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Você lembra de Zillion, o jogo de videogame da arminha?

September 06, 2020 by Jorge Wakabara in TV, videogame

Assistiu à série GDLK na Netflix? É muito legal, ela fala da história do videogame e traz curiosidades sobre essa indústria que é gigantesca, mas que ainda ganha pouca cobertura da parte do noticiário de grandes veículos. Millennials como eu vão ter alguns ataques de nostalgia assistindo – afinal, fomos o público-alvo que possibilitou esse megacrescimento. Super Mario Bros, Doom, Sonic, Street Fighter II, está tudo lá. Para a geração X também tem Pacman, Space Invaders.

Acontece que comigo e com meus primos mais próximos a coisa funcionou um pouco diferente. Depois do Atari das minhas irmãs, o videogame que chegou em casa foi o Master System. Lembra?

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Lembro vagamente do Master System da Sega ser comercializado aqui pela Tec Toy, que era a mesma marca do Pense Bem.

A minha irmã Ana Flavia já me atentou ao fato de que meu pai sempre amava novidades: teve câmera filmadora numa época que era raro alguém ter esse tipo de equipamento. Câmera fotográfica com lente de zoom gigantesca mesmo sem ser profissional. Aparelho de CD assim que a novidade foi lançada. Então eu provavelmente também era (e sou) influenciado por esse gosto por novas tecnologias. Para mim o Pense Bem era o máximo: um computador só meu!

Acho que é por isso que foi natural querer um Master System no lugar de um Nintendo – era da "mesma marca”. Ganhei um e meu primo Hugo tinha outro, então jogávamos com o dele nas férias, no sítio.

E aí lembrei da arminha do Master System.

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Para jogo de tiro era o máximo, a gente se sentia num fliperama!
Aí eu sempre tive uma lembrança meio apagada, meio bizarra, de um desenho animado no qual a pistola Light Phaser aparecia. Como já disse milhares de vezes aqui, minha memória é péssima. Então fiquei achando que estava viajando, "imagina, nem passava anime na TV nessa época…".

Bom, a verdade era que passava. A minha memória, dessa vez, não falhou.
No Brasil, o desenho Zillion passou na Globo e na Gazeta. Ele está intimamente ligado às origens da Light Phaser.

Vamos falar de vaporwave raiz, né?

Zillion foi originalmente transmitido no Japão em 1987. É da Tatsunoko Production em parceria com, adivinha, a Sega. A marca de jogos eletrônicos tinha lançado o sistema lasertag no começo dos anos 1980 – aquele jogo tipo paintball que usa arma de laser infravermelho no lugar da bolinha de tinta. Ela o batizou de Zillion – na tradução é isso mesmo que você está pensando, zilhão, tipo um número tão enorme que é incontável. Com o sucesso e a possibilidade de aumentar ainda mais a popularidade do Zillion, a Sega decidiu investir em um anime como forma de propaganda do jogo. Assim, nascia o anime Zillion.

Champ, JJ e Apple, a força de elite de Zillion

Champ, JJ e Apple, a força de elite de Zillion

Zillion, o desenho, juntava tudo que era moderno e cool no Japão dos anos 1980: pistola laser (e o laser era vermelho, claro), ombreiras, perfecto, motos, aliens que parecem robôs meio orgânicos meio esquisitos (quase um prenúncio de Neon Genesis Evangelion), cortes de cabelo repicado, muita parede de aço, muita poeira levantando, City Pop na trilha. A história se passa no século 24 em um planeta colonizado por humanos e parecido com a Terra, Maris. Ele é invadido por nozas, que é essa raça alienígena esquisitona. Surgem três pistolas que disparam um poderoso feixe de energia vermelho, as Zillion. Então são escalados três jovens para empunhar essas armas e formarem uma equipe de elite, os White Knights. São eles: JJ ("jota jota" na versão brasileira), Champ e Apple, respectivamente com 16, 18 e 17 anos, que contam com a ajuda de outros personagens.

