Wakabara

  • SI, COPIMILA • COMPRE MEU LIVRO
  • Podcast
  • Portfólio
  • Blog
  • Sobre
  • Links
  • Twitter
  • Instagram
  • Fale comigo
  • Newsletter
round-6.jfif

Round 6 não é Battle Royale e Jogos Vorazes, e eu vou explicar o porquê

October 04, 2021 by Jorge Wakabara in cinema, TV

De tempos em tempos, surgem uns fenômenos pop na Netflix que são muito interessantes. Fico atraído principalmente pelos que estão “fora do eixo”, ou seja, não são produções estadunidenses. La Casa de Papel nunca me pegou porque sempre achei de uma energia heterossexual demais (desculpem-me pela heterofobia), mas entendo o apelo. A alemã Dark já me complicou a cuca na primeira temporada - adorei, mas evitei seguir em frente por preguiça de entender a trama complexa (percebi que, quando lançou a segunda temporada, já fazia muito tempo que eu havia assistido à primeira e que eu teria que fazer ainda mais esforço para lembrar e compreender tudo hehehehe).

Outras, como a belga Noite Adentro, a islandesa Katla e a russa Cidade dos Mortos, tinham tudo para pegar, mas sei lá porque não pegaram tanto, apesar de terem fãs. Sou um deles: gosto e recomendo as três.

Mas estou aqui para falar de uma série coreana que virou um fenômeno pop e entrou para o topo dos conteúdos mais vistos da Netflix em todos os países, assim, de repente. TODOS mesmo. É ela: Round 6, ou o Jogo da Lula.

squid-game.png

Qual é o segredo? Acho que é uma junção de coisas. Visual instagramável dos cenários dos jogos (sério, acho que isso contou muito), figurinos e iconografia que chamam a atenção (as máscaras, a repetição do quadrado-triângulo-retângulo, o visual dos VIPs e do líder, os caixões em formato de caixa de presente), a impagável e marcante boneca Batatinha Frita 123 (como pode uma personagem que aparece tão pouco entrar para o imaginário pop com tanta força?), personagens minimamente carismáticos, gente-bonita-clima-de-paquera (a imigrante norte-coreana Sae-byeok, a “amiga” dela Ji-yeong, o policial Jun-ho, e o recrutador sem nome que dá tapas na cara de Gi-hun: modeletes, né? Sang-woo também é bem bonitão).

Mas volta a fita: para quem não sabe do que eu estou falando, Round 6 traz a história de um jogo criado para um seleto grupo de milionários (os VIPs, que, aliás, não são amarelos, vale salientar) assistirem. Os participantes são pessoas que estão devendo muito dinheiro e querem ganhar a enorme quantia do prêmio. Só que tem um detalhe: o jogo é mortal, literalmente. Você morre se não consegue chegar no objetivo de cada rodada (que são seis, daí vem o nome).

Outro fator importante é: quanto menos gente viva, mais dinheiro fica acumulado no prêmio e menos gente tem para dividi-lo.

round-six.jpg

Te lembrou algo? Bom, parece Battle Royale mesmo. E não é à toa: o criador de Round 6, Hwang Dong-hyuk, já disse que o mangá Battle Royale (que veio antes do filme) foi uma das fontes de inspiração.
E os livros que viraram cinessérie Jogos Vorazes, todo mundo diz, parecem “bastante inspirados” em Battle Royale (sim, isso foi um eufemismo).
MAS todavia contudo porém digo logo: consigo identificar diferenças que ao meu ver são cruciais entre Battle Royale (e Jogos Vorazes) com Round 6. Vamos a elas.
Vão vazar uns spoilers. Teje avisado.

Aqui é vida real, bróder

Em Battle Royale, um regime totalitário fictício que organiza os torneios com estudantes do qual só um sai vivo, em resposta à delinquência juvenil (nunca entendi direito como um jogo mortal como esse vai controlar a delinquência juvenil de um país, mas vá lá, tudo pelo entretenimento). Jogos Vorazes se passa em um futuro distópico com uma capital, Panem, e 12 distritos - que ficariam onde hoje está os EUA.

Round 6 é uma história fictícia, claro, mas ela não se passa em realidade paralela ou no futuro de Seul. A referência é a nossa realidade (ou melhor, a realidade sul-coreana). Tanto que é explorado o absurdo que esse jogo significa - ou seja, os personagens dividem a indignação do que estão vivendo com a gente. Em Battle Royale, os participantes do jogo também ficam indignados, mas porque são eles que estão participando, de surpresa. E em Jogos Vorazes, é uma realidade dada: o jogo acontece faz anos.

As questões morais envolvidas, aliás, nos levam a outro ponto…

Show me the money

Em Battle Royale e em Jogos Vorazes, o jogo é composto de jovens armados lutando pela vida. Eles matam porque só um vai sobreviver.

Em Round 6, fica mais ou menos implícito que somente um sobrevive. Mas existem diferenças:
1. Está em jogo não apenas a sobrevivência, mas uma dinheirama (em reais: 208 milhões).
2. A maioria dos sobreviventes pós Batatinha Frita 123 entendeu tudo que estava em jogo (ou seja, compreendeu que era um jogo mortal), teve a chance de não participar e voltou a participar mesmo assim, voluntariamente.
3. Eles voltaram porque todos os participantes possuem grandes dívidas, ou seja: se eles saíssem do jogo sem dinheiro, voltariam para a mesma vida de antes, perseguidos por credores.

