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O Eurovision voltou a captar o espírito do tempo? Ou sempre captou? Ou é apenas uma coincidência?

September 23, 2021 by Jorge Wakabara in música

Tô mais atrasado que o Rubinho Barrichello, mas tá valendo. O Eurovision 2021 aconteceu enquanto eu estava num período sem escrever nesse blog, mas a editoria Eurovision aqui não parou - comentei tudo no Twitter, no calor dos acontecimentos. Mas segui pensando profundamente no evento e tudo que o rodeia desde que ele aconteceu, em maio (juro que não estou sendo irônico).

O Eurovision sempre foi a voz do povo. Agora, olhando com distanciamento, claro que a gente diz: “Ah! Eu tinha certeza que o Måneskin ia ganhar!”. Tinha nada. A gente estava torcendo para a Islândia, para de ser besta!

Mas então o que fez a Itália, na forma do Måneskin, ganhar? A música Zitti e Buoni é um rock que não tem nada de necessariamente novo… para quem é quarentão como eu. Mas será que foi uma geração que não curtiu tanto rock até hoje que votou neles? Ou seja, a Gen Z?
Sinais de que “sim, é isso mesmo” vem na paralela, quando pouco tempo depois a versão roqueira de Beggin’ do Måneskin viralizou no TikTok. O que hoje em dia significa a mesma coisa que estar na trilha da novela das oito na Globo em 1994.

O Måneskin reproduz ícones bem interessantes. O seu vocalista Damiano David é uma mistura andrógina de Lady Di e rockstar. Os outros integrantes não ficam atrás, todos belos e vestidos de Etro na final do Eurovision em que ganharam. Damiano rasgou a calça sem querer durante a coletiva e causou por causa de um take da transmissão ao vivo, em que parece que ele está cheirando uma carreira de cocaína em cima da mesinha durante a apuração dos votos do evento.

Quando usar uma calça da Etro, cuidado com movimentos bruscos

Quando usar uma calça da Etro, cuidado com movimentos bruscos

A versão oficial é que ele não usa drogas (portanto sua nítida empolgação durante a coletiva seria uma mistura de euforia pela vitória e champanhe) e que ele baixou a cabeça naquele tal take para ver um copo que alguém tinha quebrado e estava estatelado no chão. Tem até foto do copo:

copo-quebrado.jpg

Foi feito um exame toxicológico em Damiano que provou que não, ele não cheirou cocaína (teóricos da conspiração, uni-vos e começai a caraminholar, vocês têm o meu apoio). E existe a versão de que ele estava xingando a Destiny, concorrente de Malta, que faz muito sentido quando você revê o vídeo! A dona da teoria é Manuela Barem:

Com licença entrando na conversa pois tenho uma teoria: revi o vídeo do momento e acho que ele tava era xingando a moça de malta enquanto ela falava!!

— Manuela Barem (@manubarem) June 11, 2021

Para não fazer você dar esse Google, segue a cena:

SIM, FAZ TODO O SENTIDO!!!

Com o desenrolar de 2021, foi ficando claro que o rock de fato está voltando a ocupar algum espaço. Parece que o pop por si só se esgotou, por enquanto. Artistas buscam referências no rock, no country, no eletrônico mais pesado. Aqui no Brasil dizem que até o emo voltou! (E desculpa, mas essa onda eu vou perder, nada contra.)
Então o resultado do Eurovision 2021, que é um concurso no qual o voto popular tem um peso enorme, foi um indicador de caminho para a indústria fonográfica? Ou afirmar isso é um exagero?
Em 2020, não teve Eurovision. Em 2019, quem ganhou o Eurovision foi a Holanda com Duncan Laurence por Arcade, uma balada bonita que fica repetindo “all I know / all I know / loving you is a losing game” (tanto que eu achava que o nome da música era Loving You Is a Losing Game kkkkkkkk). Em 2018, a ganhadora foi Netta, uma maravilhosa sobre a qual já falei aqui, que concorreu por Israel com Toy, um pop com toques de empoderamento feminino. E 2017, não sei se você lembra mas foi o ano esquisito em que Portugal ganhou pela primeira vez, e com uma música em português! Amar Pelos Dois de Salvador Sobral é linda, mas não me parece ter sido indicadora de nada: o português continuou sendo uma língua exótica para quem não fala, não rolou uma febre de fado ou algo assim (não que eu ache que Amar Pelos Dois é um fado, mas vai que, né?).
O que eu acho é que às vezes o Eurovision prevê coisas ou apresenta coisas que já estão acontecendo. Às vezes não. Depende dos concorrentes, depende de muitos outros fatores. Porém, eu não ignoraria o poder dele de captar o espírito do tempo se eu fosse um executivo de gravadora.

Mas e o Måneskin em si, hein?

Måneskin em nada mais, nada menos que UMA CAMPANHA DA GUCCI

Måneskin em nada mais, nada menos que UMA CAMPANHA DA GUCCI

Um dos maiores receios de concorrentes de Eurovision, eu suponho, deve ser virar um one hit wonder.
Só que muita gente conseguiu participar com louvor e ainda assim deixar o passado para trás. Ninguém se refere a Lara Fabian como uma ex-Eurovision (aliás, aqui no Brasil se referem a Lara Fabian como a cantora da música em que Carolina Dieckmann ficou careca). Nem Celine Dion. Nem Julio Iglesias.
Será que o Måneskin vai conseguir fazer isso?
Tudo indica que sim. O próprio som deles já se descola bastante do que você espera de uma “música típica de Eurovision”. O visual também: eles não deixam de ser camp, mas tem um frescor juvenil ali que, com a equipe certa, vai ser trabalhado a ponto de deixá-los mais sofisticados e palatáveis para quem é muito chato e gosta de chamar coisas de brega como se brega fosse pejorativo (e na verdade, vide campanha da Gucci, essa transformação do Måneskin já está acontecendo agora).

Ao mesmo tempo, existe gente que tem orgulho de fazer parte da família Eurovision, o que eu particularmente acho massa demais. É o caso de Dana International, por exemplo, ou de Johnny Logan, o único até hoje que conseguiu ganhar o evento duas vezes.
E também é o caso de… vocês sabem quem.

O ABBA é quase um sinônimo de Eurovision. Ambos maravilhosamente pop camp.
Fun fact: o ABBA está de volta, né, você já deve saber, com músicas novas, um álbum novo para ser lançado e shows com avatares-hologramas (que eles estão chamando de ABBATARS kkkkKKKKK), versões jovens de todos os quatro integrantes captadas com toda uma tecnologia a partir deles velhinhos fazendo os movimentos.
Adorei as duas músicas que já saíram, porém suspeitíssimo pois muito fã.

Agora o fun fact em si: a data de lançamento de novas músicas que podem concorrer no Eurovision 2022 segundo o regulamento era a partir de 1/09/21.
As duas músicas novas do ABBA saíram, juro para você, dia 2/09/21.

E agora???
A verdade é que é improvável que o ABBA concorra pela Suécia. Primeiro porque o país tem o seu próprio esquema de seleção: é via Melodifestivalen, um festival de música local. A final ocorre 12/03 do ano que vem.
É extremamente improvável que o ABBA participe do festival, já que eles não vão participar nem mesmo dos próprios shows porque, enfim, eles são o ABBA e já estão aposentados, não precisam passar por essa coisa de show ao vivo nessas alturas e vão mandar os abbatars (pqp kkkkkk) no lugar.
Também é improvável que as regras do Melodifestivalen e do Eurovision aceitem algo gravado, com hologramas, concorrendo.

MAS dito isso tudo… queríamos ABBA no Eurovision 2022?
Nossa.
Me deixe sonhar!!!

Os abbatars!!

Os abbatars!!

