O lugar que a gente queria estar lá por volta de 1967 se fôssemos nascidos

Ah, e me desculpa se você já era nascido em 1967: xennial tem mania de achar que tudo gira em torno dele e que todo mundo é da mesma geração que ele.

ENFIM.
Sabe Pinheiros?
Aqui o post que fiz sobre 4 lugares não-hipsters de Pinheiros.
Aqui outro post sobre 3 lojas na Cônego Eugênio Leite em Pinheiros que são hipsters sim - e são legais.
Aqui o post sobre as sorveterias em Pinheiros.

Mas Pinheiros, meu bem, é pouco perto do que era aquilo.

Sabe Harajuku?
Aqui o post sobre Harajuku, o bairro de Tóquio que ficou superfamoso.

Já leu todos esses posts? Pela atenção obrigado, sua audiência é muito importante para nós.

Mas agora eu queria falar de uma rua chamada King's Road lá em Chelsea, Londres, antes de Chelsea virar o bairro de riquinho de hoje, o local onde fica a Saatchi Gallery.
Foi na King's Road, em 1955, que Mary Quant começou a sua aventura. Você sabe, eu já falei de Quant aqui uma ou duas vezes. Na King's Road que Quant abriu sua mítica Bazaar, uma aventura de jovens com vitrines superinovadoras para a época que se transformou num belo negócio.

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A Bazaar era um babado

Moderna, ela antevia a nova atitude da década que chegava: os libertários e tumultuados anos 1960

Tudo começou, na verdade, com um… café. Em 1955, antes da Bazaar, surgia o Fantasie no número 128 da King's Road. Um dos primeiros cafés que serviam espresso em Londres (o pioneiro foi o Moka, de Gina Lollobrigida, na Frith Street), o Fantasie era o lugar para se estar se você era jovem e moderno naquela época. Foi ali que Quant e Alexander Plunkett-Greene, seu futuro marido, decidiram abrir uma boutique na mesma rua. Aberta em novembro, ela gerou um sucesso instantâneo: não tinha mais mercadoria para vender depois de 10 dias! O jeito foi fazer "pão quentinho a toda hora"; Quant criava e vendia, criava e vendia, uma ciranda louca (mais ou menos o que se repetiria em Kensington na Biba de Barbara Hulanicki e Stephen Fitz-Simon 9 anos depois, ali perto).

Não sei se já existia o termo gentrificação, mas os artistas pobrinhos que davam o charme para região tiveram que se mudar para mais longe - mais especificamente para a mesma rua só que mais para frente, em… World's End. Quem sacou, sacou; quem não sacou guarda esse "fim de mundo” que a gente retoma daqui a pouco.

Twiggy na King's Road

Twiggy na King's Road

Chelsea se transformou no lugar mais legal que tinha. Ou já estava destinada a isso? O Royal Court Theatre existia (e existe) ali perto, no Sloane Square. Era um lugar artístico e boêmio. Mas a Bazaar trouxe outra coisa: o fashion.

Ah, e o Chelsea Palace, ali perto, foi vendido mais ou menos nessa época para a Granada Television. Um dos programas gravados ali, o Chelsea at Nine, tem importância histórica. Várias apresentações incríveis, incluindo uma das últimas de Billie Holiday em 1959, antes da cantora morrer de cirrose.

Ao redor da Bazaar surgiram outras lojas. Nenhuma com a mesma projeção internacional de Quant, mas importantes porque fomentaram uma cena dividida com outra ruazinha de Londres que também é o máximo: a Carnaby Street (na época a Carnaby era bem localizada mas com um aluguel mais em conta).

O movimento ia crescendo na King's Road: Kiki Byrne, ex-funcionária de Quant que se transformou em concorrente, abriu loja colada na Bazaar, no número 136. A moda masculina de John Michael apareceu no 170. E a dupla lotada da pequenina Top Gear e a vizinha Countdown pintaram nos números 135a e 137, já em 1964.

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Se você queria comprar uma roupa mara e tinha dinheiro para isso

Era lá que você ia!

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Swinging London

ia chegando ao seu auge!

