Affff, eu não aguento deixar a minha grande boca fechada

Só um instante, maestro.

Dentro da lógica "dessa moda aí" está o privilégio.
O privilégio de ter, e o outro não tem.
O privilégio de eu sei onde tem, e o outro não sabe.
O privilégio de comprar, e o outro não comprar.
O privilégio de conseguir, e o outro não consegue.
O privilégio de estar mais antenado, e o outro não está.

A diferenciação, e não a inclusão.

Sei disso porque trabalhei na moda por anos. Convivi de maneira íntima, todos os dias. E quem me conhece sabe que eu achava (e acho) os passos dessa dança errados e entediantes.
E por isso mesmo não quero mais. Se acontecer, paciência, porque todo mundo precisa pagar os boletos, mas é por isso que sofro tanto quando as pessoas me enxergam como um jornalista que só consegue falar de moda, porque eu não quero mais falar dessa moda.

Para mim a discussão sobre diversidade, inclusão e fim do preconceito é importantíssima. Mas ela não é isolada dessa lógica arrogante da moda em que existem iniciados superiores e os não-iniciados que não sabem de nada.
Enquanto existir essa lógica, ao meu ver, a barca segue excluindo.
E agora eu não quero mais embarcar nessa barca. Quem quiser, fique à vontade.

Sim, o baile do Met seria hoje - e o feitiço do novo tempo

O Baile do Met é (era?) o pão e circo enquanto a arena da vida real pegava fogo. O escapismo encantado dos looks das celebridades ricas & famosas nos entretia e fazia a gente esquecer a vida real mesmo que por algumas horas. Não sei se era um escapismo exatamente saudável (existe escapismo saudável? quem decide o que é saudável e o que não é?), mas putz, a gente se divertia. Para os caretas de lookinho de madrinha de casamento a gente dizia "blé"; quem surpreendia e ainda conseguia seguir o tema da exposição de moda do Metropolitan recebia aplausos. Mas se a pessoa só surpreendia sem seguir o tema já estava tudo bem!

Cardi B no baile do Met de 2019: esse Thom Browne contava com 44 quilates de rubi no colo e peito. O tema era camp!

Cardi B no baile do Met de 2019: esse Thom Browne contava com 44 quilates de rubi no colo e peito. O tema era camp!

Para quem não sabe - alguém não sabe? - a primeira segunda-feira de maio é a data tradicional do baile do Met. Ele serve para arrecadar dinheiro para o Metropolitan Museum de NY e também para divulgar a grande exposição anual de moda, que recebe chancela da Vogue América (ou seja, de Anna Wintour, sempre uma das anfitriãs e a pessoa que tem a palavra final sobre em qual mesa cada pessoa deve sentar no jantar e por aí vai). Uma boa para entender melhor é o documentário The First Monday in May de 2016 (infelizmente não tem em streaming disponível no Brasil, você vai ter que utilizar de… outros meios).

Cena do The First Monday in May (2016)

Cena do The First Monday in May (2016)

Outra referência, essa disponível na HBO Go, é o Oito Mulheres e um Segredo - para quem ainda não assistiu, essa bobagem deliciosa traz um grupo de mulheres planejando um roubo em pleno baile do Met. E teve cenas gravadas in loco! Ou seja, vale por um tapete vermelho. E um com direito a Rihanna, Cate Blanchett, Sandra Bullock, Awkwafina, Sarah Paulson, Anne Hathaway, Mindy Kaling e Helena Bonham Carter!

Um colar de US$ 150 milhões em Oito Mulheres e um Segredo

Um colar de US$ 150 milhões em Oito Mulheres e um Segredo

O baile do Met era (é?) precioso para a indústria da moda, entre outros motivos, porque era um momento de tapete vermelho em que a roupa era tão importante quanto as celebridades. Se o movimento #askhermore reprimiu as perguntas a respeito do look das atrizes nas premiações de cinema e música, no baile do Met isso é (era?) o foco. Qual estilista você escolheu? Por quê? Você ajudou no processo do look? Ah, é um vintage? E os repórteres kept on asking more - sobre o vestido. No Oscar às vezes o entrevistador nem pergunta a marca do look, mas aqui isso era (é?) informação essencial.

