Vamos reconhecer: é cafona comprar

Vocês brincavam de mês?
Era uma brincadeira maravilhosa e ridícula. Ficava um povo ali sentado, uma dupla saía e combinava um mês do ano sem ninguém mais ouvir. Aí voltava a dupla e começava a perguntar: mês? Cada uma das pessoas ia respondendo um mês até que alguém acertava o mês combinado pela dupla. E então vinha a pergunta, a mais bizarra pergunta:

O que você quer do mundo?

Nossa. A paz mundial? O fim do fascismo? O imposto sobre grandes fortunas?
Não: geralmente quem acertava respondia coisas mais simples. Um carro. Um videogame. Uma joia.
Aí a dupla voltava a confabular longe do ouvido dos outros. Cada um escolhia uma coisa: Camaro ou Land Rover. Supernintendo ou Mega Drive. Anel da Tiffany ou pulseira da Cartier.
A dupla voltava com as opções e a pessoa escolhia. Quem tivesse inventado a opção que ela respondeu continuava perguntando o mês com ela, e a outra pessoa da dupla saía, se juntando ao grupo.
E assim ad infinitum. Besta, né?

Mas se a brincadeira de mês continua existindo, será que as opções do que você vai querer do mundo continuam as mesmas?
Meu ponto é: quem quer a droga de um carro para pagar imposto, gasolina e manutenção?
Os bens materiais, meu bem, saíram de moda. Estão out. Very last season. É brega ter. “Ostentar é coisa de quem não tinha". "Ostentar é coisa de gente vazia que não valoriza as coisas realmente importantes".

Sinceramente sempre achei a Becky Bloom CAFONÉRRIMA

Sinceramente sempre achei a Becky Bloom CAFONÉRRIMA

Não me entenda mal: isso não quer dizer que as pessoas pararam de comprar. Elas seguem comprando pencas - basta ver os lucros das marcas. Só que aquela pessoa que você acha cool provavelmente não vai te dizer: "nossa, gastei os tubos na Zara". Há uns 15 anos, ela poderia dizer isso. Hoje, existem mil fatores que pintaram no cenário que fazem com que o consumo esteja em baixa no imaginário geral.
Vou enumerar alguns mas não pretendo fazer um compêndio que explica tudo - vocês me digam depois o que acrescentariam.

  • Sustentabilidade: finalmente o povo começa a se tocar, né? Melhor do que consumir, é incrível reaproveitar. E não, consumir produtos sustentáveis em quantidade não adianta, reduza o consumo e, se precisar consumir, consuma o que foi produzido de maneira mais sustentável.

  • Compartilhamento: Uber, guarda-roupa compartilhado, patinetes, Airbnb e por aí vai. E nem comecei a falar de carro autônomo - olha essa lista de 73 coisas que podem acontecer quando o carro autônomo virar uma realidade.

  • Minimalismo: de um estilo de moda para um estilo de vida. Existe um filme na Netflix chamado Minimalismo: um documentário sobre coisas importantes que prega essa mudança do consumismo para algo mais significativo. Aliás, isso nos leva ao próximo item…

  • Millennials: sempre eles. A geração dos creators, dos makers. Bateu uma ressaca de capitalismo no millennial. Ele se sente insatisfeito. É o millennial (depois da década de 1960, que também foi pródiga nisso antes do hippie virar yuppie) que levou a questão "Qual é o meu propósito nesse mundo?” mais a sério. Vai daí o "vendi tudo e fui passar um ano viajando” que soa como piada de privilegiados (e é) mas ao mesmo tempo se transformou num novo aspiracional. Todo mundo queria ser milionário, pode não ser uma prioridade mas a gente acharia ótimo não precisar se preocupar com dinheiro. Acontece que não somos. E aí? O sonho é ser milionário ou ser outra coisa?

  • Consciência social: quero acreditar que ela aumentou, apesar dos pesares (da política do jeito que está, do fogo cruzado entre opiniões contrárias). É feio ostentar com tanta gente com tão pouco. Simples assim. Só que para essa consciência social acontecer, é necessário estar em contato com o outro - ou seja, tem que furar a bolha. A gente costuma dizer que vive numa bolha, e acho que vive mesmo, mas saber da existência da bolha não motiva pessoas a cada vez mais saírem dessa zona de conforto, mesmo que só de vez em quando?

