rapazes. Eles se vestiam e se enfeitavam como moças.

A imagem do rapaz afeminado e submisso não ficou no passado. O filme Morte em Veneza (1971) foi uma grande referência no Japão – a figura de Tadzio (Björn Andrésen, que para quem não sabe é o ancião do sacrifício no recente Midsommar de 2019) era tudo que os japoneses achavam lindo. Androginia e mistério. Isso corre até os idols do j-pop, apresentados como sensíveis e com traços mais delicados, e respinga também no k-pop.

O próprio Andrésen virou uma celebridade no Japão. Quando ele visitava o país, as mulheres iam à loucura! A ponto de, bem… ele mesmo gravar músicas em japonês, tal qual um idol. Olha que loucura?

Yukio Mishima: um homossexual de direita?

Em 1951, Mishima lançou o livro Kinjiki, uma expressão que é um eufemismo para homossexualidade. Um trocadilho entre “cores proibidas” e “amores proibidos". A história, considerada autobiográfica por muitos, traz a relação entre um escritor mais velho e um rapaz jovem que confessa que vai casar com uma mulher por motivos financeiros, mas que não se sente atraído por ela nem por ninguém do sexo feminino. Críticos apontam uma misoginia forte enraizada no texto – um discurso de ódio contra as mulheres. Mas virou um clássico.
Acontece que Mishima foi casado com uma mulher, Yoko Sugiyama. E ela, por sua vez, odiava e negava os rumores sobre a homossexualidade do marido, mesmo que fosse público que ele, por exemplo, frequentava bares gays. Eles tiveram um par de filhos, inclusive.
Existe um livro não-autorizado, de 1998, de Jiro Fukushima. Ele alega que teve uma relação com Mishima em 1951. Foi um escândalo que acabou com Fukushima e a editora processados pela família de Mishima.

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Mishima tentou fazer um golpe de estado no Japão em 1970. Sério. Isso porque, antes de casar com Yoko, ele quase casou com Michiko Shoda, que depois virou imperatriz porque se casou com o príncipe Akihito! A tentativa de golpe não deu certo e ele cometeu seppuku, o suicídio ritualístico japonês, aos 45 anos de idade.

Voltemos para Akihiro Miwa.

Uma baita história

Miwa nasceu em Nagasaki e, sim, estava na cidade quando a bomba atômica explodiu em 1945, quando tinha 10 anos. Como outros sobreviventes, ele sofre com os efeitos da radiação.
Ainda na época de Me Que Me Que (ou Meke Meke), saiu do armário publicamente, declarando-se homossexual. Para quem não está familiarizado com a cultura japonesa: ser homossexual afeminado no Japão contemporâneo é um pouco diferente. Existe preconceito, mas também existe uma maior aceitação – a rejeição maior acontece justamente quando você não é afeminado e, na cabeça do povo, “confunde". Celebridades homossexuais que se travestem são famosas na TV e amadas, por exemplo (é o caso de Miwa, que nos anos 2000 virou uma celebridade televisiva de muita fama).

O boom desse primeiro hit arrefeceu e Miwa ficou mais apagadinho. Seu segundo hit só viria em 1965: Yoitomake no Uta. Composta por ele mesmo, tem uma pegada bem enka na sua temática, falando do esforço do trabalhador rural e como ele é digno (pelo menos acho que é isso, me desculpem se entendi errado!).

De volta ao sucesso, Miwa lançou sua autobiografia em 1968 e começou a atuar em peças de teatro. Uma delas, Kurotokage, foi baseada em um livro policial de Ranpo Edogawa e adaptada para o teatro por Yukio Mishima. A peça já havia sido montada com outras atrizes no papel principal da bandida Lagarto Negro (ou, em japonês, Kurotokage), mas foi com Miwa que ela chegou naquele ponto sublime de petardo pop. Tanto que… virou filme!

Miwa como Kurotokage no filme de 1968

Miwa como Kurotokage no filme de 1968

A história é um embate entre Kurotokage, essa bandida que gosta de roubar "coisas bonitas”, e o detetive Kogoro Akechi (Isao Kimura). Miwa está simplesmente magnética, arrebatadora, com figurinos babadeiros.

Incautos podem colocar o filme naquela caixa de “o queer sempre é o vilão, o errado". Mas acredito que Kurotokage é mais que isso. Kurotokage, a personagem, é bela, hipnotizante, e se deixa levar pela obsessão por tudo que é bonito. Também não vê o mundo como binário: enxerga a beleza nos homens e mulheres. Sua própria beleza está ligada à androginia. Mais do que camp, o filme é cheio de nuances, esteticamente instigante, transbordando pulsão de morte e sexo. Para mim, um dos filmes mais legais que já vi nos últimos tempos, sem exagero.

Vou dar um spoiler para explicar uma coisa muito importante, quem não quiser saber pode pular para / SPOILER TERMINA /.