E aí veio a pandemia.
A exposição, que se chama - quenda - About Time: Fashion and Duration, foi postergada para 29/10. O baile do Met pode (deve?) acontecer em outra data, talvez no próprio dia 29 ou um dia antes. Mas existe espaço para um baile do Met nessa nova realidade? Ou existirá, daqui um tempo?
Depois de guerras, a extravagância e ostentação são historicamente estimuladas - é preciso movimentar a economia novamente. Só que no século passado o aquecimento global não era uma pauta cotidiana, e existia um sentimento de vitória a ser enaltecido (coisa que, desconfio, não vai acontecer pós-pandemia até onde a gente sabe; o número de mortos definitivamente não vai significar vitória).

A capa da Vogue Brasil de maio de 2020 vem sendo bem criticada:

O novo normal da maioria das pessoas realmente não é esse. Talvez o da Gisele Bündchen seja?
Tirar a maquiagem em uma foto de estúdio, para citar um filme que popularizou ainda mais a Vogue (aquele, O Diabo Veste Prada, lembra?), não chega a ser… groundbreaking.
O novo normal é outro, e o novo normal em outubro talvez seja ainda outro. É difícil prever.
A revista brasileira foi acusada de insensível e descolada da realidade - basicamente o velho normal em matéria de acusações para a Vogue Brasil. Isso vem na esteira de outras problemáticas (leia-se: acusações de racismo). Dizem que o povo não tem memória - realmente não tem, mas faz pouco tempo demais, e a memória para críticas negativas é bem maior do que a para elogios, honras e méritos. A Vogue, como uma das maiores representantes de um mundo elitista e de um mercado de luxo, toma pau a qualquer passo em falso por ela e por todos os outros.

E convenhamos, a capa da Vogue América de maio não é tão melhor.

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Insensível por insensível, essa nem sabe do que está acontecendo…

E é instigante que o tema da exposição (e consequentemente da revista) seja o tempo.
Relacionado com a moda, que é cíclica e corre atrás do novo o tempo todo.
E dando de cara com um "novo normal” no qual é preciso tempo para saber das coisas. O tempo que a quarentena vai durar. A paciência para achatar a curva. O tempo do luto. O tempo que era cada vez mais frenético no sentido da produção e do volume e que agora é suspenso.

Vai pintar nostalgia, viu? Mais forte que nunca.
A pergunta é: nostalgia de que e para quem?

(Hoje e amanhã entram no ar uma série de vídeos da Vogue América relacionada ao baile do Met - veja o lineup, que inclui a própria Anna Wintour, Naomi Campbell, Cardi B, Jeremy Scott, Stella McCartney e Liv Tyler aqui).

Mas precisava de desfile?

Escrevi um pouco sobre as possibilidades de reação que teremos a partir da pandemia, especificamente no mundo da moda, na Harper's Bazaar Brasil de abril para a coluna Em Foco. E amei - só que o texto foi feito bem no começo da pandemia, lá em fevereiro.

(Quem quiser ler pode baixar o aplicativo da Harper's Bazaar Brasil no celular, eles estão disponibilizando essa edição de graça!)

De lá pra cá, muita coisa mudou mas o básico segue. Resumidamente:
. Sei da importância da indústria da moda enquanto uma das maiores empregadoras do país, especialmente entre mulheres chefes de família.
. É por isso mesmo que também sei da responsabilidade que a indústria da moda sempre teve. A gente pisou e repisou no assunto até cansar: era necessário mudar o rumo do barco, porque o esquema estrutural da moda (assim como vários outros) simplesmente não é sustentável. E estou falando de sustentabilidade no sentido de se sustentar enquanto máquina que gira, nem preciso entrar na seara da ecologia a princípio: o sistema da indústria não se sustenta porque se baseia em volume cada vez maior de vendas de produtos que saem de recursos finitos. Se o recurso tem fim, quanto mais você o usa, mais perto do fim você vai chegar. Uma bomba-relógio, basicamente.
. Mesmo com esse cenário, a indústria da moda não moveu uma palha para pensar em outras soluções. E ela sabia e sabe a responsabilidade que tem como empregadora. Bom: ela até moveu uma palha ou duas. Produziu mais, agora sob o selo do ecowashing: é ecossustentável, compre! Investiu mais em reciclagem do que em upcycling nos seus processos. A diferença: reciclagem segue gastando mais recursos que o upcycling. Frear o volume cada vez maior? Nem pensar: o lucro seguiu em primeiro lugar.

Então aqui não tem pena nem hashtag. Tem preocupação a respeito dos trabalhadores dessa cadeia, que dependem disso, só que o topo da indústria agora tem que arcar com a responsabilidade de suas escolhas forçada e repentinamente sim. Teve tempo de pensar e mudar com calma - não pensou & não mudou. E ainda deve responder com demissões. É mole?

