A dica de hoje é...

If you don't mean it, don't say it.

Não, na verdade a dica não é a música.
É que tenho ficado um pouco irritado com gente que fala da boca pra fora e decidi desabafar.

Não é novidade que falta responsabilidade emocional em todo mundo. O Pequeno Príncipe foi lançado em 1943 e desde então as pessoas continuam repetindo que "tu és eternamente responsável por aquilo que cativas”, até em tom de chacota. Colocar em prática? Poucos colocam.

(Sinceramente recomendo a leitura de O Pequeno Príncipe para quem nunca leu, principalmente para quem tem preconceito. Acho lindo.)

(Sinceramente recomendo a leitura de O Pequeno Príncipe para quem nunca leu, principalmente para quem tem preconceito. Acho lindo.)

É que agora virou prática tudo ser tóxico. Fulano é tóxico, esse ambiente é tóxico, esse apresentador é tóxico. “Ai, hoje o dia está muito tóxico, não vou sair". Epa. Preferia quando a gente assumia a responsabilidade de achar alguém otário, de também analisar a nossa responsabilidade nas relações, de colocar motivos concretos para as coisas. Concordo que existem elementos que parecem cheios de veneno, mas essa palavrinha, tóxico, carrega em si o significado de que aquilo é um veneno para todo mundo, de que nós somos pobres vítimas da toxicidade. Quer ignorar o elemento? Ignore, mas assuma que quer fechar os olhos então, assuma a sua alienação. E reflita sobre a parte que te cabe nesse cenário.

Muita gente tem crises de ansiedade hoje e parece que o mundo todo está mergulhado no tóxico, mas acredito que também exista uma criação cada vez maior de expectativas não-cumpridas que ficam no ar. Estamos ficando treinados em desconfiar que tudo que se fala é da boca para fora, mas ao mesmo tempo pinta um raio de esperança e você pensa “Ah, ele não teria porque dizer isso. Ele poderia ter simplesmente jogado a real. Ou ele já teria me avisado."

Spoiler: não, ele, ou ela, ou eles, ou seja qual for a entidade aí, falou porque… sei lá, porque ela quis. Ou porque ela não quis desdizer depois.

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As pessoas estão cada vez mais 100% nem aí. Ao mesmo tempo não querem que você crie expectativas. E às vezes até consideram que você "levou muito a sério". Ou brincam: “Ai, foi brincadeira". Bom, se eu achei que não foi brincadeira, é porque você não sinalizou direito. Será que a culpa está no receptor ou no emissor da mensagem? Desentendimentos acontecem - mas não deveriam acontecer com frequência. Uma das bases do viver em sociedade é esse entendimento, feitos em contratos sociais ditos e não assinados.

Sinto que está ficando muito complexo então vou simplificar:
. Não quer me encontrar na semana que vem? Então não diga que quer.
. Não quer me responder a respeito da vaga de emprego? Então não diga que vai me responder.
. Não está com saudade? Então não diga que está.
. Não quer saber da minha vida? Então pelamor não me diga que queria saber de mim para depois ficar duas horas falando de você.
. Não me acha bacana? Então não diga que me acha bacana. E pode substituir por qualquer outro adjetivo: não estou bonito? Não diga que estou. Não sou simpático? Não diga que sou.
. Não quer me emprestar algo? Então não diga que vai me emprestar, juro que é melhor.
. Não me quer em algum lugar? Então não me convide. Nem de maneira vaga, tipo "passa lá". Está tudo bem. É melhor não me convidar, é mais educado não me convidar, por mais que você acredite no contrário. E assuma. Deixe às claras.
. Não gosta de algo? Não diga que gosta. Pode pegar bem momentaneamente no seu grupinho de amigos, nas suas redes sociais. Mas vai pegar mal quando as pessoas perceberem que na verdade você não gosta.
. Não tem certeza se gosta de algo? Então fique quieto. Ou diga que não tem certeza.

Sou a favor de mudar de ideia, claro. É só deixar tudo claro: você diz que mudou de ideia. A menos que não tenha mudado.

Isso tudo soa como cagação de regra, mas sinceramente todo mundo caga umas regras de vez em quando. Foda-se. Só queria deixar claro que o poder da palavra, o poder do discurso, não pode se esvaziar assim. Trabalho com comunicação e levo as palavras muito a sério; acho que todo mundo devia levá-las também. Hoje em dia nem tem como dizer que a pessoa te pegou desprevenido já que a maioria das interações é online: dá para pensar antes de dizer/escrever. Antes de apertar o botão de enviar, o botão de publicar.

Portanto fale o que pensa, e pense bem. E cumpra-se. Gente sem palavra é uma coisa muito cafona.

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#ProntoFalei

Um sonho terminar esse texto com essa imagem!! (Não, não li)

E não atrasem! Seus ridículos. Atrasar é uó, ninguém é obrigado a esperar a madame!