Uma coisa que é muito legal de Zillion (e que não sei se na época parecia forçado) é que a dublagem brasileira realmente trabalhou para soar jovem e moderna. Incluiu gírias, entonações e é bem divertida.

A pistola Zillion do anime é tão parecida com a do jogo que tem até um cabo de carregar!

A pistola Zillion do anime é tão parecida com a do jogo que tem até um cabo de carregar!

A relação entre Zillion e a Sega foi bem explorada. O Master System, videogame de 8-bits da marca, chegou a aparecer em um episódio do anime.

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E aí, finalmente, a Sega acabou criando a pistola do Master System, a Light Phaser, baseada na arma Zillion. O design é igualzinho.
Zillion ainda rendeu dois jogos para Master System. É aí que a minha memória falha: na minha cabeça, joguei o game Zillion usando a Light Phaser. Mas na real nenhum dos dois jogos usava a pistola – são jogos de aventura com o controle normal nos quais o JJ aparece na tela e a ação vai rolando geralmente na horizontal, tipo Super Mario. Portanto, não sei nem se eu cheguei a jogar Zillion de verdade!

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September 06, 2020 /Jorge Wakabara
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TV, videogame
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As muitas versões de Diana

September 05, 2020 by Jorge Wakabara in música

Percebi que cometi um erro feio aqui: fiz aquele post sobre a relação de Diana com Odair José e agi mais ou menos como os jornalistas da época, valorizando mais essa atribulação do que o trabalho e o talento de Diana em si.

Tá na hora de mudar isso. No programa Quatrilho que acabou de ir ao ar no meu podcast, prometi que iria trazer mais versões em português de músicas internacionais gravadas por Diana ao longo de sua carreira. E vou cumprir! Para quem ainda não ouvir, a que foi incluída no podcast é Tudo que eu Tenho, versão assinada por Rossini Pinto de Everything I Own do Bread.

Vamos para as outras? Vou fazer um compilado, OK, porque são muitas!

Ainda Não Sou de 1975

Já da fase sem Raul Seixas na produção (ele produziu os primeiros álbuns de Diana), Ainda Não Sou é versão da própria Diana para um sucesso de Johnny Nash que talvez você conheça na voz de outra pessoa. É esse aqui: I Can See Clearly Now de 1972. Ou seja, a versão de Diana é de apenas três anos depois do lançamento.

Esse foi o maior hit da carreira do texano Nash. Mas talvez você conheça o sucesso pela voz de Jimmy Cliff em gravação mais popzêra, de 1993! Ela entrou na trilha do filme Jamaica Abaixo de Zero, do mesmo ano.

E muita gente já regravou I Can See Clearly Now. Outro notório que já colocou sua voz nela foi Ray Charles em 1978.

Porque Brigamos, de 1972

Sim: um dos maiores sucessos do primeiro álbum de Diana é uma versão, também assinada por Rossini Pinto, e não é fraca, não. A original é de ninguém menos que Neil Diamond, a igualmente linda I Am… I Said.

Fresquinha na época, ela saiu no mesmo ano de 1971 no álbum Stones. Diamond diz que demorou quatro meses para compô-la, e que ela saiu de suas sessões de psicanálise. Dizem que na verdade a música era uma encomenda para um filme sobre a vida de Lenny Bruce, o comediante. Essa imersão para tentar compô-la deu em sentimentos tão à flor da pele que o músico precisou frequentar sessões de terapia!

Versões em outras línguas também existem. Gosto dessa, em italiano, por Caterina Caselli também em 1971.

Alguém Para Me Fazer Feliz, de 1974

Donizette, um cara que já compôs coisas para Odair José, assina essa versão de Montagne Verdi, do repertório de Marcella Bella. A original é de 1972.

