A sandália da Manu e uma questão de proporção

oh hi

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Desculpem-me pela ausência em plena quarentena, esse período no qual geralmente se produz mais. Não sei quem inventou isso, mas dizem as línguas (as boas e as más) que é assim que ocorre.
A verdade é que produzi sim, mas não para cá - o famoso "vem coisa boa por aí, hein". Ou melhor: espero que venha, vamos torcer! :) Uma parte da minha parte eu já fiz.

Mas antes que eu e você nos percamos num labirinto de frases misteriosas cuidadosamente escolhidas para te despertar curiosidade e deixar você

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gostaria de dizer mais duas coisas. A elas:

1. Pensei bastante sobre o blog e sobre a newsletter (que também miou nesse tempinho, eu sei). Decidi que não haverá periodicidade certa nem de uma coisa, nem de outra. Motivos: quero escrever aqui só quando achar que o assunto rende bastante, caso contrário vai nas minhas redes, uai. E quero que a newsletter tenha algo mais do que apenas links. Então estou pensando no que a newsletter pode ter que não vai ter aqui, e aí ela vai ter uma vida mais própria e uma razão maior em existir. Combinado? Aceito sugestões.
(Estou falando tudo isso mas se eu bem me conheço amanhã podem ter cinco posts novos nesse sítio. Sou assim, é o meu jeitinho. Desculpa qualquer coisa.)

2. É muito emblemático que esse blog volte depois de uma pausa e depois de quase um ano de existência com um post que, no seu título, conversa bastante com um de seus primeiros posts…
A sandália da Beyoncé NÃO é o retrato do mundo atual. Aliás, segue atual. Recomendo.
A sandália da Manu também NÃO é o retrato do mundo atual, mas é uma boa desculpa para falar de umas coisas que venho pensando… Chega mais.

Bom, você sabe do que estou falando nesse título. Não precisa fingir.

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Esse post é dedicado a Flavia Akemi e Daniel Beoni

Que pediram para eu falar desse assunto aqui! Acredita?

Primeiro os fatos: essa sandália que Maria Manoela Gavassi tem usado nessa edição do BBB20 que chega ao fim é da marca Buffalo, de Londres. A Buffalo existe desde 1979 e no começo vendia bota de caubói (sério), nos anos 1980 já começou a investir em tênis e em 1995 lançou um tênis com uma plataforma.
Faça as contas. É isso mesmo.

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No fucking way

Really?!

E mais: a Buffalo relançou seus tênis-plataforma recentemente, talvez porque percebeu que os anos 1990 estão em alta e que até as próprias Spice Girls voltaram em 2019.

Claro que não foram as Spice Girls que inventaram a plataforma. Outra baixinha, diga-se de passagem, é conhecida por ser a grande divulgadora desse modelito da sola grossa láááá na década de 1940.

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Carmen Miranda

Ela usava as plataformas de Salvatore Ferragamo, que é apontado como o criador da plataforma

O objetivo da Carmen, assim como o objetivo de toda baixinha que usa plataforma, era parecer mais alta. Mas funciona? Bom, você concretamente fica mais alta com a ajuda delas, e no caso das de Carmen Miranda, a ideia é usar um salto bem alto de maneira mais confortável porque a diferença entre a altura dos dedos e do calcanhar não é tão grande.
Mas parecer mais alta de maneira natural não me parece ser a ideia da ~~ papete chunky ~~ de Manu Gavassi (caraca, não acredito que escrevi papete chunky nesse blog).

Você deve se lembrar que a moda dos anos 1990 com as Spice Girls e os clubbers foi evoluindo. Ela na verdade começou antes, na mesma Londres, com os creepers, esses sapatos com a sola mais grossa. Senta que a história vai longe: essas solas originalmente serviam para soldados em missão no deserto por motivos de terreno arenoso e solo muito quente. Na civilização, ex-soldados e depois civis começaram a tirar onda com essa sola, aí sem motivo prático, pela estética. Teddybears, rockabillies, piriripororó. A gente sabe de alguém em Londres que, na década de 1970, quis resgatar essa estética teddybear dos anos 1950, não sabe? Vivienne Westwood, na época mulher do…

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Olha o creeper no pé dele

Ou seja, o creeper passou a ser uma coisa punk. Vivienne seguiu sendo fã de plataforma, tanto que fez Naomi Campbell tombar de uma no desfile de fall 1993.

Então, quando a montação clubber e as Spice Girls vieram com a plataforma, isso conversava com os punks, olha que doido.

E isso tudo deu em… argh…

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Um filhote de cramunhão em forma de bota

Não é possível que vocês que usavam isso gostavam disso

Bom, então é isso: é muito desproporcional (além de feio porque meio animalesco sem ser, não é à toa que o apelido é bota pata de bode, certo?).
Geralmente são meninas bem pequenas que usam. Então a comparação fica inevitável.

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A proporção da cabeça grande de Monster High e Bratz (olha quão longe irei) se conecta com a questão da menina meiga e inocente, porque lembra os traços infantis. A criança tem uma cabeça maior, proporcionalmente, que um adulto. Isso é um dos princípios da estética kawaii: a "desproporção” mexe com o nosso instinto de preservação, inspira cuidados. Pois um filhote também inspira cuidados! O começo da vida requer nossa defesa, a gente tem que resguardá-lo.
Por isso, sim: acho que existe algo não-intencional mas um tanto bizarro nessa estética desproporcional. Uma negação do amadurecimento.
E o pé gigante? Mais esquisito ainda, porque aí é uma brincadeira de desproporção que não mexe com esse instinto primordial mas remete a… bonecas! Esquisitíssimo.

A bota pata de bode talvez não volte (oremos). Mas a Melissa tem uma "versão” da sandália da Manu.

Na verdade a inspiração não deve ser a Manu - a Melissa já estava lançando papetes plataforma antes da estreia do BBB20, porque, afinal, o modelo está na moda. A própria Manu comprou essa papete antes de ir, certo?

Na verdade a inspiração não deve ser a Manu - a Melissa já estava lançando papetes plataforma antes da estreia do BBB20, porque, afinal, o modelo está na moda. A própria Manu comprou essa papete antes de ir, certo?

Mas resumindo: essa atração pela desproporção é síndrome de Peter Pan, de plástico, do quê?
Sinceramente, meu palpite é: síndrome do brinquedo de plástico sim. Assim como rola o #bratzchallenge, sobre o qual já comentei.

No caso da Manu Gavassi, acho que também entra um desenvolvimento (que assim como essa desproporção, vem de longa data) da ironia no discurso estético, que questiona a referência vigente do que é belo e de bom gosto como forma de rebeldia ou um "tô nem aí” bem blasé. Particularmente adoro essa ironia estética, um simulacro de cafona pela simples consciência e premeditação: “Eu sei que é cafona e mesmo assim optei por isso". Aí vai enumerando os valores expressos: coragem, determinação, individualidade, independência em relação à opinião do outro.

Mas acho que posso desenvolver mais o assunto em um outro post. OK?

E, Manu, nada pessoal. Isso tudo que falei vem de um lugar de verdade e carinho, viu?
Qualquer coisa te mando um áudio de desculpas.

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