Em 1967, outra revolução estava chegando. Desde 1965, a Hung on You do aristocrata Michael Rainey chamava atenção no número 22 da Cale Street. Depois, em 1967, a butique de moda masculina mudou para a o número 430 da King's Road, já para os lados do World's End (ou seja, relativamente distante do quadrilátero quente da Bazaar e outras). Ela também desvirtuava o conceito do varejo de mostrar os itens na vitrine para estimular a venda: a Hung on You escondia tudo. Pintava sua vitrine bem colorida. Era o conceito da exclusividade: só quem entrasse saberia (e seria surpreendido) pelo que veria por lá.

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Misteriosa

A Hung on You exigia um conhecimento prévio: de fora nem dava para saber o que era aquilo

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Apontam a mudança da loja, da Cale Street para King's Road, como o começo do fim

A partir do endereço mais "famoso", a Hung on You ia perdendo seu status de exclusividade

O World's End se chama assim e não era à toa. Não existia (e não existe até hoje) metrô na região. Ou você vai de busão, ou você desce numa estação de metrô "meio perto” e anda um tanto para chegar. A Hung on You, ao lado de outras que a gente vai ver a seguir, trouxe a figura do dândi repaginada para os anos 1960: veludo, contas, vintage, motivos étnicos, pelúcia. Tudo entrava na salada. Era o look dos artistas do rock na época (pense nos Beatles na época do Magical Mistery Tour, que não por acaso foi lançado em 1967). Era inventivo, era doido e era o máximo. Mas mais doida ainda era a Granny Takes a Trip!

COLOSSALMENTE COOL: Salman Rushdie, sim, o escritor, sim, ele mesmo, morava em cima da Granny Takes a Trip e é assim que ele descreve a loja no vídeo acima. A psicodelia nas mãos do alfaiate-lenda John Pearse, que usava tecido William Morris de decoração para fazer os paletós e misturava vitoriano e contemporâneo, garantia o ar arrojado. Granny Takes a Trip também ficava em World's End, no número 488 da King's Road, e também fazia da sua vitrine uma tela para artistas. Antes ou depois de Hung on You? Ah, o zeitgeist

Granny Takes a Trip em 1967: a cara de Jean Harlow estilizada & vetorizada

Granny Takes a Trip em 1967: a cara de Jean Harlow estilizada & vetorizada

Portanto a gente fala da nossa mania atual de recorrer ao vintage, dos estilistas voltando nas décadas para criar as modas de hoje, mas na década de 1960 já se fazia isso, e muito. A Biba tinha especial fascinação pelos anos 1920 e 1930. Granny Takes a Trip e Hung on You eram o puro creme do dandismo da virada do século 18 para o 19 - extravagantes, esnobes, mas agora com toques árabes e indianos. Na onda dessas duas, Dandie Fashions era a alternativa mais acessível, tanto em preço quanto em local - King's Road número 161, mais para a Top Gear do que para o World's End.

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Se você quisesse se vestir tal qual Mick Jagger em Their Satanic Majesties Request (1967)

Dandie Fashions era um dos lugares para ir!

Ah, e ali perto ainda rolaria uma outra revoluçãozinha em uma década cheia de revoluções. Ninguém menos que a dupla Ossie Clark & Celia Birtwell na Quorum, que em 1966 mudou para a Radnor Walk número 52, pertinho do fervo da King's Road.

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Look Ossie Clark com estampa Celia Birtwell

Ele era tão ligado à rua que até hoje é chamado de The King of King's Road! A mulher fazia os desenhos da estampa, em uma das parcerias mais prolíficas e famosas da moda britânica

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Ossie Clark em si

na Quorum da sua chefe Alice Pollock

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Twiggy de Ossie Clark

Por que se fala tão pouco de Ossie Clark hoje em dia? É um mistério. O cara foi genial!

Depois da injeção de capital de Al Radley na Quorum, a loja-marca conseguiu ficar mais lucrativa. Eles mudaram para a King's Road em si no seu auge, no número 113, em 1969. Em 1972, com Clark se envolvendo cada vez mais com a marca própria e homônima, a loja fecharia e tudo seria absorvido pela marca Radley (não confundir com a Radley London, de acessórios). Al Radley, aliás, morreu recentemente, em abril de 2019.

