Wakabara

  • SI, COPIMILA • COMPRE MEU LIVRO
  • Podcast
  • Portfólio
  • Blog
  • Sobre
  • Links
  • Twitter
  • Instagram
  • Fale comigo
  • Newsletter
maria-bethania.jpg

A setlist do primeiro show solo de Maria Bethânia

September 19, 2020 by Jorge Wakabara in música

A história é a seguinte: nos primórdios, mais especificamente em 1964, o Teatro Vila Velha de Salvador tinha acabado de ser reformado. Eles precisavam estrear algo mas o dinheiro minguou, e a ideia de montar a peça Eles Não Usam Black-Tie precisou ser adiada momentaneamente. Mas o show tem que continuar - e aí? Alguém lembrou de uma turma que se reunia na varanda da Maria Moniz, onde rolava uma sopa pros famintos artistas aos sábados.

Chamaram esse povo e foi montado o espetáculo Nós, Por Exemplo… com bossa nova, músicas antigas, músicas novas (de Caetano Veloso e Gilberto Gil) e a turma que incluía o quarteto que depois seria conhecido como os Doces Bárbaros: Caetano, Gil, Maria Bethânia e Maria da Graça, ainda apelidada Gau e só entre o povo mais íntimo.

nos-por-exemplo.jpeg

Ainda teve um parte-2-o-retorno de Nós, Por Exemplo… e depois finalmente montaram Eles Não Usam Black-Tie. E aí o que aconteceu é que, aproveitando o cenário da peça, criado por Calazans Neto e que simulava uma favela carioca, também foi montado o primeiro show solo de Bethânia. Mora na Filosofia, que entrou em cartaz ainda em 1964, trazia Bethânia cantando, dirigida pelo irmão Caetano, à noite – a peça era apresentada no período vespertino!

Existe, em teoria, um registro do que foi a setlist de Mora na Filosofia. É nele que me baseio pra fazer esse post: o recorte do Jornal do Commercio publicado no Rio de Janeiro em 31/03/1965.

recorte-jornal-bethania.JPG

Quem é Hineni Gomes? Não faço a menor ideia. Mas é na palavra dele que a gente vai confiar. Vem comigo.

Pra Seu Governo de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira

O show, em teoria, abria com Pra Seu Governo de Haroldo Lobo com Milton de Oliveira. Onde ela ouviu essa pela primeira vez? Pode ter sido na rua, mesmo. A gravação mais antiga, que eu saiba, é de Gilberto Milfond, de 1950. Essa de cima é talvez a mais conhecida hoje, de Beth Carvalho, numa interpretação mais suave. É do disco homônimo Pra Seu Governo, de 1974 – ou seja, lançada 10 anos depois do show de Bethânia em Salvador.

Canção Espontânea de Caetano Veloso

Começa o mistério: não existe gravação de Canção Espontânea. Não há rastros. Provavelmente essa foi a única vez que essa música foi apresentada, se é que ela existe (ou não passou de uma invenção da cabeça de Hineni Gomes?). A única música composta por Caetano que leva "Canção” no título e que foi gravada, aliás, é Canção de Protesto – o registro é de Zizi Possi no disco Amor & Música, de 1987:

De Manhã de Caetano Veloso

Dessa temos registro com Bethânia em si! A gravação saiu em um compacto em 1965, aproveitando o hype do show Opinião no qual ela cantava Carcará (João do Vale e José Cândido). Lado A era Carcará e lado B, De Manhã. Depois, Bethânia revisitaria De Manhã e lançaria versão ao vivo em 2012: o disco era Noite Luzidia e a música virou um dueto entre ela e o compositor, o mano Caetano.

Favela de Hekel Tavares e Joracy Camargo

Arrisco dizer que a inspiração de Bethânia para cantar Favela foi essa gravação de Maysa de 1962. Mas talvez não: existem gravações anteriores, tipo a de Silvio Caldas de 1952, a de Raul Roulien de 1933, a de Vanja Orico de 1955… Gravação de Bethânia que é bom, nada.