A música é composição de Giancarlo Bigazzi e Gianni Bella. Bigazzi é compositor de diversos sucessos italianos, e Gianni, como vocês podem imaginar pelo sobrenome, é irmão de Marcella. Foi com Montagne Verdi que a artista cresceu e apareceu no Festival de San Remo de 1972.
E uma curiosidade é que Montagne Verdi faz parte da trilha sonora da polêmica série Baby da Netflix, que traz na sua trama adolescentes italianas que se prostituem.

Meu Lamento, de 1972

Mais uma versão de Rossini Pinto do clássico primeiro álbum azul, mas dessa vez ela vem do Peru.

Raúl Vásquez, o chamado el monstruo de la canción, lançou essa música, pelo que entendi, em 1970. Ele era representante da nueva ola peruana, tipo a correspondente por lá da Jovem Guarda do Brasil. Porém, a música usada como base aqui pode ter sido a regravação bem sucedida do argentino Pepito Pérez, de 1972 mesmo.

Prefiro a do Raúl, mas o sotaque argentino tem seu charme. KKKKKKKKKKK!

No Fundo de Minh’Alma, de 1972

Mais uma do disco de estreia, mas decidi incluir por causa do caráter instigante. Dessa vez, Rossini Pinto fez uma versão de uma música original… croata.

De 1971, a gravação de Mišo Kovač é composição de Stjepan Mihalinec e Drago Britvic. Não saberia pronunciar tudo isso, que bom que estou escrevendo. Mišo é uma das maiores estrelas da Croácia e da antiga Iugoslávia, o maior vendedor de discos que a região já viu. Ele ganhou o Festival de Split de 1971 (um festival de música pop da Croácia) com Proplakat će Zora e acredita-se que esse seja o single mais vendido da história da Iugoslávia, embora isso seja difícil de provar depois da guerra. Segue firme e forte na carreira até hoje.

Muito Obrigada, de 1975

Reconheceu? É uma versão de Diana para Anticipation de Carly Simon!

De 1971, a música é um dos maiores hits de Simon e foi trilha da campanha do catchup Heinz entre fim dos anos 1970 e os anos 1980. E olha essa versão aqui, de 1972:

Nora Aunor é uma artista filipina, superestrela por lá. Não só canta como é a grande dama do cinema filipino. Chique!!!

Eu Acredito em Mim, de 1995

Uma mais recente! A versão de Diana é de uma música de Russ Ballard.

Do álbum homônimo Winning de 1976, a música depois ainda virou sucesso com a guitarra de Santana em uma versão de 1981. Nessa, quem canta é Alex Ligertwood.

E antes disso, uma mulher também a gravou. Nona Hendryx, que fazia parte do super girl group Labelle, cantou Winning no seu álbum solo de estreia de 1977. E arrasou!

Sem Barulho, de 1976

Essa música, versão de Paulo Coelho (ele mesmo, o mago, o alquimista!) de tons gospel, saiu no álbum de Diana de 1976 – é, aliás, a única versão dele. A original? É essa aqui:

Humblement Il Est Venu do Georges Moustaki foi lançada em single em 1975 e já tinha esse tom cristão. Moustaki dispensa apresentações: ícone master da música francesa e também um exemplo vivo e andante de multiculturalismo: egípcio-francês de origem judaica, italiana e grega. Quase uma ONU.

Eu te Amo, de 2002

Finalmente, a mais recente de todas: Eu te Amo é versão de Mauro Motta para uma original de Luis Ángel Márquez, Tu Me Quemas.

Tu Me Quemas está no disco de 1986 de Luis Ángel, o Amar a Muerte. É um dos grandes sucessos dele!

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September 05, 2020 /Jorge Wakabara
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Aggretsuko: a terceira temporada é PERFEITA

September 02, 2020 by Jorge Wakabara in TV, música, livro

Existe uma falácia sobre Aggretsuko. Se grande parte das pessoas acha que desenho animado é coisa de criança, imagina um desenho animado da Sanrio? Mas Aggretsuko, que acaba de estrear sua terceira temporada na Netflix, é um caso bem diferente. Vou tentar explicar os motivos aqui.