Ali por perto, no mesmo bairro de Chelsea, a The Fulham Road Clothes Shop abria no número 160 da, adivinha, Fulham Road. Era a loja de Sylvia Ayton com Zandra Rhodes. Lembra que eu falei da Rhodes aqui? Durou pouco, só até 1969. Mas foi a semente de, adivinha, outra revoluçãozinha - dessa vez de Rhodes em si. Falo mais sobre isso nesse post!

Não posso esquecer de algo que fez a cabeça das mulheres em Chelsea… o salão de Vidal Sassoon, no número 44 da Sloane Street!

Sassoon e Quant <3 A influência no cabelo e a influência na roupa

Sassoon e Quant <3 A influência no cabelo e a influência na roupa

Seguindo em frente…

Em 1968, no mesmo mítico endereço da Hung on You da King's Road (o número 430), abria a Mr Freedom.

Mais doido ainda: Mr Freedom

Mais doido ainda: Mr Freedom

Parecia que aquele endereço da King's Road em World's End estava destinado a ser sempre território da vanguarda da moda. Pop art, glam rock, pastiche da cultura norte-americana, mod. Essa mistura de autoria de Tommy Roberts e Trevor Myles era explosiva e dramática, a Mr Freedom parecia mais um cenário que uma loja. Aos moldes da Biba, eles decidiram sair de lá em 1971 para um endereço maior na Kensington Church Street em 1971.

A Mr Freedom fazia um bom par com a Cobblers to the World, loja de sapatos de Terry de Havilland no número 323 da King's Road, com botas, plataformas, brilhos e píton aberta logo depois, em 1972. O gênio dos calçados malucos fez coisas para pessoas tão diferentes quanto David Bowie, Jackie Kennedy, Rudolf Nureyev e… o personagem de Tim Curry, Dr. Frank-n-Furter, em The Rocky Horror Picture Show (1975)!

Terry de Havilland e suas criações na Cobblers to the World em 1974 - ele morreu no último dia 27/11

Terry de Havilland e suas criações na Cobblers to the World em 1974 - ele morreu no último dia 27/11

I designed most of my shoes on acid, and the opening party for my shop in the King’s Road was famous for the three Cs — champagne, cocaine and caviar. God knows who was there — everybody.
— Terry de Havilland para o The Guardian em 2006
Tim Curry e os sapatos da Cobblers to the World em The Rocky Horror Picture Show

Tim Curry e os sapatos da Cobblers to the World em The Rocky Horror Picture Show

Falando em filme: o Chelsea Girls (1966), longa de Andy Warhol e Paul Morrissey, não tem nada a ver com Chelsea, tá? Ele se liga ao Chelsea Hotel de NY, do outro lado do Atlântico. Na mesma pegada, o álbum Chelsea Girls (1967) de Nico se refere ao filme, no qual ela aparece.

Esclarecimentos feitos, voltemos para ele, sempre ele, esse número 430 da King's Road no World's End.
Trevor Myles, após a aventura da Mr Freedom num lugar maior, retomou esse ponto de origem com a Paradise Garage, loja que seguia mais ou menos a mesma ideia do seu maior sucesso: um cenário divertido, dessa vez bem centrado nos EUA dos anos 1950, muito jeans, meio bar de Louisiana.

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Um paraíso de garagem

Trevor Myles na frente da loja - que realmente tinha uma bomba de gasolina antiga na porta (sem funcionar) e um carro com estampa de tigre estacionado na frente!

Não demorou muito para entrar em cena um dos maiores doidos que o marketing de moda mundial já viu. Malcolm McLaren pegou um pedaço na parte de trás da Paradise Garage com o amigo Patrick Casey e pediu para a mulher, uma tal de Vivienne, fazer umas roupinhas para vender ali.

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Malcolm na frente da Let it Rock, a reencarnação seguinte do local, já sob sua batuta

O endereço do número 430 assumiu um lado sasonal: mudava de tempos em tempos. A Let it Rock já abriu no mesmo ano de 1971, vendendo roupas vintage e novas para Teddy Boys, bem anos 1950

E sim, você entendeu certo: a tal Vivienne era a Vivienne Westwood, que é dona do endereço até hoje!