Agora: se o ABBA concorresse e se pensássemos nessa lógica de que o Eurovision capta o espírito do tempo… Eles ganhariam?
Minha resposta é sim, pois:
1. Os votantes do Eurovision esqueceriam qualquer lógica: eles amam o ABBA e se derreteriam por eles.
2. Memória afetiva é uma das tendências mais poderosas do nosso tempo.

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September 23, 2021 /Jorge Wakabara
Eurovision, Måneskin, rock, Itália, Gen Z, TikTok, Damiano David, Etro, cocaína, Destiny, pop, Gucci, camp, ABBA, Suécia, Melodifestivalen, memória afetiva
música
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Sugar Babe: o começo do city pop

September 22, 2021 by Jorge Wakabara in música, TV

Já falei muitas vezes aqui sobre meu amor incondicional pela banda japonesa Happy End e como eles foram o começo de tudo. TUDO é muita coisa, eu sei - mas do começo da música pop japonesa, foram mesmo. Tem a ver com a Yumi Arai, por exemplo, que virou Yumi Matsutoya depois de casar; tem a ver com o Haruomi Hosono, membro da banda que depois fez parte do Yellow Magic Orchestra e é, pra mim, um dos maiores artistas e produtores pop que o Japão tem; tem a ver com Eiichi Ohtaki, que também viria a ser um produtor e cantor solo.
E tem a ver com o "último" show do Happy End (entre aspas porque depois rolaram uns shows de comeback), que deu no álbum ao vivo Live Happy End. Quem participa desse show? O Sugar Babe, uma banda que meio que herdou esse público (que era escasso, vamos falar a verdade: Happy End era uma banda underground durante a sua existência que depois adquiriu um status cult, Sugar Babe idem).

Se o Happy End teve vida curta, com apenas três discos de estúdio lançados, imagine que o Sugar Babe teve apenas um! Songs, de 1975, conseguiu ainda assim ser uma pedra de Roseta. Lançado pela gravadora Niagara, tinha produção de… Ohtaki (aliás, é ele quem está com a banda nessa foto do topo).

Então vamos começar - e enquanto isso você vai ouvindo uma coisinha.

(Downtown é o único single de Sugar Babe. E já é BEM city pop, vamos combinar!)

Tudo começa com Taeko Onuki. Ela entrou na faculdade de artes, ficava desenhando, bem esforçada, mas isso piorou um problema que ela tinha nos ombros. O médico a proibiu de continuar desenhando assim. Ela já gostava de cantar, então continuou cantando, apesar de não levar aquilo a sério. Aí a chamaram para participar de uma banda folk, a Sanrincha. Ela foi, mas não combinava – as letras que ela escrevia não tinha a ver com o estilo da banda. Acabou que se separaram.

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Enquanto isso, em 1972, um cara chamado Tatsuro Yamashita estava produzindo e lançando o álbum independente Add Some Music to Your Day, com covers de Beach Boys e outros roquinhos. A gravação era meio uma ação entre amigos, e contou também com Kunio Muramatsu.

Pelo que entendi, existia uma loja de discos que Onuki frequentava e que fazia showzinhos no porão toda quarta-feira, após o horário comercial. Yamashita levou esse disco, Add Some Music to Your Day, para vender lá. O dono (ou gerente? acho que na verdade gerente) Yoshiro Nagato ouviu o disco, gostou e meio que rolou um “vem aí que a gente tá tirando um som no porão e tem uma cantora, a Taeko Onuki, que tá fazendo uma fita demo".
(Não deve ter sido assim, os japoneses são mais formais, mas você entendeu a ideia)
Foi assim que Onuki e Yamashita se aproximaram.

Uma foto mais recente de Onuki e Yamashita segurando o álbum e o single de Sugar Babe

Uma foto mais recente de Onuki e Yamashita segurando o álbum e o single de Sugar Babe

Nisso, Yamashita já estava pensando em ter uma banda para tocar suas músicas próprias – a que foi formada para gravar o Add Some Music to Your Day já estava dissolvida. A primeira pessoa que ele chamou? Onuki. Ela, que queria gravar solo depois da experiência ruim com a Sanrincha, acabou convencida. E ainda mudou de instrumento: voltou para o teclado, que era algo que não tocava desde que era pequena, porque Yamashita achava que “em banda, mulher tocava teclado” (hum, que cheirinho de irmãos Dias Baptista, né?).
Muramatsu se uniu a eles na guitarra, assim como os membros que depois sairiam Kikuo Wanikawa (baixo) e Akihiko Noguchi (bateria – esse tocou com bastante gente conhecida depois, como Mariya Takeuchi).

E aí decidiram o nome da banda, que veio de uma música do filme Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni. Não seria por falta de referências cult que eles fariam sucesso…

A partir daí, parece que Ohtaki (lembra? Lá do Happy End!) de alguma forma ouviu o disco de Yamashita, aquele Add Some… – e deve ter gostado porque começaram uma relação de amizade, com eles (Yamashita, Onuki e Muramatsu) visitando Ohtaki com constância. Foi aí que surgiu o convite para eles fazerem o coro naquele show do Happy End que citei no começo do post. Ao mesmo tempo, Onuki e Yamashita seguiram trabalhando em músicas próprias para o Sugar Babe.
Começaram a pintar mais shows ao vivo, para a própria banda. Foi um desses que Yumi Arai viu, o que resultaria também num convite para a banda participar de um disco dela.

Sobre essa coisa de todo mundo se conhecer e se cruzar, Onuki explicou em entrevista para o projeto Red Bull Music Academy:

“Like I mentioned, the dominant style in the mid-’70s was hard rock. There were a few people doing the poppier sound I was into, what ended up being called ‘new music’ in Japan, so when you’d hear someone doing something new, something I’d associate with what I was doing, you’d go out and gather together and play together. Looking back at it, something must have been blooming, based on all the names that started playing, many of whom are still active today.”
— Taeko Onuki na Red Bull Music Academy

Em 1974, no calor das criações do que viria a ser o disco Songs, Sugar Babe fez um show em Osaka que entrou para a história da banda. Mas não por ter sido um sucesso - eles foram vaiados! Onuki diz que o público gritava que eles soavam como um monte de cigarras.
Isso de alguma maneira me soa como um elogio? Enfim, não era um elogio. O som que Sugar Babe propunha era diferente, inclusive tecnicamente. Não entendo muito de música, porém me parece que eles usavam acordes de uma maneira que não era comum para bandas nipônicas de rock.
Ah, e isso é outro fator: o Sugar Babe era, mais do que rock, pop - coisa que não existia no Japão. Ou seja, provavelmente os jovens japoneses achavam que, entre os vendidos para o “inimigo capitalista estadunidense", o Sugar Babe era o mais vendido de todos!

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A gravação do Songs foi concluída em 7/03 de 1975. Em questão de meses – mais especificamente em julho – o Sugar Babes terminava seu contrato com o mítico selo Niagara, lar de vários álbuns que viraram clássicos raríssimos hoje em dia. A Niagara agora só iria ajudá-los nos shows.
Importante dizer que, na paralela, Yamashita ia fazendo outras coisas, tipo compor e arranjar Koibito to Yobarete, da cantora Mayumi Kuroki:

Também é em 1975 que uma estudante ouviu o Sugar Babe em uma apresentação ao vivo. Depois, ela virou cantora, casou com o band leader Yamashita e, produzida por ele, cometeu um hit que faria o City Pop voltar a ser conhecido nos anos 2000: Plastic Love. Sim: Mariya Takeuchi em si chegou a ver um show do Sugar Babe quando eles ainda existiam!

