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A setlist do primeiro show solo de Maria Bethânia

September 19, 2020 by Jorge Wakabara in música

A história é a seguinte: nos primórdios, mais especificamente em 1964, o Teatro Vila Velha de Salvador tinha acabado de ser reformado. Eles precisavam estrear algo mas o dinheiro minguou, e a ideia de montar a peça Eles Não Usam Black-Tie precisou ser adiada momentaneamente. Mas o show tem que continuar - e aí? Alguém lembrou de uma turma que se reunia na varanda da Maria Moniz, onde rolava uma sopa pros famintos artistas aos sábados.

Chamaram esse povo e foi montado o espetáculo Nós, Por Exemplo… com bossa nova, músicas antigas, músicas novas (de Caetano Veloso e Gilberto Gil) e a turma que incluía o quarteto que depois seria conhecido como os Doces Bárbaros: Caetano, Gil, Maria Bethânia e Maria da Graça, ainda apelidada Gau e só entre o povo mais íntimo.

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Ainda teve um parte-2-o-retorno de Nós, Por Exemplo… e depois finalmente montaram Eles Não Usam Black-Tie. E aí o que aconteceu é que, aproveitando o cenário da peça, criado por Calazans Neto e que simulava uma favela carioca, também foi montado o primeiro show solo de Bethânia. Mora na Filosofia, que entrou em cartaz ainda em 1964, trazia Bethânia cantando, dirigida pelo irmão Caetano, à noite – a peça era apresentada no período vespertino!

Existe, em teoria, um registro do que foi a setlist de Mora na Filosofia. É nele que me baseio pra fazer esse post: o recorte do Jornal do Commercio publicado no Rio de Janeiro em 31/03/1965.

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Quem é Hineni Gomes? Não faço a menor ideia. Mas é na palavra dele que a gente vai confiar. Vem comigo.

Pra Seu Governo de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira

O show, em teoria, abria com Pra Seu Governo de Haroldo Lobo com Milton de Oliveira. Onde ela ouviu essa pela primeira vez? Pode ter sido na rua, mesmo. A gravação mais antiga, que eu saiba, é de Gilberto Milfond, de 1950. Essa de cima é talvez a mais conhecida hoje, de Beth Carvalho, numa interpretação mais suave. É do disco homônimo Pra Seu Governo, de 1974 – ou seja, lançada 10 anos depois do show de Bethânia em Salvador.

Canção Espontânea de Caetano Veloso

Começa o mistério: não existe gravação de Canção Espontânea. Não há rastros. Provavelmente essa foi a única vez que essa música foi apresentada, se é que ela existe (ou não passou de uma invenção da cabeça de Hineni Gomes?). A única música composta por Caetano que leva "Canção” no título e que foi gravada, aliás, é Canção de Protesto – o registro é de Zizi Possi no disco Amor & Música, de 1987:

De Manhã de Caetano Veloso

Dessa temos registro com Bethânia em si! A gravação saiu em um compacto em 1965, aproveitando o hype do show Opinião no qual ela cantava Carcará (João do Vale e José Cândido). Lado A era Carcará e lado B, De Manhã. Depois, Bethânia revisitaria De Manhã e lançaria versão ao vivo em 2012: o disco era Noite Luzidia e a música virou um dueto entre ela e o compositor, o mano Caetano.

Favela de Hekel Tavares e Joracy Camargo

Arrisco dizer que a inspiração de Bethânia para cantar Favela foi essa gravação de Maysa de 1962. Mas talvez não: existem gravações anteriores, tipo a de Silvio Caldas de 1952, a de Raul Roulien de 1933, a de Vanja Orico de 1955… Gravação de Bethânia que é bom, nada.

Meu Barracão de Noel Rosa

Mais uma que tem registro! Meu Barracão é composição de Noel de 1933 e essa gravação saiu em um EP de Bethânia de 1965 só com obras do sambista – Meu Barracão e outras cinco. Muita gente gravou antes, claro. Mario Reis em 1934, por exemplo. Aracy de Almeida, uma das maiores intérpretes de Noel, em 1955. E por aí vai.

A Felicidade de Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Esse registro é mais atual, gravado em 2004 e lançado em 2005, efeméride de 40 anos de carreira de Vinícius. Então qual foi a matriz de Bethânia em 1964? A composição foi feita pra trilha do filme Orfeu Negro do diretor francês Marcel Camus, de 1959. Saiu esse compacto abaixo, na época:

Os Doces Bárbaros já tinham todos sido atingidos pela brisa João Gilberto, que era tranquila, mas com os seus efeitos mais parecia um furacão revolucionário. Só que muita gente fala dos efeitos de João em Gal, Caetano e até em Gil. Na Bethânia, voz de raio e trovão, como pode? Uma prova que quem ainda não ouviu vai se surpreender: a gravação de No Tabuleiro da Baiana de 1981 do disco Brasil, de João com participações de Caetano, Gil… e Bethânia. Talvez a voz de Bethânia nunca tenha sido tão mais suave quanto ali, com João junto. É um assombro de linda.
Será que em 1964, cantando A Felicidade, Bethânia já se suavizava?