E existem mais nuances. Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) é um bastião da moral, Shuya Nanahara (Tatsuya Fujiwara) também não quer matar ninguém e só o faz em legítima defesa. Em Round 6 as coisas não são bem assim. Existe o vilão de fato (Deok-su, com direito à tatuagem de cobra no rosto para mostrar que ele é mau), a de moral bem questionável (Mi-nyeo, uma personagem cheia de estereótipos que é transformada pela atriz Kim Joo-ryoung em uma das mais complexas da série, uma mistura de street cred e traumas), o bom de coração puro (Ali, o estrangeiro ingênuo vítima do sistema). E os outros? Sang-woo (Park Hae-soo) também é um vilão? Você pode enxergá-lo como inescrupuloso em diversos momentos, mentiroso (pois engana a mãe no geral e o amigo de infância na hora do jogo). É o tubarão que se deu mal. Salva o grupo quando existe uma causa própria em jogo. No jogo das bolas de gude, ele engana e sofre. No quebra-gelo, ele já está, digamos, contaminado pela amoralidade e mata sem culpa, para não morrer.
Porém, chega o fim e… o que você lê ali? Era tudo pela mãe? Ou ele não conseguiria, como bom “porco capitalista”, ver todo aquele dinheiro desperdiçado?
Gi-hun (Lee Jung-jae), por outro lado, também é questionável. Existe uma linha que ele não cruza. Será? Entre ele e o velho Il-nam (Oh Young-soo), com quem fez amizade, ele escolhe a si mesmo. O velho não está mais lúcido, tem uma doença terminal. Mas isso quer dizer que ele merece menos que Gi-hun? Antes de entrar no jogo, o cara ainda roubava a mãe! Quer pior exemplo? Quando a saúde dela está gravemente ameaçada, ele se arrepende, mas o arco de redenção não é tão, digamos, limpinho e simétrico. E também não “topa tudo para salvar a mãe” - quando o novo marido de sua ex-mulher oferece a grana para que, em troca, ele esqueça da filha, Gi-hun não aceita. Mas participar de um jogo mortal… ah, aí tudo bem!

Round 6 nos deixa com mais perguntas do que respostas porque não fala somente de violência gratuita, do medo da vida humana ter um valor mais relativo. Round 6 é, claramente, sobre dinheiro. Sobre o sistema capitalista. E quem diria, isso tudo vindo da capitalista Coreia do Sul. A dívida é algo real, um problema social do mundo capitalista. Se você tivesse uma dívida desse tamanho, pergunta a série, você entraria num jogo desse?
É uma escolha. Ninguém te força a isso, como em Battle Royale e Jogos Vorazes.

Ainda: na moral dúbia de Round 6, a lógica do jogo não pode ser ameaçada, sob pena de morte. E a lógica é: não haverá benefícios a um ou mais jogadores. Todos precisam ter chances iguais, da mesma forma que se vestem igual e recebem a mesma refeição - meio como num regime comunista! Nesse sentido, é instigante: um jogo para divertir milionários se disfarça de justiça social até as últimas consequências. No fim, parece que esse senso de justiça acontece mais pelas apostas dos VIPs, que precisam de um jogo limpo para funcionar, do que pelos participantes.
Só que… não dá para ter certeza. E essas nuances dão ainda mais sabor e complexidade para a narrativa.

round-six-colmeia.jpg

Ela, mais uma vez: a memória afetiva

Todo filme teen possui, aqui e ali, algo de memória afetiva para alguém que já passou pela adolescência. Stranger Things não é o fenômeno que é só porque remete aos anos 1980 - ele remete a referências de infância e adolescência dos anos 1980.
Em Battle Royale, fica mais difícil ter essa leitura porque, logo no começo, o filme já diz a que veio - mesmo quem usou aqueles uniformes de colegial não vai ter essa sensação boa pois é um thriller tenso e sangrento, quase sem respiro. Jogos Vorazes passa longe de qualquer sensação de memória afetiva em seu universo fictício construído.

Round 6 é um jogo de adultos. Mas os adultos se vêem “brincando” em jogos infantis. E são jogos antigos, desses que a garotada do videogame não brinca mais. Claro, a referência é coreana (nunca tinha ouvido falar de colmeia, por exemplo), mas dá para assimilar a ideia mesmo assim. O playground é universal. Quando Gi-hun lembra do jogo da lula em si, deixa o clima de nostalgia claro.

Game over?

Em Battle Royale, as batalhas terminam mesmo? O fim é claro: aquele jogo foi corrompido, o objetivo inicial não se atingiu (ou foi atingido? Um dos maiores mistérios do cinema pop moderno: o que os personagens Noriko Nakagawa e Kitano conversaram naquela misteriosa cena de flashback?). A sequência de BR dá a entender que sim, as batalhas terminaram, mas o regime totalitário continua. Na trilogia de Jogos Vorazes, como uma “boa” história de herói, o bem vence o mal e o regime é destruído.

Em Round 6, o fim é aberto. Talvez exista uma segunda temporada? Não sei se isso daria certo. Mas o fato é que o jogo em si continua, mesmo sem Il-nam, mesmo com Jun-ho (Wi Ha-joon) tentando denunciá-lo. Os VIPs saem incólumes (a pista deixada pela bomba que Jun-ho descobre no túnel dos mergulhadores não dá em nada, surpreendentemente), o líder sai incólume, o sistema inteiro continua de pé com pouquíssimas avarias.

Gameficação

round-6-2.jfif

Esse item é mais sobre o que Round 6 tem em comum com essas duas outras obras de ficção do que sobre suas diferenças, mas acho que realça o meu ponto de que ela é mais que uma cópia. Talvez todas façam parte do que já está se concretizando como uma “tradição” narrativa.

Battle Royale não foi a primeira nem a última história que segue esses preceitos de jogos mortais. Aliás, não citei várias outras referências aqui, de jogos de sobrevivência. Tem a própria franquia Jogos Mortais, que começou em 2004. Tem a série japonesa Alice in Borderland, na Netflix.

Odeio esse termo gameficação, mas é isso mesmo: me parece que, quando a narrativa se constrói claramente como um jogo, ela é mais claramente assimilada.
Aí aparecem algumas questões:
. Todo jogo precisa ter um motivo e um objetivo.
. Todo jogo tem regras.
. Algumas vezes, existem consequências para regras burladas. Em outras, não.

O excesso de narrativas assim me soa preocupante. A vida real não é um jogo, não é um BBB nem um Jogos Vorazes. A vida não é filme, você não entendeu, diria Herbert Vianna. Encarar a vida como um jogo é empobrecê-la e banalizá-la.
Mas, enfim, esse sou eu e a minha humilde opinião.

Já existiram tentativas de adaptação de Battle Royale, inclusive para a TV. Elas nunca foram para frente principalmente por causa da violência gratuita e polêmica. Em tempos de Round 6, pós-Tarantino (que é um grande fã declarado de BR), de guerra do streaming e de exploração de franquias até o esgotamento… Uma adaptação de Battle Royale pode estar mais próxima do que a gente imagina.

Extra

GEEEEENTEEEE! Aí me fizeram um espaço instagramável na Coreia do Sul com o tema Round 6, com direito a Batatinha Frita 123 e tudo?