1_O retrato de uma geração – e não estou falando da Lena Dunham

Ansiedade no trabalho: basicamente todo mundo que está empregado tem, e quem não tem é privilegiadíssimo. Quem não está empregado também tem ansiedade: por não ter um emprego. Para quem não conhece a história do desenho, ele acompanha a trajetória de Retsuko, uma panda vermelha que trabalha no setor de contabilidade de uma empresa. Ela é solteira, tem um chefe assediador e um salário bem curtinho, diametralmente oposto à quantidade de trabalho que ela precisa dar conta de fazer.
Mas Retsuko tem um segredo: ela desabafa suas mágoas no karaokê cantando death metal.
Tudo isso já está presente desde o começo da série, esse é o mote da personagem. E já não parece um tema infantil, certo? No começo, tudo ainda é tratado de maneira bem simples. Mas as coisas vão se complicando na segunda temporada e ainda mais na terceira. Digamos que Retsuko começa a entrar numas de existencialismo, e mesmo que não chegue ao Marx, desperta reflexões profundas sobre o nosso estilo de vida e a sociedade.

2_IDOLS

Vou contar uma história: da primeira vez que fui ao Japão, um dos programas que queria muito fazer era ir ao café do AKB48.

Essa é uma formação do AKB48, não faço ideia se é a atual

Essa é uma formação do AKB48, não faço ideia se é a atual

AKB vem do bairro de Akihabara, uma região de Tóquio que ficou conhecida como um centro comercial de eletrônicos e depois virou uma meca geek. O apelido de Akihabara é Akiba. 48 é o número de integrantes desse grupo – pois é! Mas é muito raro que elas se apresentem todas juntas. A ideia é dividi-las em grupos menores, e assim criar uma programação extensa e intensa com eventos espalhados acontecendo a todo momento. O AKB48 é um ótimo exemplo de como funciona esse universo das idols contemporâneas: a importância do meet & greet, a estratégia supermarketeira de divulgação, a exploração da imagem de ingênua e novinha junto a um público mais velho masculino (pois é, um horror), o ícone descartável que quando chega em certa idade já não serve mais para a carreira.
Eu e meu marido entramos no café do ABK48 (que fechou as portas no ano passado) e pedimos umas bebidinhas fofas. O cardápio era o comum nesses cafés temporários kawaii, comidas bonitinhas temáticas com um gosto OK. Bandeirolas, porta-copos, loja recheada de merchandising e um telão com imagens de clipes das meninas chamavam a nossa atenção, mas algo era óbvio ali. O público. No horário que fomos, estava meio vazio (não era um horário de apresentação delas ao vivo), então os gatos pingados que compareceram eram homens engravatados de meia idade, chamados no Japão de salarymen.

This is salarymen

This is salarymen

Na terceira temporada da série, Retsuko se envolve com um grupo underground de idols (YES, that's a thing) chamado OTMGirls. Já tem álbum no Spotify e tudo.

OTMGirls também ganhou linha de produtos da Tower Records (a Tower Records, surpresa, ainda existe no Japão, que segue como um dos maiores mercados fonográficos em matéria de mídia física). Um grupo fictício que ironicamente funciona quase do mesmo jeito que as idols da vida real, vendendo merchandising.

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A cena de idols underground e seus fãs são retratados em um documentário sobre o qual acho que já falei aqui mas falo de novo: Tokyo Idols, também disponível na Netflix assim como Aggretsuko. Recomendadíssimo.

Toda a problemática que envolve o mundo das idols underground aparece em Aggretsuko. O assédio, a vida dura (elas ganham pouco dinheiro), as situações às quais elas se sujeitam. Achei bem instigante a forma como tudo isso é apresentado, sem fugir da reta e também sem pesar a mão num anime que é, inicialmente, leve.

A combinação de j-pop de idol com death metal tem precedentes. E um deles, especificamente, a gente ama: leia mais sobre Babymetal nesse link!