Meu Barracão de Noel Rosa

Mais uma que tem registro! Meu Barracão é composição de Noel de 1933 e essa gravação saiu em um EP de Bethânia de 1965 só com obras do sambista – Meu Barracão e outras cinco. Muita gente gravou antes, claro. Mario Reis em 1934, por exemplo. Aracy de Almeida, uma das maiores intérpretes de Noel, em 1955. E por aí vai.

A Felicidade de Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Esse registro é mais atual, gravado em 2004 e lançado em 2005, efeméride de 40 anos de carreira de Vinícius. Então qual foi a matriz de Bethânia em 1964? A composição foi feita pra trilha do filme Orfeu Negro do diretor francês Marcel Camus, de 1959. Saiu esse compacto abaixo, na época:

Os Doces Bárbaros já tinham todos sido atingidos pela brisa João Gilberto, que era tranquila, mas com os seus efeitos mais parecia um furacão revolucionário. Só que muita gente fala dos efeitos de João em Gal, Caetano e até em Gil. Na Bethânia, voz de raio e trovão, como pode? Uma prova que quem ainda não ouviu vai se surpreender: a gravação de No Tabuleiro da Baiana de 1981 do disco Brasil, de João com participações de Caetano, Gil… e Bethânia. Talvez a voz de Bethânia nunca tenha sido tão mais suave quanto ali, com João junto. É um assombro de linda.
Será que em 1964, cantando A Felicidade, Bethânia já se suavizava?

Chão de Estrelas de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa

Bethânia só iria registrar Chão de Estrelas em 1996 no álbum Âmbar. Por que demorou tanto? Gravada pelo próprio Silvio Caldas em 1953, regravada por grandes vozes como Elizeth Cardoso (em 1957), Maysa (em 1961), Roberto Silva (em 1960), com o tropicalismo Chão de Estrelas virou um exemplo de velha guarda estagnada. Tanto que ela aparece no disco A Divina Comédia dos Mutantes, de 1970, em versão irônica. Caetano nega, daquele jeito dele: não tem essa de velho e novo, pipipipopopó. Sei.
Mas no fundo Bethânia nunca se abalaria por causa disso. Ela, que não quis entrar na dos tropicalistas porque já tinha sido rotulada como cantora de protesto no comecinho da carreira e viu que rótulo era roubada, na verdade já tinha incluído Chão de Estrelas no show A Cena Muda, que foi registrado em disco de 1974. Está ali, no medley entre Maria Maria de Caetano e Sinal Fechado de Paulinho da Viola. Então o lançamento de Âmbar é pioneiro em trazer essa música separada, fora de um medley e em estúdio. Depois, Chão de Estrelas ainda surgia no disco De Santo Amaro a Xerém de 2018, outro registro ao vivo dessa vez ao lado de Zeca Pagodinho.

O Morro (Feio não é Bonito) de Carlos Lyra e Gianfrancesco Guarnieri

Carlos Lyra era bossa-novista. Mas depois, em 1961, começou a se envolver com o CPC (Centro Popular da Cultura) ao lado de Vianninha (Oduvaldo Vianna Filho, do Teatro de Arena e um dos dramaturgos do show Opinião) e outros. Foi o CPC que mostrou Zé Keti, Cartola, Nelson Cavaquinho, todos esses sambistas do morro pra jovem classe média intelectualizada que já gostava de bossa nova. Isso se refletiu no primeiro disco de Nara Leão, lançado em 1964 pela Elenco, que tinha mais samba que bossa nova.
E Lyra começou a compôr outras coisas, pra além de Maria Ninguém e Se É Tarde Me Perdoa. O Morro (Feio não é Bonito) é um exemplo. Como era uma parceria com Gianfrancesco Guarnieri, o artista por trás de Eles Não Usam Black-Tie, tinha tudo a ver Bethânia cantá-la no cenário da peça.
Mas quem ensinou a música pra Bethânia, antes mesmo dela chegar no Rio pra despontar em Opinião substituindo Nara? Ela mesma: Nara. Ou deduzo que sim: Nara Leão foi pra Salvador e viu Nós, Por Exemplo…, e ao que consta ensinou algumas músicas pro pessoal. Ficou tão impactada com Bethânia que sugeriu o nome da iniciante pra substituí-la, quando precisou sair do Opinião. Portanto… faz sentido, não?