Seguindo uma linha cada vez mais agressiva, a reencarnação Too Fast to Live Too Young to Die, cada vez mais à moda Westwood, trazia essas misturas doidas em 1972 de colegial com um tema de caveira remetendo à bandeira de pirata. Piratas seriam o tem…

Seguindo uma linha cada vez mais agressiva, a reencarnação Too Fast to Live Too Young to Die, cada vez mais à moda Westwood, trazia essas misturas doidas em 1972 de colegial com um tema de caveira remetendo à bandeira de pirata. Piratas seriam o tema do primeiro desfile de Vivienne em Paris, em 1981!

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Sex, 1974

O rompimento total com os anos 1960: agora a onda era punk. Na nova reencarnação da loja, Westwood misturava sadomasoquismo, fetiche, couro e borracha, correntes. Isso era uma provocação total em pleno Chelsea, imagina?!

Vivienne Westwood na Seditionaires - Clothes for Heroes, mais uma encarnação de loja no mesmo endereço, aberta em 1976: com os Sex Pistols crescendo e virando vitrines ambulantes do estilo punk, cada vez mais gente se atraía. Agora a pegada era mais…

Vivienne Westwood na Seditionaires - Clothes for Heroes, mais uma encarnação de loja no mesmo endereço, aberta em 1976: com os Sex Pistols crescendo e virando vitrines ambulantes do estilo punk, cada vez mais gente se atraía. Agora a pegada era mais política, provocava com slogans e a clássica imagem dos caubóis com os paus encostando: provocativa na representação de nudez, homossexualidade, dando um tapa na cara da burguesia

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Essa aqui

no corpinho de Sid Vicious, do Sex Pistols

Finalmente a última reencarnação, que continua assim de 1980 até hoje: Vivienne Westwood World's End é onde você encontra as peças mais clássicas da estilista, que já foi caminhando para um estilo New Romantic quando percebeu que o punk tinha dado o…

Finalmente a última reencarnação, que continua assim de 1980 até hoje: Vivienne Westwood World's End é onde você encontra as peças mais clássicas da estilista, que já foi caminhando para um estilo New Romantic quando percebeu que o punk tinha dado o que havia de dar

Posso falar só de mais uma?

A BOY!

A BOY!

A BOY ficava no número 153 da King's Road. Stephane Raynor, o fundador, trabalhava na Let it Rock. Abriu a BOY em 1976, que se transformou em point tanto quanto as lojas da dupla McLaren e Westwood. Assim como Chrissie Hynde trabalhou na Sex antes da fama, na BOY você encontrava Billy Idol no caixa!

A BOY conseguiu acompanhar a moda: do punk para o New Romantic (como Westwood), do New Romantic para o clubbing dos anos 1980. A marca voltou em 2007 - você curte? Tenho um certo preconceito bobo, acho que tem cara de marca de skinhead, mas acho que é só comigo, né? Um monte de bilu usa o boné. Enfim! kkkkkk

A King's Road e Chelsea em si continuam sendo tudo isso hoje? Não. Com as consequências da gentrificação (leia-se o aumento do aluguel), o povo mais inventivo vazou. A loja da Vivienne é meio isolada, não tem nada muito interessante ali perto. Acontece. Já a Carnaby Street é um fervo, pertinho da Liberty London. Eu adoro.

We love you, P5!

Talvez você só conheça isso:

E tudo bem, eu também só conhecia isso no começo. Foi aí que conheci o Pizzicato Five, a banda que diziam que era uma versão japonesa do Deee-Lite (que eu adorava).
Mas não era bem assim.

Keitarō Takanami, Maki Nomiya e Yasuharu Konishi, que se convencionou como a formação clássica do Pizzicato Five

Keitarō Takanami, Maki Nomiya e Yasuharu Konishi, que se convencionou como a formação clássica do Pizzicato Five

Assim como todo mundo, o Pizzicato Five tem um passado. Ele foi formado em 1979 pelos membros fundadores Yasuharu e Keitarô ainda na universidade, e contava com mais 3 integrantes (daí vem o Five do nome). Mas na primeira gravação já tinham sobrado só quatro: os dois fundadores mais Ryō Kamomiya e Mamiko Sasaki. E adivinha quem produziu e lançou o primeiro EP deles? Nada menos que a lenda Haruomi Hosono, membro das bandas Happy End (que já contei aqui que é uma das minhas preferidas do mundo) e Yellow Magic Orchestra. O EP já trazia bastante do que o Pizzicato Five seria, mas não tudo: era o Audrey Hepburn Complex, e foi lançado em 1985.