  • Já deu: não deu? A experiência de compra se esgotou. É boba e vazia. O povo tem que se virar nos 30 para levar a pessoa na loja: ambiente instagramável, eventinhos etc. O ambiente online, por sua vez, pode ser bem entediante - veja o próximo tópico…

  • Algoritmos! Teve uma coisa que a jornalista Alexandra Farah falou numa entrevista que fiz com ela sobre algoritmo que não saiu mais da minha cabeça. "Hoje a gente vive muito a base de dados, inteligência artificial; quando você pesquisa 'tênis branco' no Google, de repente só começa a ver tênis branco em tudo, qualquer coisa que você abre vem com um anúncio. Isso é legal porque às vezes você precisa mesmo do tênis branco, mas banaliza muito a moda. Com esse monte de WGSN, Google Analytics, essas ferramentas de big data, a moda está ficando muito igual e banal. (…) Os criadores têm que dar pra gente o que não sabemos que queremos, esse é o papel de um estilista: me fazer querer o que ainda não sei que quero." Algorithm killed the fashion star.

A verdade, pelo menos na minha opinião, é que a gente até continua gastando do mesmo jeito - mas escondido. Não conta para ninguém. Não publica na internet. Deixa para mostrar só para os amigos mais próximos. E a tendência é que, por causa de tudo isso, a gente cada vez compre menos mesmo.

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Mas então vai ter uma hora que a gente vai parar de comprar & gastar?

Ih…

Não é bem assim. Senão estava todo mundo cheio da grana, o dinheiro não ia valer nada e tudo aquilo que a gente aprendeu nas aulas de economia - se é que você lembra, eu não lembro direito não.
A verdade é que estamos gastando cada vez mais com experiências e serviços do que com produtos. Então é essa a conta: viagens, restaurantes, passeios, cinema, shows.
E se você pensou "conta do Instagram", sim, é isso mesmo - a gente precisa alimentá-la com algo… A era dos influenciadores, dizem, já passou de sua fase áurea; ou pelo menos a do look do dia passou. Fotos com a pessoa que é dona da conta continuam arrecadando mais likes mas… Cadê o número de likes? Bobou, bebê!

Por fim, duas sugestões para quem vai guardar muito dinheiro agora que vai entrar numa onda mais minimalista.
Que tal guardar dinheiro para:

Ir para o espaço?

Ou: seguir essa lista de melhores experiências gastronômicas do mundo?

Bem mais legal que comprar aquela bolsa da Prada, diz aí. O céu é o limite. Nesse caso, de maneira bem literal, o céu não tem limites…

A primeira cosmonauta: Laika

A primeira cosmonauta: Laika

E daqui a pouco eu volto falando mais de uma nova roupa - é uma loucura.

O KFC fez um chapéu-balde inspirado no seu balde

É mais ou menos só isso mesmo o post…

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Tá bom, vai, vou dar mais informações.

O que é conhecido como chapéu pescador por aqui (ou chapéu do Chorão do Charlie Brown Jr - saudades) lá fora é chamado de bucket hat, ou chapéu-balde. Ele está na moda, dizem.

Aí a KFC Rússia (nem um pouco surpreso por ser na Rússia, e você?) fez uma parceria com uma marca de streetwear russa, a Мам, купи (ou Mam Cupy).
Agora sim, é isso o post.

Vai um frango?

Vai um frango?

Mas a gente sabe que a burguesia fede desde 1989, Slimane...

Aiai, lembra quando a gente amava o Hedi Slimane?
Era na longínqua primeira década dos anos 2000. Ele assinava a Dior Homme e Kate Moss, ícone fashion de mulheres, homens, cachorros, papagaios e alienígenas, decidiu usar as roupinhas da Dior Homme.
(Aliás, breve adendo: você já parou para pensar que existem seres maiores de idade hoje que talvez não tenham muita noção de quem é Kate Moss? O escândalo do uso de cocaína em capa de tablóide aconteceu em 2005 - as pessoas com 18 anos hoje tinham 4 aninhos…)

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Kate Moss de Dior Homme por Hedi Slimane

Foto de Willy Vanderperre para Another Man em 2005

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De novo, Kate de Dior Homme por Slimane