Ave Maria do Morro (Barracão de Zinco) de Herivelto Martins

A gravação de 1942 do Trio de Ouro, formado pelo casal Herivelto Martins e Dalva de Oliveira mais Nilton Chagas, virou um clássico. Claro, pintaram outras: a própria Dalva regravaria, além de gente como Nelson Gonçalves (em 1950) e Ângela Maria (em 1955).

Não existe gravação na voz de Bethânia. Nem no Cânticos, Preces, Súplicas de 2004, dedicado à Nossa Senhora, ela incluiu a faixa. Já Gal Costa gravou: a música fez parte de muitos dos seus shows e, finalmente, em 2003, no disco Todas as Coisas e Eu. Talvez por isso que no ano seguinte Bethânia evitou incluí-la no seu lançamento com músicas pra Mãe de Jesus. Gal ainda lançaria uma versão ao vivo no disco Live At The Blue Note, gravado em 2006.

Acender as Velas de Zé Keti

Coisas assim me fazem pensar o que aconteceu na real.
A história oficial diz que Nara conheceu Bethânia em Nós, Por Exemplo…, gostou da turma, ensinou umas músicas e foi embora pra fazer o Opinião.
Mas então ela já teria ensinado pra Bethânia uma música que faria parte do repertório do Opinião… antes de tudo?
Acho tão esquisito. Mais do que destino, me cheira a "tava tudo combinado".

Quem lançou essa música de Zé Keti primeiro na verdade nem foi Nara, no disco Opinião que também era de 1964, e sim Neyde Fraga com Walter Wanderley. Numa pegada bem… bossa nova, diga-se de passagem. Zé Keti foi um dos artistas do morro que viraram "moda” via CPC, como eu disse mais acima. Acontece – até hoje, aliás…

Enquanto a Tristeza Não Vem de Sérgio Ricardo

Outra que deve ter sido ensinada por Nara, ou que era fresquinha, recém-lançada em álbum. O disco Um Sr. Talento de Sérgio Ricardo sairia em 1964 mesmo. As baianas do Quarteto em Cy gravariam a versão delas no mesmo ano, pro disco homônimo Quarteto em Cy. Sérgio também era bossanovista, também se envolveu com o CPC. Nos anos 1970, virou maldito (vira-se maldito? Nem sei!).
Sérgio foi infectado com COVID-19, se curou mas seguiu internado e acabou morrendo no hospital em julho de 2020 de insuficiência cardíaca.

Bethânia nunca gravou a música.

Ao Voltar do Samba de Synval Silva

Do repertório clássico de Carmen Miranda, de 1934, foi uma das canções da safra de Synval Silva que a cantora gravou (também tem Adeus Batucada, um dos maiores hits). Bethânia não gravou, e a interpretação dela deve ser ótima! Queria ter ouvido!

Onde Estão os Tamborins de Pedro Caetano

O meu palpite é que Bethânia ouviu essa música no rádio ou num samba de roda na rua. A música que fez muito sucesso no Carnaval de 1947 é de Pedro Caetano, o mesmo de É Com Esse Que Eu Vou, que em 1973 apareceu no repertório de Elis Regina. E é boa mesmo, mas não tem gravação de Behânia. Tem uma de Célia, de 1975!

Foi Ela de Ary Barroso

A música lançada por Francisco Alves no Carnaval de 1935 é de Ary Barroso. Não existe gravação com Bethânia conhecida – porém, mais uma vez, existe… com Gal. Ela gravou pro songbook que foi lançado em 1994, com o violão de Luiz Brasil.

Lata d'Água de Luiz Antônio e Candeias Jota Júnior

Marlene soltou sua versão de Lata d’Água de Luiz Antônio e Candeias Jota Júnior em 1952. Com toda a temática de morro e favela do show de Bethânia, tinha tudo a ver. Depois, a interpretação de Elza Soares viraria um clássico contemporâneo. Saiu no Beba-me Ao Vivo de 2007 da cantora.

Mora na Filosofia de Monsueto e Arnaldo Passos

Finalmente a canção que dava nome ao espetáculo. Amo esse samba! A gravação de Bethânia saiu em seguida, em 1965, no seu primeiro álbum. É mais uma música lançada por Marlene, essa em 1954. Eu adoro! Quem a retomaria? Caetano, no disco Transa de 1972. A pegada dele ficou mais dark, como o resto do álbum, feito no contexto do exílio londrino. Acho que a escolha de Caetano também deve ter tido a ver com a saudade de Bethânia.
Depois, Bethânia a lançaria no meio de um pout-pourri desses que ela curte no disco Nossos Momentos de 1982 – esse acima.
Monsueto é incrivel. Ouçam mais Monsueto.

Quem gostou desse post também vai gostar desses:
. Como teria sido o disco seguinte de Elis Regina, se ela não tivesse morrido?
. Todos os caminhos levam ao Secos & Molhados
. Uma questão de energia: de Âmbar de Bethânia até um média metragem japonês cyberpunk
. Por que a Célia não fez tanto sucesso?
. Resgate de uma musa brasileira: Vanja Orico

September 19, 2020 /Jorge Wakabara
Teatro Vila Velha, Salvador, Bahia, Eles Não Usam Black-Tie, Maria Moniz, Nós Por Exemplo..., bossa nova, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Doces Bárbaros, Maria Bethânia, Calazans Neto, favela, Mora na Filosofia, setlist, Hineni Gomes, Haroldo Lobo, Milton de Oliveira, Gilberto Milfond, Beth Carvalho, samba, Zizi Possi, Opinião, Hekel Tavares, Joracy Camargo, Maysa, Silvio Caldas, Raul Roulien, Vanja Orico, Noel Rosa, Mario Reis, Aracy de Almeida, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Marcel Camus, João Gilberto, Orestes Barbosa, Elizeth Cardoso, Roberto Silva, tropicalismo, Paulinho da Viola, Zeca Pagodinho, Carlos Lyra, Gianfrancesco Guarnieri, CPC, Oduvaldo Vianna Filho, Teatro de Arena, Zé Keti, Cartola, Nelson Cavaquinho, Nara Leão, Elenco, Herivelto Martins, Trio de Ouro, Dalva de Oliveira, Nilton Chagas, Nelson Gonçalves, Ângela Maria, Nossa Senhora, Gal Costa, Neyde Fraga, Walter Wanderley, Sérgio Ricardo, Quarteto em Cy, COVID-19, Synval Silva, Carmen Miranda, Pedro Caetano, Elis Regina, Célia, Francisco Alves, Carnaval, Ary Barroso, Luiz Brasil, Luiz Antônio, Candeias Jota Júnior, Marlene, Elza Soares, Monsueto, Arnaldo Passos
música
elis-regina-1980.jpeg

Como teria sido o disco seguinte de Elis Regina?

June 26, 2020 by Jorge Wakabara in música, livro

Para começo de conversa: Elis Regina foi a maior cantora que o Brasil já teve. Se você ainda não se convenceu disso, faça uma coisa que minha amiga Mariana Tavares involuntariamente me mostrou:
1. Coloque o fone de ouvido.
2. Aumente o volume.
3. Ouça isso:

Elis era perfeita até na imperfeição. Extremamente técnica, sabia quando “errar" em prol da emoção. Não tem malabarismo, não tem truque. Tem timbre, tem dicção, tem musicalidade. Se você ouve com atenção, é um assombro. Gal é doce, Bethânia é espiritual, Elza é um milagre, Elizeth é divina, Baby é livre, Marisa é refinada (assim como Nara), Clara é solar, Nana é lunar, Maysa é o poço de emoção e… Elis é tudo.

Para quem não é familiarizado com a história: Elis morreu em janeiro de 1982. O último álbum dela havia sido lançado em dezembro de 1980 pela Odeon. A versão que está no Spotify não é exatamente a que chegou nas lojas:

Os últimos discos de Elis (Essa Mulher de 1979, que tem O Bêbado e o Equilibrista, o ao vivo Saudade do Brasil de 1980 e esse, mais um chamado apenas Elis) não venderam muito, o que é chocante tanto pela qualidade do repertório e interpretação quanto pelo fato deles conterem músicas que ficaram famosas. Do último, por exemplo, temos Aprendendo a Jogar, composição de Guilherme Arantes.

Elis de 1980 tem um medalhão entre o time de compositores (Gilberto Gil com Rebento) mas acima de tudo apostava em sangue novo: os irmãos Borges (O Trem Azul, Vento de Maio), Thomas Roth (SIM, aquele que era jurado no Ídolos, com Nova Estação ao lado de Luiz Guedes, primo de Beto Guedes), os irmãos Garfunkel (Calcanhar de Aquiles) e o próprio Arantes (além de Aprendendo a Jogar, com Só Deus é Quem Sabe). A cantora sempre foi reconhecida por ter lançado novos nomes durante toda a sua carreira. Dá para ver que ela estava bem na onda do Clube da Esquina: Milton Nascimento tinha lançado o álbum volume 2 com a turma em 1978.

No começo de 1982, Elis planejava um álbum novo. Já estava definitivamente separada de César Camargo Mariano, o pai de Pedro e Maria Rita, inclusive artisticamente. O disco, portanto, não seria produzido por ele.
Elis tinha anotações com uma lista de repertório, provavelmente pensando na nova empreitada.

Página do livro Furacão Elis, de Regina Echeverria

Página do livro Furacão Elis, de Regina Echeverria

Quem ajudava Elis a selecionar o repertório era Natan Marques e Ronaldo Bastos. Natan, guitarrista e compositor, fez Sai Dessa com Ana Terra, a primeira do disco de 1980 de Elis, e outras. Ronaldo Bastos era membro do Clube da Esquina – portanto Minas Gerais seguia forte na essência das criações da artista. Ronaldo na verdade nasceu em Niterói: mineiro honorário!

natan-marques.jpg

Vamos à lista?

Vida

Suponho que seja Vida de Chico Buarque. Mas poderia ser uma inédita, claro. Vida seria registrada em disco por Maria Bethânia em 1982, no ao vivo Nossos Momentos. Abria o disco do próprio Chico de 1980. Em 1993, seria a vez de Angela Ro Ro gravar a canção ao vivo no Jazzmania e lançar no álbum Ao Vivo - Nosso Amor ao Armagedon. Gosto de ambas, mas acho que a vida de Angela (vide esse post) leva a interpretações bem profundas! Quando ela canta que quer mais, vish, aleluia, arrepiei.

(Aliás, esse disco ao vivo da Angela é incrível!)

Nos Bailes da Vida

Elis foi uma das maiores intérpretes de Milton Nascimento – aliás, melhor que ela, só ele mesmo. Milton tinha lançado Nos Bailes da Vida, composição sua com Fernando Brant, fazia pouco: saiu no álbum Caçador de Mim, de 1981, com participação de Roupa Nova. A versão de Elis, segundo Natan, teria o solo da introdução de Something, dos Beatles, e citações à melodia de George Harrison ao longo da música. Isso me deixou completamente louco pois essa é uma das minhas músicas preferidas do mundo!
Joanna gravou Nos Bailes da Vida em 1981. E Fafá de Belém gravou em 1982.

(Em 1981, o 14 Bis também já tinha lançado sua versão de Nos Bailes da Vida)

Sonora Garoa

Passoca deve ter mandado uma fita para Elis. Isso porque o álbum que ele já tinha lançado, em 1979, não trazia Sonora Garoa. A música só sairia na voz dele em 1984, no disco homônimo. E quem lançou a música depois, que tem todo um acento caipira à Romaria, grande sucesso de Elis? Joyce, em Saudade do Futuro (1985). E depois Vânia Bastos no ao vivo Tocar na Banda em 2007, Eliete Negreiros, em 2014, no disco Outros Sons, e Monica Salmaso, em 2017, em Caipira. A minha versão preferida segue sendo a da Joyce.

Tudo que você podia ser

A primeira do disco do Clube da Esquina, de 1972. Mais uma de Lô Borges e Márcio Borges. E maravilhosa. Difícil imaginar uma versão que supere essa original, mas Elis talvez fosse a única que conseguiria. A música já havia sido gravada pelo Quarteto em Cy em 1972, por Simone em 1973 e pelo próprio Lô Borges em 1979 (mais moderna e até mais suingada, talvez mais próxima do que Elis ia fazer).

E atenção para o momento de choque, caso você não tenha reconhecido na lista escrita por Elis que eu reproduzi acima:

Quando te Vi

Dá um play. Dá logo.
É ela mesma.

A própria Elis falou da versão de Ronaldo Bastos para Till There Was You dos Beatles na última reunião de repertório que ela, ele e Natan fizeram. A música acabou gravada pela primeira vez em 1984 pelo Beto Guedes e como não imaginar que ela seria o próximo sucesso de Elis, trilha sonora de Sétimo Sentido ou de Sol de Verão?
Bom, você lembra: Quando te Vi acabou tema de novela mas na voz de outra pessoa. Simony gravou a versão no disco Certas Coisas, de 1996. A música apareceu em Salsa e Merengue.

Falando de Amor

Pelamor, Spotify, corrige isso.
Falando de Amor saiu no álbum Terra Brasilis de Tom Jobim de 1980. Ela também faria parte do repertório do show antológico do artista em 1986 em Montreal.
Tem quem a coloque entre as mais bonitas que Jobim criou. A letra é de Vinícius de Moraes, um dos maiores parceiros dele.
Mas quem gravou primeiro, antes de Tom? Ney Matogrosso!

Dá para ver que a música é difícil: o registro precisa ter extensão para a pessoa conseguir cantar bem. Ney começa nitidamente num tom grave para ele e depois sobe na segunda parte. Elis provavelmente faria a mesma coisa.
Esse álbum de 1979 do Ney, aliás… Que pinta, que delícia. Antes de Falando de Amor, ele canta Encantado, a versão de Nature Boy.
Sabe em que ano que ele conheceu Cazuza?
Adivinha.

Caminhos do Coração

Não existe confirmação, mas faz sentido: Caminhos do Coração deve ser a do Gonzaguinha.

Ai, que vontade de ouvir a versão da Elis!!!
É dela a interpretação definitiva de Redescobrir do músico.

Ave, que coisa linda.
O registro em disco é justamente de Saudade do Brasil, de 1980, que também tem Mundo Novo Vida Nova do Gonzaguinha.
Queria ouvir um disco inteiro só de músicas do Gonzaguinha cantadas por Elis. Imagina? Grito de Alerta com Elis? (A versão da Bethânia é maravilhosa sim, mas IMAGINA com a Elis???) Ou É? Nossa. Ou Comportamento Geral? Aliás, essa última ganhou uma interpretação magistral de Elza Soares no disco mais recente dela, Planeta Fome.
Elba Ramalho gravou Caminhos do Coração em 1992.

Gema

Elis gravou composições de Caetano Veloso antes. Mas ele “era da Gal Costa", uma das maiores rivais no posto de melhor cantora da MPB. E de Bethânia também. Não estou criando rivalidade entre mulheres, não: ela existia mesmo. E lembremos que Elis encabeçou a infame passeata contra a guitarra elétrica, ou seja, contra a Tropicália e a Jovem Guarda. Depois, fez esse textão e cantou Irene:

Elis ainda gravaria Não Tenha Medo em 1970, Cinema Olympia e Os Argonautas em 1971. E não havia mais tocado em nada de Caetano desde então.
Se eu ficaria empolgado com Gema de Elis? Hum…
Bom, em 1980 Bethânia já tinha lançado Gema no disco Talismã. Mas não é uma versão incrível: o começo quase a capella é desnecessário.

Teresa Cristina já fez uma versão bem bonita, lançada em 2010.

Canção do Novo Mundo

Dá até para ouvir a voz da Elis cantando isso.
De Beto Guedes e Ronaldo Bastos, a música foi apresentada ao vivo por Milton Nascimento em 1983 – e a gravação do show foi lançada no mesmo ano. Mas essa versão de cima, do próprio Guedes, é de 1981, portanto a canção não era inédita na época que Elis pensou nela para um próximo repertório.

E mais

O livro Nada Será Como Antes, de Julio Maria, diz que Edu Lobo voltava ao convívio de Elis via Samuel MacDowell, o então namorado dela. Ronaldo Bastos, por sua vez, pediu para Arrigo Barnabé criar algo. Entre os arranjadores do novo álbum estariam Dori Caymmi e Lincoln Olivetti – ou seja, a coisa ia ser pop, mas com Arrigo, ia ter um toque bem inusitado! Dá para ouvir o disco de 1984 de Arrigo, Tubarões Voadores, e imaginar o que daquilo tudo poderia aparecer na voz de Elis. Eu não consegui, mas você pode tentar:

Uma entrevista com Elis feita em 1979 e recentemente republicada pela Folha de S.Paulo é reveladora. Elis fala de um plano de um disco com Milton, que sairia em 1980 (ou seja, não rolou), e também comenta a sua preocupação em descobrir novos compositores. “Está todo mundo contando as mesmas histórias, está um circo de elefantinho, todo mundo gravando as mesmas músicas ou uma mesma linha de composição, porque é tudo feito pelo mesmo compositor. Um pouco desse desinteresse de parte do público talvez seja por causa disso."
Vale a pena ler a entrevista inteira.
Em 2020, Elis completaria 75 anos caso estivesse viva.

Quem quiser continuar nessa vibe Elis, tem dois documentários (que são mais apresentações gravadas, na minha opinião) no Amazon Prime: Elis Regina – Na batucada da vida e Elis – Doce de Pimenta, ambos com direção de Roberto de Oliveira.

Quem gostou desse post pode gostar de:
. Ilustrações de Elifas Andreato em capas de disco
. A cantora israelense que adora música brasileira
. Todos os caminhos levam ao Secos & Molhados

June 26, 2020 /Jorge Wakabara
Elis Regina, Guilherme Arantes, Clube da Esquina, Milton Nascimento, Regina Echeverria, Natan Marques, Ronaldo Bastos, Minas Gerais, Chico Buarque, Maria Bethânia, Angela Ro Ro, Fernando Brant, The Beatles, Fafá de Belém, 14 Bis, Passoca, Joyce, Vânia Bastos, Eliete Negreiros, Monica Salmaso, Lô Borges, Márcio Borges, Quarteto em Cy, Simone, Beto Guedes, Simony, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Ney Matogrosso, Gonzaguinha, Elza Soares, Elba Ramalho, Caetano Veloso, Gal Costa, MPB, Marcha contra a Guitarra Elétrica, Teresa Cristina, Nada Será Como Antes, Edu Lobo, Samuel MacDowell, Arrigo Barnabé, Dori Caymmi, Lincoln Olivetti, Roberto de Oliveira, Amazon Prime Video, Joanna
música, livro

Powered by Squarespace