Achei o máximo mas não passaria perto. Eu hein, vai que me pegam para jogar um lance mortal…

Se você gostou desse post, talvez goste desses outros aqui:
. It’s a Sin, ai que série boa de chorar
. Drag queens foram de artistas marginalizadas a conselheiras da família
. O outro Pablo: o do Qual é a Música

October 04, 2021 /Jorge Wakabara
Netflix, pop, Round 6, Instagram, figurino, iconografia, máscara, Batatinha Frita 123, Battle Royale, Hwang Dong-hyuk, Jogos Vorazes, delinquência juvenil, distopia, EUA, Seul, Jennifer Lawrence, Tatsuya Fujiwara, Kim Joo-ryoung, Park Hae-soo, capitalismo, Lee Jung-jae, Oh Young-soo, violência, dinheiro, Coreia do Sul, adolescência, playground, nostalgia, Wi Ha-joon, Jogos Mortais, Alice in Borderland, gameficação, streaming, memória afetiva
cinema, TV
akihiro-miwa.jpg

Akihiro Miwa icônica demais

February 25, 2021 by Jorge Wakabara in cinema, livro, música

Nossa senhora, isso que é MUSA.

Assisti ao filme Kurotokage com Akihiro Miwa, a versão de 1968 (existe uma de 1962), e depois Kuro Bara no Yakata, de 1969. É surreal como, no fim dos anos 1960, o Japão cheio de regras em relação a gênero apresentaria uma transformista como musa.
Ah, sim: Akihiro Miwa não é exatamente uma mulher trans. No lugar de determinar seu gênero, ele parece achar mais interessante a via do não-binário, do constante passeio entre gêneros. E isso parece que atrai ainda mais a atenção (e o deslumbramento) dos japoneses!

Mas vamos voltar para começo, quando Miwa ainda era artista de cabaré e, em 1957, gravou Me Que Me Que, um clássico da música francesa originalmente lançado por Gilbert Bécaud naquela mesma década.

A versão em japonês, malandrinha, fez sucesso. Miwa bombou. E parece que foi nessa época que o escritor Yukio Mishima, um machão de direita que surpreendentemente tinha muita sensibilidade nas suas obras, elogiou Miwa, dizendo que era como um “uma beleza dos céus", ou seja, um anjo. A comparação faz sentido no que eu já pesquisei e ouvi dizer sobre a homossexualidade japonesa. Acho que vale abrir um parênteses aqui para falar sobre isso – e um pouco mais sobre Mishima também.

Os rapazes prostitutos do Japão antigo

shudo.jpg

O livro O Belo Caminho: História da Homossexualidade do Japão, de Gary P Leupp, explica bem que a homossexualidade não é algo "novo” ou "que os brancos trouxeram” para o Japão. Longe disso. O shudo, que se refere a uma estruturação específica de prática homossexual um pouco parecida com a da Grécia antiga, em que existe a figura do homem mais velho mentor e deflorador e o rapaz jovem, passivo, inocente e aprendiz, foi uma realidade em monastérios budistas com presença exclusiva masculina, e também nas relações entre samurais. Para mim também tem a ver com uma relação de dominação e submissão que, pelo pouco que sei e posso estar falando bobagem, é recorrente na sexualidade nipônica.

Com o tempo, meninos começaram a virar michês para sobreviver, muitos deles relacionados ao teatro kabuki, uma tradição dramatúrgica que não permite atrizes. Esses atores especializados em papéis femininos atraíram fãs e cobravam por sexo, alguns viravam amantes de homens ricos. Depois, existiram bordéis que já nem disfarçavam sob a fachada do teatro, só com rapazes. Eles se vestiam e se enfeitavam como moças.

A imagem do rapaz afeminado e submisso não ficou no passado. O filme Morte em Veneza (1971) foi uma grande referência no Japão – a figura de Tadzio (Björn Andrésen, que para quem não sabe é o ancião do sacrifício no recente Midsommar de 2019) era tudo que os japoneses achavam lindo. Androginia e mistério. Isso corre até os idols do j-pop, apresentados como sensíveis e com traços mais delicados, e respinga também no k-pop.

O próprio Andrésen virou uma celebridade no Japão. Quando ele visitava o país, as mulheres iam à loucura! A ponto de, bem… ele mesmo gravar músicas em japonês, tal qual um idol. Olha que loucura?

Yukio Mishima: um homossexual de direita?

Em 1951, Mishima lançou o livro Kinjiki, uma expressão que é um eufemismo para homossexualidade. Um trocadilho entre “cores proibidas” e “amores proibidos". A história, considerada autobiográfica por muitos, traz a relação entre um escritor mais velho e um rapaz jovem que confessa que vai casar com uma mulher por motivos financeiros, mas que não se sente atraído por ela nem por ninguém do sexo feminino. Críticos apontam uma misoginia forte enraizada no texto – um discurso de ódio contra as mulheres. Mas virou um clássico.
Acontece que Mishima foi casado com uma mulher, Yoko Sugiyama. E ela, por sua vez, odiava e negava os rumores sobre a homossexualidade do marido, mesmo que fosse público que ele, por exemplo, frequentava bares gays. Eles tiveram um par de filhos, inclusive.
Existe um livro não-autorizado, de 1998, de Jiro Fukushima. Ele alega que teve uma relação com Mishima em 1951. Foi um escândalo que acabou com Fukushima e a editora processados pela família de Mishima.

yukio-mishima.jpg

Mishima tentou fazer um golpe de estado no Japão em 1970. Sério. Isso porque, antes de casar com Yoko, ele quase casou com Michiko Shoda, que depois virou imperatriz porque se casou com o príncipe Akihito! A tentativa de golpe não deu certo e ele cometeu seppuku, o suicídio ritualístico japonês, aos 45 anos de idade.

Voltemos para Akihiro Miwa.

Uma baita história

Miwa nasceu em Nagasaki e, sim, estava na cidade quando a bomba atômica explodiu em 1945, quando tinha 10 anos. Como outros sobreviventes, ele sofre com os efeitos da radiação.
Ainda na época de Me Que Me Que (ou Meke Meke), saiu do armário publicamente, declarando-se homossexual. Para quem não está familiarizado com a cultura japonesa: ser homossexual afeminado no Japão contemporâneo é um pouco diferente. Existe preconceito, mas também existe uma maior aceitação – a rejeição maior acontece justamente quando você não é afeminado e, na cabeça do povo, “confunde". Celebridades homossexuais que se travestem são famosas na TV e amadas, por exemplo (é o caso de Miwa, que nos anos 2000 virou uma celebridade televisiva de muita fama).

O boom desse primeiro hit arrefeceu e Miwa ficou mais apagadinho. Seu segundo hit só viria em 1965: Yoitomake no Uta. Composta por ele mesmo, tem uma pegada bem enka na sua temática, falando do esforço do trabalhador rural e como ele é digno (pelo menos acho que é isso, me desculpem se entendi errado!).

De volta ao sucesso, Miwa lançou sua autobiografia em 1968 e começou a atuar em peças de teatro. Uma delas, Kurotokage, foi baseada em um livro policial de Ranpo Edogawa e adaptada para o teatro por Yukio Mishima. A peça já havia sido montada com outras atrizes no papel principal da bandida Lagarto Negro (ou, em japonês, Kurotokage), mas foi com Miwa que ela chegou naquele ponto sublime de petardo pop. Tanto que… virou filme!

Miwa como Kurotokage no filme de 1968

Miwa como Kurotokage no filme de 1968

A história é um embate entre Kurotokage, essa bandida que gosta de roubar "coisas bonitas”, e o detetive Kogoro Akechi (Isao Kimura). Miwa está simplesmente magnética, arrebatadora, com figurinos babadeiros.

Incautos podem colocar o filme naquela caixa de “o queer sempre é o vilão, o errado". Mas acredito que Kurotokage é mais que isso. Kurotokage, a personagem, é bela, hipnotizante, e se deixa levar pela obsessão por tudo que é bonito. Também não vê o mundo como binário: enxerga a beleza nos homens e mulheres. Sua própria beleza está ligada à androginia. Mais do que camp, o filme é cheio de nuances, esteticamente instigante, transbordando pulsão de morte e sexo. Para mim, um dos filmes mais legais que já vi nos últimos tempos, sem exagero.

Vou dar um spoiler para explicar uma coisa muito importante, quem não quiser saber pode pular para / SPOILER TERMINA /.

/ SPOILER COMEÇA /

A criminosa Kurotokage tem uma coleção muito, er, peculiar. São corpos humanos bonitos, empalhados. Eles aparecem no filme, em seu covil, quando ela os exibe para a sequestrada Sanae (Kikko Matsuoka), que depois se revela ser uma sósia de Sanae contratada para se passar por ela.
A curiosidade: o homem empalhado que Kurotokage beija na boca é ninguém menos que… Yukio Mishima.
É um selinho apenas, OK. Mas é babado.
Isso alimentou os rumores de que Mishima e Miwa teriam tido um caso em algum momento da vida. Miwa já chegou a declarar que "Mishima não era um homossexual de verdade". Bicurioso, então? Enfim. O artista também se colocou contra o livro de Fukushima de 1998.
Como já contei lá em cima, Mishima morreu dois anos depois do filme lançado.

/ SPOILER TERMINA /

O trabalho na imagem de Miwa como uma mulher misteriosa e sedutora é típica do filme noir, mesmo que Kurotokage não seja um noir – a relação vem da inspiração, pois o argumento vem de um romance policial com direito a um superdetetive, mas a cinematografia também ajuda, cheia de sombras, ambientes noturnos.
Também acho interessante o jeito que o detetive é construído. Akechi tem prazer em desvendar os casos. A relação dele com Kurotokage é de interdependência, com ambos precisando dessa nêmesis para existirem em sua melhor performance. Ninguém é inocente. Akechi não é um herói. Ele depende do crime para fazer o que faz da vida: desvendá-lo.

Às vezes, Kurotokage fala com Akechi usando o espelho de seu bar. Eles são o espelho um do outro? Dois lados de uma mesma moeda?

Às vezes, Kurotokage fala com Akechi usando o espelho de seu bar. Eles são o espelho um do outro? Dois lados de uma mesma moeda?

Mas Miwa assumiria um papel ainda mais misterioso em Kuro Bara no Yakata, ou Mansão da Rosa Negra: o lagarto negro agora vira uma rosa negra no filme de 1969.

kuro-bara-no-yakata-1.jpg

A história de Kuro Bara no Yakata é de uma mulher misteriosa, Ryuko (Akihiro Miwa), que sempre carrega uma rosa inteira preta. Ela diz que, quando encontrar o verdadeiro amor, a rosa ficará vermelha. Uma coisa meio Bela e a Fera, né? Ninguém sabe do passado de Ryuko e ela atrai a atenção de Kyohei (Eitarô Ozawa), o dono da Mansão da Rosa Negra. O local é uma espécie de clube da alta sociedade, no qual Ryuko passa a se apresentar cantando e encantando (kkkkk desculpa, não resisti a essa frase feita). Os homens caem de amores, um pouco pelo mistério, um pouco pela beleza.

Homens do passado de Ryuko começam a aparecer. Eles alegam que se casaram ou que namoraram a musa, que ela os enlouqueceu ou que era má, mas seguem apaixonados. Ainda assim, Kyohei, que é casado e já tem dois filhos criados, torna Ryuko sua amante.

kuro-bara-no-yakata-2.jpg

Tudo parece ir bem até que o filho mais novo de Kyohei, Wataru (Masakazu Tamura), reaparece. Desde o começo, fica claro pela fala dos outros personagens que ele é um rapaz problemático, ovelha negra. E adivinha? Ele se apaixona por Ryuko…

Aqui, a figura de Ryuko, apesar de ainda mais misteriosa que a Kurotokage, é menos dúbia. Ela é a vamp, a que leva os homens à ruína. O toque subversivo fica por conta dessa figura tão desejada ser interpretada por um homem: a audiência sabia, o elenco sabia, todo mundo sabia. Não é um filme tão bom quanto Kurotokage, mas gostei.

Curiosidade: o diretor de ambos os filmes é Kinji Fukasaku. Em 2000, ele fez o filme que muita gente diz que influenciou Jogos Vorazes: a fábula sinistra Battle Royale.

Miwa acabou dando um tempo nas telonas após essa dobradinha e se dedicou à carreira de cantor. Isso deu em clássicos, como isso aqui:

Em 2012, já como uma personalidade consagrada no meio artístico, Miwa se apresenta pela primeira vez no tradicional Kôhaku Uta Gassen, o festival de fim de ano transmitido pelo canal NHK. Na época com 77 anos, ele foi a pessoa mais velha a se apresentar pela primeira vez no Kôhaku. E pelo que entendo também foi o artista que apresentou a música mais longa na história do festival, que costuma ser bem rígido com o tempo de apresentação dos artistas participantes, geralmente em torno de três minutos. Olha aí:

Antes disso, Miwa dublou um personagem de anime muito querido de quem curte Studio Ghibli. É a bruxa com papeira, como diria meu marido, de O Castelo Animado!

arechi-no-majo.jpg

Miwa segue vivíssimo. Vai fazer 86 anos.

Bônus: OLHA. ESSE. CLOSE.

Quem gostou desse post pode gostar desses outros:
. Seiko Matsuda, provavelmente a mais icônica idol do j-pop
. Na hora que bate o estresse, ouça Chisato Moritaka
. Outro símbolo queer do Japão: Kenichi Mikawa

February 25, 2021 /Jorge Wakabara
Kurotokage, Akihiro Miwa, Kuro Bara no Yakata, anos 1960, não-binário, Japão, Gilbert Bécaud, Yukio Mishima, homossexualidade, Gary P Leupp, shudo, Grécia antiga, budismo, samurai, sexualidade, kabuki, sexo, Morte em Veneza, Björn Andrésen, androginia, j-pop, idol, Kinjiki, misoginia, Yoko Sugiyama, Jiro Fukushima, Michiko Shoda, Imperador Akihito, seppuku, suicídio, Nagasaki, enka, Ranpo Edogawa, Isao Kimura, figurino, queer, camp, Kikko Matsuoka, filme noir, Eitarô Ozawa, Masakazu Tamura, vamp, subversão, Kinji Fukasaku, Kôhaku Uta Gassen, anime, Studio Ghibli, O Castelo Animado
cinema, livro, música
jeanne-moreau-pierre-cardin.jpg

Pierre Cardin & Jeanne Moreau

December 24, 2020 by Jorge Wakabara in cinema, moda, música

A dupla mais conhecida de atriz e estilista que se tem notícia é Audrey Hepburn e Hubert de Givenchy – juntos, eles criaram um estilo, dentro e fora das telonas. Menos famoso mas com imagens icônicas, temos o duo Catherine Deneuve e Yves Saint Laurent: quem já assistiu A Bela da Tarde e Fome de Viver sabe. Só que Deneuve era bem menos fiel a YSL, apesar de adorá-lo, tanto que virou o rosto da campanha do perfume Chanel No. 5 e, assim, também ajudou a fragrância a virar um ícone eterno.

Mas existem outras duplas formidáveis por aí. Talvez a menos, digamos, heterodoxa e burguesa seja a formada por Pierre Cardin e Jeanne Moreau. Não digo isso na questão de imagens de moda criadas por eles (Moreau, assim como Deneuve, usava outros estilistas). Mas sim na relação entre eles: Cardin, homossexual que nunca esteve no armário, teve um relacionamento amoroso com Moreau. De fato. Ele já disse publicamente que eles transaram – um desses momentos, aliás, hilário, está no documentário O Império de Pierre Cardin, que abriu a edição desse ano da mostra de documentários fashion Feed Dog. A mostra já acabou, e de qualquer forma o filme só passou na abertura.

Já uma estrela de considerável fama, pós-Jules e Jim, Moreau encontrou Cardin enquanto experimentava uma de suas criações. Eles passaram cerca de cinco anos juntos e permaneceram amigos após o término. Dizem que Moreau, uma mulher que gostava de sexo e não escondia de ninguém (imagina isso nos anos 1960), devia ter ficado atraída pelo desafio de conquistar um homem gay. Acho que, na verdade, nenhum dos dois restringia suas possibilidades tampouco ligava para regras sociais, e assim se permitiram viver uma história juntos. Tem coisa mais chique que ser livre de amarras? Moreau, acima disso, já era (ao meu ver) uma atriz completa que não se contentava com o posto de musa que tantas outras se encaixaram na nouvelle vague. Nada contra musas, pelo contrário, amo todas. Mas Moreau tinha mais dimensões e imprimia profundidade.
Enquanto isso, Cardin não era um neófito no cinema. No começo de sua carreira, ele fez o figurino de nada menos que… A Bela e a Fera de Jean Cocteau, de 1946!

a-bela-e-a-fera-jean-cocteau.jpg

Era natural que Cardin se envolvesse com figurino de cinema, porém sua verdadeira adoração é o teatro. Ele chegou a ser dono de um. E fez inúmeros figurinos para o palco.

A duplinha Moreau-Cardin aparece nas telonas pela primeira vez em A Baía dos Anjos (1963), de Jacques Demy, então um diretor ainda desconhecido, no qual a atriz interpreta Jackie, uma jogadora compulsiva.

O figurino não é estonteante mas é bonito. O look total loira é mara!

Captura de Tela 2020-12-20 às 13.11.54.png

Depois, viria Peau de Banane no mesmo ano de 1963, direção de Marcel Ophüls. Ela contracena com Jean Paul Belmondo.

A comédia traz Moreau como Cathy, que quer vingança dos sócios de seu pai que o roubaram. Ela se associa com três malandros, sendo um deles seu ex-marido, Michel, interpretado por Belmondo.

peau-de-banane-filme.jpg

Em 1964, Moreau encarnaria um mito histórico que já havia sido interpretado por outras – inclusive por outro mito, Greta Garbo. Era Mata Hari, agora vestida em looks Pierre Cardin. A direção era de Jean-Louis Richard.

Os looks de festa e de show (afinal, Mata Hari era uma espiã dançarina) são bem mais arrojados do que ele inventou anteriormente para Moreau. Gosto particularmente da transparência, o peitinho pra jogo e tals!

Captura de Tela 2020-12-20 às 13.31.17.png

Em 1965, saía Viva Maria!, a comédia de Louis Malle que juntava Moreau com Brigitte Bardot nos papéis principais.

A história é bem doida: em 1907, no México (?!), uma Maria (Moreau) é filha de um terrorista irlandês que morre. Aí ela encontra outra Maria (Bardot), uma cantora de um circo. Elas acabam formando uma dupla, inventam o strip-tease (?!?) e de repente se vêem no centro de uma revolução socialista (????) contra um ditador e a igreja.
Mais ou menos nessa época, o México realmente passou por uma revolução que o tirou de um regime ditatorial. E mais ou menos na época do lançamento do filme, países da América Latina viraram ditaduras militares (o México não). Ou seja, o filme era tanto uma paródia solta com certa referência leve à história quanto um comentário a respeito do que estava acontecendo no mundo naquele momento.

viva-maria.jpg

O figurino de Cardin, claro, é de época. E uma curiosidade: Moreau ganhou o BAFTA de Melhor Atriz Internacional com Viva Maria!

O próximo filme com a dupla Moreau-Cardin é Le Plus Vieux Métier du Monde (1967), que na verdade é um conjunto de curtas que trazem histórias de prostitutas (na tradução, o título é “a profissão mais antiga do mundo”). A com Moreau (que é a única a usar looks Cardin no longa) é Mademoiselle Mimi, dirigida por Philippe de Broca. Conta com outras atrizes nos outros segmentos como Elsa Martinelli e Rachel Welsh.

le-plus-moreau.jpg

A colaboração derradeira para o cinema entre Cardin e Moreau é um filme brasileiro. Joanna Francesa, de 1973, é de Cacá Diegues, se passa nos anos 1930 e traz Moreau como a Joanna do título. Dona de uma casa de prostituição em SP, ela aceita ir com Coronel Aureliano (Carlos Kroeber) para o engenho dele no interior de Alagoas e lá conhece outra realidade.

Duas curiosidades:
. Cardin também participou do filme como ator. Ele é Pierre, o cônsul francês de São Paulo e ex-amante de Joana, de terninho branco.
. Moreau foi dublada para Joanna Francesa. A responsável por sua voz é ninguém menos que… Fernanda Montenegro!

Acho interessante o figurino de Joanna e do universo ao seu redor, bem setentista no começo, cheio de cores no bordel, e depois mais areia, mais terroso, tanto nela quanto nos alagoanos.

joanna-francesa.jpg

Jeanne Moreau fez muitos outros filmes depois de Joanna Francesa, mas, ao que consta, nunca mais usou um look Cardin na telona. Eles seguiram amigos até o fim da vida dela, de qualquer forma. Moreau morreu em 2017.

Chico Buarque que fez a música tema do longa, como se sabe. Aqui, um vídeo dele falando sobre a composição:

Será que a voz do Cardin mesmo, nesse trecho??

Cardin segue vivo. Ele está com 98 anos.
Por que a dupla Cardin+Moreau não é tão reconhecida quanto Hepburn+Givenchy ou mesmo Deneuve+Saint-Laurent? Eu respondo: porque não é tão impactante visualmente falando. A história é melhor que as imagens. Eis, então, a história!

Quem gostou desse post pode gostar desses outros também:
. Nouvelle vague japonesa maravilhosa: O Funeral das Rosas
. O clima retrô de Pizzicato Five
. Susana Estrada, a Gretchen espanhola que veio antes da Gretchen

December 24, 2020 /Jorge Wakabara
Pierre Cardin, Jeanne Moreau, homossexualidade, documentário, Feed Dog, sexo, anos 1960, nouvelle vague, figurino, Jean Cocteau, Jacques Demy, Marcel Ophüls, Jean Paul Belmondo, Jean-Louis Richard, transparência, Louis Malle, Brigitte Bardot, México, strip-tease, ditadura, BAFTA, prostituta, Philippe de Broca, Cacá Diegues, anos 1930, Carlos Kroeber, Fernanda Montenegro, anos 1970, Chico Buarque
cinema, moda, música
lady-marmalade.gif

A primeira versão de Lady Marmalade (e as outras)

October 12, 2020 by Jorge Wakabara in música

Primeiro de tudo, vou precisar perguntar: por onde anda a Mya, hein?
Pois eu te respondo: ela lançou single em 2020 e tudo! Vixe!

Mas vamos voltar. É provável que você saiba que a versão de Lil’ Kim, Pink, Mya e Christina Aguilera (e Missy Elliot fazendo o rapzinho, né) para o hit Lady Marmalade, que entrou na trilha sonora de Moulin Rouge (2001), é uma versão.
E é provável que você ache que a primeira versão é a do grupo Labelle.

Mas… não. Não é!!!

Lady Marmalade é uma composição dos estadunidenses Bob Crewe e Kenny Nolan. Nolan tinha um grupo de disco music, The Eleventh Hour, que era produzido por Crewe. Nolan era o vocalista e o resto eram músicos de estúdio.

Com a febre disco que assolou os EUA e o mundo, era comum que os grupos lançassem muitos singles, na ânsia de obter um superhit nas pistas ou nas rádios (mas, principalmente, nos dois) e conseguir ficar rico graças a essa onda. É por isso que o primeiro álbum do The Eleventh Hour, de 1974, é um… Greatest Hits. Ele junta alguns singles lançados anteriormente e inclui algumas inéditas – entre elas, Lady Marmalade.

E não me entenda mal, a versão original do Eleventh Hour é boa. Acontece simplesmente que ela não fez sucesso, e a do Labelle é melhor.

Diz a lenda que Crewe mostrou a música pra Allen Toussaint em Nova Orleans. E aí entra em cena THE ONE AND ONLY Patti LaBelle e seu grupo.

bluebelles.jpg

Até então, as Bluebells ou Bluebelles tentavam a fama ao redor de tantos outros girls groups e não tinham conseguido se diferenciar, apesar da potente voz da vocalista principal. O tempo passava e Patti via que a coisa precisava mudar.

O quarteto virou um trio (uma delas, Cindy Birdsong, saiu pra se juntar às rivais Supremes, BABADO), elas estavam bem desesperançosas e parece que surgiu uma luz. “Ah, é pra mudar? Então vamos mudar.” Patti, Nona Hendryx e Sarah Dash se reinventaram, numa das reviravoltas mais deliciosamente doidas do pop, e se transformaram no Labelle, um trio que usava roupas futuristas no palco dignas de Lady Gaga e que cantava não só sobre namorinho de portão mas sobre preconceito, revolução e… sexo.

Os looks do Labelle são maravilhosos e absurdos até hoje

Os looks do Labelle são maravilhosos e absurdos até hoje

Falar sobre sexo nas rádios e nas pistas era um escândalo. A escandalosa I Feel Love de Donna Summer, com gemidos e sussurros, só sairia em 1977. Estamos falando de 1974, mesmo ano de lançamento do Lady Marmalade do Eleventh Hour. A canção que falava do ponto de vista de uma prostituta de Nova Orleans era puro escândalo, e Toussaint, o produtor de Nova Orleans que assumiu a gravação do novo álbum do Labelle chamado Nightbirds pela Epic Records, sabia que a pegada rock soul dançante com o tema tabu era explosiva. Em agosto daquele mesmo ano, a toque de caixa, surgia o primeiro megahit do Labelle em single, topo da parada de R&B e da parada principal.

Isso engatilhou o sucesso do Labelle e da própria Patti LaBelle, que seguiria pra ser uma das maiores divas dos EUA com seus cabelos absurdos e performances energéticas da carreira solo.

patti-labelle.jpg

Querida…

Eu disse QUERIDAAA… OLHA ESSE PICUMÃ, CARAIO!

O tempo passou… E quem resgatou a música mais de uma década depois, fora alguns covers insípidos, foi Sabrina, uma cantora italiana que tinha um inegável sex appeal, em 1987.

A música estava no álbum de estreia de Sabrina e fez sucesso localizado no continente europeu. Depois, em 1991, foi a vez da protegida do Prince: Sheila E.

A versão dela é bacana mas curiosamente é menos sensual.
Aí, em 1998, surgia a versão de um outro girl group, dessa vez britânico. Estou falando do All Saints! A Lady Marmalade delas já tinha rap e tudo, viu?

Uma versão remixada dessa do All Saints (por Timbaland!) fez parte da trilha sonora de Dr Doolittle (1998).

E sim: aí, em 2001, que Missy Elliot juntou aquele grupo de cantoras poderosas pra trilha de Moulin Rouge. A letra da música foi adaptada, de Nova Orleans pro Moulin Rouge em si, mantendo o toque francês do "Voulez-vous coucher avec moi?” – a origem dessa pegada bilíngue é que o quarteirão da prostituição de Nova Orleans nos anos 1970 era o French Quartier. E a curiosidade: a Patti LaBelle diz que só descobriu o significado da frase ("você quer ir pra cama comigo?”) depois de gravar! Risos!

O clipe de Pink, Aguilera, Mya e Lil’ Kim é um clássico, né? Acho que foi mais influente em matéria de figurino que o filme em si, pelo menos entre as jovenzinhas. Uma coisa lingerie & bordel com maquiagem carregada e cartola que conseguiu traduzir um pouco das roupas das lolitas japonesas mas deixou tudo mais, digamos… malandrinho.

Existe a história clássica que a própria Pink conta que Aguilera queria roubar todas as melhores partes da música (leia-se, as que demonstravam extensão vocal) e Pink não abriu mão da sua, o que teria gerado uma treta entre as duas. Outros detalhes jogam mais pimenta nesse caldeirão: Pink diz que elas foram pra uma boate e que Aguilera tentou bater nela; Aguilera diz que na verdade elas estavam brincando de "gire a garrafa" – aquela brincadeira adolescente feita em roda na qual quem cai nas duas pontas da garrafa tem que se beijar. Xtina conta que… queria beijar a Pink. Oi??? Outro capítulo dessa rinha de cantoras traz Aguilera chamando Linda Perry, parceira de Pink em composições, pra colaborar com ela – Pink levou pro pessoal e não economizou comentários em entrevistas posteriores…

Em teoria, elas fizeram as pazes em algum momento.

Mais especificamente nesse momento: no programa The Voice em 2017, quando se reencontraram, Aguilera como uma das juradas e Pink como treinadora convidada

Mais especificamente nesse momento: no programa The Voice em 2017, quando se reencontraram, Aguilera como uma das juradas e Pink como treinadora convidada

Minha versão de Lady Marmalade preferida? Aqui, a mais gritada de todas:

Se você gostou desse post, vai curtir esses outros aqui:
. O que aconteceu com Irene Cara?
. Donna Summer, a dona da pista
. Achei a Brenda, que cantava Sábado que Vem!

October 12, 2020 /Jorge Wakabara
Mya, Lil' Kim, Pink, Christina Aguilera, Missy Elliot, Lady Marmalade, Moulin Rouge, Labelle, Bob Crewe, Kenny Nolan, The Eleventh Hour, disco music, EUA, pop, Allen Toussaint, Nova Orleans, Patti LaBelle, Cindy Birdsong, Nona Hendryx, Sarah Dash, figurino, sensualidade, sexualidade, preconceito racial, prostituta, Sabrina, Sheila E, All Saints, Dr Doolittle, lingerie, cartola, Linda Perry, The Voice, Grammy
música

Mystic Pop-Up Bar: a série mais perfeita do momento (para mim, pelo menos)

July 04, 2020 by Jorge Wakabara in TV

Ignora o trailer, ele não é bom.

Mystic Pop-Up Bar é um dorama que chegou na Netflix em maio e acabou de "terminar” (eles estavam subindo dois episódios por semana). Logo de cara ela é um choque porque em teoria eu não gosto muito de dorama. Será? Mystic Pop-Up Bar me conquistou assim que assisti ao primeiro episódio. Por quê? É isso que vou tentar explicar nesse post.

(Para quem não sabe: dorama é o nome que se dá para séries que podem ser japonesas, chinesas ou, voilà, coreanas, como é o caso dessa. Tem gente que prefere chamar de k-drama, e que só chama de dorama quando é série japonesa porque o nome vem da pronúncia japonesa para "drama" em inglês. O dorama é geralmente enxuto, com um pouco mais de dez episódios, passa uma ou duas vezes por semana e tem uma estrutura que fica entre a da série norte-americana e da novela brasileira, com mais de uma trama correndo paralelamente mas não necessariamente inúmeras, tal qual o folhetim daqui.)

Os personagens principais: Guibanjang (Choi Won-Young), Wol-Ju (Hwang Jung-Eum) e Han Kang-bae (Yook Sung-jae)

Os personagens principais: Guibanjang (Choi Won-Young), Wol-Ju (Hwang Jung-Eum) e Han Kang-bae (Yook Sung-jae)

Misture tudo

Mystic Pop-Up Bar é como uma música de k-pop que passa por vários estilos e melodias e faz disso uma característica carismática. Tem drama histórico, romance meio adolescente, comédia pastelão, espiritismo, ação (com luta e tudo). Como pode?

Dei play da primeira vez porque não li a sinopse e achei que ia ser algo meio Midnight Diner, uma série japonesa que eu amo, mas eu não poderia estar mais errado nesse primeiro julgamento. É como se O Rei e Eu, A Viagem, Trapalhões e Matrix tivessem um filho com argumento escrito por John Green e Carlos Lombardi, mas Lombardi foi proibido de tirar a camisa dos protagonistas.

E o resultado surpreendentemente não é ruim!

