A trilogia quente do Chipre no Eurovision

Primeiro eu preciso confessar que esse post veio desse tweet de uma pessoa que não conheço kkkkkkkk

Segundamente: olá, meu nome é Jorge e eu amo o Eurovision.

O Chipre, essa ilha do mar Mediterrâneo, entrou no Eurovision pela primeira vez em 1981. Já participou do festival, por enquanto, 37 vezes.
Fuego, a música que representou o Chipre em 2018, foi a melhor colocada até hoje na história do país no Eurovision. Ficou em 2º lugar e foi interpretada por Eleni Foureira.

Fuego!

Primeiro: por que o título em espanhol? As línguas oficiais do Chipre são grego e turco, e de qualquer forma eles costumam se inscrever no Eurovision com músicas em inglês (é engraçado, o Reino Unido é sempre massacrado no festival mas a língua que mais se ouve nas músicas inscritas é o inglês).

Um dos compositores da música, Alex P, é greco-sueco. Ele se uniu ao time do famoso RedOne em 2011 e fez parte dele até 2014. Nesse meio tempo, trabalho com artistas como Enrique Iglesias (com I Like How It Feels), Paulina Rubio (com Boys Will Be Boys), Jennifer Lopez (com Live It Up, que traz um feat com Pitbull) e Marc Anthony (com Vivir Mi Vida). Ou seja: Alex já sabia o valor do espanhol e dos ritmos latinos para o pop dos anos 2010.
Ele também já possuía experiência de Eurovision em si: em 2007, fez parte do time de compositores de Yassou Maria, interpretada por Sarbel e representante da Grécia. Em 2009, foi a vez de Always com Aysel e Arash representando o Azerbaijão. E em 2012, Alex P já havia trabalhado para o Chipre com La La Love, interpretação de Ivi Adamou.

A verdade é que Fuego prometia ser maior que o próprio Eurovision. Antes de Eleni Foureira assumir os vocais, o cargo de intérprete naquela edição do Eurovision já havia sido oferecido para duas famosas: Helena Paparizou, que já ganhou o Eurovision na edição de 2005 representando a Grécia e é uma celebridade por lá (grande porcentagem da população do Chipre é grega ou de origem grega, portanto quem é famoso na Grécia é famoso no Chipre também); e Tamta, outra celebridade sobre a qual vamos falar mais daqui a pouco.

Além de todo esse buzz em torno de Fuego, a música foi lançada também em espanhol (a versão do Eurovision é em inglês e traz, em espanhol, apenas a palavra fuego em si kkkkkk). Foi essa versão espanhola que apareceu, depois do Eurovision, em dois episódios da série Elite, da Netflix.

Eleni Foureira, por sua vez, é uma coisa meio, hum… Nicole Scherzinger? A sua carreira começou em um girl group grego chamado Mystique em 2007. Em 2009, o grupo acabou e ela seguiu solo, com alguns sucessos. Uma coisa interessante para nós é que, na época do Mystique, ela dizia ser… BRASILEIRA! Putz, se ela soubesse do karma… Depois, mudou o discurso, falando que seus pais eram gregos e que tinha ascendência mexicana. Aí começou a pintar um burburinho que ela tinha pedido cidadania grega - portanto, isso significava que ela não era grega.
Finalmente, em 2013, veículos gregos revelaram que Eleni era albanesa, sendo que ela demorou até 2014 para confirmar. A justificativa das mentiras: queria ser aceita na indústria da música grega e, de qualquer forma, sempre se sentiu grega. O preconceito contra os imigrantes albaneses falou alto e ela preferiu inventar uma história.
Hoje se sabe que ela conseguiu a cidadania grega por ser descendente.

O bate-cabelo bem representado no Eurovision 2018

Bom, quando Fuego conseguiu o melhor resultado que o Chipre já teve no Eurovision, acho que decidiram não mexer no time. Em 2019, apareceu Replay.

Replay!