Tipo Marlene Dietrich. Foto de Mert & Marcus para Vanity Fair em 2006

Dizem que foi Raf Simons quem "reinventou” a skinny mas que Hedi Slimane que popularizou. É que o universo imagético de Slimane tinha timing: era época de Last Nite dos Strokes; era o namoro de Kate Moss com Pete Doherty; o rock americano pedia a benção de Iggy Pop e Ramones e invadia o espaço da primeira onda do britpop de Oasis e Blur. E a roupa? Paletozinhos ajustados com camiseta, jeans skinny, botinha ou Converse. Very Slimane (e se você pensar bem, também é super Zezé di Camargo). Androginia fazia parte da sua cartilha, assim como magreza extrema, o resquício da era heroin chic de maneira um pouco mais velada. Kate, de skinny e coletinho, se confirmou como ícone de estilo de toda uma época que não era muito sexy (muito osso, né? A gente gostava na época, hoje temos vontade de dar um x-burguer para a pessoa se alimentar), mas sem dúvidas tinha drogas e rock 'n’ roll.

O estilista saiu da Dior Homme em 2007 e, durante 5 anos, se dedicou a uma outra coisa que também faz com sucesso: fotografia. Sabe aquela capa de The Fame Monster? É dele. Lady Gaga é uma grande entusiasta de Hedi Slimane e não dá para culpá-la: ela era uma adolescente no auge de Kate Moss, então deve ter visto naqueles looks skinny tudo o que a gente também via, ou seja, referência de moda e estilo.

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The Fame Monster, 2009

Cabelo de Rei Kawakubo só que loiro, foto de Hedi Slimane

Então, na primeira década dos anos 2000, Slimane era o que havia de hype, de contemporâneo, de fashion.

Aí veio 2012 e as máscaras começaram a cair…
Ele entrou na então Yves Saint Laurent, tirou o Yves do nome da marca e o povo já começou a pensar: “ih, o que que esse cara tá pensando??”

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A camiseta mais pirateada da virada de 2012 para 2013

A “original", da marca What About Yves, foi parar nas lojas mais cool da época, tipo a Colette e a Maison Kitsuné, mas deu ruim: a Saint Laurent abriu processo

Mas o que mais deixou o povo ressabiado é que o tempo havia passado - e como - e Slimane parecia continuar batendo na mesma tecla. A calça era skinny, tinha o paletozinho, o clima era meio Pete Doherty. Pete Doherty was very last decade e o pessoal tentava entender. Diziam: "essa roupinha tem cara de fast fashion!” Defendiam: “é cara de fast fashion mas com uma qualidade muito maior, quem viu de perto e tocou sabe." Bem esnobe, né, do tipo "chora querida, se você não foi na loja em Paris não sei porque está dando sua opinião.”
A verdade verdadeira? Tinha qualidade muito maior mas tinha cara de fast fashion mesmo. Imprimia algo que, na visão dos especialistas (e inclusive na minha) tinha tudo para dar errado.
E não deu. As vendas aumentaram. Na época a Saint Laurent virou queridinha do grupo Kering. Você sabe, né, isso foi um pouco antes de Alessandro Michele começar a sua pequena revolução na Gucci. É, meu bem, o tempo passa voando…

Só que hoje, se você compara o que Hedi Slimane fez e o que Anthony Vaccarello vem fazendo na Saint Laurent, é nítida a diferença. Não é que Vaccarello tenha mudado tudo - pelo contrário, ele não ignorou o que Slimane fez mas foi além e deu, na minha modesta opinião, mais originalidade e espetáculo para aquilo. A androginia agora tem doses calorosas de uma sensualidade adulta, um jogo de sedução que sempre fez parte da história da maison Saint Laurent. Slimane já era sensual, mas um sensual um tanto raquítico, um tanto jovem demais a ponto da gente questionar se aquilo era… saudável.

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Saint Laurent de Slimane

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Saint Laurent de Vaccarello

E aí Slimane surpreendeu todo mundo quando assumiu a Céline no ano passado. A marca é do grupo LVMH. Em teoria, ele não saiu muito feliz do LVMH quando se desligou da Dior Homme. Mas o que é uma alma #chatyada quando o cheque é gordo, não é mesmo, meu bem?

A primeira coisa que Slimane fez foi tirar o acento do nome Celine. Começaram a surgir piadas do tipo "se o Slimane entrar na Forum vai colocar acento no nome e vai virar Fórum, né?” (essa piada eu inventei agora, é ruim, mas você entendeu o que eu quis dizer)
Quando ele fez o primeiro desfile a galera ficou pistola: a marca, que antes era superadulta sob a batuta elogiadíssima de Phoebe Philo, se rendeu mais uma vez à estética própria de Slimane. Inclusive com várias comparações espalhadas pela internet.