Ou seja: já tinha referências vintage dos anos 1960, esse ar fofinho misturado com camp que só o P5 sabe fazer (?!?), uma vocalista que deveria ser cheia de pose (Sasaki não segura muito a onda, mas tinha potencial), um cuidado especial com o material de divulgação (clipe, álbuns, cartazes).
Um tempo depois, em 1987, o P5 lança o álbum Couples, que eu na minha opinião suspeita de grande fã acho uma maravilha, mas flopou.

É meio Carpenters, meio chanson, meio lounge music. Sou o feliz proprietário de uma unidade de um relançamento em vinil desse álbum. #fissuradinho
Depois dele, Kamomiya e a vocalista Sasaki saem. Quem entra é, surpresa, Takao Tajima, nada menos que o vocalista do Original Love!
Não entendeu nada, né? Bom, eu te garanto, Original Love é TUDO.

Sempre me lembrou o Jota Quest do começo, o que é uma coisa boa, que fique claro. Esse namoro com o soul, meio… artista da Trama, sabe? E essa nem é a minha música preferida do Original Love. É essa aqui:

Voltando: Tajima se dividiu entre o P5 e o Original Love uma época. Essa música, por exemplo, é dessa fase:

É estranho ouvir Pizzicato Five com uma voz masculina, né? Mas acho legal, também!
Acontece que, pelo que dá para perceber nas vendas, o povo não achou tão legal assim…

Em 1990, começa a mágica: Tajima decide se dedicar ao Original Love e entra Maki Nomiya. A formação mais clássica do Pizzicato Five, um trio, estava em ação. E mais clássica porque:
1. Em 1991 eles lançam o álbum This Year's Girl, que conta com o hit internacional Twiggy Twiggy que a gente viu no começo desse post;
2. É a partir desse momento que começam os comentários e maravilhamentos sobre o chamado Shibuya-kei!

Mas o que é Shibuya-kei?

Um movimento? Uma cena? Um gênero musical? Uma estética?
Shibuya é um bairro de Tóquio bastante comercial, cheio de moda, movimento e vida noturna, com unidades das lojas Tower Records e da HMV (para quem não sabe, no Japão a indústria de CD segue firme e forte!). Não sou tão fã de Shibuya - prefiro Shinjuku, que é central mas menos posudo, ou Asakusa, que lembra um Japão mais tradicional, ou Harajuku, com sua mistura kawaii-fashion-armadilha-de-turista.
(Na verdade prefiro mesmo é Osaka, a outra cidade… kkkkkkk)

O Shibuya-kei nasceu em Shibuya e agrupa bandas e artistas que gostam de uma estética meio kitsch, meio montação, meio era Showa em versão atualizada, meio música pop ocidental. Pense em Serge Gainsbourg com Jane Birkin, as melodias doces de Burt Bacharach, a orquestração de Phil Spector e do Beach Boys de Brian Wilson. Só que nipônico! No fundo, o P5 já era tudo isso. Acrescentou-se a cultura do sampler, do mixer, do cut-copy. Bem pós-modernasss! Outros que tinham essas referências em comum se juntaram a eles. Caso do Flipper's Guitar, que existiu por pouco tempo mas tem fãs fervorosos.

Depois do Flipper's Guitar acabar, um dos integrantes, Keigo Oyamada, seguiu solo assinando como Cornelius. E virou uma das maiores referências do Shibuya-kei.

O conceito elástico do Shibuya-kei inclui o próprio Original Love, as lindas do Cibo Matto (que na verdade foi formado em NY!), o DJ Fantastic Plastic Machine e o Buffallo Daughter. Tem quem inclua até o Dimitri from Paris (e sinceramente, para mim, faz sentido).

Voltando ao This Year's Girl. Já estava quase tudo lá. A voz (e a pose) de Nomiya, a figura dela como musa num comentário engraçado e estilizado sobre a cultura da celebridade, as referências sessentistas, a aura cool, o foco no individualismo sendo que a cultura japonesa tende a valorizar o coletivo (a faixa 2 é I, em que a vocalista fica explicando como ela é na letra, a faixa 3 é Ohayo, bom dia em japonês, tipo uma versão blasé de Cotidiano?! kkkk).