Se em Fuego podemos entender uma paixão fulminante, em Replay ela vira obsessão. De novo com Alex P no time de compositores, a música agora não tem toque espanhol mas parece mesmo uma sequência no que diz respeito à produção (bem pop dançante) e apelo comercial.

Tamta, que dessa vez topou representar o Chipre, tem experiência em concurso - já que ela surgiu em um. A cantora que nasceu na Georgia mas também tem cidadania grega ficou famosa quando chegou ao segundo lugar no Super Idol Greece, mais um desses programas para descobrir um novo talento musical, em 2004. Porém, Replay ficou em 13º lugar no Eurovision e não cumpriu com as expectativas.

Agora pare!

E aí, bem, veio a pandemia.

O Eurovision 2020 foi o primeiro a não acontecer em toda a existência do festival, por conta do lockdown. Porém, as músicas de cada país participante chegaram a ser anunciadas antes do cancelamento. A do Chipre seria Running, interpretada por Sandro. Ela definitivamente não faz parte dessa trilogia sobre a qual estamos falando nesse post, apesar de pop e dançante. É bem diferente de Fuego e Replay - pode ser viagem minha, mas acho até mais, er… norte-européia, menos mediterrânea (e menos latina).
Ou seja: esfriou.
E de qualquer forma, não aconteceu. Depois do cancelamento do Eurovision 2020, a organização informou que as músicas já enviadas para a competição não poderiam concorrer na próxima edição, de 2021. O intérprete, no entanto, poderia ser o mesmo. Mas Chipre desencanou de Sandro em seguida.

2021 seria um novo tempo, uma nova música, uma nova intérprete… e o palco pegaria fogo.
Fogo? De novo? E com um título em espanhol?

El Diablo!

Sou suspeito demais pois El Diablo era uma das minhas músicas favoritas do Eurovision 2021.
Em Fuego, aquela paixão fulminante; em Replay, a obsessão; em El Diablo… chega a rendição.
O título já implica que esse amor pode ser um bad romance - a menos que você seja satanista ou simpatizante da causa do papai do chão RISOS. Porém, sem julgamentos, a letra em si não traz necessariamente um personagem que faz mal para a intérprete. Pelo contrário: eles tacam fogo na pista de dança, se apaixonam (ao que tudo indica, dançando) e ela entrega o coração dela para ele. Eu mesmo vivo chamando as pessoas de demônias, no sentido delas nos levarem para o “mal caminho” (ou seja, para cair na balada e morrer de ressaca no dia seguinte), ou no sentido delas ficarem apurrinhando. O fato de chamar o cara de “diabo” (e, portanto, a estrofe vira I gave my heart to El Diablo) pra mim é claramente uma provocação dolosa, pré-pensada.
E deu certo: a Igreja Ortodoxa do Chipre condenou a música, fez petição e o escambau, enxergando uma “adoração ao demônio” nela. Não adiantou chorar, pois a canção seguiu sendo a representante do país no festival - e aí surgiu a narrativa, endossada inclusive pela própria cantora Elena Tsagrinou, de que El Diablo fala de uma relação abusiva e é um pedido de socorro.
Bom… enfim. Não enxergo isso na minha interpretação de texto. Mas quem sou eu, né?

Elena é grega e fazia parte de um grupo, OtherView. Começou uma carreira solo em 2018 e já tinha lançado alguns singles antes do Eurovision.
El Diablo, por sua vez, não contava mais com Alex P no seu time de compositores. A música é de Jimmy "Joker" Thörnfeldt, Laurell Barker, Oxa e Thomas Stengaard. Citei bad romance lá em cima e não foi à toa - teve quem viu uma inspiração, digamos, forte demais no superhit Bad Romance de Lady Gaga.

Você gosta da trilogia quente do Chipre?

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Eurovision, o filme

Bom, a essa altura você sabe que eu sou fã do concurso anual Eurovision, certo?