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Só que a temporada de fall 2019 chegou para desgraçar a cabeça. Primeiro porque Slimane estava fazendo algo diferente.
A arqui-inimiga de Slimane, a jornalista Cathy Horyn, que também não é bem quista por Gaga e por meio mundo (é sério), fez um supertexto sobre o fall 2019 da Celine. Ele basicamente diz que Slimane é esperto e sabe fazer negócio na moda, e não necessariamente o elogia enquanto um criativo. Por quê? Porque ele colocou ali na passarela uma alta dose de um estilo burguês à moda dos anos 1970 e 1980, quase que literal, o que deve atrair outra faixa de público - ou até o mesmo público seu que o acompanha, afinal todo mundo envelhece.

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Foi muito fácil, no calor da hora, a gente achar bacana Slimane mudar sua estética. Era um outro universo e é disso que a moda gosta: de mudança, de novo. Não é? No meu caso, pelo menos, é isso que gera assunto. Então ninguém se perguntou em implicações morais ou simplesmente no que significava uma marca de luxo explorar esse look e suas simbologias nessas alturas do campeonato. Em seu texto, Horyn sugere uma aproximação com o universo da Hermès, sinônimo de uma alta sociedade que tem tanto dinheiro que, adicional meu: pratica equitação.
Essa exploração de uma imagem burguesa, se referindo tanto à classe alta quanto à classe média que tem aspirações a ser classe alta e por isso se veste de acordo, me parece um tanto sombria em sua lembrança de exclusão, de clubinho onde só endinheirado entra, e principalmente: me parece muito careta. Ainda mais quando colocada lado a lado com a imagem anterior de Slimane, rock 'n’ roll, adolescentes prontos para fazer bobagem - não deixa de ser fútil, mas ao menos é mais liberada em todos os sentidos. Essa nova burguesinha de Slimane vai no cabeleireiro, no esteticista e, de imaginar um storytelling ali, ele é bem medíocre na minha modesta opiniãozinha…

É preconceito mas me diga com sinceridade: quantos livros parece que uma moça vestida assim lê por ano?

O look de saia na canela e bota, aliás, é o figurino da personagem de Molly Ringwald no filme Clube dos Cinco. Claire, a princesa mimada filhinha de papai, é rejeitada pelos colegas que estão presos no castigo com ela na biblioteca. Suas roupas são a imagem da burguesia classe média feita para o sistema, comezinha, pronta para casar com um menininho rico e fazer outra Claire.

Claire (Molly Ringwald) é a quarta da esquerda para a direita. O look podia ser Celine!

Claire (Molly Ringwald) é a quarta da esquerda para a direita. O look podia ser Celine!

Quem não assistiu ao filme: tem plot twist… Só que isso não muda o fato do que aquela roupa precisava significar naquele contexto.

É certo direcionar a energia do hype para essa coisa tão desinteressante e conservadora, mesmo que seja um simulacro com provavelmente um grau de ironia? A patricinha, que é um público alvo desejável para uma marca de moda, precisa ir na Celine e sair uniformizada? Para a direção da marca, é provável que sim. Para quem curtia o trabalho de Philo, é uma morte horrível.
Resumindo: Slimane está fazendo roupa para a cliente que compra na Ralph Lauren e, um pouco mais recentemente, na Michael Kors?
Olha, é o que parece.

Olha bem nos meus olhos e me diz se isso não parece propaganda de Ralph Lauren.

No meu mundo fashionista, isso quer dizer roupa sem imaginação, sem tempero, medíocre.
E é isso. #militei um pouquinho, né?

"Às quatro da manhã para me falar de Slimane…”

"Às quatro da manhã para me falar de Slimane…”

A estética do improviso

Não sei se ficou claro, mas existe o que alguns podem considerar crise estética em curso no mundo hoje.
* ALERTA POLÊMICAAA, ELA ESTÁ POLÊMICA HOJEEEE *
Acontece que não considero o que acontece de fato uma crise e sim uma disputa da apropriação de estética improvisada, a estética periférica que se vira com o que tem, uma mistura charmosa e irônica que o hipster adora (e de certa forma estraga) desde 2000 e pouco: sabe aquele boné Texaco, aquela camiseta de campanha política, aqueles óculos de abusador sexual que ninguém usa como Terry Richardson?