Existe essa tendência japonesa a achar tudo que é ocidental mais cool. Mal sabem eles… This Year’s Girl é um discão: Baby Love Child, Thank You, Party (regravação de música do repertório solo de Hosono lançada por ele em 1973) - tudo é fácil, pop. A maioria das músicas originais são de autoria de Konishi.

Uma curiosidade: Twiggy Twiggy é composição de Nanako Sato. E existe… uma primeira versão. De um disco solo de Maki Nomiya. De 1981!!!

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É desse disco aqui

Existia um registro no YouTube mas sumiu :(

A versão do Pizzicato Five é bem mais animadona, e ganhou um "epílogo” instrumental de autoria de Konishi que dá todo um charme a mais e se chama Twiggy vs James Bond. A versão que a gente conhece são as duas músicas juntas!
Nanako, que é uma artista bem interessante, um dia desses regravou Twiggy Twiggy. Legalzinho. Mas acho mais legal o álbum Funny Walkin’ dela, de 1977! Pop disco jazz divertido, roquinhos inocentes, músicas com forte gosto retrô na boca (tipo o que a Rita Lee fez depois com Flagra, Só de Você e outros pops abolerados dela, e de certa forma também é o que o Pizzicato Five também faria algumas vezes).

Em 1992, chega o novo álbum Sweet Pizzicato Five e, com ele, o último elemento que faltava para a essência do grupo: o namoro com a música eletrônica. É por isso que existiam comparações com Deee-Lite, sacou? A primeira música do álbum é Tout Va Bien:

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Capa e outra capa!

Nomiya abusava das perucas e montações, a identificação com a cena clubber foi imediata!

Também são dessa época duas músicas bem conhecidas que saíram em single: Sweet Soul Revue e Tōkyō wa Yoru no Shichiji (que fora do Japão virou The Night is Still Young e quer dizer Tóquio às 7h da noite). Ambas são uma delicinha, mesmo:

E aí começaram a sair as compilações da americana Matador Records. Se eu estou bem lembrado (provavelmente não, mas enfim), tinha lido em algum lugar essa comparação com Deee-Lite e, na Rua 24 Horas de Curitiba (?!??) tinha uma loja de CDs. Em uma viagem, vi a coletânea Made in USA na vitrine e comprei - ou fiz minha tia comprar? Sei lá. Foi amor - e vício - à primeira vista. Já gastei muito dinheiro com o P5. Foram CDs importados, singles, praticamente qualquer coisa que tivesse uma imagem da Nomiya!

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Cheguei a fazer um amigo por correspondência que morava nos EUA e que me mandava mix tapes com músicas do P5 (nunca o encontrei ao vivo). E quando Maki Nomiya veio para BH participar de um show da Fernanda Takai eu não pensei duas vezes - fui (obrigado mais uma vez Flavia Durante pela credencial alcançada). Tem uma história muito engraçada sobre isso: fui para Congonhas pegar o avião e lá vi uma mulher toda posuda de cabelo preto, com uns óculos escuros grandões, um lenço estiloso na cabeça e uma entourage. Pensei "MEU DEUS DO CÉU, SÓ PODE SER A MAKI NOMIYA". Fui chegando perto e fazendo uma cara de paisagem, como quem não quer nada. Mais perto. Mais perto. Mais perto. E aí ouvi a mulher falando.

A voz não deixava dúvidas.
.
.
.
,
Era a Marisa Monte.

Sim, confundi a minha cantora japonesa preferida com a Marisa Monte.
Ah, a miopia… kkkk

Em 1994, Takanami saiu e o trio virou dupla. Em seguida, apareceu um dos meus álbuns preferidos do P5, Overdose, que é inspirado em NY. Entre as músicas, essa:

Soul delicioso! Também tem várias outras tipo On the Sunny Side of the Street e o rock Superstar:

1995 viria com o álbum Romantique 96, que sinceramente não acho tão forte apesar de ter coisas como Tokyo Mon Amour, The Sound of Music, Triste e Nata di Marzo. Em algumas músicas, ele me parece antecipar a vontade de voltar ao pop dos anos 1960 mas agora com referências menos kitsch, que são levadas mais a sério, tipo… bom, vamos falar logo: tipo Beatles. Se você pensar bem, olhando agora com distância, o P5 estava fazendo o seu próprio britpop, que era mais pop. Meio Abbey Road, meio álbum branco e mais McCartney e Harrison que Lennon.

