Na dúvida, aposte na memória afetiva

Existiram vários posts hits durante os meus 10 anos no site da Lilian Pacce. Comumente eles envolveram Gisele Bündchen, mortes como a do Karl Lagerfeld, famosas que estavam no auge tipo Anitta… Mas um desses posts vai te surpreender. O que bombou demais há quase 10 anos foram… os talheres Comer Brincando.

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Sim, estou ouvindo seu suspiro

ao ver essa foto

Os talheres Comer Brincando foram desenhados por José Carlos Bornancini (falecido em 2008) e Nelson Petzold em 1975 e eram produzidos no sul, pela Hércules, entre os anos 70 e 80. Cerca de 2,5 milhões de unidades foram vendidas do Príncipe Garfo, Cão Faquinha e Princesa Colher, marcando toda uma geração de crianças. O trabalho dos designers costumava envolver emoção com o comportamento das pessoas – por isso a foto dos Comer Brincando sensibilizou tanta gente no post da exposição! A notícia triste que temos é eles que não são mais comercializados nem produzidos – mas talvez possam ser encontrados em brechós e antiquários, quem sabe?
Eu tinha, e você?

Eu tinha, e você?

Existe um fascínio sobre a memória afetiva - se você mexe do jeito certo com ela, a coisa vira um sucesso. O Alexandre Herchcovitch tem feito uma venda tipo desapego de peças pessoais via Instagram: o HerchcovitchCloset. Entre as peças já teve algumas daquelas famosas camisetas que traziam imagens da Disney: Branca de Neve, Bambi… Você lembra?

Eu amava mas nunca tive; quis ter mas, quando vi, todo mundo tinha - e aí não quis ter o que todo mundo tinha, claro. Risos!

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A coleção inteira era muito boa!

Outono-inverno 2003!

Ícones de infância funcionam demais - especialmente entre xennials e millennials, acho que é a nossa saudade da inocência. E acho que também é nesse público que Laços, o filme live-action da Turma da Mônica que deve estrear em 27/07, também aposta, além do infantil.

(Sim, estou muito empolgado para assistir!)

Falando em Turma da Mônica, já teve estilista que surfou lindamente nessa onda. Era o Thiago Marcon na época que se apresentava solo na Casa de Criadores (faz mais de 10 anos, abafa o caso) e que hoje é estilista da 2nd Floor da Ellus.

De Cranicola da turma do Penadinho ao Astronauta! Thiago já fazia lá no começo o que é sua especialidade até hoje: uma roupa para uma menina descolada e bonitinha. Ele também pratica essa brincadeira da memória afetiva na 2nd Floor: já teve Cavaleiros do Zodíaco, Mulher-Maravilha

O que será que novas coleções poderiam explorar como licenciamento para mexer com essa nossa memória afetiva e, para falar um termo usado entre os jovens, hitar? Pensei em três coisinhas:

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Monteiro Lobato tem mil problemas

a começar pelo racismo. Mas acho que o Sítio do Picapau Amarelo continua como referência de infância pra muita gente!

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Pisa menos!!

A Turma do Arrepio era chique demais pra ser esquecida

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Amava a Get Along Gang

Era um dos meus desenhos preferidos!

Falei bastante de desenho de infância, né? Mas deixei de fora um ícone reverenciado por muitos, que inclusive Alexandre Herchcovitch também já usou. Mas isso é um tema para um próximo post porque, hello, ela merece…

E você, que memória afetiva gostaria de ver em uma roupa?

Preciso falar do desfile da Flavia Aranha mesmo que ele tenha sido uns borrões pra mim

Não quero me estender muito nessa introdução, mas esse SPFW N47 como um todo e especialmente o fim dele foi algo muito catártico e difícil pra mim. Só para explicar por alto o que aconteceu, eu já sabia que ia sair do site da Lilian antes da morte do Tales Cotta, no sábado. Pareço (e realmente quero parecer) muito forte e seguro mas desabei - motivo pelo qual tive que colocar os óculos escuros que estavam na minha pochete no desfile da Flavia Aranha. É que eu não parei de chorar, já estava sentado e com o vídeo de introdução rolando quando percebi que isso estava acontecendo, e para tentar não chamar tanto a atenção foi o que me ocorreu. Só que o pior de tudo é que eu, que gosto de procrastinar com algumas coisas, não mudei a lente desses óculos específicos até hoje, então assisti ao desfile míope, chorando, tudo borrado, com a cabeça na lua.