Chão de Estrelas de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa

Bethânia só iria registrar Chão de Estrelas em 1996 no álbum Âmbar. Por que demorou tanto? Gravada pelo próprio Silvio Caldas em 1953, regravada por grandes vozes como Elizeth Cardoso (em 1957), Maysa (em 1961), Roberto Silva (em 1960), com o tropicalismo Chão de Estrelas virou um exemplo de velha guarda estagnada. Tanto que ela aparece no disco A Divina Comédia dos Mutantes, de 1970, em versão irônica. Caetano nega, daquele jeito dele: não tem essa de velho e novo, pipipipopopó. Sei.
Mas no fundo Bethânia nunca se abalaria por causa disso. Ela, que não quis entrar na dos tropicalistas porque já tinha sido rotulada como cantora de protesto no comecinho da carreira e viu que rótulo era roubada, na verdade já tinha incluído Chão de Estrelas no show A Cena Muda, que foi registrado em disco de 1974. Está ali, no medley entre Maria Maria de Caetano e Sinal Fechado de Paulinho da Viola. Então o lançamento de Âmbar é pioneiro em trazer essa música separada, fora de um medley e em estúdio. Depois, Chão de Estrelas ainda surgia no disco De Santo Amaro a Xerém de 2018, outro registro ao vivo dessa vez ao lado de Zeca Pagodinho.

O Morro (Feio não é Bonito) de Carlos Lyra e Gianfrancesco Guarnieri

Carlos Lyra era bossa-novista. Mas depois, em 1961, começou a se envolver com o CPC (Centro Popular da Cultura) ao lado de Vianninha (Oduvaldo Vianna Filho, do Teatro de Arena e um dos dramaturgos do show Opinião) e outros. Foi o CPC que mostrou Zé Keti, Cartola, Nelson Cavaquinho, todos esses sambistas do morro pra jovem classe média intelectualizada que já gostava de bossa nova. Isso se refletiu no primeiro disco de Nara Leão, lançado em 1964 pela Elenco, que tinha mais samba que bossa nova.
E Lyra começou a compôr outras coisas, pra além de Maria Ninguém e Se É Tarde Me Perdoa. O Morro (Feio não é Bonito) é um exemplo. Como era uma parceria com Gianfrancesco Guarnieri, o artista por trás de Eles Não Usam Black-Tie, tinha tudo a ver Bethânia cantá-la no cenário da peça.
Mas quem ensinou a música pra Bethânia, antes mesmo dela chegar no Rio pra despontar em Opinião substituindo Nara? Ela mesma: Nara. Ou deduzo que sim: Nara Leão foi pra Salvador e viu Nós, Por Exemplo…, e ao que consta ensinou algumas músicas pro pessoal. Ficou tão impactada com Bethânia que sugeriu o nome da iniciante pra substituí-la, quando precisou sair do Opinião. Portanto… faz sentido, não?

Ave Maria do Morro (Barracão de Zinco) de Herivelto Martins

A gravação de 1942 do Trio de Ouro, formado pelo casal Herivelto Martins e Dalva de Oliveira mais Nilton Chagas, virou um clássico. Claro, pintaram outras: a própria Dalva regravaria, além de gente como Nelson Gonçalves (em 1950) e Ângela Maria (em 1955).

Não existe gravação na voz de Bethânia. Nem no Cânticos, Preces, Súplicas de 2004, dedicado à Nossa Senhora, ela incluiu a faixa. Já Gal Costa gravou: a música fez parte de muitos dos seus shows e, finalmente, em 2003, no disco Todas as Coisas e Eu. Talvez por isso que no ano seguinte Bethânia evitou incluí-la no seu lançamento com músicas pra Mãe de Jesus. Gal ainda lançaria uma versão ao vivo no disco Live At The Blue Note, gravado em 2006.

Acender as Velas de Zé Keti

Coisas assim me fazem pensar o que aconteceu na real.
A história oficial diz que Nara conheceu Bethânia em Nós, Por Exemplo…, gostou da turma, ensinou umas músicas e foi embora pra fazer o Opinião.
Mas então ela já teria ensinado pra Bethânia uma música que faria parte do repertório do Opinião… antes de tudo?
Acho tão esquisito. Mais do que destino, me cheira a "tava tudo combinado".

Quem lançou essa música de Zé Keti primeiro na verdade nem foi Nara, no disco Opinião que também era de 1964, e sim Neyde Fraga com Walter Wanderley. Numa pegada bem… bossa nova, diga-se de passagem. Zé Keti foi um dos artistas do morro que viraram "moda” via CPC, como eu disse mais acima. Acontece – até hoje, aliás…

Enquanto a Tristeza Não Vem de Sérgio Ricardo

Outra que deve ter sido ensinada por Nara, ou que era fresquinha, recém-lançada em álbum. O disco Um Sr. Talento de Sérgio Ricardo sairia em 1964 mesmo. As baianas do Quarteto em Cy gravariam a versão delas no mesmo ano, pro disco homônimo Quarteto em Cy. Sérgio também era bossanovista, também se envolveu com o CPC. Nos anos 1970, virou maldito (vira-se maldito? Nem sei!).
Sérgio foi infectado com COVID-19, se curou mas seguiu internado e acabou morrendo no hospital em julho de 2020 de insuficiência cardíaca.

Bethânia nunca gravou a música.

Ao Voltar do Samba de Synval Silva

Do repertório clássico de Carmen Miranda, de 1934, foi uma das canções da safra de Synval Silva que a cantora gravou (também tem Adeus Batucada, um dos maiores hits). Bethânia não gravou, e a interpretação dela deve ser ótima! Queria ter ouvido!

Onde Estão os Tamborins de Pedro Caetano

O meu palpite é que Bethânia ouviu essa música no rádio ou num samba de roda na rua. A música que fez muito sucesso no Carnaval de 1947 é de Pedro Caetano, o mesmo de É Com Esse Que Eu Vou, que em 1973 apareceu no repertório de Elis Regina. E é boa mesmo, mas não tem gravação de Behânia. Tem uma de Célia, de 1975!

Foi Ela de Ary Barroso

A música lançada por Francisco Alves no Carnaval de 1935 é de Ary Barroso. Não existe gravação com Bethânia conhecida – porém, mais uma vez, existe… com Gal. Ela gravou pro songbook que foi lançado em 1994, com o violão de Luiz Brasil.

Lata d'Água de Luiz Antônio e Candeias Jota Júnior

Marlene soltou sua versão de Lata d’Água de Luiz Antônio e Candeias Jota Júnior em 1952. Com toda a temática de morro e favela do show de Bethânia, tinha tudo a ver. Depois, a interpretação de Elza Soares viraria um clássico contemporâneo. Saiu no Beba-me Ao Vivo de 2007 da cantora.

Mora na Filosofia de Monsueto e Arnaldo Passos

Finalmente a canção que dava nome ao espetáculo. Amo esse samba! A gravação de Bethânia saiu em seguida, em 1965, no seu primeiro álbum. É mais uma música lançada por Marlene, essa em 1954. Eu adoro! Quem a retomaria? Caetano, no disco Transa de 1972. A pegada dele ficou mais dark, como o resto do álbum, feito no contexto do exílio londrino. Acho que a escolha de Caetano também deve ter tido a ver com a saudade de Bethânia.
Depois, Bethânia a lançaria no meio de um pout-pourri desses que ela curte no disco Nossos Momentos de 1982 – esse acima.
Monsueto é incrivel. Ouçam mais Monsueto.

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September 19, 2020 /Jorge Wakabara
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Cantoras brasileiras que a gente precisa enaltecer e ouvir

August 16, 2020 by Jorge Wakabara in música

Elas são incríveis e, no entanto, passam longe das páginas de jornalismo cultural – que de qualquer forma já são poucas. Acredito que é nosso dever enaltecer e exaltar essas mulheres que possuem um repertório maravilhoso mas ninguém comenta a respeito. De todas elas, só uma já morreu. Estão por aí, cantando, cheias de talento.
Ah, e elas possuem uma coisa em comum além do fato de serem cantoras: são negras.
Coincidência?

Vamos a elas:

Eliana Pittman

Já estava pensando em fazer esse post quando vi essa postagem da Flávia Durante:

Não vi uma linha sobre os 75 anos de Eliana Pittman na imprensa, alguém viu? Isso porque ela está em plena atividade na TV e na música, lançou disco ano passado e esse ano ao lado de outros dois ícones, Claudette Soares e Doris Monteiro. #etarismonamúsica

— Flávia Durante 🎶 (@flaviadurante) August 15, 2020

Ela tem toda razão.
E sim: Eliana Pittman completou 75 anos por esses dias.

Talvez você não saiba citar mais de três músicas de Eliana. E muita gente não citaria uma – especialmente o pessoal mais novo. Sendo que Eliana tem jazz maravilhosos, tem um repertório chocante de bom. Ela quem mostrou o carimbó para o resto do Brasil primeiro – sim, o carimbó de Belém do Pará que hoje virou modinha entre os universitários vilamadalenísticos…

(E essa maravilha de capa? Aliás, todas as capas que você vai ver nesse post são maravilhosas.)
Sinhá Pureza, que é do Pinduca, ganhou regravação em 2009 da Fernanda Takai.

Eliana começou a carreira com o padrasto, o músico de jazz Booker Pittman. Inclusive, o primeiro registro gravado dela, pela gravadora Mocambo e com orquestra pernambucana, é com ele. O-LHA-ES-SE-JAZZ:

Nessa gravação, Eliana tinha 16 para 17 anos. Sim. Pois é.

Quando Booker ficou doente, a cantora se viu na necessidade de ser o arrimo da casa. Saiu trabalhando. Tem vários discos gravados. É toda uma discografia a se descobrir, com uma qualidade absurda. E ela descascando Summertime nesse álbum abaixo de 1969, para depois seguir com Villa-Lobos em Estrela é Lua Nova? Aí sim! E uns arranjos de chorar de lindos. Nem sei o que dizer.
(Ainda vou ser ousado e dizer: prefiro essa interpretação dela de Se Você Pensa do que a da Elis Regina. Pronto, falei.)

“Sou intérprete. Canto o que acho bonito e canto o que acho que posso cantar.”
— Eliana Pittman em entrevista para Pedro Alexandre Sanches publicada no Farofafá
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Eliana continua produzindo coisas maravilhosas. Ano passado, lançou o disco Hoje, Ontem e Sempre, com base quase nua, praticamente só violão e percussão. Várias músicas conhecidas aparecem, mas são inéditas na voz dela – tipo Onde Estará o Meu Amor do Chico César e… Gamei. Sim, o pagode, aquele do Exaltasamba. Com ela, vira outra coisa (e nada contra pagode, Gamei já é genial no original, só para deixar claro).

Recentemente, a cantora lançou As Divas do Sambalanço ao lado de Dóris Monteiro e Claudette Soares. Ela também faz parte do elenco da segunda temporada de Coisa Mais Linda, série da Netflix.
A voz dela segue maravilhosa (aliás, de todas elas, então já aviso isso logo para não ficar repetindo).

Vale a pena ler essa entrevista de Eliana Pittman no blog Farofafá da Carta Capital – ela fala sobre essa dificuldade em não ser especializada em um estilo musical só e o preconceito que sofre por causa disso.

Sonia Santos

Uma leva de cantoras de samba fez bastante sucesso (e principalmente vendeu muito disco) a partir dos anos 1970, como Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes. Sonia Santos é conterrânea dessa galera, apesar de sua estreia mesmo ter sido com essa pérola aqui:

Porque é de Raul Seixas e Paulo Coelho – foi composta para a trilha sonora da novela O Rebu (1974). Você vai ter que me aturar é de Nei Lopes com Reginaldo Bessa, outro incrível músico e compositor que merecia mais atenção das massas. A ótima Tributo a Cassius Clay, em homenagem ao Muhammad Ali, também é de Bessa – a interpretação de Santos é fina, emocionada e precisa. Marraio é uma surpresa linda e funkeada.

O disco de estreia de Sonia, que levou seu nome e saiu em 1975, já traz uma preferência pelo samba. Mas também conta com chorinho (Brasileirinho num ritmo mais lento, por exemplo, valorizando a melodia sinuosa que é levada por ela numa boa) e até samba rock (Pátria Amada de Jorge Ben). Em Até Breve de Elton Medeiros e Cristóvão Bastos, fica clara a sua afiliação ao clube Elizeth Cardoso de interpretação:

Mas é o disco seguinte que eu me arrebento de amar. Tem Paulinho da Viola (O Filho de um Sambista), Noca da Portela (Afinal Eu Encontrei, com Délcio Carvalho), Mário Lago (Fracasso, um samba-canção bem triste). E ainda tem isso aqui, de autoria da própria Sonia com Ângela Soares:

Chocado que isso não é hit das intérpretes que adoram imitar Elis.
(Tô num momento sincero da vida, como vocês podem perceber).

Sonia acabou mudando para os EUA e construiu uma carreira por lá. Seguiu gravando, inclusive sem se prender só à música brasileira. Adoro Malcolm X (dela com Julinho de Palmares) e Speed, outra de Ben:

Márcia Maria

Ela tem um disco lançado no Brasil. Só unzinho. E basta. Mas sinceramente ele vale por vários:

Até a foto da capa é maravilhosa.
A música Gandaia, de Wando (!!!) com Luis Vagner é um luxo.
E Tambourine? É chique e dançante, envolvida e embrulhada com o timbre maravilhoso de Márcia. Na cozinha, a dupla Robson Jorge e Lincoln Olivetti vão fazendo aquela delícia toda deles.

Destaque, ainda naquele álbum de 1978, para Para Comigo Fazer de Djavan (lenta, meio Bethânia), Pensar de Martinho da Vila e a absurda Amigo Branco de Leci Brandão, que diz coisas do tipo: “Preconceito existe? Eu não sei! Meu amigo branco é de lei!". Ou seja, a música diz que ela, negra, não tem preconceito com o amigo branco dela. Justo! Acho uma inversão irônica, polêmica e, no mínimo, gostosa de balançar.

Márcia seguiu gravando fora do Brasil, presumo. Jazzística, aprontou coisas como Nada Será Como Antes do Milton Nascimento com Ronaldo Bastos e Desafio, que estranhamente parece saída do repertório de Milton mas nem de autoria dele é (achei algo indicando George Paulo e Paiva Marcos como autores).

Ah, e tem isso, de 2005…

Ouvi e disse “ARTISTA".

Marizinha (e Evinha) – que família abençoada

Já falei de Evinha por aqui: ela era do Trio Esperança e saiu em carreira solo.
Fui no show de lançamento do último disco dela, só com músicas de Guilherme Arantes acompanhadas pelo piano do marido Gérard Gambus. Garanto: a voz segue intocável, parece até mentira. Mesmo alcance, mesma afinação. Uma menina cantando.
Quando Evinha saiu do Trio em 1968, quem entrou foi a irmã mais nova, Marizinha. Para quem não está familiarizado, vou recapitular: o Trio Esperança trazia os irmãos Regina, Mario e Evinha. Eles já eram irmãos de outro trio com vozes deliciosas, o Golden Boys, de Roberto, Ronaldo e Renato mais um primo, Valdir.
Ave! Quanta voz linda!
Marizinha era a caçula. Ela logo também experimentou uma carreira solo.

A voz é EXTREMAMENTE PARECIDA com a de Evinha. O cheiro do hit (foi hit mesmo) também vem do trio compositor Mariozinho Rocha, Renato Corrêa e Paulo Sérgio Valle. Esse compacto saiu em 1977.

Marizinha não chegou a lançar álbum completo solo. Mas ainda tem outras coisas por aí na voz dela. Um exemplo de 1979…

Meio disco music (bem chupada de More More More, para falar a verdade), mas gostosíssima. A versão de Viola Enluarada modernizada é TUDO!!!

Volte e meia ela se apresenta com o Trio Esperança. <3 Ainda quero ver ao vivo.

Dila

Dila é um mistério: ela morreu em um acidente de carro. Só lançou um disco, esse de 1971 que coloquei abaixo.

O álbum era raríssimo até uma reedição mais recente. Ele é inteiro bom.

Mas possui uma única falha. Não inclui esta versão de Wave, que saiu só em um compacto. E que é, nem sei como descrever… É outra coisa.

Cátia de França

Cátia faz parte da turma de nordestinos tipo Sivuca, Amelinha e Zé Ramalho, que vieram tentar a sorte no sudeste. Ela é paraibana e na verdade começou a carreira um pouco antes deles, participando de banda e de festivais. Mas esse disco de estreia incrível, com o título estrondoso de Vinte Palavras ao Redor do Sol, saiu só em 1979.

As músicas nasceram da leitura de poesia do João Cabral de Melo Neto. Todas são dela, com ou sem parceiros. Exalam um misticismo sertanejo e por esse lado é meio primo da produção de Zé Ramalho. Ouve Kukukaya (Jogo da Asa da Bruxa) – é Secos & Molhados, é lindo, é tudo. Sou só eu que ligo essas coisas a Bacurau? É uma viagem pessoal? Risos. Para mim é maravilhosamente interligado.

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“Eu engravido dos livros que leio e tudo vira música.”
— Cátia de França em entrevista para a Trip

Uma pessoa que fala uma frase dessas simplesmente não merece esse mundo horroroso em que estamos vivendo.

Cátia também segue lançando coisas de tempos em tempos. Como essa música, de 1998, bem mística do jeito que a gente gosta:

Você incluiria mais algum nome nessa lista? Me conta!

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August 16, 2020 /Jorge Wakabara
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