Ah, e a oitava faixa é Contact, uma versão da música de Brigitte Bardot composta por Gainsbourg! Acho um charme, e era a cara dos anos 1990 o indie ouvir Gainsbourg, lembra? A versão original segue abaixo:

A partir daí, P5 lançou alguns singles e EPs ótimos mas, na minha opinião, o encanto começou a se quebrar. :( Mas calma - teve o single Baby Portable Rock em 1996:

E teve a Sister Freedom Tapes no mesmo ano, que é total Beatles e eu AMO:

Acho todo o resto que veio depois redundante e pior - desculpa para quem adora Happy End of the World e Playboy Playgirl, para mim é meio bobagem. Bobagem gostosa, mas bobagem. kkkkkk
PORÉM o último álbum, Çà et là du Japon, saiu em 2001 e é bem interessante por ser diferentão. Uma homenagem ao Japão no inverno (?? kkkkk), ele já traz poucas músicas com Nomiya e vários convidados, como Bertrand Burgalat. Fico encantado também com a versão de AIUEO, originalmente do seminal álbum Kazemachi Roman da banda Happy End, em uma pegada bem bossa nova. E Gotta Call’em All!? Sim, é uma versão da música de Pokémon. QUENDA!

Parece que tá rolando uns relançamentos de Pizzicato Five recentemente.

Tem pouquíssima coisa deles no Spotify, mas Nomiya em si continua firme em sua carreira solo. Um de seus álbuns, de 2014, resgata sucessos do… Shibuya-kei! Tem coisas do Pizzicato Five, tem a música que gosto do Original Love... Adoro.

E chega, que já tá bão demais, né?

Tchau!

Tchau!

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ATUALIZAÇÃO 13/12/2019: TEM PIZZICATO FIVE NO SPOTIFY!
Chegou a compilação! ESTOU TÃO FELIZ!!!

Entrevista com Dudu Bertholini: "Nenhuma das iniciativas sustentáveis gera menos impacto do que usar o vintage"

Dudu Bertholini é um stylist com muita personalidade, daqueles que você identifica em trabalhos mais autorais - ou você identifica certa inspiração, se não for styling dele… Lembro que me senti muito burro por não ter ido no primeiro desfile da Neon, a marca que Dudu teve com Rita Comparato (hoje à frente da ótima Irrita), que foi no teatro Oficina. Tanto que fui em praticamente todos os outros, porque eram sempre os desfiles mais comentados do SPFW, empolgantes, dramáticos, divertidos.

Nessa estreia na Casa de Criadores da Ahlma de André Carvalhal, Dudu foi convidado pela marca para, adivinha só, criar um desfile vintage. São peças únicas garimpadas que receberam interferências de dois criadores muito marcantes da turma dele, Vanessa Monteiro e Fabio Kawallys. Tudo a ver com o que eu falei no fim desse post super recente! Mas o Dudu pode explicar melhor do que eu, claro.

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Dudu e André Carvalhal no backstage

Foto: Paulo Cândido

Dudu: A Ahlma, muito mais do que ser uma marca, é uma plataforma de boas práticas, de sustentabilidade, de uma moda com propósito, de uma nova consciência. E aí me chamaram para fazer um desfile 100% vintage, feito a partir de upcycling de peças que já existiam. A gente entende que o maior valor disso, muito mais que despertar o desejo por essas peças, é fomentar essa consciência, fazer com as pessoas queiram fazer essa customização em casa, olhar para aquilo que já foi produzido em excesso para que todos nós pudéssemos nos vestir por muitos anos ao longo da história! E nenhuma das iniciativas sustentáveis gera menos impacto do que usar o vintage. 