E ainda assim sei que o desfile foi maravilhoso, pois de qualquer forma vi alguma coisa; pois vi fotos; pois fui no backstage antes e conversei com a Flavia. Ele é o resultado de um trabalho que começou há 10 anos, pioneiro em moda sustentável com um belo design, o resultado de várias parcerias e várias descobertas da estilista ao longo desse tempo.

Foto do Zé Takahashi / Ag. Fotosite - Fonte FFW

Foto do Zé Takahashi / Ag. Fotosite - Fonte FFW

Ao contrário do que pode parecer, entrevistei a Flavia poucas vezes, talvez duas, antes dessa no backstage do SPFW. Mas uma delas é uma das minhas entrevistas preferidas - sobre o então projeto de uma lavanderia-tinturaria na qual os processos naturais poderiam ser colocados em prática com escala (ou seja, em uma quantidade bem maior e mais rapidamente). Leia aqui no site da Lilian Pacce.

1,353 Likes, 87 Comments - Flavia Aranha (@flaviaaranha) on Instagram: "Essa imagem representa muito o que nos propusemos a fazer nesse desfile. Quem faz, quem consome,..."

A passarela dessa estreia no SPFW foi feita assim, circular. O círculo foi um símbolo constante em outros desfiles do evento - em especial o da Lilly Sarti (leia sobre no site da Lilian). Toda vez que penso em círculo nesse contexto mais simbólico e artístico, penso nas obras da Tomie Ohtake.

Sem título (2012), da galeria Nara Roesler

Sem título (2012), da galeria Nara Roesler

Pra mim, Tomie também pintava círculos nessa procura pelo simbolismo universal dele, que perpassa várias culturas. Círculo é unidade e coletividade, uma forma sem arestas. Penso também nas danças circulares, no David Bowie com o círculo dourado na testa, em como a gente escutava música até bem pouco tempo atrás (os discos, do gramofone ao laser disc).

Para Flavia, também são vários os significados: círculo de conversa, economia circular, um lugar em que só existe primeira fila e em que todos são importantes sem primeiro nem último, o olhar o desfile e também o outro. Na moda, ela incluiu bastante godês nas modelagens - para quem não sabe, a saia godê é a que sai de um círculo com um furo no meio, grosso modo.

293 Likes, 6 Comments - Flavia Aranha (@flaviaaranha) on Instagram: "❤️"

Antes, Flavia só desfilou no evento Ecoera, cerca de 8 looks, algo bem menor. Agora são 28. “A Mercedes [Tristão, assessora de imprensa] plantou essa semente, dizendo que a marca precisava dar esse passo no sentido da imagem de moda. Mas passei muitos anos organizando os processos, a gestão da empresa, pra mim é muito importante que isso seja viável como negócio, não dá pra falar de sustentabilidade só na imagem. Fui protelando esse caminho, mas há uns dois anos a Mercedes começou a conversar com a Graça [Cabral, da Luminosidade, que organiza o SPFW]. Quase resolvemos desfilar antes, achei pouco tempo… E nessa edição deu certo.”

Flavia teve um mês para fazer tudo - pesado, mas ao mesmo tempo parece que essa década anterior sedimentou certezas e deu segurança para ela já saber melhor o que queria concretizar. “Queria esse espaço subjetivo para falar sobre coisas que você não consegue expressar na loja, é tanto o meu processo pessoal quanto resultado da maturidade da marca.” Ela explica também que a criação rolou de maneira bem diferente, tirando-a da zona de conforto, e abriu espaço para coisas que no dia-a-dia da gestão ela acabava deixando de lado.

O tema mistura pau-brasil, ancestralidade e identidade do país.

Qual é o impacto da exploração do pau-brasil como primeiro ciclo econômico na colonização e o quanto a gente ainda vive todas essas dores da desigualdade social e das injustiças? A eleição, todos os retrocessos bizarros que a gente vem vivendo. Uma angústia da situação política que está impactando minha rede totalmente: programas sociais e cooperativas que já vem sofrendo cortes.
— Flavia Aranha

Flavia começou fazendo experimentações na cartela de cores no tingimento com o pau-brasil, misturando-o. O vermelho vira bege com ácido cítrico, com outros componentes ele vai para o vinho. Depois ela acrescentou urucum e crajiru, formando um triunvirato nativo brasileiro e acrescentando a questão indígena. Chamam a atenção pinturas manuais, impressão botânica e os tons mais vivos. Na dupla de fotos acima, o que vemos é impressão de araucária na organza.

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Parece semente?

Mas não: esse top é feito com miçangas de cerâmica do Jequitinhonha queimadas na fogueira e pintadas com o próprio barro! Foto: Zé Takahashi / Ag. Fotosite

Tem também: seda com elastano do Casulo Feliz, enfeites de antúrios de cerâmica, amarrações e torções. Tudo belo. “É um reencontro com a minha manualidade”, ela diz.

Acessórios de quartzo rosa e cristal - Flavia vem estudando astrologia. Segundo ela, “quartzo rosa é amor, energia, uma força do ritual, do feminino, dos amuletos”. Foto: Zé Takahashi / Ag. Fotosite (detalhe)

Acessórios de quartzo rosa e cristal - Flavia vem estudando astrologia. Segundo ela, “quartzo rosa é amor, energia, uma força do ritual, do feminino, dos amuletos”. Foto: Zé Takahashi / Ag. Fotosite (detalhe)

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Casaco mara!

Das fiandeiras do Vale do Urucuia. A ideia é se referir à bandeira do Brasil mas com outras cores. Foto: Zé Takahashi / Ag. Fotosite

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Por um linho brasileiro

Você sabia que não tem linho no Brasil? Nem a fibra têxtil! Em sua pesquisa de material, Flavia encontrou a malva, planta nativa que pode dar num similar de linho maravilhoso. Essa peça é o primeiro exercício de algo que pode virar um tecido incrível e 100% nacional! Foto: Zé Takahashi / Ag. Fotosite

Flavia contou para mim que já está conversando com a Castanhal, companhia têxtil que trabalha com malva e juta, para desenvolver um fio melhor, mais macio, para o uso em vestuário. Gente que faz!

Por que o estilista só precisa pensar na imagem final? Por que, como designer, a gente também não consegue ter processos criativos na base? Se só tem linho chinês, por que não podemos criar nosso próprio linho aqui?
— Flavia Aranha

1,141 Likes, 22 Comments - Lane Marinho (@lanemarinho) on Instagram: "〰️🌸. { sobre o que vem da terra e que é raro, lindo e efêmero : essa é a cor do extrato de pau-..."

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Bolsa da Marchetaria do Acre

Tudo é madeira num trabalho de tingimento natural de cair o queixo. Foto: Fotosite/Divulgação

1,647 Likes, 127 Comments - Flavia Aranha (@flaviaaranha_) on Instagram: "Este ano amanheceu estranho. Difícil. Apertado. Parecia que nossos sonhos e nossas ideias não..."

Acho que deu para entender porque eu decidi escrever sobre o desfile da Flavia mesmo sem ter visto direito, né?
No fundo, acho que vi direito, sim.

Você gostou de mais alguma coisa do SPFW? Adorei Aluf, João Pimenta, Handred, Lenny Niemeyer e Led (os links levam para os textos que fiz no site da Lilian)! E merece menção também os outros jovens designers que participaram dessa edição - marcas independentes, estou com vocês. ;)

Um fervo no Centro de SP

Um dia desses fui conhecer a loja Nó do Rodrigo Basso, um lugar bem bacana que é voltado pra moda masculina e pra repensar noções de masculinidade partindo da roupa e da estética. E acabei descobrindo que a região em que a Nó está, na Major Sertório pertinho do Copan, está o maior fervo! O Rodrigo inclusive me ajudou a levantar as coisas que estão rolando por lá, vem saber:

379 Likes, 5 Comments - LOJA NÓ (@noaloja) on Instagram: "Ah o outono 🌞🍃 camisa disponível na loja 😎"

A Nó em si é tu-do! Eu sei que às vezes parece que eu acho tudo incrível, mas se está aqui nesse blog é porque achei incrível, né nóm? São 40 marcas brasileiras reunidas, a maioria de caráter mais independente, desde as mais básicas tipo Saint Studio até a estamparia babadeira da Psicotrópica, as camisetas divertidas da Stay Ugly, o streetwear bem charmoso da Philadelphia Company
Apesar do foco em masculino, Rodrigo diz que 40% das vendas acontecem pra mulheres. Dá pra entender - o mix é superatraente. Ele é esforçado, cavoca sapatos bonitos de Franca, produtos de beleza interessantes com pegada mais orgânica… Outra coisa bacana na curadoria do Rodrigo é que ele presta bastante atenção no preço - como trabalha com marcas menores, tem a liberdade e a facilidade de conversar com eles para chegar num preço que seja mais adequado para o seu público (entra nisso mudanças em tecidos e detalhes nas peças para diminuir o valor).
A loja Nó fica na rua Major Sertório, 114.

153 Likes, 3 Comments - Instituto Feira Livre (@institutofeiralivre) on Instagram: "Atlas do Agronegócio: Fatos e números sobre as corporações que controlam o que comemos. ...."

O Instituto Feira Livre vende orgânicos direto do produtor, sem intermediários, e ainda conta com café e restaurante! Quando você compra lá, eles dão o preço de custo mas a sugestão é você mesmo incluir uma porcentagem para a manutenção e custos operacionais do espaço. Abre de fim de semana (fecha segunda) e dá para encontrar coisas que você não acha em qualquer lugar tipo cenoura roxa! Não cheguei a entrar mas pretendo voltar para conferir mais de perto!
Fica na Major Sertório, 229.

O Jardim Secreto, que virou praticamente uma instituição de SP, começou como uma feira mas hoje tem uma Casa Jardim Secreto no Bixiga e esse Galpão Jardim Secreto no centro, sempre com uma curadoria charmosa de marcas independentes, pequenos produtores, com o grande plano de fortalecer a economia criativa. As minhas amigas da Jouer Couture são ocupantes do coworking que faz parte do local, e ainda tem café, chá e comidinhas - tudo isso ajuda a fazer do ambiente um local supervivo!
O Galpão Jardim Secreto fica na Major Sertório, 209.

Quer mais? Falo mais então: tem a balada-prédio Tokyo; o Z-Deli; a Casa do Porco; o Orfeu; o Sertó; o charmosérrimo Café Modernista; o JazzB; o Fel… Tudo isso com a distância de alguns passos entre um e outro. Diz que vai abrir uma padaria artesanal na frente do Instituto Feira Livre e um La Guapa, a rede de empanadas da Paola Carosella, do lado. Legal, né? Vá pro Centro!!!

A Melissa está fazendo 40 anos!

A minha lembrança da Melissa é mesmo de infância pois - abafa o caso - eu tenho quase 40.
Vai ter um monte de comemoração relacionada com a data, cheia de relançamentos de produtos icônicos - em outubro chega um bem especial, que eles dão a entender que é completamente novo.

A Melissa tem um problema na mão hoje: seu produto é feito de plástico, e a turma eco-consciente torce o nariz com razão. Será que esse novo produto que está chegando tem algo relacionado a isso? Espero que sim, mas seria uma reinvenção completa da marca que sempre se baseou no plástico em campanhas, imagem de marca, visual merchandising - tudo! A gente sabe que existem estudos de materiais biodegradáveis cada vez mais avançados (esse da USP que foi divulgado no fim do mês passado é um deles) mas ao mesmo tempo outra notícia que girou recentemente é a de que as sacolas de plástico biodegradável não são tão eficientes em seu processo de decomposição quanto a gente pensava. Até outubro a gente fica sabendo se o futuro, para a Melissa, é feito de outro material.

Enquanto isso, a marca já lançou os primeiros produtos comemorativos que recebem os nomes autoexplicativos Alma e Origem. São inspirados em garrafões de vinho - na sua origem, a Melissa fazia aquelas telas de plástico que cobrem esses garrafões.

A sapatilha Alma e a bolsa Origem - Foto: Divulgação

A sapatilha Alma e a bolsa Origem - Foto: Divulgação

A sapatilha custa R$ 159,90 e a bolsa R$ 279,90 - achei a bolsa bem divertida!

Mas o que você queria ver de relançamento da Melissa? Tenho uns palpites!

Vou contar uma coisa minha: odeio a Melissa Aranha! Desculpa, é algo quase irracional, mas acho feia pra dedéu, apesar de reconhecer o seu status de clássico…
E você, de qual Melissa você gosta?

As irmãs Koshino

Achei que essa thread é bonita demais para não ser destacada aqui nesse humilde blog.

Clica nesse embed de twitter acima pra ler a thread inteira!

Tchauzinho das lindas - Fonte da foto é esse Nifty

Tchauzinho das lindas - Fonte da foto é esse Nifty