Se você observar a turma com quem esse pessoal tocava em shows , vai reparar em alguns outros nomes pulando por ali: Akiko Yano e Ryuichi Sakamoto (que depois casaram), o próprio Haruomi Hosono (ex Happy End e então futuro Yellow Magic Orchestra) e por aí vai.

Em janeiro de 1976, Yamashita reuniu Onuki e o resto da banda, tipo confraternização de Ano Novo, com uma má notícia: Yuata Uehara, que ficava a cargo da bateria, ia sair, e não havia substituto. O Sugar Babe acabou ali, apesar deles ainda terem participado de alguns shows. A sementinha, de qualquer forma, já estava plantada e ia dar muitos frutos…

Nesse mesmo ano, alguns outros discos começaram a aparecer. Um deles é o Niagara Triangle vol. 1, de Yamashita, Ginji Ito e Eiichi Ohtaki.

E no mesmo dia, 25 de março de 1976, saiu o álbum Flapper, de Minako Yoshida. Também é ligado ao Sugar Babe porque conta com vocais de Yamashita e Onuki em algumas músicas.

Uma coisa interessante dos integrantes do Sugar Babe é que o City Pop seguiu ligando-os. Yamashita, por exemplo, considerado o “rei do City Pop” por muita gente, lançou seu primeiro álbum solo em 1976 mesmo, o Circus Town. Hoje, toda a sequência que ele fez na década de 1970 é considerada um clássico (inclui o meu preferido Spacy de 1977, Go Ahead! de 1978, It’s a Poppin’ Time de 1978 e Moonglow de 1979). Em 1980, fez MUITO SUCESSO com Ride on Time, um álbum que teve a música homônima em trilha sonora de propaganda - acho que já falei por aqui sobre como isso é comum no Japão, músicas de comercial alcançarem o topo das paradas.

Ride on Time também traz uma música chamada My Sugar Babe, uma homenagem à banda!

E não estranhe os títulos em inglês de álbuns e músicas, isso é completamente normal no City Pop e algo que o j-pop herdou. Também é comum que as músicas tragam trechos das letras e/ou refrão em inglês.

E se Yamashita é o rei, Takeuchi é a rainha - já fiz um post bem extenso sobre ela e seu sucesso tardio do outro lado do mundo com Plastic Love, então leia lá!

Também em 1976, Taeko Onuki já saiu com um disco, o Grey Skies, que conta com guitarra de Hosono e teclados de Sakamoto. Mas é Sunshower de 1977, com seu som mais jazzy misturado ao pop, que viraria cult.

E Sunshower aparece num anime lançado recentemente. Isso mesmo, o disco em si.
Palavras que Borbulham como Refrigerante conta a história de um rapaz que odeio barulho e escreve haikais (aquelas poesias japonesas contemplativas com um número de sílabas contado) e de uma garota que é influencer e é complexada por ser dentucinha. Os dois se aproximam, mas aí surge uma história de fundo: a do Seu Fujiyama, que está numa procura incansável por um vinil que perdeu e só possui a capa.
Não vou dar spoiler, mas num certo momento da trama eles vão parar em uma loja de vinil e, entre os discos que aparecem, está o Sunshower.
A voz da música principal que toca no anime é de Taeko Onuki!

E também é importante dizer que a trilogia de destaque de Onuki é mais eletrônica do que o city pop costuma ser, com Romantique (1980), Aventure (1981) e Cliché (1982).

Acho importante dizer que Kunio Muramatsu, outro ex-integrante do Sugar Babe, também lançou discos solos na década de 1980, mas sem tanto destaque quanto Yamashita e Onuki.

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September 22, 2021 /Jorge Wakabara
Happy End, Haruomi Hosono, pop, Eiichi Ohtaki, Sugar Babe, cult, Niagara Records, City Pop, Taeko Onuki, Tatsuro Yamashita, The Beach Boys, Kunio Muramatsu, Yoshiro Nagato, Kikuo Wanikawa, Akihiko Noguchi, Mariya Takeuchi, Zabrinskie Point, Michelangelo Antonioni, The Youngbloods, Osaka, rock, Mayumi Kuroki, Yellow Magic Orchestra, Yuata Uehara, Ginji Ito, Minako Yoshida, Japão, j-pop, Palavras que Borbulham como Refrigerante
música, TV

Miley Cyrus, cadê o AOR?

December 05, 2020 by Jorge Wakabara in música

A cantora Miley Cyrus vinha numa onda AOR. Sabe o que significa a sigla? É Adult-Oriented Rock (ou album-oriented rock, um conceito primo, rock feito para álbuns e não para singles, para ser ouvido num álbum inteiro). Isso é muito diferente das origens do rock: nos anos 1950 e 1960, o rock era a trilha sonora dos jovens, esse público que foi descoberto pela indústria como um mercado com potencial gigante na época. E era mesmo!

A minha teoria (que na verdade é bem lógica e nada inovadora, certeza que devem existir mil pessoas que pensaram a mesma coisa) é que esse público do rock cresceu, virou adulto e queria continuar escutando rock. Os roqueiros também cresceram e sua música, consequentemente, amadureceu. Normal. Os próprios Beatles, principalmente Paul McCartney e George Harrison, seguiram suas carreiras no AOR. É aquele soft rock Alpha FM: Carole King, Fleetwood Mac, America, Carly Simon, Bread… O tal rock de tio, sabe? Risos!

Muita gente acha bem pau molão – afinal, soft rock. Não tô nem aí: adoro e ouço muito. Aqui no Brasil, acho que um dos maiores exemplos é o Clube da Esquina, mas em maior ou menor grau quase todo mundo da MPB flertou com soft rock. O rock rural é bem AOR.
(E depois viria um cara chamado Ritchie, na minha modesta opinião o ápice tardio disso no país em relação a vendas, mas estou preparando um outro post que vai falar disso e de outras coisinhas, como o AOR japonês – que por lá se chama new music e City Pop. Aguarde!)

Bom, e aí chegamos em Miley.

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Miley teve uma carreira digna de estudo, é um case. Ex-act da Disney, cresceu sob escrutínio do público e, para a virada, precisava convencer as pessoas que não era mais criança e que podia ser cool ouvir sua música. Algo interessante é que ela já tinha um hit blockbuster no currículo antes da virada: era Party in the USA, que conseguiu furar o bloqueio do pop adolescente e foi ouvida-dançada-curtida por todo mundo. Virou, segundo Kendall Jenner, um clássico. Sério, olha aí:

Miley podia ter tentado convencer lá no começo dos anos 2010 fazendo um álbum cabeça, uma coisa conceitual, mas sem dúvida isso teria dado mais trabalho. Ela foi pelo caminho do impacto com Bangerz e o twerking (sobre o qual foi acusada de apropriação cultural, uma das primeiras vezes que uma discussão do tipo foi parar na grande mídia). Mas com um pezinho no AOR sim: Wrecking Ball era baladão de estádio, digno de Journey.

Wrecking Ball tem nada menos que mais de um bilhão de views no YouTube.

Após o sucesso de Bangerz, veio Miley Cyrus & Her Dead Petz, uma doideira recusada pela gravadora e lançada de maneira mais independente, e Younger Now, um disco bacaninha e bem AOR mas carente de hits (Malibu não é um hit, desculpa aí, rapaziada).

E aí Miley começou a lançar músicas esporádicas por um tempo, que não foram para um álbum de carreira dela. A bela sequência começou com Nothing Breaks Like a Heart, AOR de primeiríssima, colaboração com Mark Ronson que flerta com a disco music e com o country mas que no fundo é uma balada meio inclassificável (é bom chamá-la de AOR porque o estilo inclui essa coisa híbrida, mesmo).

Nothing Breaks não virou o big hit que merecia mas deu para perceber que agradou um público mais velho (e talvez por isso não tenha virado um big hit).

O plano de Miley após isso era lançar uma sequência de 3 EPs: She is Coming, She is Here e She is Everything. Os três formariam o She is Miley Cyrus, seu novo álbum. Mas só o She is Coming saiu. Ele é bem bom, e bem AOR, mas para um EP de apenas 6 faixas podia ser ainda melhor. Enfim, vale ouvir.

Rolaram também umas bobeiras no caminho tipo a música do novo filme de As Panteras e as do episódio de Black Mirror do qual ela participou. Mas quando veio Slide Away (e com isso a gente percebeu que She is Miley Cyrus de fato não ia sair), pensamos: CARACA, ela é o AOR encarnado, o AOR não morreu, ela modernizou o AOR!

O single do que seria revelado seu próximo álbum meio que confirmou esse pensamento. Midnight Sky é prima de Nothing Breaks no clima, um pouco mais adolescente nas suas afirmações um tanto rebeldes e na sua vocação para a pista de dança. Mas ganhou até um mashup oficial com a rainha do AOR, Stevie Nicks!

Aí ela anunciou para os quatro ventos: o álbum vai ser de rock. O álbum vai ser de rock!!!

A gente acreditou, né? Ué, se ela estava falando. Vem aí o álbum mais AOR de Miley. Fazia o maior sentido na nossa cabeça.
E aí saiu… Prisioner. E a gente ficou meio… hã?

Miley's New Album Plastic Hearts is Available Now: https://mileyl.ink/PlasticHeartsGet Miley's new single "Prisoner" feat. Dua Lipa: https://mileyl.ink/Priso...

Não me entendam mal, eu gosto da Dua Lipa. Bastante, até. Mas esse resgate de um clima Bangerz me pareceu algo meio deslocado. Problema é meu, né, que criei expectativas.

E quando saiu o Plastic Hearts, ouvi e fiquei meio… Oi, é a Hannah Montana?
Não fui só eu.

E aí pessoal! Gostaram do Plastic Hearts? Achei que eu ia amar, mas ainda não bateu (exceção: Midnight Sky e Night Crawling). Por outro lado achei uma coisa meio rock do primeiro disco da Demi (que amo), mas esperava algo mais maduro (será essa a palavra)? Enfim, qq 6 acharam?

— Smile Lynn Phoenix (@FeBSoares) December 1, 2020

Tenho certeza que muita gente que era fã de Hannah Montana e cresceu com Miley Cyrus, acompanhando a carreira dela, deve ter curtido esse plot twist. Ou nem considerou isso um plot twist.
As músicas são um pop rock divertidinho e bem descartável. Definitivamente nada AOR. Até os feats confirmam: a postura adolescente de Billy Idol. Joan Jett, ex-The Runaways – tem coisa mais adolê que The Runaways ou que Bad Reputation?

Nunca fui fã de Hannah Montana. Mais uma vez: problema meu, né? WTF do I know…
Mas agora me conta: vocês gostaram do Plastic Hearts ou é meme?

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December 05, 2020 /Jorge Wakabara
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música
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A roqueira do Brasil... Bianca!

November 21, 2020 by Jorge Wakabara in música

Todo mundo sabe: mulher pioneira do rock brasileiro é Rita Lee. OK, teve a Jovem Guarda antes, com Wanderléa e outras. OK, foi Nora Ney a primeira brasileira a gravar um rock (era um cover de Rock Around the Clock em 1955). Mas é Rita quem leva a faixa de “a roqueira do Brasil".

Só que em 1979, quando a própria Rita ia deixando seu som cada vez mais pop com aquele disco que tem Mania de Você, Doce Vampiro e Chega Mais, aparecia uma menina mineira de 15 anos, Cleide Domingues Franco, empunhando uma guitarra. O rock rejuvenesceu. E ela já assumia um nome artístico sem sobrenome, coisa pra poucos. Era a Bianca.

Quem descobriu Bianca foi Cléo Galante, que por sua vez já tinha discos lançados nos anos 1970 e tinha uma carreira até então bem calcada em samba rock.

A lenda é que Cléo viu Bianca se apresentando como crooner de uma banda ainda na cidade natal dela, Ituiutaba, e a levou para São Paulo para apresentá-la para sua gravadora, a RGE. Dizem que o nome, invenção do produtor Reinaldo Barriga, era uma referência à Bianca Jagger, mulher do vocalista dos Rolling Stones.
Os Tempos Mudaram é composição de Cléo. O lado B do primeiro compacto, Vou pra Casa Rever Meus Pais, é uma versão para o português de A Little More Love do repertório de Olivia Newton-John – assinada também por Cléo.

As duas músicas são ÓTIMAS e o segundo compacto saiu em 1980.

É interessante que os temas das letras dessa primeira parte da carreira de Bianca sempre são ligados ao sentimento adolescente de inadequação, problemas de relacionamento e angústia. Tudo moldado para o público-alvo, sem disfarçar! A cantora fala bastante dos pais – em Sou Livre (Agora Chega), ela diz que o pai é muito ocupado, a mãe sempre observa o lado dele e ninguém vê que ela cresceu; em Vou pra Casa Rever os Meus Pais, eles estão no título, logo de cara. E em Minha Maneira (Não Suporto Mais), Bianca entoa no refrão: “Assim não dá pra ser / Eu quero namorar sem ter que aceitar e nem obedecer”, e diz que o cara é tão possessivo e mandão que está parecendo mais… o pai dela.

(Aliás, Minha Maneira é uma versão de She's in Love With You, o rockão de Suzi Quatro, uma melodia deliciosamente abbaística que também cai bem em Bianca)

Ainda em 1980, o primeiro álbum chega com a supercozinha de Os Carbonos e produção artística de Hélio Costa Manso. Minha Amiga, uma das músicas de trabalho, chega no programa Geração 80 da Globo.

Minha Amiga é uma versão da original de Jennifer Warnes I Know a Heartache When I See One.

O disco em si é recheado de surpresas:

A segunda faixa, por exemplo, Comentário a Respeito de John, é de Belchior com José Luis Penna! E começa com citação a Happiness is a Warm Gun! A música foi gravada primeiro por Belchior um pouco antes, em 1979. Bianca já havia citado, em entrevista, a admiração por Elis Regina (que gravou Como Nossos Pais de Belchior em interpretação antológica e, por que não dizer, roqueira em 1976). Pelo disco inteiro, dá para notar uns toques de Como Nossos Pais espalhados – deve ter sido algo muito marcante para Bianca, ou um modelo muito desejado pelo pessoal da gravadora. Ou os dois!
Igual a Vocês é versão de Going My Way do Tax Loss, e é a única do álbum que conta com letra da própria Bianca. Mais versão? Lembrando os Rapazes de Liverpool é I Only Want to Be With You – primeiro de Dusty Springfield em 1963 (!!!) e depois na versão que provavelmente inspirou a inclusão para o disco de Bianca, a de Bay City Rollers em 1976. Só que quem inspira a letra obviamente são os Beatles. Sintomático: tem John Lennon na letra de Belchior, tem Beatles em uma música que originalmente é dos anos 1960… Bianca tinha traços de futuro, mas era muito apegada ao passado.

Porém… mas porém…

E Oh Susie? Sim: new wave em pleno 1980, em um disco brasileiríssimo. É versão em português da música de mesmo nome do Secret Service! Tá passada? Eu tô! A versão ficou bem pop, na verdade, meio disco music. Mas pop do bom.
Mais surpreendente ainda: um blues do Gilliard. Isso mesmo que você leu. É Gilliard quem assina Tempos Difíceis com Washington.

Bom, sobra espaço até para mais disco music (Não Tenha Medo, de Cléo Galante). Esse rock era uma frente ampla, para usar uma expressão em voga atualmente…

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E depois? Pois é, o depois.

O compacto de Faz de Conta saiu em 1982.

Também da safra de Cléo, meio hedonista demais, menos angustiada (e nesse sentido menos roqueira). Agora, imagina essa musiquinha dizendo "Vamos viver em festa / faz de conta que o mundo está lindo” concorrendo no rádio com Evandro Mesquita dizendo “aí você finalmente encontra o broto”, mandando descer dois, descer mais chopes, e comentando que realmente queria que ela estivesse nua? A Blitz e o BRock chegaram para atropelar Bianca. Ela ficou datada demais, e não havia versão de Loredana Bertè que a salvasse:

Eu particularmente AMO Non Sono Una Signora, composição de Ivano Fossati, e gosto da versão de Bianca, que saiu em compacto em 1983, mas enquanto Bertè se derrama inteira na música, Bianca dá uma mergulhadinha com pouca dimensão. Compara aí:

Quando Bianca foi tentar uma volta de verdade, anos depois, revelou-se a verdade: ela deixou de ser roqueira. Era só chuva de verão. O disco A Volta, de 1993, é inteiro sertanejo, daquele tipo mais pop que tinha invadido o Brasil de Fernando Collor. Não deu certo, não repetiu as vendas de antes.

E aí? O que rolou com a Bianca?
Bom, prepare-se para entrar num terreno mais arenoso.

Quando uma artista assim, que fez tanto sucesso, simplesmente evapora, começam a surgir boatos. E eles costumeiramente são bem criativos. Os mais maldosos eram de que ela tinha morrido de overdose ou suicídio. Mas parece que não: dizem que ela virou vocalista de banda de forró (o Destak do Forró da cidade cearense de Piquet Carneiro).

Ela seria essa de roxo no vídeo, agora loira.
Tem quem acredite, tem quem não acredite.
O esquisito: até hoje ninguém teve a manha de ir até lá e entrevistá-la? Ou achá-la pela internet, que seja?

Então, até segunda ordem… Bianca segue sumida.

Quem gostou desse post pode gostar desses outros:
. A ópera-forró Trilogia da Rapariga
. As muitas versões de Diana
. Um jogo com trilha sonora (?) da banda da Rita Lee (??)

November 21, 2020 /Jorge Wakabara
rock, Nora Ney, pop, Bianca, Cléo Galante, samba rock, Ituiutaba, Minas Gerais, RGE, Reinaldo Barriga, Bianca Jagger, Olivia Newton-John, adolescência, Suzi Quatro, ABBA, Os Carbonos, Hélio Costa Manso, Geração 80, Rede Globo, Belchior, José Luis Penna, Elis Regina, Tax Loss, Dusty Springfield, Bay City Rollers, The Beatles, John Lennon, new wave, Secret Service, disco music, Gilliard, Washington, Evandro Mesquita, Blitz, BRock, Loredana Bertè, Ivano Fossati, sertanejo, forró, Destak do Forró, Piquet Carneiro, Ceará
música
(Eu acho que é isso): Lolita Renaux, Alice Pink Pank, Julio Barroso, May East e Luiza Maria, as absurdettes originais com “o” cara no meio

(Eu acho que é isso): Lolita Renaux, Alice Pink Pank, Julio Barroso, May East e Luiza Maria, as absurdettes originais com “o” cara no meio

Quem são essas tais absurdettes?

November 13, 2020 by Jorge Wakabara in música, livro, TV

Essa história tem várias versões. As que sei vieram de:
. O livro Essa Tal de Gang 90 & Absurdettes, de Jorn Konijn
. O livro Dias de Luta: O rock e o Brasil dos anos 80, de Ricardo Alexandre
. O documentário Julio Barroso: Marginal Conservador que passou no canal BIS
. Vídeos do canal de YouTube Vitrola Verde de Cesar Gavin
. O livro 50 Anos a Mil, autobiografia do Lobão
. O livro BRock: o rock brasileiro dos anos 80, de Arthur Dapieve (esse eu considerei bem naquelas, uma vez que ele comete pelo menos duas gafes: coloca Taciana Barros e Alice Pink Pank na mesma formação, coisa que nunca aconteceu; e identifica Taciana como Alice na legenda de uma foto da Gang 90)

A Gang 90 apareceu um pouco antes da Blitz, foi lançada em disco um pouco depois, mas não conseguiu virar a potência que a Blitz virou porque tinha na sua essência uma natureza caótica, personificada por Júlio Barroso. As pessoas dizem que o Júlio possuía esse tipo de loucura que só os geniais têm. Acontece que as absurdettes (figuras-chave nesse grupo maleável no qual mudavam-se os músicos e mantinha-se, naquelas, uma comissão de frente com Júlio e elas) também eram caóticas, loucas e geniais.
Como Júlio se inspirou, entre outras referências, em Kid Creole and the Coconuts pra criar a sua própria banda, ele queria um nome que tivesse esse &. E gostava das Coconuts em si: curtia mulheres bonitas e achava que elas davam uma energia ainda mais anárquica no palco.

Assim como Kid Creole & the Coconuts, a Gang 90 tinha essa coisa artsy, bagunçada, um coletivo no qual qualquer um podia chegar… Uma gangue. Uma gangue onde cabiam 90 integrantes, ou mais. Uma gangue que olhava pro futuro, pra década seguinte, os anos 1990. E finalmente uma gangue que adorava a figura do velho guerreiro, o Chacrinha, e as suas chacretes. Absurdo?
Absurdettes, portanto.

Recorte da revista Manchete de 1983

Recorte da revista Manchete de 1983

Então vamos começar pela que ficou menos tempo na banda… Luiza Maria.

Luiza Maria, a que não mudou de nome

Diz a lenda, ou melhor, o livro de Jorn Konijin, que Júlio Barreto conheceu Luiza Maria como secretária de Nelson Motta. Luiza era a namorada de Guilherme Arantes (já separado da primeira mulher, Márcia) e eles tiveram um filho mais ou menos nessa época, o Gabriel. Depois eles ainda teriam mais dois, Pedro e Tiago.

Guilherme é o parceiro de Barroso na composição Perdidos na Selva, a primeira original a ser gravada pela Gang 90.
Sabendo dessa informação, a gente ouve Perdidos na Selva e fica chocado em perceber como a música é a cara do pop de Arantes, principalmente no refrão, né? Ou será que foi o pop de Arantes que virou isso a partir de Perdidos na Selva?

Nesse vídeo dá pra ver Luiza Maria no canto esquerdo, a quarta absurdette.
Na gravação de Perdidos, a Gang 90 ainda estava tão, er, perdida no quesito musicalidade que Arantes deu uma enorme mão pra deixar tudo minimalmente gravável. Inclusive ele canta junto com Barroso no refrão.
E por que o artista não foi creditado oficialmente como um dos compositores? Porque a música ia concorrer no Festival MPB Shell de 1981. E Planeta Água, de Arantes, também! O regulamento do festival só permitia a inscrição de uma música por compositor, então Arantes abriu mão de assinar Perdidos na Selva. Resultado: Planeta Água em segundo lugar (a ganhadora foi Purpurina com Lucinha Lins, vaiadíssima, um horror). Perdidos ficou pelo caminho, não chegou entre as primeiras posições.

E Luiza no grupo? É o famoso “tava ali dando sopa". Como Barreto amava arrebatar todo mundo para o palco para fazer aquela zona, deve ter sido levada pelo turbilhão. Mas também foi uma das primeiras a sair: antes mesmo da gravação do primeiro álbum, ela já estava fora (de acordo com o livro de Konijn).

Com a morte trágica e misteriosa de Júlio em 1984 (ele caiu ou se matou?) e o consequente baixo astral que eles acabaram conectando com São Paulo, Arantes e Luiza mudaram para o Rio. O casal se separou na primeira metade dos anos 1990.

Por onde anda Luiza Maria? Alguém sabe? Ela fez alguma coisa depois da Gang tipo canto ou composição? Pelo que entendi, nem chegou a ser entrevistada para o livro do Konijn.

Existe uma homônima, maravilhosa, a Luiza Maria que gravou Eu Queria ser um Anjo em 1975 e Tarântula em 1993. A voz certamente não corresponde à ex de Arantes, as histórias também não. Se for a mesma pessoa, por favor me avisem pra eu ficar chocadíssimo.

Lonita (ou Lolita) Renaux, a irmã

Ela era a irmã de Barroso, muito próxima dele. A mais fiel escudeira. Denise Barroso estava lá desde sempre.

denise-barroso.jpg

O primeiro compacto da Gang 90, o com Perdidos na Selva, tinha outra música do lado B. Lilik Lamê, a versão de Christine do Siouxsie and the Banshees por Júlio, Antonio Carlos Miguel e Katy, é cantada por Lonita Renaux. A música acabou não entrando no primeiro álbum.

Depois do irmão morrer, em 1984, Denise chegou a compor música. Ela é co-autora de duas faixas do álbum Declare Guerra do Barão Vermelho lançado em 1986, o primeiro sem o Cazuza na formação da banda. As músicas são Não Quero Seu Perdão com co-autoria de Júlio e Roberto Frejat e Maioridade com Frejat, Cazuza e Guto Goffi.

Imagino que ela tenha continuado fazendo parte dessa turma Baixo Gávea mesmo depois da partida de Júlio. Trabalhava para o onipresente Nelson Motta no Noites Cariocas, o projeto que rolava no Morro da Urca.

Em 1991, ainda como grande bastiã da memória do irmão, Denise organizou o livro A Vida Sexual do Selvagem, com textos, manuscritos, fotos e desenhos dele mais depoimentos de amigos. Está obviamente esgotado e os que você encontra por aí de segunda mão custam aquela nota.

Se você encontrar um por um preço OK, compre: é praticamente um investimento!

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Denise também já morreu em 1993, oficialmente de insuficiência renal. Em 2019, a irmã caçula deles, Andrea Barroso, falou abertamente ao jornal O Globo que Denise foi vítima da Aids. Quem soube, depois dela fazer exame, foi ela e o outro irmão, David, que é infectologista. Mas na época preferiram não divulgar essa causa mortis.

Denise tinha um marido, o jornalista Okky de Souza. Okky trabalhou nas revistas nacionais Pop e SomTrês. Segue como fonte de matérias sobre Júlio e a Gang 90, já que acompanhou tudo muito de perto. Não entendi se Okky foi com Denise para o Rio depois que Júlio morreu, porque ele sempre foi muito ligado à cidade (inclusive é coautor do livro São Paulo 450 Anos Luz: A Redescoberta de uma Cidade com Gilberto Dimenstein). Mas que eu saiba eles não se separaram, então não sei.

Menina morango, banana split lady, menina sorvete <3 Viva Denise!

May East, a loira

Maria Elisa Caparelli Neto era a videoartista do coletivo TVDO que namorava Nelson Motta e acabou entrando na Gang 90. A origem desse seu codinome May East tem versões: no livro de Konijn, fala-se da referência mais óbvia, May West, a atriz de Hollywood que era bem modernex nos anos 1930. Mas a própria May puxa para o fato de que ela ficava no East Side em NY aqui nesse vídeo do Vitrola Verde. Júlio ficava no West Side e achava muito cool ela morar no East Side, e a chamava de May East Side no começo, segundo ela mesma. Com o tempo, abreviou-se: apenas May East.

A ideia de cantar Lili Marleen no começo dos shows da Gang era na verdade de May, apesar das pessoas ligarem isso à Alice – as duas dividiam o número.

A versão aqui, com Marlene Dietrich, é em inglês – mas May diz que elas cantavam em alemão.

May decidiu sair da banda depois de uma viagem antológica que eles fizeram pelo nordeste do Brasil com shows, mais especificamente em Alagoas. Essa viagem ficou antológica porque, entre outras coisas, eles entalaram a kombi que levava banda e equipamentos no mar. Há controvérsias do que aconteceu a partir daí: May lembra deles fugirem porque a empresa de aluguel de veículos queria a kombi (ou o dinheiro). Outros dizem que conseguiram tirar a kombi de lá e devolvê-la. De qualquer forma, May saiu da Gang nessa bateria de shows pós-primeiro álbum, ainda antes da morte de Júlio.

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Uma curiosidade: May mudou o nome oficialmente para May East na sua identidade! Doido, né?

E em 1985 ela lançou seu primeiro disco solo, Remota Batucada.

Ela, que adorava esse lado antropofágico pós-tropicalista da Gang 90 (dá para perceber nas entrevistas), mergulhou ainda mais nesse Brasil profundo, buscando uma new wave ainda mais nativa. A música de trabalho do Remota Batucada chama-se Índio e foi composta por ela com Fernando Deluqui. No lançamento do álbum, acredito que ele e o tecladista Luis Schiavon, que também participou da gravação, já estavam bem envolvidos com o RPM.
(A última música do disco, Fire in the Jungle, também é parceria de May com Deluqui; fez parte da trilha do filme Areias Escaldantes de 1985, considerado o registro cinematográfico da cena BRock da época)
Aliás, Remota Batucada é praticamente um quem é quem de parte da new wave brasileira: tem Kodiak Bachine, da maravilhosa Agentss, na faixa Ideias de Brincar (composição dele); participação de Ted Gaz e Kid Vinil, da Magazine, na faixa Normal (composição de May); participação da Alice Pink Pank (a gente já fala disso nesse mesmo post, mais para frente). A divertidinha Night Club em Beirute é composição de Léo Jaime e Tavinho Paes (um dos poetas-letristas que circulavam nessa turma, Tavinho fez um monte de hit tipo Rádio Blá com Lobão e Arnaldo Brandão, Gata Todo Dia com o mesmo Léo e Marina Lima, e Sândalo de Dândi com Alec Haiat e Yann Laouenan, ambos do Metrô). Caim e Abel tem entre seus compositores Guilherme Isnard, do Zero (desconfio que a voz masculina na música também é dele) mais Alberto Birger, Nelson Coelho, Fabio Golfetti e Cláudio Souza (todos também do Zero e os dois últimos depois fizeram parte do Violetas de Outono).

E ainda tem Bumba Meu Boy, uma co-autoria de May com Nico Rezende – nada menos que o cara que fez Perigo, o megahit da Zizi Possi (entre várias outras canções). Bumba Meu Boy é uma tentativa de choro eletrônico, não curto muito não…

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May seguiu gravando mais álbuns. Mas o próximo, Tabapora, de 1987 (ou 1988? Varia de acordo com a fonte), já começa a namorar um som mais new age, mais world music. O de 1990, Charites, tem os dois pés nessa onda. Hoje May é diretora executiva da Gaia Education, uma ONG voltada para educação com foco em design ecossustentável.

Alice Pink Pank, a holandesa

Mito vivo do BRock. Reza a lenda que recentemente Alice Vermeulen estava muito tranquila na Holanda, de vez em quando recebendo ligações do Lobão e um dinheirinho de royalties. Aí o Konijn a localizou e assim conseguiu fazer o livro sobre a Gang. É uma das histórias mais doidas do rock nacional, mas ela nem tinha muita noção do legado que havia deixado aqui. E mesmo na época, a família dela e o pessoal da sua cidade, Tilburgo, não conseguiam entender que ela fazia parte de uma banda que dava shows gigantes, depois fez parte de outra banda que também era grande, participou de programas de auditório e até posou para a Playboy!

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Alice já tinha gravado com o U2 antes de chegar ao Brasil. Pois é, bizarro, e ela fala sobre o assunto como quem vai para a padaria. Mas enfim: o U2 ainda não era uma das maiores bandas do mundo. Na verdade, não era nada: a participação foi no primeiro álbum deles, lançado em 1980, o Boy, na última faixa, Shadows and Tall Trees. Ela faz o backing vocal, dá até para ouvir a voz de Alice bem claramente em algumas partes.

Como essa loucura aconteceu? Bom, ela estava viajando pela Europa, foi parar em Dublin e fez amizade com o U2. O empresário, Tim, e ela acabaram tendo um teretetê que não deu em nada. Gravou e pronto.

Depois, Alice encontrou a brasileira Rosana Pires Azanha, que também fazia uma viagem pela Europa na época. Ficaram amicíssimas. Rosana disse que a nova amiga devia visitá-la no Brasil. E Alice fez que fez que… foi.

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Já disseram por aí que o encontro de Alice com Júlio foi em NY ou no exterior, mas segundo a própria foi em São Paulo mesmo, no Paulicéia Desvairada, o clube noturno que tinha essa pegada new wave e contava com Júlio Barroso nas picapes. Ele, recém-chegado de NY, trazia discos de bandas novas, modernas. Rosana, descolada, levou a amiga turista para dançar lá. Da parte dele, ao que tudo indica, foi amor à primeira vista. Ela pediu pra ele tocar Psycho Killer do Talking Heads, ele a chamou para subir na cabine de DJ. Daí para levá-la para cama e chamá-la para uma banda que ainda nem existia (não necessariamente nessa ordem) foi um pulo.

May, Lonita, Alice (com a luva) e Júlio: a comissão de frente mais clássica da Gang 90

May, Lonita, Alice (com a luva) e Júlio: a comissão de frente mais clássica da Gang 90

May fala sempre que, das quatro absurdettes do começo, Alice era quem cantava melhor porque tinha um background (a participação no disco do U2). Acho que era mais talento nato, mesmo porque a experiência anterior dela foi muito pequena (a última faixa do disco de estreia do U2, que podia ter dado em nada).

Alice namorou Júlio por um tempo considerável. A origem do seu nome artístico é Liesel Pink-Pank.

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Liesel Pink-Pank

era uma bailarina alemã dos anos 1930. A própria Alice gostava do nome, gostava de dançar e escolheu a alcunha

Alice chegou a compor duas músicas do primeiro álbum da Gang 90 – na verdade foi a única absurdette a fazê-lo nessa estreia. Eram as menos conhecidas e nem por isso menos incríveis Românticos a Gô-gô e Jack Kerouac, ambas parcerias com Júlio.

Românticos a Gô-gô é tão neotropicalista que nem sei. A letra é um name dropping de nomes incríveis: de Cartola a Jimi Hendrix, de Brigitte Bardot a Pagu, de Yoko Ono a Marcel Duchamp, de Arto Lindsay a Vaslav Nijinsky. Uma delícia.

Já Jack Kerouac é bem spoken word.

Mas essas, na minha modesta opinião, nem são as melhores contribuições de Alice para a nossa música.

Nesse meio tempo, Júlio começou a beber mais e ficar violento com ela, como é narrado no livro de Konijn. E Alice, num show na Urca, conheceu um baterista que Júlio chamou na amizade para substituir Gigante Brazil, que não conseguiu chegar a tempo.
Era o Lobão, na época tocando na banda da Marina Lima e ex-Blitz (lembra que eu disse que a Blitz lançou disco antes da Gang?).
Ambos se apaixonaram. Ficaram.
De uma conversa entre Júlio e Lobão, na qual descobriram que ambos estavam apaixonados pelas mesmas mulheres (Alice e Marina), saiu a composição Noite e Dia.

Lobão também gravou. E Marina também, antes dele, no mesmo ano de 1982! Imagino que, se existe essa divisão na música, Alice seria a musa dos primeiros versos e Marina (por causa dos olhos negros) seria a musa da segunda parte.

Em 1983, saía Será Que o King Kong é Macaca?, composição de Toinho com Tavinho Paes, para o especial infantil de TV Plunct Plact Zum! E dá para ver Alice ali, entre as absurdettes. Não sei quando foi gravado, mas me parece que essa deve ter sido uma das últimas coisas que Alice fez com a banda.

Acabou que Alice saiu da Gang e da casa de Júlio – foi morar com o Lobão e acabou entrando para a banda que ele tinha na época e que atendia por Lobão e os Ronaldos. Júlio, enquanto isso, achou outra absurdette para manter o número de três mulheres no palco (calma que eu já conto essa parte!).
Nesse meio tempo, a holandesa fez uma participação num disco muito especial: a estreia de Léo Jaime.

Phodas "C” saiu em 1983 e Alice é a backing vocal que canta junto com ele em Ora Bolas!, a voz feminina mais destacada. Em teoria, May East também participou desse disco em outra música – no encarte, está creditada para Eu Vou. Mas o detalhe: não existe música chamada Eu Vou nesse álbum. Entendeu? Nem eu.
(May namorou Jaime nessa época)

Bom, então vamos para Ronaldo Foi pra Guerra, o disco do Lobão e os Ronaldos que não só traz Alice nos vocais e teclados mas também como compositora.

Um clássico do BRock direto de 1984, Ronaldo Foi pra Guerra é bem perfeitinho. Quem só conhece os maiores hits devia dar uma revisitada nele, vale a pena. As músicas das quais Alice participou da composição são as ótimas Tô à Toa Tokio (com Lobão), Abalado (idem), a minha preferida Bambina (com Lobão, o baterista dos Ronaldos Baster Barros e o poeta-letrista Bernardo Vilhena) e Inteligenzia (com Vilhena).

Pelo que entendi, a versão de Alice para a saída dela dos Ronaldos é que Lobão arrumou outra mulher (Daniele Daumerie, prima dele que posou nua na capa do primeiro disco solo do Lobão, O Rock Errou, de 1986). A versão dele é que ela entrou numas de se lançar em carreira solo. Enfim!

E lembra que em 1985 a May East lançou seu primeiro disco solo? Falei que tinha participação especial de Alice nele, né? Era na faixa Maraka.

Maraka é meio protoaxé, fala de Oxum numa pegada de toque das religiões de matriz afro. Eu adoro! O mais esquisito: só May aparece no clipe. Cadê Alice? Só a voz…

Bom, talvez Alice estivesse ocupada tentando armar a própria carreira solo.

Amo essa música. DE VERDADE.
E olha a surpresa: os compositores, além da própria Alice, eram Leoni e Liminha.

O compacto contou com Baby Love de lado A e 24 Frames Per Second do lado B. 24 Frames é de Alice com Guto Barros (dos Ronaldos) e… Isabella. Não sei quem é Isabella!

O compacto contou com Baby Love de lado A e 24 Frames Per Second do lado B. 24 Frames é de Alice com Guto Barros (dos Ronaldos) e… Isabella. Não sei quem é Isabella!

Foi Liminha quem produziu o compacto de Alice. Mas quando eu digo que é uma surpresa ver Leoni entre os compositores, é porque o compacto saiu pela mesma gravadora da banda de Leoni na época, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens. O Kid lançou, em 1985, o disco repleto de hits Educação Sentimental. E diz a história extraoficial que a gravadora preferiu focar no Kid, que tinha Paula Toller à frente, do que em Alice Pink Pank. Morria aí a carreira solo dela.
(E aí rolaria aquela história bizarra do Leoni brigando com o Léo Jaime no palco e a ex-namorada, Paula, e o Herbert Vianna, então atual namorado dela, se metendo no meio, e aí a filha do fundador da Zoomp… Vish, isso é assunto para outro post, né?)