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Letrux estava no casting do desfile

Vermelhou sempre ;) Foto de Paulo Cândido

Wakabara: Onde vocês encontraram as roupas?
D: A gente trabalhou primordialmente com peças da ASA, que é a Associação Santo Agostinho e faz um trabalho social muito legal de muitos anos ajudando idosos, crianças e adolescentes. Compramos as peças deles, ressignificamos e assim também trazemos visibilidade para eles. E aí chamei Fabio Kawallys, rainha da customização tropical punk antes de todas, e Mística Selvagem Vanessa Monteiro - temos uma história de colaboração de 20 anos de roupas de brechó

W: Sim, eu lembro!
D: Você lembra bem, ela de maiô jeans, precursora! Nós que já somos vintage (risos), há 20 anos já usando vintage, nos juntamos nessa aventura, o que também é muito especial, colaborar criativamente depois de tanto tempo.

Em primeiro plano, da esq. pra dir.: Vanessa Monteiro, Mãeana (que cantou a trilha ao vivo com músicas da Xuxa), André Carvalhal, Fabio Kawallys, Dudu Bertholini (Foto: Paulo Cândido)

Em primeiro plano, da esq. pra dir.: Vanessa Monteiro, Mãeana (que cantou a trilha ao vivo com músicas da Xuxa), André Carvalhal, Fabio Kawallys, Dudu Bertholini (Foto: Paulo Cândido)

W: E a edição do desfile?
D: É uma edição solta, que prioriza a individualidade, mas acho que a gente tem um tom de casualidade; são camisas, camisetas, moletons, com paletós mas usados de forma relaxada; uma pegada cotidiana. Temos signature piece também - uma saia do Dener [Pamplona de Abreu], por exemplo, que virou um look punk. Existem highlights mas no geral são peças casuais, que você poderia encontrar em qualquer lugar e que ganham vida a partir do upcycling. É essa a grande mensagem.

W: E essa saia do Denner você encontrou na ASA?!
D: Não, essa é do acervo de Mística Selvagem; mas na Associação tem Burberry, tem doações muito babado. As peças não são tão baratinhas, tem uma triagem, higienização... Mas sob a nossa ótica, a gente incentiva que a pessoa abra o olhar para todos e quaisquer valores, talvez aquela peça que está ali na bacia de R$ 1 é a que mais precisa de uma ressignificação.

W: Claro, e sem etiqueta nenhuma…
D: Exatamente.

Fotos: Paulo Cândido

W: Esse novo uso do vintage, com passarelas apresentando roupas novas que parecem vintage - na minha leitura o segredo está no exercício do styling. Ou seja: a passarela agora mostra styling?
D: A moda é um reflexo do mundo e a passarela é um reflexo da moda. A gente está falando de uma moda que quebra padrões, com esse papel no presente e no futuro de desmontar essas regras e padrões para que todos nos sintamos incluídos. E essa quebra tem que estar na passarela. Quando começamos a colocar um exercício que diz assim: "Ter estilo é a melhor ferramenta de sustentabilidade”, não vai ter revista alguma que vai dizer "use este blazer". Ela vai defender que você tenha essa visão de que aquela peça pode virar algo nas suas mãos. Existe um exercício de independência, de autoria em cima do look, que é muito corajoso a moda se dispor a fazer. E não é só a Ahlma, todo mundo está falando isso. Então a gente está aqui propondo: você vai consumir o que você tiver desejo mas não estamos aqui para impor regras do que você tem que usar; estamos aqui para criar um cenário que fomente sua individualidade. Desde Gucci até Versace, você tem um mercado inteiro passando essa mensagem. Como é que você vai andar na rua e ter um look que se diferencia dos outros? Existe uma camada individual em cima disso que ninguém pode ter dar, só você pode desenvolver, e esse desfile é um exercício a favor disso.

W: E você acha que o trabalho de styling mudou por causa disso?
D: Acho que não dá mais para dizer o que é styling e o que é direção criativa. E não dá mais para dizer o que é uma tendência e o que é um rumo para onde o mundo está indo. É um novo lugar para o stylist sim, é um novo momento de pensar o styling.

Esse post e a minha cobertura da Casa de Criadores traz fotos do super Paulo Cândido: sigam o Paulo no Insta

Para complementar esses pensamentos, sugiro o vídeo novo da Ale Farah (que inclusive cita esse desfile e é superamiga do Dudu):

E esse vídeo que fiz com a Lilian Pacce faz mais de um ano já falando do mercado de revenda: