Affff, eu não aguento deixar a minha grande boca fechada

Só um instante, maestro.

Dentro da lógica "dessa moda aí" está o privilégio.
O privilégio de ter, e o outro não tem.
O privilégio de eu sei onde tem, e o outro não sabe.
O privilégio de comprar, e o outro não comprar.
O privilégio de conseguir, e o outro não consegue.
O privilégio de estar mais antenado, e o outro não está.

A diferenciação, e não a inclusão.

Sei disso porque trabalhei na moda por anos. Convivi de maneira íntima, todos os dias. E quem me conhece sabe que eu achava (e acho) os passos dessa dança errados e entediantes.
E por isso mesmo não quero mais. Se acontecer, paciência, porque todo mundo precisa pagar os boletos, mas é por isso que sofro tanto quando as pessoas me enxergam como um jornalista que só consegue falar de moda, porque eu não quero mais falar dessa moda.

Para mim a discussão sobre diversidade, inclusão e fim do preconceito é importantíssima. Mas ela não é isolada dessa lógica arrogante da moda em que existem iniciados superiores e os não-iniciados que não sabem de nada.
Enquanto existir essa lógica, ao meu ver, a barca segue excluindo.
E agora eu não quero mais embarcar nessa barca. Quem quiser, fique à vontade.

Um apelo para o Spotify: Momoe Yamaguchi para toda a população

Eu só queria que uma playlist minha ficasse perfeita, entende?
Para isso, preciso de músicas da Momoe Yamaguchi.
Aí pintou uma notícia maravilhosa: os serviços de streaming vão disponibilizar a discografia completa de Yamaguchi. Fogos de artifício quase percorreram meus neurônios antes de notar um PORÉM:
Isso só aconteceu para contas registradas no Japão.
E o meu Spotify é brasileiríssimo.

Por quê??? CÉUS, por quê?????

Mas, OK, já entendi: você não sabe quem é Momoe Yamaguchi. Segura a respiração para descobrir quem é uma das minhas cantoras preferidas do MUNDO, num altar ao lado de Tracey Thorn, Sade, Dave Gahan e mais um pessoalzinho.

momoe-yamaguchi.jpg

Momoe Yamaguchi

A mais linda e talentosa do rolê – e o olho de ressaca da Capitu em forma de gente, cês não acham??

Yamaguchi teve apenas 7 anos de carreira. Pois é: só 7 aninhos. E nesse tempo lançou nada menos que 22 álbuns. É uma média de mais de três álbuns por ano!
Aos 13 anos, Momoe se inscreveu no show de talentos Star Tanjô e se apresentou cantando a música Kaiten Mokuba. Ficou em segundo lugar mas mesmo assim recebeu propostas de produtores para ser a mais nova aidoru do pedaço (entenda o que é aidoru nesse post).

Nem gosto tanto dela nessa fase, mas acho importante para entender o mecanismo todo. Ela assinou com a Hori Productions, também conhecida como HoriPro (e ficou por lá pelo resto da carreira). O seu segundo single, Aoi Kajitsu, chegou ao 9º lugar das paradas. De 1973 (ou seja, Yamaguchi tinha apenas 14 anos), a música parece uma gracinha inofensiva para a gente, que não entende a letra:

Só que ela diz: "Tudo bem se boatos falando que sou uma garota má se espalharem."
Isso mesmo.
E também tem uma coisa meio "você pode fazer o que quiser comigo, eu não ligo” à moda Sempre Livre na música Eu Sou Free.
Vindo de uma menina de 14 anos, bem… Que ousadia.
A primeira parte da carreira de Yamaguchi foi marcada por essa sensualidade das letras, o que gerava polêmica e que, fala sério, é mesmo um absurdo nojento. O single Hitonatsu no Keiken de 1974, por exemplo, causou porque ela dizia que ia “dar a você a coisa mais preciosa que uma garota tem.” Quando jornalistas e apresentadores perguntavam o que era a coisa mais preciosa que uma garota pode ter, Yamaguchi respondia: “a devoção.”
Mas que bando de escroto, né?

Capa do Hitonatsu no Keiken

Capa do Hitonatsu no Keiken

Essa música fez tanto sucesso que Yamaguchi a cantou no Kôhaku Uta Gassen de 1974 – acho que nunca expliquei aqui mas o Kôhaku Uta Gassen é o festival de música japonês supertradicional de fim de ano no qual um time de cantores (o grupo de branco) concorre contra um time de cantoras (o de vermelho). Só é convidado para participar dele quem está fazendo muito sucesso, portanto ele virou um índice de fama no showbusiness nipônico.
A partir de 1974, Yamaguchi participaria de todas as edições do programa, que sempre acontecem em 31/12, até sua aposentadoria. O negócio é tão grande e tão sério que existe uma pesquisa demográfica e um comitê para decidir quais músicas serão apresentadas. Mas toda regra tem sua exceção: Yamaguchi insistiu em cantar Hitonatsu no Keiken em sua estreia, apesar da letra atrevida que deixava o comitê de cabelo em pé. Cantou. E mesmo assim, continuou sendo convidada – é normal que a poderosa produção do programa, assinada pelo canal NHK, faça represálias, só que nesse caso a estrela em ascensão seguiu intocada! Confira a gata no festival de 1974 abaixo:

(O time das mulheres ganhou em 1974. A votação é da audiência e jurados especializados.)

Com o sucesso, começou a grande virada. Se no começo Yamaguchi foi direcionada para o estilo kayôkyoku, uma espécie de irmão mais novo e leve do enka (ambos se baseiam em elementos tradicionais da música japonesa misturados com instrumentos e produção ocidentalizada), agora a cantora começava a colocar as manguinhas de fora, pressionando seus produtores a ter mais voz nas escolhas artísticas.
Não é mera coincidência que essa é a fase que amo!
Uma das suas providências foi escolher o casal Yoko Agi e Ryudo Usaki como fornecedores de músicas. A primeira que ela gravou deles, Yokosuka Story, de 1976, é mais pop e mostra uma imagem um pouco diferente. Ela não era mais um brinquedo que fazia as vontades do homem. Logo de cara já perguntava: "Última vez, última vez, essa é a última vez?". Suas vontades eram colocadas na mesa. Pela primeira vez, ela mostrava que tinha sentimentos contrários ao que estava acontecendo e reclamava a respeito do egoísmo de seu interesse amoroso.
E o melhor: a música é muito legal. Play, vai por mim:

Amo a câmera fazendo uns travelling mutcho loko, amo a intensidade emocional do vocal de Yamaguchi (parecia que agora ela realmente sentia a música, que a interpretava direito pois acreditava nela).
Yamaguchi passou grande parte da infância em Yokosuka. Agi, a letrista, também. Yoko Agi conta que não conhecia Yamaguchi quando uma música foi encomendada e composta, então teve que se basear no que sabia dela. Yokosuka Story foi a música mais famosa de toda a carreira de Yamaguchi.

Acho que Zettai Zetsumei, de 1978, também é um bom exemplo dessa nova imagem da artista.

Lembrando que ela tinha apenas 19 anos nessa época!
A música, que também é da dupla Agi-Usaki, fala de um triângulo amoroso. Estão os três reunidos e ela intima o cara: “Ela ou eu?”. No fim, o boy diz que ama as duas. E ela, que não aguenta mais a situação, fala “pois então bye bye que assim não dá" (ela literalmente canta bye bye).

Agora pausa, volta um pouco.
Não contei mas Tomokazu Miura já tinha entrado nessa história. Em 1974, ele participou de uma campanha da Glico com Yamaguchi.

Que fofuras! Quer um chocolatinho da Glico?

Que fofuras! Quer um chocolatinho da Glico?

Miura coincidentemente começou a carreira na música: ele fazia parte da formação original da RC Succession, uma banda incrível que fez história no pop-rock japonês. Só que ele acabou saindo antes que eles fizessem uma primeira gravação profissional. Não fez mal: Miura acabou garantindo uma carreira como ator.

Ambos, Miura e Yamaguchi, contracenaram em um filme no mesmo ano de 1974 e a química era tanta que fez com que eles ganhassem papéis de casal constantemente. Ficaram conhecidos como o Goruden Combi (golden combo). Enquanto Yamaguchi levava as carreiras de atriz e cantora paralelamente, Miura se dedicava apenas à atuação. Em 1979, Yamaguchi finalmente confessou em uma entrevista que Miura era a sua "pessoa preferida". E Miura, por sua vez, abriu o jogo: estavam noivos.

Você pode imaginar que todo mundo ficou cheio de felicidade, tal qual como ficávamos quando víamos a família Pitt-Jolie em fotos felizes. Mas existe uma prática cultural no Japão, que ainda é bem machista, de que a mulher para de trabalhar quando casa. E passa a se dedicar integralmente ao marido e aos filhos.

”Ah, mas isso não aconteceria com alguém tão famosa!". HAH! Meu bem: não só aconteceria como de fato aconteceu. A notícia da data do casamento chegou com anexo: a data da aposentadoria de Yamaguchi. Um show de despedida no lendário Budokan de Tóquio foi anunciado para outubro de 1980, e um último álbum saiu em novembro. Você pode imaginar que isso virou uma loucura: compilações saindo que nem água, lucro estonteante com a venda de ingressos e tal. E foi entre o anúncio da sua saída estratégica do mundo do entretenimento e o casamento-aposentadoria em si que Yamaguchi cometeu o que considero (não sei se outros consideram, mas na minha opinião é isso aí) a trilogia de ouro do trio Yamaguchi-Agi-Usaki.

Vamos começar com Shanikusai, uma maravilha, a minha preferida de todas da Yamaguchi, lançada em março de 1980.

Chora nessa capa, Lady Gaga e Ariana Grande!

Chora nessa capa, Lady Gaga e Ariana Grande!

Alejandro. La Isla Bonita. Sandra Rosa Madalena. Tudo isso veio depois. Yamaguchi fez um improvável sangue latino correr nas veias do pop japonês com esse hit. Tem cigano, tem rosa vermelha, tem sangue, tem tarô. Play abaixo:

Ligue para o Sidney Magal e diga para ele regravar essa música AGORA!

A segunda dessa trilogia que inventei na minha cabeça é um rock.
Isso mesmo. Rock 'n’ Roll Widow saiu em maio de 1980.

rocknroll-widow.jpg

A música não tem uma pegadinha: ela fala que literalmente é uma viúva, o marido morreu faz tempo, que ele era muito muito muito muito cool (a parte que ela fica repetindo kakko kakko kakko se refere a isso) e pelo visto a linda tá num outro momento de… curtir a vida, você sabe o que eu quero dizer. No refrão, primeiro ela diz "corta essa, não sou sua mamãe” e depois “corta essa, você não é o único homem". Tá, meu bem?

A coreô, os looks, o carão: levem essa mulher para o Legendary já para ela levar tudo!
O single também faz parte do álbum Mobius Game, lançado simultaneamente. Um pré-City Pop maravilhoso com uma capa linda, recomendo.

A terceira e última canção da trilogia é uma balada, Sayonara no Mukōgawa, feita em homenagem aos seus fãs e lançada em agosto.

sayonara.jpg

É bem melosa: fica agradecendo por tudo (dá para entender pois ela agradece em inglês), fica dizendo que não quer embora (mentira, ela deu entrevistas falando que realmente não queria mais trabalhar como cantora ou atriz), fica dizendo que a música vai ser a última (mentira, saiu mais uma em novembro que não é uma composição de Agi-Usaki).
A letra da capa do single, feita à mão, é da própria Yamaguchi.
Gosto desse momentinho love-songs-alpha-fm. <3

Essa foi a última música que Yamaguchi cantou no show de despedida do Budokan. Diz que ela chorou.

Tal qual Lídia Brondi no Brasil (mas por motivos bem diferentes), Yamaguchi estava falando sério. Nunca mais fez uma aparição pública como cantora ou atriz depois de novembro de 1980. Isso só fez com que o mistério ao redor dela se tornasse maior, tanto que é muito querida pelos fãs até hoje. Sua família, incluindo os filhos (ela tem dois), sofreram muito com paparazzi – no fim acho que eles desistiram de lutar contra e tentaram carreira no entretenimento, mas sem tanto sucesso quanto os pais.

As pessoas se recusaram a deixar o mito morrer e ela continuou viva na memória de todo mundo, eternamente com 21 anos.
SIM: ELA SE APOSENTOU COM 21 ANOS. Para um brasileiro isso soa como ficção científica!
Yamaguchi segue casada até hoje com Miura.
E para mim, ela tinha o olhar mais lindo que existe, além de uma voz belíssima.

Então, Spotify: te convenci?

Vamos de mix de sucessos se você teve preguiça de ver todos os vídeos e quer dar play em um só:

A relação entre os Zappa e os filmes adolescentes norte-americanos dos anos 1980

Esse título é simplesmente tudo, né?
Pois é. O episódio de podcast do Sessão da Tarde sobre A Garota de Rosa Shocking (1986) entrou no ar e eu até dou uma palhinha sobre o que se trata esse post aqui. É nele que falo sobre a aparição do Dweezil Zappa.

Está com preguiça de ouvir agora? OK, vou te explicar aqui, mas depois me promete que vai ouvir quando tiver tempo, tá?

Molly Ringwald era a it girl dos anos 1980 e não tinha para ninguém (quer dizer, até tinha, para a Demi Moore, mas Molly tinha uma pegada mais "namoradinha da américa"). Durante as filmagens do Clube dos Cinco (1985), a atriz namorou o colega Anthony Michael Hall (falei disso nesse post aqui). Mas na época de A Garota de Rosa Shocking, Michael Hall já era passado e ela estava em outra. Ou melhor, em outro. Ringwald namorava Dweezil Zappa.

ringwald-zappa.jpg

ADORO
UM CASAL

(Sim, você leu certo, tem uma chamada para a deusa Sonia Braga na capa da revista)

E quem era Dweezil? Ele vem a ser o filho de um dos caras mais bacanas da música underground norte-americana: Mr. Frank Zappa.

Simplesmente tudo.

Dweezil Zappa é o segundo filho de 4. Ele era VJ da MTV nos anos 1980. Sim!

Aí parece que ele falou mal da MTV no programa do Howard Stern e foi demitido. Acontece. A principal carreira dele é como guitarrista – teve um single lançado aos 12 aninhos, produzido por ninguém menos que Eddie Van Halen! Abaixo, uma música de Dweezil com vocais da sua irmã mais velha, a Moon Unit Zappa. E olha, Let's Talk About It é bem legal, viu?

Guarda o nome da Moon, ela vai aparecer de novo daqui a pouco nesse post.

Dweezil e Molly pareciam um casal feito para os adolescentes modernos se espelharem. Eles eram o auge do cool.

E eu amo acima de tudo a turma:

Em cima: Molly, Dweezil e Moon Unit. Abaixo, as irmãs Ringwald, o punk Matt Freeman e o cara do franjão eu não consegui identificar

Em cima: Molly, Dweezil e Moon Unit. Abaixo, as irmãs Ringwald, o punk Matt Freeman e o cara do franjão eu não consegui identificar

Molly, Dweezil, Moon Unit e o Donovan Leitch, que vem a ser o filho do Donovan!!! Quenda!

Molly, Dweezil, Moon Unit e o Donovan Leitch, que vem a ser o filho do Donovan!!! Quenda!

Dweezil depois teria uma coleção de namoradas famosas. É sério: ele já namorou Sharon Stone, Sandra Bullock, Jennifer Connelly, a própria Demi Moore, Lisa Loeb… Identificamos um tipo: mulheres que tem fama.

Mas a ligação de Dweezil com os filmes adolescentes norte-americanos dos anos 1980 é Molly? Bom, basicamente é, mas a cena de Garota de Rosa Shocking na qual ele aparece é MARA (corre até os seis minutos):

(Falando nisso: a gente AMA Alexa Kenin. Ela morreu bem nova, com 23 anos, em circunstâncias misteriosas. Quando Garota de Rosa Shocking saiu, ela já tinha morrido.)

Dweezil faz essa ponta como Simon. Quando Andie pergunta: “O que você faria se seu pai fosse rico?”, ele responde “Kiss his ass". Mas sinceramente ele parece mais interessado em ver a banda.

E qual é a outra ligação dos Zappa com filmes adolescentes norte-americanos dos anos 1980?
Prepare-se para ver algo que é MUITO Cansei de Ser Sexy.

UM HIT.

Sim, essa que está "cantando” (ou falando?) é Moon Unit Zappa. E apesar dela parecer muito madura, ela tinha apenas 14 anos. Valley Girl é um dos maiores sucessos de toda a carreira de Frank Zappa, lançada em 1982. A ideia era tirar um sarro do jeito das patricinhas do vale de San Fernando, em Los Angeles. Para isso, diz a lenda que ele acordou Moon no meio da noite, levou-a para um estúdio e ela recriou conversas que tinha com seus amigos usando as gírias, o jeito de falar…
Hoje é provável que o nome da música teria que ser Calabasas Girl ou algo assim…

valley-girl-capa.jpg

Aí procuraram o Zappa para propor uma adaptação cinematográfica da música. Ele não quis. E basicamente eles fizeram mesmo assim. O filme, chamado Valley Girl (em português é Sonhos Rebeldes) saiu em 1983 e traz uma história um pouco parecida com Garota de Rosa Shocking na dinâmica "par romântico de diferentes realidades". Nicolas Cage, bem novo, está no papel de Randy, o galãzinho modernete de Hollywood que conquista o coração de Julie Richman (Deborah Foreman), a patricinha que mora no vale.

Randy &amp; Julie em Valley Girl

Randy & Julie em Valley Girl

Até o sobrenome de Julie é uma piada pronta: Richman?! Os pais de Julie nem são tão ricos assim: ex-hippies, possuem um restaurante de comida natureba. Ou seja: o conflito é mais de bolha e de bairro do que necessariamente de dinheiro e classe social. O jeito deles falarem é diferente, o jeito de se vestirem, os gostos musicais, a ideia de uma noite divertida…

Zappa processou a produção – e perdeu.

Um remake musical de Valley Girl foi realizado. O problema é que um dos seus astros é Logan Paul, o influenciador digital que não consegue parar de ser idiota, fazer absurdos e ser cancelado. Então o filme segue tendo o seu lançamento adiado. A última data era em maio, em forma de lançamento digital, e para te falar a verdade acho que foi lançado sim – mas quem se importa? Logan Paul? Musical? Não, obrigado.

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