Caso contrário:
. Uma thread no meu Twitter sobre o Eurovision
. O melhor do Eurovision 2020 (segundo eu mesmo)
. Lady Gaga tirou o look de Stupid Love do Eurovision 2019?
. Dschinghis Khan, a banda alemã com nome de imperador mongol que participou do Eurovision 1979 e que tem um hit que fala sobre uma cidade russa
. Conan Osíris, que concorreu no Eurovision 2019 representando Portugal

Isso posto: a Netflix acabou de estrear o filme Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars. É uma comédia e logo de cara a gente precisa levantar uns pontos.

Lars & Sigrit

Lars & Sigrit

. É um filme estrelado por um americano (Will Ferrell) e uma canadense (Rachel McAdams), com participações especiais de uma americana (Demi Lovato) e um irlandês (Pierce Brosnan).
. É um filme que me parece direcionado para americanos: didático (no sentido de “mastigadinho”), com um humor típico dos filmes do Will Ferrell.
. É um filme que não pretende ser sério – afinal, ele parte do festival de música mais kitsch do mundo. Isso posto, ele traz soluções de roteiro pueris. É quase infantil.
. É quase um musical: existem números musicais, mas são poucos. Ele fica meio em cima do muro, portanto pode desagradar quem não gosta de musicais e quem gosta também!

O filme começa assim, que tal?

O filme começa assim, que tal?

Então o filme é ruim?
Olha. Diria que é tão ruim que é quase bom. Ele é esquecível, uma comediazinha para assistir enquanto você almoça. A história é tão simples que, se você dormir no meio e acordar no fim, vai entender tudo mesmo assim.
Lars (Ferrell) é um cara islandês que sonha em ganhar o Eurovision. Quem o acompanha nesse sonho é Sigrid (McAdams). O pai de Lars (Brosnan) quer que ele pare de pagar mico e “vire homem". Um acaso faz com que eles concorram no Söngvakeppnin, o festival islandês cujo primeiro lugar vale uma vaga no Eurovision representando a Islândia. E aí, bem, empilhe os clichês para descobrir tudo o que acontece.

Lovato como Katiana, uma concorrente à vaga islandesa do Eurovision

Lovato como Katiana, uma concorrente à vaga islandesa do Eurovision

O que eu gostei do filme: surpreendentemente curti a cena meio Glee em que eles começam a cantar na casa do russo Alexander Lemtov (interpretado pelo inglês Dan Stevens). Apesar de odiar musicais, eu gosto do Eurovision e a cena é PURO Eurovision. Ela tem a participação de ex-candidatos do concurso e mexe com quem é fã – acho que o objetivo era mesmo esse. Bilal Hassani, Conchita Wurst, Jessy Matador, Jamala, Loreen, a minha querida Netta e mais. Lindo <3

Outra cena tocante e que os brasileiros vão se perguntar “uai, ele está cantando em português?" é a do cara tocando piano. Sim: ele está cantando em português. É o Salvador Sobral, o único primeiro lugar de Portugal no concurso em 2017.

Netta na sua participação no longa

Netta na sua participação no longa

Então o que eu particularmente não gostei?
Bom, americanos são trouxas, né? Desculpa, mas é real (os brasileiros também são, estamos quites). No longa existem menções a isso quando Lars interage com o grupo de turistas americanos. Só que o humor do filme não deixa de ser americano – passa BEM LONGE do europeu. Ele deixa ironias finas de lado para investir em imagens mais literais.
Acontece que o camp do festival não é forçado. As apresentações e os participantes estão ali em superproduções feitas para emocionar de verdade – e se você ri, o humor está nos olhos de quem vê. É inegável que existe o picadeiro, mas não é o caso sempre, e o longa falha em apresentar essas nuances.
O Eurovision é sobre o poder da música e o filme também pretende ser, mas como ele também quer se comprometer em ser um filme de Will Ferrell, ele não chega exatamente nesse lugar. E provavelmente nem no outro (não sou tão versado em filmes do Will Ferrell para ter certeza…).

A cena tipo Glee

A cena tipo Glee

Moral da história: assista sem esperar nada. E, se quiser, assista às edições passadas que o Eurovision está publicando no seu canal do YouTube. São mais longas, mas são mais legais.

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