Uma sinopse muito especial (que não dá conta de tudo)

Vou tentar resumir mas é difícil, viu? Espero que dê certo.
Há 500 anos, uma jovem xamã, Wol-Ju, se mete num rolê e acaba se apaixonando por um príncipe. O romance é um tabu, alguém assassina a mãe dela para fazer com que ela se afaste e a coitada acaba se matando. SÓ QUE ela se enforca na Árvore Sagrada que protegia um povoado, causando assim a morte dessa árvore e consequentemente de 100.000 pessoas na guerra. Como punição pós-vida, ela recebe a missão de resolver as mágoas de 100.000 pessoas nos 500 anos seguintes – caso contrário, ela vai queimar no inferno do esquecimento.

Para atrair as pessoas com mágoas, ela tem um Mystic Pop-Up Bar, uma tenda de comida e bebida que aparece e desaparece magicamente, e um líquido que parece uma bebida alcoólica mas que faz a pessoa cair no sono, permitindo com que Wol-Ju entre no sonho dela (o que eles chamam de mundo onírico) e resolva as mágoas ali, no inconsciente.

Paralelamente, a gente conhece Han Kang-Bae, um jovem órfão de origens simples que tem um dom esquisito: todo mundo que o toca fica com ataque de sinceridade e diz na lata o que está incomodando. Quando os caminhos de Wol-Ju e Kang-Bae se cruzam, ela está quase terminando sua meta de 100.000 e percebe que esse dom do rapaz pode ajudá-la a descobrir (e resolver) mágoas mais rapidamente.

Você achou a sinopse muito longa? Pois isso é apenas o começo, acredite. Deixei muita coisa de fora. POIS É.

Parece um astro de k-pop mas é o Kang-Bae num raro momento em que ele não está PASMANDO (sério, ele parece uma criança de 10 anos)

Parece um astro de k-pop mas é o Kang-Bae num raro momento em que ele não está PASMANDO (sério, ele parece uma criança de 10 anos)

Um bom recheio

Não sei que fórmula estranha é essa, mas 12 capítulos de mais de uma hora cada surpreendentemente parecem não ter a famosa barriga – aquela enrolaçãozinha básica. Talvez por causa dessa mistura de gêneros e uma história que é bem complicadinha, cheia de detalhes, Mystic Pop-Up Bar não entedia. Faça as contas: mais ou menos uma mágoa por episódio para Wol-Ju resolver, a própria história de Wol-Ju, detalhes sobre o funcionamento do além-vida, o mistério sobre o dom de Kang-Bae e a vida amorosa dele, o passado do gerente do bar Guibanjang (ele era detetive da polícia do pós-vida), a incrível e absurda chefona Yeomradaewang (Hye-ran Yeom), a atrapalhada dona dos sonhos de gravidez Samshin (Oh Yeong-Sil), o compreensivo e companheiro chefe de departamento da Morte Yeom (Joon-hyuk Lee)… O elenco parece enxuto mas na verdade é marcante, e por isso você não se perde.

OLHA ESSA DEMÔNIA! A chiquérrima Yeomradaewang na frente de Wol-Ju

OLHA ESSA DEMÔNIA! A chiquérrima Yeomradaewang na frente de Wol-Ju

#Magoei

As mágoas que Wol-Ju precisa resolver não são #whitepeopleproblem (mesmo porque coreanos são amarelos). Amoooor, a coisa é séria: envolve morte, filho perdido, amor impossível, traição... Eles não brincam em serviço. Não é tipo briga de namoradinho nem "tô cansado do meu trabalho". Drama de verdade, sabe? Alguns são de chorar, mesmo.

Caricatices

Se por um lado os dramas são pesados, por outro, as interpretações tem uma escala de tons bem grande: vão do sério tenso ao escrachado. A própria Hwang Jung-Eum, que faz a Wol-Ju, é maravilhosa, de cair o queixo. Ela consegue ser tão palhaça quanto a Chiquinha do Chaves em um momento e séria como Sally Field no próximo. Não dá nem para conceber. No começo achei que isso ia me incomodar, mas é só embarcar: a série é uma fantasia doida e ela está apenas comandando a zona.

Fiquei na dúvida para saber se Jung-Eum é a nova rainha do camp ou se esse tipo de interpretação é normal no dorama coreano. A VER.

Wol-Ju: uma maluca no pedaço

Wol-Ju: uma maluca no pedaço

Tour de force do figurino

Quem é esse figurinista? Se alguém descobrir, me avisa porque isso é simplesmente chocante. Ele conseguiu arrasar o tempo todo. No contemporâneo, no histórico e principalmente nas releituras de hanbok usados por Wol-Ju (vide foto acima). Hanbok, para quem não sabe, é o look tradicional coreano e segue sendo usado até hoje em ocasiões semiformais e formais, assim como o quimono no Japão. Uma característica que só de bater o olho você já percebe é que o hanbok recorta a silhueta logo abaixo do busto e abre em evasê. Para Wol-Ju, isso aparece muitas vezes em forma de tops transpassados mais curtos, fora os hanbok estilizados. Mas Wol-Ju também usa outras coisas: blazer amplo, por exemplo, é uma peça-chave dela.

Mas para mim nenhum figurino bate os do príncipe herdeiro (Geon-Hee Song). Guarda-roupa dos sonhos. E que boy bonito!

Um príncipe bem vestido

Um príncipe bem vestido

Reviravoltas

Uma sequência básica de plot twists sempre foi um dos segredos do formato de folhetim. Só que como a história aqui é muito maluca, você até desconfia de onde o tiro vai vir mas nunca tem certeza.

Agora segue um prêmio para quem chegar no fim da série e gostar: você vai me agradecer por esse vídeo que estou colocando aqui.
A música é Tears e a cantora (é ela mesma quem aparece, como você pode desconfiar) é a So Chan-whee. O hit fez sucesso há 20 anos, em 2000. Se você assistir ao dorama vai entender tudo.

Quem gostou desse post pode gostar de:
. SsingSsing, uma banda xamânica da Coreia do Sul
. Os monstros de Joon-ho Bong antes de Parasita
.
Parasita em si – e outro filme, japonês, que também fala de família

July 04, 2020 /Jorge Wakabara
Mystic Pop-Up Bar, dorama, Netflix, k-drama, Choi Won-Young, Hwang Jung-Eum, Yook Sung-jae, xamanismo, Hye-ran Yeom, Oh Yeong-Sil, Joon-hyuk Lee, figurino, hanbok, Geon-Hee Song, So Chan-whee, Coreia do Sul
TV
  • Newer
  • Older

Powered by Squarespace