A rainha do kawaii - e a embaixadora

Esse post é intimamente ligado a outros dois: o sobre memória afetiva e o sobre o que é kawaii. Não leu? Então acho importante que você pare, abra os links, leia-os antes e aí sim volte para cá!

Segundo Kazuo Tomatsu, o relações públicas da Sanrio, contou para o livro Kawaii - Japan’s Culture of Cute, seis porta-moedas de vinil no mesmo formato foram produzidos pela empresa e lançados em março de 1975. Só que um deles, o que trazia uma estampa de uma gatinha criada por Yuko Yamaguchi, vendeu melhor. Era esse aí debaixo!

Eu disse hi, ela disse hello! Fonte da foto: o blog Magnolia Preparatory Academy

Eu disse hi, ela disse hello! Fonte da foto: o blog Magnolia Preparatory Academy

A Hello Kitty foi criada em 1974 (ou seja, se o Tomatsu estiver certo, demorou um tempão para a bolsinha ser produzida). Pra quem só tinha um lacinho, uma garrafa de leite e um peixe (e nenhuma boca), a Hello ganhou toda uma história: ela pesa o equivalente a três maçãs e sua altura é a de cinco maçãs empilhadas; seu nome real é Kitty White e ela vive em Londres; ela tem um gato de estimação (ué!) e seu namorado se chama Daniel. Ela é muito kawaii. Muito mesmo. Tem um parque de diversão só dela em Tóquio (que eu não fui) chamado Puroland. E teve uma exposição dela que passou por Seattle, onde vi de perto esse moedeiro da foto! Lembra que contei que fui nessa exposição no post sobre museus?

A fonte da foto acima, aliás, fala justamente dessa mesma exposição, que trazia obras de artistas inspiradas em Hello Kitty junto com memorabilia. Confira no Magnolia Preparatory Academy!

E também já comentei no post sobre memória afetiva que Alexandre Herchcovitch foi um que já se inspirou nela!

Outono-inverno 2004 - fonte da foto: FFW. Herchcovitch misturou Hello Kitty com outro símbolo pop: Carmen Miranda!

Essa gata também já virou tema de desfile de Samuel Cirnansck, já foi inspiração para Herchcovitch de novo (junto com a Ellus), já inspirou Fila e Puma, já virou vestido de Lady Gaga…

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Camp!

O vestido de GK Reid faz par com esse make nos olhos bem anime de Gaga; o clique é de Markus Klinko & Indrani

O look da Gaga lembra o trabalho que Jean-Charles de Castelbajac fazia (ele começou com casaco de ursinhos de pelúcia e já fez uma capa de Caco, dos Muppets, para a própria Gaga). E também aquelas poltronas dos irmãos Campana, lembra?

(Surpreendentemente, Castelbajac nunca fez uma coleção da Hello Kitty, que eu me lembre. E olha que sou fã, então acho que lembraria!)

Recentemente quem lançou uma coleção temática da Hello Kitty foi a Furla, marca italiana de bolsas.

Achei uma graça, e você?

Achei uma graça, e você?

E ainda teve Melissa, Santa Lolla… a lista é interminável, e olha que estamos apenas na parte de moda, né?

Fico tão instigado que cheguei a ir conhecer uma supercolecionadora de Hello Kitty em Osasco - olha o vídeo abaixo:

Resumindo: isso quer dizer que a Hello Kitty é a embaixadora do kawaii no mundo, certo?

Errado.

Aoki Misako, há 10 anos, atendia pelo título de embaixadora do kawaii e vinha dar uma passadinha no Brasil.

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Cuidado:

alto teor de glicose

Hoje em dia acho que o contrato dela com o governo japonês acabou (sim, ela era contratada pelo governo para representar a cultura kawaii pelo mundo), mas em 2009 eu e a Aurea Calcavecchia fomos encontrá-la na Liberdade para fazer uma entrevista para o site Lilian Pacce que você pode ler nesse link. A experiência foi bem exótica - Misako era difícil de ler (como as japonesas em geral), não sabíamos se ela estava curtindo ou não a experiência. Mas quando passou por uma loja de esquina (onde hoje fica o 89º Coffee Station) e viu o preço da panela elétrica, riu. Achou muito cara. E provavelmente nos tirou de trouxas.

Misako, como a entrevista do link demonstra, é uma sweet lolita. Se a Hello Kitty fosse uma lolita, provavelmente também seria uma sweet lolita. Essa glicose na veia está meio indigesta para você? Bem… então vou te mostrar um lado mais obscuro do kawaii… em um outro post, em breve!

Obs.: Recomendo o episódio da série da Netflix Brinquedos que Marcam Época sobre a Hello Kitty (é o último), e esse vídeo abaixo da NHK com a Yuko Yamaguchi em si!

We stan for vaporwave!

Sabe o que é vaporwave? Não? É uma estética bem virada dos anos 1980 para os 90, retrozinha, com bastante referência aos sistemas de computação antigo, neon, palmeiras paradisíacas, uma cartela de cor meio específica. Aquele velho paradigma do “futurismo vintage”! Uma que explorou o vaporwave à sua maneira foi Miley Cyrus no álbum Bangerz, de 2013.

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E como um bom segundo maior fã de Miley Cyrus (o primeiro é o meu marido), o anjinho de cristal Daniel Beoni se inspirou no vaporwave para fazer esse vídeo que ele acabou de soltar no Instagram dele, com imagens de backstage e desfile da Mipinta no SPFW N47.

Eu gostei, você gostou? Quer contratar o Daniel de frila? Fala comigo, eu sou o agente dele.

BRINCADEIRA, fala com ele mesmo no Insta dele: @danielbeoni. <3

Você assistiu ao primeiro capítulo de Chernobyl?

A série da HBO estreou na semana passada e nessa, ao menos, a gente não precisa se preocupar com spoiler: sabemos bem como a história termina. Bom, pelo menos eu sei: pesquisei bastante porque, se você ainda não sabe: eu estive em Chernobil em janeiro desse ano.

A sala de controles da usina de Chernobil, mais especificamente do reator que explodiu, na série

A sala de controles da usina de Chernobil, mais especificamente do reator que explodiu, na série

O primeiro episódio é bem grande e bem tenso, já mostra logo a explosão do reator 4, os trabalhadores e os bombeiros sofrendo os efeitos da radiação, as primeiras mentiras que rolaram negando a extensão do acidente. Pesadíssimo, chocante - e sim, o reator que explodiu em 1986 é o número 4 pois existem o 1, 2 e 3. Eles continuam em atividade até hoje.

398 Likes, 26 Comments - Jorge Wakabara (@wakabara) on Instagram: "Esse atrás de mim é o reator número 4 que explodiu em Chernobil em 1986. Quer dizer: é uma..."

Sim, essa foto de cima foi tirada em janeiro e está no meu Insta. A estrutura montada ao redor do reator serve para conter a radiação que segue altíssima lá dentro, e deve continuar alta por séculos.

Quando eu contei que ia para Chernobil as pessoas ficaram doidas. É que na verdade eu começava aos poucos - primeiro dizia que ia para Ucrânia, aí perguntavam “mas por que a Ucrânia?” e eu contava o processo: a viagem estava marcada com a minha amiga Helô Dela Rosa para Londres e queríamos decidir algum lugar além da capital inglesa para ir. Aí ela disse: “Vamos para Kiev?!” Achei muito exótico porém gosto de coisas exóticas, ela disse “dá um Google Images, vê como é lindo!”

Se você der um Google Images vai ver que é lindo mesmo. Mas ela deixou para contar um pequeno detalhe só no final: o sonho e o plano verdadeiro dela era ir para Chernobil. Nesse vídeo abaixo a própria Helô fala mais sobre essa experiência:

Bom, aí era tarde, né, eu também fiquei com vontade de ir. Kiev é uma cidade bem bonita mesmo, com várias coisas interessantes para ver. Mas Chernobil e Pripyat são impressionantes, ruínas contemporâneas, símbolos da gravidade que o imprevisto pode tomar.

Não preciso dar muitas dicas porque se você for, você deve ir com uma agência especializada e eles mesmos vão ser os responsáveis por dar essas dicas. Mas enfim, não é um lugar que você pode sentar no chão, cheirar uma plantinha, tocar em algo que você encontrou - parece lógico mas alguns turistas que estavam no nosso grupo não entenderam tão bem… Também não é um lugar de turismo do jeito que a gente conhece. O local desperta reflexão, acho que pode até ser um gatilho dependendo da sensibilidade da pessoa.

Outro livro que recomendo (e que a Helô também leu) é Vozes de Tchernóbil: Crônica Do Futuro, da ganhadora do Nobel de 2015 Svetlana Alexijevich. Tristíssimo, com depoimentos de sobreviventes da tragédia, é um bom complemento para quem assistiu a esse capítulo de Chernobyl e se interessou. Abaixo, o trailer oficial:

A gente devia relembrar Clodovil Hernandes - e outros grandes nomes da moda brasileira

Existem dois estilistas que viraram mitos no Brasil:

Clodovil Hernandes e Dener Pamplona de Abreu!

Clodovil Hernandes e Dener Pamplona de Abreu!

Eles eram superpop, cada um à sua maneira: Dener com apelo mais cult e com um superlivro prometido e nunca cumprido pela extinta Cosac & Naify (mas existe uma autobiografia Dener, o Luxo da editora e também Bordado da Fama: uma Biografia de Dener, de Carlos Doria, da editora Senac); e Clodovil um personagem controverso, que acabou ficando muito mais famoso como apresentador e depois virou político, deputado federal eleito em 2006. Ambos nasceram em 1937, mas Dener morreu cedo, em 1978, e Clodovil perdurou. Até peça de teatro fez, sabia?

Li Tons de Clô faz um tempo - é uma biografia interessante mas falta bastante da sua moda para quem é fashionista. Tem quem diga que a moda de Clodovil era mais fraca, especialmente se comparada com Dener. Os dois tinham uma rixa, e nem sempre fica claro se era tudo teatro para chamar atenção da imprensa, se tinha um fundo de verdade - mas os dois gostavam de exercitar a língua ferina um com o outro.

O que eu acho? Que existe muito pouco material histórico para a gente chegar em conclusões sobre relevância, não só de Clodovil como também de outros grandes ícones, como Guilherme Guimarães. Só se sabe mais sobre Zuzu Angel graças aos esforços da família - a filha Hildegard Angel fundou o Instituto Zuzu Angel em 1993.

E é com grande alegria que fico olhando o Instagram @institutoclodovilhernandes, que resgata imagens do trabalho do estilista - e dele!

O Instituto Clodovil Hernandes foi criado em 2010. É muito bacana ver esse tipo de resgate da moda brasileira. Que venham mais dessas iniciativas!

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CH e modelos em sua Loja da Oscar Freire!

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Tracey Thorn é rainha demais!

Foi um tempinho sem conhecer Everything But the Girl. A dupla, formada por Tracey Thorn e Ben Watt, começou sua carreira em 1982, mas foi só quando eu tinha 15 anos, em 1996, que fui visitar minha irmã Ana Flavia que estava morando em Atlanta e ela tinha comprado o CD Amplified Heart com o megahit Missing (aquele que ganhou um remix bem bate-cabelo).

Foi mais uma das coisas de música que minha irmã me apresentou e amei - uma boa parte do meu gosto musical se construiu pelos discos dela. Tracey tinha uma das vozes mais lindas que eu já havia ouvido - e segue assim até hoje. Ela era muito cool, assim como seu marido Ben. Um pouco depois, em 1996, eles lançariam o eletrônico Walking Wounded - o ano em que fui para Londres pela primeira vez, então imagina como amei, né? No mesmo 1996, era lançado o Red Hot + Rio, álbum coletivo cuja renda ajudava na conscientização sobre a AIDS, nessa época ainda uma doença muito misteriosa - a lista de músicos incluía Marisa Monte com David Byrne, Crystal Waters cantando The Boy from Ipanema em versão house, Caetano Veloso com Cesária Évora e Ryuichi Sakamoto, Chico Science e Nação Zumbi em versão remix, Cazuza e Bebel Gilberto numa versão demo bem caseira e linda de Preciso dizer que te amo.

Eu me apaixonei perdidamente por esse disco, ouvia pencas, ele era tudo que mais amava. A segunda faixa era Corcovado com o Everything but the Girl, Tracey tentando imitar o sotaque de João Gilberto, batidas que críticos odiaram por tirar toda a bossa da bossa nova - mas era essa a nova bossa, era estranho e muito atraente para mim. Cantava junto imitando o sotaque da Tracey Thorn, meio ridículo, meio intrigante, meio charmoso, meio irresistível.

A verdade é que qualquer coisa que Tracey fizesse a partir daquele Amplified Heart eu provavelmente comeria de garfo e faca e lamberia os beiços. Como Protection, a música na qual ela escreveu letra e melodia com o Massive Attack.

O tempo passou e eu aprendi a amar toda a discografia do Everything but the Girl. E fissurei até na banda que Tracey teve antes, a obscura Marine Girls, que virou moda entre os indies porque tinha um fã bem famoso: Kurt Cobain.

Depois o Everything but the Girl acabou e Tracey se dedicou a uma carreira solo (que também adoro). Mas eu queria chegar em outro lado dela: o de escritora.

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Ela começou com uma biografia

Mas deu tão certo que virou colunista da revista New Statesman

De lá para cá, além do Bedsit Disco Queen, Tracey lançou mais dois livros. Esse post inteiro é mais para falar do segundo, Naked at the Albert Hall, no qual ela fala sobre o cantar e cantores.

Tracey escreve muito bem, tem aquele humorzinho ácido inglês e ao mesmo tempo se aprofunda nos assuntos de uma maneira que gosto muito, com pesquisa, citando diversas fontes - incluindo livros de ficção que possuem personagem cantores. As discussões que ela levanta são muito interessantes: por que a gente acha que a letra que o cantor canta sempre tem um caráter pessoal? Por que a gente sente um tipo de intimidade doida com cantores que geralmente não acontece com outros tipos de artista? Por que o fã pode ser um negócio maluco e obsessivo? Como é que o cantor encontra uma voz e um jeito de cantar e geralmente não consegue mudar depois, quando já tem uma carreira consolidada?

Explaining how you wrote a song, or what it’s about, it reminds me a bit of that Robert Frost quote, when he was asked to explain what a poem meant and he said, ‘What d’you want me to do? Say it again in worser English?’
— Tracey Thorn entrevistando Romy Madley Croft do The XX em "Naked at the Albert Hall"
Tracey é uma pessoa que pensa nas coisas que canta e que escreve - isso me atrai! Fonte da foto: Rolling Stones, o artigo que fala sobre o último álbum que a Tracey lançou, Record

Tracey é uma pessoa que pensa nas coisas que canta e que escreve - isso me atrai! Fonte da foto: Rolling Stones, o artigo que fala sobre o último álbum que a Tracey lançou, Record

Para terminar, ressalto os ótimos dois refrões de Dancefloor, música do último disco de Tracey.

Oh but where i’d like to be
is on a dancefloor with some drinks inside of me
Someone whispering it’s quarter after 3
There’s no where I’d rather be
(...)
Oh but where i’d like to be
is on a dancefloor with my friends all pissed at me
Someone singing and I realise it’s me
I realise it’s me
— Tracey Thorn em "Dancefloor"