O curta do Luca Guadagnino com trilha de Ryuichi Sakamoto

Somos muito mimados. Queremos tudo para ontem e para já. E por isso é muito frustrante que o filme The Staggering Girl simplesmente não esteja disponível para a gente assistir. É surreal! São apenas 35 minutos!!!

* a classe média branca sofre demais

Agora você provavelmente está pensando: "Ah, o Wakabara é um exagerado". Ah, é?
E se eu te disser que é a primeira vez que Julianne Moore trabalha com Luca Guadagnino?

Sim, Julianne Moore, ela mesma. E Luca Guadagnino é esse mesmo, do novo Suspiria de 2018 e do Me Chame Pelo Seu Nome (2017) - se você é classe média branca & LGBTQ você sabe muito bem do que estou falando.

The Staggering Girl é a história de Francesca (Moore), uma escritora que vive em NY e precisa voltar para Roma para buscar sua mãe que está ficando, pelo que entendi, muito velhinha.
Bom, aí ninguém menos que Mia Goth participa do filme.

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A neta da Maria Gladys é uma das coisas mais legais do filme anterior de Guadagnino, Suspiria.
(E sim, ela é a neta da brasileira Maria Gladys)
Ela faz o papel da mãe da Francesca, Sofia, quando nova.

E tem o Kyle MacLachlan!!!

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Vou fingir para vocês que gosto dele por causa de Twin Peaks mas no fundo nem curto tanto David Lynch e gosto dele por causa da série Agentes da S.H.I.E.L.D. HAHAHAHAHAHAHAHAHA
O toque MacLachlan é lynchiniano: ele faz TODOS os papéis masculinos.
Ai, que loucura. Seu lado cult suspirou, né? Eu sei que sim!

Ah, e tem a Kiki Layne!

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De Se a Rua Beale Falasse (2018), sabe?
Pelo que entendi ela é a personagem do livro que Francesca está escrevendo? Sei lá.

Não, não terminou. Você reparou nos looks?

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É tudo Pierpaolo Piccioli - ou seja, Valentino. Foi a Valentino que financiou a produção, que teve uma pré-estreia ano passado no Festival de Cannes.
Bom, só me resta dizer, depois de tudo isso, que a trilha sonora é de Ryuichi Sakamoto, o gênio por trás dos sons de Furyo, em Nome da Honra (1983), O Último Imperador (1987), O Regresso (2015) e tantos outros. Aliás, tem uma música de O Céu que Nos Protege (1990), Loneliness, que depois apareceu sabe onde? Em um dos episódios da série Pose!

Sakamoto é tudo. A trilha ainda não saiu, assim como o curta (ou média metragem?). The Staggering Girl vai ser exclusivo do Mubi, um serviço de streaming todo cult metido a besta que eu não vou querer assinar. Ai, que raiva.

Espero que pelo menos a música a gente consiga ouvir de novo

Espero que pelo menos a música a gente consiga ouvir de novo

E para quem ama Me Chame Pelo Seu Nome, sinceramente senti um clima:

A Madonna não foi no último desfile do Jean Paul Gaultier - mas olha quem foi...

Tem quem a chame de "Madonna francesa", o que particularmente acho um exagero. Coisas que críticos de música inventam para te situar rapidamente em um cenário sem precisar gastar 5 parágrafos para isso. Mas mesmo na relação entre estilista e artista, o que Jean Paul Gaultier já fez para Mylène Farmer não passa perto do impacto do as coisas que ele já criou para Madonna causaram, principalmente para a Blond Ambition Tour. Mas, bom, se não tem a rainha do pop, vai tu mesmo…

Mylène Farmer foi a atração surpresa do desfile de despedida de Gaultier que rolou na semana passada em Paris e, se ela não é famosa mundialmente, isso representou muito para o criador sim. Sem dúvida ela é uma das suas musas mais importantes, e na França ela é de fato um ícone. O look da capa de Anamorphosée, o quarto álbum de estúdio dela, de 1995, é dele - e essa é apenas a ponta do iceberg.

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Nessa época Farmer já era uma grande estrela. Alguns de seus maiores sucessos, como Désenchantée, já haviam sido lançados. Anamorphosée foi um momento de reinvenção, com Farmer tentando algo mais arriscado, se aventurando por uma sonoridade menos popzinha. Para quem não se lembra, nessa mesma época a Madonna se dava uma reinventada com R&B e música assinada por Björk em Bedtime Stories (1994). Farmer fez diferente - foi para uma sonoridade mais suja, mais… grunge?

Só que esse não foi o começo. Ela já havia vestido Gaultier em 1991, no clipe do single Je t’Aime Melancolie do álbum L’Autre

Hard Candy quem?

Também teve Que Mon Coeur Lâche de 1992, clipe meio curta: segura que o diretor é ninguém menos que Luc Besson!

Babado, hein? É toda uma confusão, tem até Michael Jackson (um ator interpretando-o, na verdade, o Christopher Gaspar, que trabalha como cover do cantor). E uma história bem doida, de Deus querendo saber o que é essa coisa de amor e mandando um anjo (Farmer em si) no lugar de Jesus Cristo. Quando Jesus pergunta “Pai, por que não me manda?” ele responde "A última vez foi um desastre".

Farmer usa um look branco no início e não se engane: esse é do mestre Azzedine Alaïa. O look de Gaultier nesse clipe é do “anjo caído": preto, sexy. Não que o primeiro não fosse sexy também…

E Besson deve ter gostado do cabelo ruivo de Farmer e do look do Gaultier: em 1997 ele lançaria O Quinto Elemento com Milla Jovovich de cabelo vermelhaço usando… Gaultier, oui.

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Farmer, assim como Madonna, se aventurou pela carreira de atriz - mas não foi com Besson. Em 1994 fez Giorgino, o longa dirigido por Laurent Boutonnat, superparceiro artístico dela que também está por trás de diversos clipes dela. Figurino: não, não era Gaultier. Quem assina é Carine Sarfati, que já tinha criado roupas para clipes da artista.

Ah, e de Anamorphosée em si tem o clipe L’Instant X, figurino Gaultier:

Reparou que a música é mais roqueira?
O figurino quase não aparece no meio de toda essa espuma. E essa abertura lateral lembra o clássico vestido Versace da Liz Hurley, com os alfinetes, sabe?

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O da Liz Hurley, aliás, veio antes

Em 1994

Acho toda essa estética Farmer-Gaultier bem a cara dos anos 1990, assim como a da Madonna-Gaultier.

Será que com essa aposentadoria fervida do estilista, num desfile-show que bombou, a moda vai se inspirar nas coisas dele? Tomara, eu adoro.

Look do show Stade de France de 2009, com Mylène Farmer usando um macacão que reproduz os músculos da anatomia humana assinado por Jean Paul Gaultier

Look do show Stade de France de 2009, com Mylène Farmer usando um macacão que reproduz os músculos da anatomia humana assinado por Jean Paul Gaultier

Existe licenciamento tosco - e existe a linha do Jotalhão para a Tok&Stok <3

Não consegui resistir, me derreti inteirinho.
Olha isso aquiiiii:

Sim, mais uma vez ela: a nostalgia. Para quem não reconheceu porque talvez não tenha idade ou refs adultas de prateleiras de supermercado, o extrato de tomate Elefante existe desde os anos 1940. Ele originalmente era da Cica e trazia um desenho mais realista de elefante na embalagem porque, dizem, o filho do fundador da empresa Rodolfo "Rudi" Bonfiglioli era caçador de elefante - eu, hein! O Jotalhão, por sua vez, foi criado pelo Maurício de Souza para uma campanha do Jornal do Brasil (acho que por isso o Jota) que acabou não indo para frente. Aí rolou esse casamento do Jotalhão com o extrato de tomate um tempo depois, em 1979.

Ainda hoje (em embalagem mais moderna) o extrato de tomate com a imagem do Jotalhão é vendido, agora produzido pela Cargill.

extrato-de-tomate.png

Preferia a embalagem original

Mas é uma graça mesmo assim, né? Eu não resistiria

Essa história do licenciamento com a Cica é contada pelo próprio Maurício na sua autobiografia Maurício: A História que Não Está no Gibi. Claro que é a versão dele, bem oficialesca, mas o desenhista diz que no começo o acordo não tinha participação de venda e o produto estourou. Eu não era nascido, mas consultei os universitários (ou seja, minha irmã Ana Flavia) e esse copinho da propaganda acima virou febre, todo mundo tinha. Com um volume de vendas bem maior, hoje deve ter existir um outro acordo entre Maurício e empresa, né? Eu não cobraria pouco da Cargill, não… E dá para reparar na clássica assinatura dele na embalagem, de lado.

Acho tacada de mestre essa coleção de homewear da Tok&Stok mirar na memória afetiva: o extrato continua sendo um sucesso, mesmo com embalagem renovada, e tem um super recall. Você bate o olho no pratinho e pensa “o extrato de tomate do elefanteeee!". Muito amor. E acho que a indústria alimentícia tá comendo bola: podia lançar um monte de legume enlatado com o resto da Turma da Mata.

Um detalhe: onde a gente via o logo da Cica agora aparece uma data: 1969 é o ano de criação do Jotalhão para a tal campanha do Jornal do Brasil.

Quem quiser comprar a linha do Jotalhão tem no site da Tok&Stok.
E o extrato tem no supermercado mais próximo kkkk

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