Hipster starter pack: qualquer coisa você diz que é uma ironia (e as metidas a cinéfila vão adorar a citação a Nós da camiseta…)

Hipster starter pack: qualquer coisa você diz que é uma ironia (e as metidas a cinéfila vão adorar a citação a Nós da camiseta…)

Porém o hipster não é de direita - salvo Pedro D’Eyrot, que é de direita sim. Quer dizer, tem a direita transante, é assim que eles se chamam? Ai, que vergonha, começo a acreditar na crise estética. Mas NÃO: é uma apropriação, é uma tentativa de ocupação de espaços. Num momento em que o presidente dos EUA usa o mesmo tom de bronzeamento Oompa Loompa de Jersey Shore e o presidente do Brasil (* suspiro *) faz uma coletiva em cima de uma prancha de bodyboard, bem, quer algo mais significativo que a estética do improviso sendo apropriada pelo movimento conservador? Digo, Donald Trump tem dinheiro o bastante para que seu bronzeado fique menos camp, mais David Gandy em uma propaganda da Dolce & Gabbana; Jair Bolsonaro sem dúvida pode conseguir uma mesa de mogno, quiçá mármore, para apoiar microfones em sua coletiva. Tudo leva a crer que as escolhas estéticas deles são intencionais e são montadas para parecerem improvisadas, parecem mais próximas do "gente como a gente".

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Desculpa incluir pessoa com o rosto tão horroroso aqui

É só para ilustrar… Desculpa mais uma vez

Porém não podemos deixar que isso aconteça. A estética do improviso é nossa, e não dessa galera do mal. Assim como o meme feio é nosso. O vaporwave, que eles também querem assimilar, é nosso. E o clipe da MC Loma e as Gêmeas Lacração de Envolvimento (o original) TAMBÉM É NOSSO!

Relembre essa maravilha, dê o play.

O improviso é um estímulo criativo, uma ode à liberdade, um convite à surpresa. Quando uso o termo, que se conecta às manifestações periféricas e portanto ao underground (em contraposição ao mainstream), de maneira alguma injeto carga pejorativa. Ao contrário: esse improviso é poderoso, audacioso, atrevido, o melhor "fazer do limão uma limonada"; bate de frente e por isso é ameaçador, e por isso existe uma tentativa de cooptação, assimilação para eventual anulamento de seu poder. Tenho receio em usar a palavra porque as pessoas podem ler como algo não muito pensado, destrambelhado - mas para o improviso é necessário pensar; o improviso não é o contrário do conceito, ele pode ser conceitual e, quando está na passarela, geralmente é conceitual, é também uma escolha.
Quando falo da estética do improviso, me refiro também a algo em alta agora na passarela mas que tem uma história rica e mágica, que remete ao cinema marginal dos anos 1960 e 1970 de Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e tantos outros, desbundado, escrachado e, apesar de à margem, com refrescante apelo pop. Remete também ao punk dos anos 1970, uma estética do it yourself que prenunciava o upcycling antes da existência da palavra. Remete ao exercício de styling encharcado de personalidade de Harajuku e da revista FRUiTS (falei um pouco sobre ela e sobre o bairro japonês nesse post aqui).

Na foto de cima à esquerda, Ângela Carne e Osso, a inimiga nº 1 dos homens, personagem de Helena Ignez em A Mulher de Todos (1969) de Rogério Sganzerla; na direita, a turma punk na época da loja SEX de Vivienne Westwood (que está na extrema direita …

Na foto de cima à esquerda, Ângela Carne e Osso, a inimiga nº 1 dos homens, personagem de Helena Ignez em A Mulher de Todos (1969) de Rogério Sganzerla; na direita, a turma punk na época da loja SEX de Vivienne Westwood (que está na extrema direita de camisa), a curiosidade dessa foto é a cantora Chrissie Hynde mostrando o dedo do meio antes de ser a vocalista do Pretenders; na foto de baixo à esquerda, turminha montada de Harajuku

Na entrevista que fiz com Dudu Bertholini na ocasião do desfile da Ahlma na Casa de Criadores, ele comentou sobre esse styling que valoriza a individualidade dentro da diversidade e, de quebra, pega a roupa que já existe e a desconstrói, às vezes customiza mas principalmente a recontextualiza e com isso lhe dá uma nova carga de alta voltagem fashion. Esse é um movimento da moda que já começou com os desfiles da À La Garçonne, com a febre com cara de brechó (mas usando roupas novas) da Gucci de Alessandro Michele - porém esses exemplos são mais, digamos, sem arestas, redondinhos demais para se contaminar com a energia explosiva da improvisação.

Mais exemplos? As propostas da estilista Vicente Perrotta, antes mesmo dela entrar na Casa de Criadores - curiosamente, o desfile dela da última edição do evento não tem tanta carga pós-apocalíptica mas continua seu trabalho incrível de upcycling e de estabelecimento do corpo trans como um corpo que também deve ocupar um espaço na moda, que também é fashion e que, acima de tudo, não precisa engolir estéticas do padrão cis-heteronormativo.

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Desfile Transclandestina 3020 de Vicente Perrotta

Poesia na escadaria da Praça das Artes durante a Casa de Criadores. Foto: Marcelo Soubhia/Agência Fotosite

Falando em CdC, nessa edição que aconteceu há algumas semanas a gente viu exemplos em maior ou menor grau dessa estética, mas numa quantidade sem dúvida elevada. Vai desde o upcycling mais polido da Re-Roupa de Gabriela Mazepa até a P.O.T.E., marca da Estamparia Social que capacita egressos do sistema penitenciário e pessoas em situação de rua no ramo da moda e de personalização de produtos (canecas, cinzeiros etc.). A P.O.T.E. fez desfile intenso unindo forças de gente como o multiartista O Novíssimo Edgar, o estilista Gustavo Silvestre (do incrível Projeto Ponto Firme) e o artista Renan Soares - a apresentação fala sobre a realidade e a dificuldade do preso, a visita íntima, a marginalização de um ser humano mesmo quando ele está cumprindo sua pena e portanto no caminho para uma teórica readmissão na sociedade. Esteticamente esse e outros desfiles se incumbem de mostrar que a diversidade de corpos, etnias e sexualidades também passa pela diversidade humana: cada um é um, e por isso as propostas de moda não deveriam corresponder a essa realidade? Cabe, nessa dinâmica, a padronização e consequente uniformização?

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Streetwear com muita personalidade e cor

P.O.T.E. na edição 45 da CdC. Foto: Marcelo Soubhia/Agência Fotosite

Mas acredito que o exemplo maior da estética do improviso está com as Estileras, que em um dos dias do evento ocuparam um espaço às vistas do público na Praça das Artes e montaram o desfile assim, com todo mundo observando - performance, humor e energia. Entrevistei Ricardo Boni, uma das metadas da Estileras com Brendon Xavier, com a jornalista Giuliana Mesquita (que aliás escreveu textos sobre os desfiles para o site da Casa de Criadores, vai lá prestigiar!). Confira após a foto!

Estileras na 45ª Casa de Criadores: a estreia da dupla no evento. Foto: Marcelo Soubhia/Agência Fotosite

Estileras na 45ª Casa de Criadores: a estreia da dupla no evento. Foto: Marcelo Soubhia/Agência Fotosite

Mesquita: Explica para a gente o que é que vocês estão fazendo?
Boni: Estamos apresentando os manuais Estileras, e hoje apresentamos o manual de como apresentar um desfile: montamos nosso backstage fora e expomos o processo. Todas as roupas são de brechó e a gente produz tudo na hora, não fizemos nenhum look antes. Começamos ao meio dia e vamos ficar trabalhando aqui até às 19h, que é o horário do nosso desfile.

Wakabara: Ou seja, é um processo mais de mostrar styling do que fazer roupa?
Boni: Exato.
Mesquita: Mas também estão pintando, fazendo outras coisas…
Boni: Isso. A nossa brisa é se apresentar como a primeira marca de moda do Brasil que não se importa com moda! [Risos] Por isso que a gente abriu nossos bastidores, a gente está fudidamente incerta! [Risos] Também criamos algumas coisas no virtual - se você acessar esses QR codes [impressos e expostos] dá para acessar o perfil de todo mundo que está dentro da performance. Tem umas fotos novas que produzimos para essa ocasião. E se vocês entrarem nos stories do Instagram e procurarem Estileras no gif, tem as estampas que eles estão fazendo em gif! [só para vocês saberem, os gifs continuam lá e são ÓTEMOS, dá uma olhada!]