Alice acabou cansando de esperar que alguém lhe desse mais alguma chance e voltou para a Europa. Mas antes… Sim, ela deixou mais uma música para o pop nacional.

É muito doido quando as histórias se cruzam. Lembra que eu falei da Emilinha aqui? Lembra que ela fez parte do Afrodite se Quiser? Pois é.

Talk Tales, do primeiro álbum delas, é de Alice com uma pá de gente: Paulo Sauer, Luis Casé, Sérgio Santos, Pedro Brandão, Isabela Lago, Flávia C e Claudia Niemeyer (que já foi da Blitz e da Gang 90). Soa como algo da Blitz, aliás.

Alice ainda tentou seguir carreira artística na Holanda mas essa história não rendeu. Virou um capítulo dos mais interessantes da história do BRock, apesar de desconhecida na sua terra natal (e hoje, no Brasil, também quase esquecida).

Taciana Barros, a resistência

Parte da formação da Gang 90 pós-lançamento do primeiro álbum: Júlio Barroso, May East, Taciana Barros, Lonita Renaux e Herman Torres

Parte da formação da Gang 90 pós-lançamento do primeiro álbum: Júlio Barroso, May East, Taciana Barros, Lonita Renaux e Herman Torres

Taciana tocava numa banda de garotas em Santos, litoral de SP, quando Júlio a viu. Não fica claro nas histórias orais que a gente ouve se nessa época Alice já tinha saído ou estava para sair da Gang 90, mas o convite rolou ali no meio de um show, com Taciana no palco e Júlio na plateia, gritando "passa seu telefone".
A gente não sabe se ele ligou 3 horas da manhã com um papo poesia, mas logo Taciana era uma das absurdettes no lugar de Alice. De cabelo curto (como Alice) e roupas moderninhas (idem), ela é tratada como “a substituta" até hoje, por mais que já tenha provado pelo resto da carreira que é muito mais que isso.
Mas algo que pode ter colaborado para essa visão do povo é o fato dela ter participado do clipe de Telefone dublando, mesmo não tendo gravado a música.

(E repare que estranho: Lonita não aparece aqui)

Quando Júlio morreu, em 1984, ele e Taciana estavam num estágio de composição avançado do segundo álbum da Gang. May já tinha saído, Herman Torres pelo que entendi também, Lonita não sei. Taciana decidiu levar a coisa para frente. A Gang 90 continuaria sem o seu nome principal, Júlio Barroso, e cortava o “absurdettes". Agora era uma absurdette que virava líder e o disco Rosas & Tigres saiu em 1985. Entre as composições, tem um monte de música com co-autoria de Júlio (9 das 11). E também um monte da Taciana (8 das 11).

Rosas e Tigres, a primeira faixa, é a música que o povo fala que Júlio estava empolgado a respeito, antes chamada Kamikaze Coração. A voz principal virou da Taciana. De Júlio, Taciana e Roberto Firmino (que fazia parte dessa nova formação), é ótima. Entrou para a trilha sonora da Armação Ilimitada. Mas não "aconteceu" nas paradas, assim como o resto do álbum.

Sexismo? Não sei, porque Paula Toller era a voz do Kid Abelha e tudo bem ela fazer sucesso, né? Será que duas já eram demais?

Curiosidade: em 2015, o disco de Filipe Catto Tomada trouxe uma gravação de Do Fundo do Coração, música de Taciana e Júlio, a última desse álbum Rosas & Tigres. Adoro demais a original, e esse remake é legal também.

Pedra 90, que saiu em 1987, é o terceiro e derradeiro disco da Gang, ainda com Taciana à frente. Dessa vez, só uma música contava com Júlio Barroso na autoria (Junk Favela). E, no lugar de Roberto Firmino, quem assume a composição de várias músicas aqui é Gilvan Gomes (5 das 8).

A curiosidade é que tem dois ícones do BRock escondidos aqui entre os compositores, ambos em parcerias com Taciana. Arnaldo Antunes, na época parte dos Titãs, é co-autor em Vida Dura. E Edgard Scandurra, do Ira!, é co-autor de Coração de Alguém.
Edgard foi casado com Taciana e lá pelo fim dos anos 1980 tiveram um filho, Daniel. No verso do álbum Amigos Invisíveis, o primeiro trabalho solo do Scandurra (saiu em 1989), tem uma foto do Daniel.

amigos-invisiveis-verso-edgard-scandurra.png

A música Bem Vindo Daniel é em homenagem ao bebê. Taciana é co-autora de Abraços e Brigas, Culto de Amor e Vou me Entregar Como Nunca.

Em 1989 apareceu a banda Solano Star – o nome é uma homenagem ao navio Solana Star, que estava traficando latas de maconha em direção de Miami em 1987. Ao descobrirem que o barco estava sendo procurado, a tripulação jogou as latas no mar… e eles estavam perto do litoral do Rio. Resultado: surgia o que ficou conhecido como verão da lata, de 1987-88, com o povo achando latas na praia e arrasando, se é que me entendes.
Faziam parte da Solano Star: Taciana nos vocais e Scandurra na guitarra, mais um povo. Gosto BASTANTE de Uma Vez Mais:

Não sei quando a Solano Star terminou, só tenho essa referência de data desse clipe: 1990.
No repertório da banda também tem Isadora, uma música feita por Taciana baseada em longas conversas entre ela e Andréa de Maio, personagem clássico da noite paulistana. Isadora é sobre travestis.

Também não sei exatamente quando começou o relacionamento de Taciana com Mitar Subotic, o Suba.

Suba, iugoslavo, veio para o Brasil na época do Collor com uma bolsa para estudar bossa nova. Acabou virando um dos responsáveis por divulgar o casamento entre a música brasileira e a eletrônica, trabalhando com gente como Marina Lima e Bebel Gilberto.
Suba e Taciana casaram, e dessa união saíram coisas maravilhosas. Em 1995, foi lançado o Janela dos Sonhos, primeiro e por enquanto único disco solo de Taciana.

Uma coisa interessante é que continuou (e continua) tudo em família: Scandurra participou desse álbum, por exemplo. E a primeira música, Qualquer Gesto, é uma nova versão para Qualquer Gesto do disco Rosas & Tigres, o segundo da Gang 90, composição de Taciana com Júlio Barroso e Roberto Firmino. E é muito boa!!!

O álbum solo do próprio Suba, São Paulo Confessions, saiu em 1999 e trazia a participação de algumas vocalistas – entre elas, Taciana em Você Gosta, composição dele, dela e de Marcelo Rubens Paiva.

É interessante porque essa neo bossa, ou seja, mistura da eletrônica com bossa nova, samba jazz e congêneres, estava pelo mundo (vide meu post sobre Shibuya-kei) nos anos 1990. Com Suba no Brasil, ela chegou no seu ponto mais burilado, mais refinado. O auge.

Suba morreu num incêndio no mesmo ano de lançamento desse disco, 1999. Seguia casado com Taciana mas eles já estavam morando separados.

Imagina que loucura para ela? Júlio, depois Suba.

Em 2008, surgia o projeto que provavelmente foi o mais bem sucedido comercialmente de Taciana. Era o Pequeno Cidadão, de música infantil, ao lado dos comparsas Arnaldo Antunes, Antonio Pinto e mais uma vez Scandurra.
Pequeno Cidadão é MUITO LEGAL. E não precisa ser criança para gostar! Eu juro!

E assim termina – por enquanto – a história das absurdettes.
Todas maravilhosas.
Obrigado para elas. <3

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November 13, 2020 /Jorge Wakabara
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