/ SPOILER COMEÇA /

A criminosa Kurotokage tem uma coleção muito, er, peculiar. São corpos humanos bonitos, empalhados. Eles aparecem no filme, em seu covil, quando ela os exibe para a sequestrada Sanae (Kikko Matsuoka), que depois se revela ser uma sósia de Sanae contratada para se passar por ela.
A curiosidade: o homem empalhado que Kurotokage beija na boca é ninguém menos que… Yukio Mishima.
É um selinho apenas, OK. Mas é babado.
Isso alimentou os rumores de que Mishima e Miwa teriam tido um caso em algum momento da vida. Miwa já chegou a declarar que "Mishima não era um homossexual de verdade". Bicurioso, então? Enfim. O artista também se colocou contra o livro de Fukushima de 1998.
Como já contei lá em cima, Mishima morreu dois anos depois do filme lançado.

/ SPOILER TERMINA /

O trabalho na imagem de Miwa como uma mulher misteriosa e sedutora é típica do filme noir, mesmo que Kurotokage não seja um noir – a relação vem da inspiração, pois o argumento vem de um romance policial com direito a um superdetetive, mas a cinematografia também ajuda, cheia de sombras, ambientes noturnos.
Também acho interessante o jeito que o detetive é construído. Akechi tem prazer em desvendar os casos. A relação dele com Kurotokage é de interdependência, com ambos precisando dessa nêmesis para existirem em sua melhor performance. Ninguém é inocente. Akechi não é um herói. Ele depende do crime para fazer o que faz da vida: desvendá-lo.

Às vezes, Kurotokage fala com Akechi usando o espelho de seu bar. Eles são o espelho um do outro? Dois lados de uma mesma moeda?

Às vezes, Kurotokage fala com Akechi usando o espelho de seu bar. Eles são o espelho um do outro? Dois lados de uma mesma moeda?

Mas Miwa assumiria um papel ainda mais misterioso em Kuro Bara no Yakata, ou Mansão da Rosa Negra: o lagarto negro agora vira uma rosa negra no filme de 1969.

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A história de Kuro Bara no Yakata é de uma mulher misteriosa, Ryuko (Akihiro Miwa), que sempre carrega uma rosa inteira preta. Ela diz que, quando encontrar o verdadeiro amor, a rosa ficará vermelha. Uma coisa meio Bela e a Fera, né? Ninguém sabe do passado de Ryuko e ela atrai a atenção de Kyohei (Eitarô Ozawa), o dono da Mansão da Rosa Negra. O local é uma espécie de clube da alta sociedade, no qual Ryuko passa a se apresentar cantando e encantando (kkkkk desculpa, não resisti a essa frase feita). Os homens caem de amores, um pouco pelo mistério, um pouco pela beleza.

Homens do passado de Ryuko começam a aparecer. Eles alegam que se casaram ou que namoraram a musa, que ela os enlouqueceu ou que era má, mas seguem apaixonados. Ainda assim, Kyohei, que é casado e já tem dois filhos criados, torna Ryuko sua amante.

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Tudo parece ir bem até que o filho mais novo de Kyohei, Wataru (Masakazu Tamura), reaparece. Desde o começo, fica claro pela fala dos outros personagens que ele é um rapaz problemático, ovelha negra. E adivinha? Ele se apaixona por Ryuko…

Aqui, a figura de Ryuko, apesar de ainda mais misteriosa que a Kurotokage, é menos dúbia. Ela é a vamp, a que leva os homens à ruína. O toque subversivo fica por conta dessa figura tão desejada ser interpretada por um homem: a audiência sabia, o elenco sabia, todo mundo sabia. Não é um filme tão bom quanto Kurotokage, mas gostei.

Curiosidade: o diretor de ambos os filmes é Kinji Fukasaku. Em 2000, ele fez o filme que muita gente diz que influenciou Jogos Vorazes: a fábula sinistra Battle Royale.

Miwa acabou dando um tempo nas telonas após essa dobradinha e se dedicou à carreira de cantor. Isso deu em clássicos, como isso aqui:

Em 2012, já como uma personalidade consagrada no meio artístico, Miwa se apresenta pela primeira vez no tradicional Kôhaku Uta Gassen, o festival de fim de ano transmitido pelo canal NHK. Na época com 77 anos, ele foi a pessoa mais velha a se apresentar pela primeira vez no Kôhaku. E pelo que entendo também foi o artista que apresentou a música mais longa na história do festival, que costuma ser bem rígido com o tempo de apresentação dos artistas participantes, geralmente em torno de três minutos. Olha aí:

Antes disso, Miwa dublou um personagem de anime muito querido de quem curte Studio Ghibli. É a bruxa com papeira, como diria meu marido, de O Castelo Animado!

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Miwa segue vivíssimo. Vai fazer 86 anos.

Bônus: OLHA. ESSE. CLOSE.

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February 25, 2021 /Jorge Wakabara
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