Wakabara: O que são as Estileras? Se uma pessoa chamar vocês para fazer um projeto, o que vocês vão fazer nesse projeto?
Boni: Somos uma dupla de artistas, eu e a Brendon, que vimos um caminho na moda mas começamos a descobrir que o meio era a mensagem. Então não era simplesmente produzir uma roupa que tivesse signos; a produção deve ser os signos que queremos que sejam comunicados. Por isso queremos mostrar o processo, falar das etapas. Somos artistas tentando resolver os problemas apresentados, tanto para a arte quanto para a moda. Temos o nosso lema que é aquele meme: “a moda quem faz são vocês". É livre, você faz na hora, é para se virar, é para reutilizar, é sobre aproveitar mesmo, aproveitar rasgo... Tudo que aparece de errado você aproveita: uma mancha é uma estampa. Repense tudo. Essa é a nossa posição como artista brasileiro. A precariedade das infraestruturas cria isso, a gente vai ter que aceitar esse erro, a gente vai ter que aceitar esse rasgo para que possamos continuar fazendo. O erro é só mais um caminho a ser seguido. Fiz toda a produção dessa performance e desfile, fizemos o conceito, os textos de divulgação, as fotos. Somos financeiro, administração… [Risos] E propomos outros meios de ver o mundo.

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

Mesquita: Vocês vão vender as roupas depois?
Boni: Sim. Temos o patrocínio da Ahlma, eles ajudaram com uma parte do financiamento do projeto e deram total liberdade, foi incrível. Então talvez tenhamos esse caminho mas ainda está tudo indefinido. Ainda não entendemos como as roupas vão ficar para saber como a gente se posiciona com elas [a entrevista foi feita antes do desfile acontecer]. É que a roupa é o final das coisas, e a gente fala mais do processo. Criamos todo esse meio, essa estrutura, para conseguir falar do que queremos.

Mesquita: São quantas pessoas participando?
Boni: 30 no total. Fizemos o look de todo mundo, mas os principais são de 10 pessoas. E eu também queria comentar que para a gente é muito importante a união, de verdade. A coletividade geralmente fica no crédito final, mas para a gente são rostos com links, ninguém é só esse "ao vivo”, temos que explorar isso.

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

E para quem ficou preocupado, bravo ou triste com o conservadorismo querendo se apropriar da estética: fique tranquilo.
Eles são intrinsicamente cafonas. Nós temos a liberdade de sermos cafonas por opção.
<3

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E daí que você não tem o risquinho do olho?

Olha que imagem linda:

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É do desfile de spring-summer 2020 que rolou na Semana de Moda Masculina de Paris da marca chinesa de sportswear Li-Ning.
Aliás, gostei do desfile no geral:

Mas estou aqui para dizer de uma questão que rola entre orientais: a maquiagem. Porque tem coisas de maquiagem ocidental, especialmente o delineado de gatinho, que não dá para reproduzir em olho que não tem a dobrinha na pálpebra. Inclusive tem adesivos especiais para você criar essa dobrinha artificialmente, sabia?
Concordo? Sei lá, quem sou eu: cada um é dono de si. Tem gente que põe bunda, tem gente que põe peito, tem gente que põe dobrinha. Só não acho que a gente deveria usar um padrão de beleza ocidental como norte para se achar bonita, do mesmo jeito que os negros não deveriam usar um padrão de beleza branco, e do mesmo jeito que ninguém devia usar padrão algum. Certo?
E coloquei essa imagem acima porque achei uma maquiagem linda e acho que precisamos de mais referências de beleza oriental no mundo. Espalhem referências de beleza oriental no mundooooooooOOOO!

Bom, isso posto:
+ Tem várias dicas chiquérrimas nesse post do Buzzfeed de maquiagem para quem não tem o risquinho - são bem práticas! Ele inclusive dá uma dica de… delineado gatinho. Eita! Como? Vai no link para descobrir.
+ A blefaroplastia, que é uma cirurgia plástica para diminuir a pálpebra e criar a dobrinha, às vezes é necessária. É que a medida que a gente envelhece, a pálpebra vai ficando mais flácida e pode incomodar, prejudicando a visão!
+ Na dúvida, joga um bioglitter. Não sou de maquiagem, mas por observação percebo que todo mundo que está com glitter na cara geralmente está feliz.
Menos ela:

glitter-triste.jpg

Acontece…

Esse post é para a Paula Kawakami. Um beijo para a Paula!