Sei que é difícil mudar essa lente, enxergar de outro jeito, revolucionar. Mas é o jeito, agora o chamado é bem contundente: quem continuar insistindo naquela outra tecla do passado vai gastar a digital para nada. Na minha opinião, o mercado vai encolher de maneira abissal, e isso não é uma visão pessimista - é realista. Tudo já apontava para isso. Quem não queria ver estava brincando de cabra-cega por opção própria. A insistência em não sair do lugar agora é sua sina.

Violinistas no filme Titanic de 1997

Violinistas no filme Titanic de 1997

Por que a gente gosta da moda? No meu caso, era (e é) pelo que ela tem de aspiracional. O terreno da imaginação, da subjetividade, que se dá tanto na expressão quando você se veste (a roupa fala) quanto na apresentação: a publicidade, os ensaios fotográficos, a arquitetura de decoração das lojas, o site, o Instagram… e sobretudo o desfile.

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Neon primavera-verão 2005/06

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Gucci fall 2019

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Dior couture fall 2004

O que é um desfile? O que o caracteriza?
A passarela, será?
É parte importante, mas nem sempre está lá…

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Sommer inverno 2005

Um dos desfiles mais lindos da carreira de Marcelo Sommer foi apresentado num palco. Os modelos entravam e ficavam fazendo alguma coisa ali no cenário, meio entediados

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Chanel couture fall 2015

O cenário era um cassino, no qual algumas das modelos entravam e iam apostar sua sorte!

Ouso dizer que uma das táticas criativas para o desfile ser mais comentado e lembrado é subverter o conceito de passarela, mudando ou pelo menos acrescentando algo nele. É quando o desfile se aproxima mais do teatro e assim a roupa pode absorver significados assim como um figurino, que assimila características da narrativa.

Uma capa preta de chuva longa e óculos escuros de formato ovalado não queriam dizer ação e realidades paralelas. Aí veio Matrix (1999) e, quando você vê alguém na rua de capa preta de chuva longa e esses óculos escuros, Neo vem à cabeça imediatamente. Esse, claro, é apenas um exemplo entre tantos.

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O desfile tem um alcance relativamente pequeno se comparado a um filme hollywoodiano, mas quanto mais espetacular (e consequentemente caro) ele for, maior seu alcance fica por causa da divulgação.

Bom, então ao menos o desfile precisa de roupa.
Né? A apresentação da roupa caracteriza um desfile.

Será?

No filme Prêt-à-Porter (1994) de Robert Altman tem aquela famosa cena do desfile final, com as modelos entrando na passarela peladas. A ideia já foi reproduzida muitas vezes por diversas marcas e estilistas, com diversas intenções, diversos "graus” de nudez, às vezes só uma mulher nua, às vezes um monte de homens nus segurando bolsas (sério, teve isso). A leitura que me chama mais a atenção é: a nudez também tem um significado nesse contexto, tanto quanto a roupa, e às vezes até maior.
E, mais importante: era tudo desfile. Como você chamaria, a não ser de desfile?

Tem outro exemplo, bem mais próximo de nós.

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Jum Nakao (primavera-verão 2005?)

Acho tão esquisito colocar temporada aqui!

Para começar, até hoje fico meio pasmo porque eu ESTAVA nesse desfile. Podia muito bem não estar (nessa época eu ainda não ia em todos o do SPFW).
Saí achando o máximo - afinal, gosto de uma confusão. E depois as fichas foram caindo.
O impacto de ver algo tão bem feito em papel (misturava kiriê, origami, era uma loucura) de repente rasgado na nossa frente era de uma violência poética que nunca mais foi vista nem antes nem depois no SPFW. Claro que apareceram outros desfiles emocionantes no nosso caminho, mas para mim nenhum teve tantas camadas e subtextos quanto esse do Jum Nakao.
E outra coisa impactante: Jum nunca mais desfilou sua marca. É como se, com aquela apresentação, ele já tivesse dito tudo que podia. Acabou-se. Chega. A história fica muito mais forte porque tem um ponto final.

O desfile tinha roupas - de papel. Elas nunca foram vendidas, e teve gente da plateia que correu para pegar algum pedaço daquilo, jogado no chão. Um lixo. O lixo que virou algo valioso porque, dentro do contexto, a pessoa sabe de onde ele veio. Não é para vestir, não é para usar de alguma maneira. É simplesmente para guardar.
(Não, eu não peguei - e devia ter pegado, me arrependo hoje! Risos!)

Desfiles como símbolo do glamour já não existem mais; e se aparecem só funcionam quando misturam esse revival de glamour com ironia. Algum dia isso irá mudar? Pode ser - tenho evitado fazer previsões nesse momento porque cada mergulho é um flash. Talvez o Átila saiba melhor que eu?

Não me entendam mal, juro que adoro desfile. O que não gosto é de ver algo que não acrescenta. É o direcionamento de energia em algo que talvez não valha a pena. É a proliferação vazia, muito desfile para pouco assunto.

E uma coisa eu sei, assistindo à Saint Laurent anunciar que não faz mais desfile esse ano e dizendo que vai "conduzir seu próprio ritmo" mostrando que está cansada do esquema sazonal das temporadas (quem não está?).
Se você não tem algo para dizer, não diga. Se você não tem algo para mostrar, não mostre. E daí que a "regra do mercado de moda” diz que a marca deve apresentar coleções sazonalmente?
Que mercado?
Que estação? Em que mundo você vive? O aquecimento global não chegou aí?

Se uma solução milagrosa a respeito do modus operandi da moda não vai pintar tão cedo, ao menos vamos pensar em formas diferentes de mostrar sonhos? Sem aglomeração e tão aspiracionais quanto?
Vamos lá, vocês são criativos. Eu sei que vocês conseguem.
O que é o desejo hoje? A importância do papel da imaginação, ao contrário do que possa parecer, é enorme em tempos de pandemia.
E do que a gente precisa?

Enquanto isso, aproveite que você está em casa, talvez saudoso, talvez nostálgico, e ouça o segundo episódio do meu podcast, que é justamente sobre música clichê de passarela! RISOS!

Dei um pivô e fui!

A sandália da Manu e uma questão de proporção

oh hi

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Desculpem-me pela ausência em plena quarentena, esse período no qual geralmente se produz mais. Não sei quem inventou isso, mas dizem as línguas (as boas e as más) que é assim que ocorre.
A verdade é que produzi sim, mas não para cá - o famoso "vem coisa boa por aí, hein". Ou melhor: espero que venha, vamos torcer! :) Uma parte da minha parte eu já fiz.

Mas antes que eu e você nos percamos num labirinto de frases misteriosas cuidadosamente escolhidas para te despertar curiosidade e deixar você

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gostaria de dizer mais duas coisas. A elas:

1. Pensei bastante sobre o blog e sobre a newsletter (que também miou nesse tempinho, eu sei). Decidi que não haverá periodicidade certa nem de uma coisa, nem de outra. Motivos: quero escrever aqui só quando achar que o assunto rende bastante, caso contrário vai nas minhas redes, uai. E quero que a newsletter tenha algo mais do que apenas links. Então estou pensando no que a newsletter pode ter que não vai ter aqui, e aí ela vai ter uma vida mais própria e uma razão maior em existir. Combinado? Aceito sugestões.
(Estou falando tudo isso mas se eu bem me conheço amanhã podem ter cinco posts novos nesse sítio. Sou assim, é o meu jeitinho. Desculpa qualquer coisa.)

2. É muito emblemático que esse blog volte depois de uma pausa e depois de quase um ano de existência com um post que, no seu título, conversa bastante com um de seus primeiros posts…
A sandália da Beyoncé NÃO é o retrato do mundo atual. Aliás, segue atual. Recomendo.
A sandália da Manu também NÃO é o retrato do mundo atual, mas é uma boa desculpa para falar de umas coisas que venho pensando… Chega mais.

Bom, você sabe do que estou falando nesse título. Não precisa fingir.

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Esse post é dedicado a Flavia Akemi e Daniel Beoni

Que pediram para eu falar desse assunto aqui! Acredita?

Primeiro os fatos: essa sandália que Maria Manoela Gavassi tem usado nessa edição do BBB20 que chega ao fim é da marca Buffalo, de Londres. A Buffalo existe desde 1979 e no começo vendia bota de caubói (sério), nos anos 1980 já começou a investir em tênis e em 1995 lançou um tênis com uma plataforma.
Faça as contas. É isso mesmo.

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No fucking way

Really?!

E mais: a Buffalo relançou seus tênis-plataforma recentemente, talvez porque percebeu que os anos 1990 estão em alta e que até as próprias Spice Girls voltaram em 2019.

Claro que não foram as Spice Girls que inventaram a plataforma. Outra baixinha, diga-se de passagem, é conhecida por ser a grande divulgadora desse modelito da sola grossa láááá na década de 1940.

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Carmen Miranda

Ela usava as plataformas de Salvatore Ferragamo, que é apontado como o criador da plataforma

O objetivo da Carmen, assim como o objetivo de toda baixinha que usa plataforma, era parecer mais alta. Mas funciona? Bom, você concretamente fica mais alta com a ajuda delas, e no caso das de Carmen Miranda, a ideia é usar um salto bem alto de maneira mais confortável porque a diferença entre a altura dos dedos e do calcanhar não é tão grande.
Mas parecer mais alta de maneira natural não me parece ser a ideia da ~~ papete chunky ~~ de Manu Gavassi (caraca, não acredito que escrevi papete chunky nesse blog).

Você deve se lembrar que a moda dos anos 1990 com as Spice Girls e os clubbers foi evoluindo. Ela na verdade começou antes, na mesma Londres, com os creepers, esses sapatos com a sola mais grossa. Senta que a história vai longe: essas solas originalmente serviam para soldados em missão no deserto por motivos de terreno arenoso e solo muito quente. Na civilização, ex-soldados e depois civis começaram a tirar onda com essa sola, aí sem motivo prático, pela estética. Teddybears, rockabillies, piriripororó. A gente sabe de alguém em Londres que, na década de 1970, quis resgatar essa estética teddybear dos anos 1950, não sabe? Vivienne Westwood, na época mulher do…

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Olha o creeper no pé dele

Ou seja, o creeper passou a ser uma coisa punk. Vivienne seguiu sendo fã de plataforma, tanto que fez Naomi Campbell tombar de uma no desfile de fall 1993.

Então, quando a montação clubber e as Spice Girls vieram com a plataforma, isso conversava com os punks, olha que doido.

E isso tudo deu em… argh…

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Um filhote de cramunhão em forma de bota

Não é possível que vocês que usavam isso gostavam disso

Bom, então é isso: é muito desproporcional (além de feio porque meio animalesco sem ser, não é à toa que o apelido é bota pata de bode, certo?).
Geralmente são meninas bem pequenas que usam. Então a comparação fica inevitável.

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A proporção da cabeça grande de Monster High e Bratz (olha quão longe irei) se conecta com a questão da menina meiga e inocente, porque lembra os traços infantis. A criança tem uma cabeça maior, proporcionalmente, que um adulto. Isso é um dos princípios da estética kawaii: a "desproporção” mexe com o nosso instinto de preservação, inspira cuidados. Pois um filhote também inspira cuidados! O começo da vida requer nossa defesa, a gente tem que resguardá-lo.
Por isso, sim: acho que existe algo não-intencional mas um tanto bizarro nessa estética desproporcional. Uma negação do amadurecimento.
E o pé gigante? Mais esquisito ainda, porque aí é uma brincadeira de desproporção que não mexe com esse instinto primordial mas remete a… bonecas! Esquisitíssimo.

A bota pata de bode talvez não volte (oremos). Mas a Melissa tem uma "versão” da sandália da Manu.

Na verdade a inspiração não deve ser a Manu - a Melissa já estava lançando papetes plataforma antes da estreia do BBB20, porque, afinal, o modelo está na moda. A própria Manu comprou essa papete antes de ir, certo?

Na verdade a inspiração não deve ser a Manu - a Melissa já estava lançando papetes plataforma antes da estreia do BBB20, porque, afinal, o modelo está na moda. A própria Manu comprou essa papete antes de ir, certo?

Mas resumindo: essa atração pela desproporção é síndrome de Peter Pan, de plástico, do quê?
Sinceramente, meu palpite é: síndrome do brinquedo de plástico sim. Assim como rola o #bratzchallenge, sobre o qual já comentei.

No caso da Manu Gavassi, acho que também entra um desenvolvimento (que assim como essa desproporção, vem de longa data) da ironia no discurso estético, que questiona a referência vigente do que é belo e de bom gosto como forma de rebeldia ou um "tô nem aí” bem blasé. Particularmente adoro essa ironia estética, um simulacro de cafona pela simples consciência e premeditação: “Eu sei que é cafona e mesmo assim optei por isso". Aí vai enumerando os valores expressos: coragem, determinação, individualidade, independência em relação à opinião do outro.

Mas acho que posso desenvolver mais o assunto em um outro post. OK?

E, Manu, nada pessoal. Isso tudo que falei vem de um lugar de verdade e carinho, viu?
Qualquer coisa te mando um áudio de desculpas.

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