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3_SUBEMPREGO

A ideia de subemprego no Japão é bem mais desenvolvida do que na nossa realidade, você pode imaginar. E é por isso que a gente se identifica tanto com o que é apresentado em Aggretsuko. Com esse pensamento de "poderia ser pior", a gente se esquece o quanto está ruim para todos no geral.
E o que pode ser pior do que ser analista de contabilidade com um chefe assediador? A terceira temporada mostra mais de um exemplo, mas eu queria me atentar ao de Manaka, a líder das OTMGirls, que mantém um emprego paralelo ao seu sonho de idol.

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Confesso que a minha primeira impressão em relação a Manaka não foi das melhores. Não gostei do desenho em si, essa coisa kawaii forçada que geralmente não aparece em Aggretsuko a não ser de forma irônica. E tampouco curti a personalidade dela, meio Regina George. A princípio, ela é antagonista, então faz sentido essa antipatia.
Só que a personagem vai ficando mais complexa e você a entende melhor. Manaka trabalha em konbini, aquelas lojinhas de conveniência que são parte inerente da cultura urbana japonesa.

FamilyMart, uma das muitas marcas de konbini

FamilyMart, uma das muitas marcas de konbini

Trabalhar em konbini é um subemprego no Japão: paga-se pouco e você tem um vínculo empregatício bem "elástico” para dizer o mínimo. As pessoas enxergam esses trabalhadores com maus olhos: são mal-sucedidos e, para eles, provavelmente a culpa é deles mesmos. Numa lógica neoliberal, se eles se esforçassem, se dariam melhor. Um bom jeito de entender esse universo dos trabalhadores de konbini é lendo o livro Querida Konbini, da Sayaka Murata, que tem tradução em português (da Rita Kohl) em edição brasileira da Estação Liberdade.

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A protagonista dessa história, Keiko Furukura, é o que seria considerada "socialmente esquisita” por geral. Tem 35 anos, nunca namorou, segue trabalhando numa konbini sem ambições. A história é cáustica a respeito dos valores da sociedade. E eu adoro histórias assim!
Quais são as implicações da falta de ambição? O que você deveria valorizar mais na sua vida?

4_Uma metáfora sobre o amadurecimento e…

(Leia esse subtítulo de maneira afetada)
Aggretsuko é isso: sobre as agruras da vida adulta. Ou seja: maravilhoso para millennials que adoram reclamar. Falta um pedaço dessa trama para tudo ficar completo, né? O amor. Ou melhor: a fantasia do amor. Aggretsuko trata do tema assim mesmo, de maneira praticamente desesperançosa. Acho ousado e bom. Fantasias românticas são destruídas de maneira sistemática, sem dó. Existe a possibilidade de um encontro de almas? Até que sim, mas não é simples nem duradouro.
Mas também não espere por algo muito cabeçudo. Vou dar um exemplo: a terceira temporada começa com Retsuko investindo em um relacionamento com um namorado virtual em uma espécie de jogo que usa óculos de VR. Investindo literalmente: ela acaba gastando muito do seu salário baixo nele.
Isso não soa impossível nos dias de hoje. Muito pelo contrário.

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Histórias fictícias sobre amadurecimento geralmente tem um defeito: presume-se que o amadurecimento é um fim, e quando se chega ao fim, a história termina. Aggretsuko é mais realista: amadurecimento não é um estágio final e duradouro. Para o millennial, ele é que nem a felicidade: aparece pouco, some logo e é instável.

5_Um quadro completo e complexo

A cada temporada, mais personagens aparecem. E eles todos possuem mais dimensões do que a gente normalmente encontra em desenhos animados. Cada um possui uma história e trajetória próprias. Uma das minhas preferidas é a Gori.

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Existe um problema em Gori, a personagem gorila, já apontado por pessoas com muito mais lugar de fala que eu. Só que ele é bem complexo. Na dublagem para o inglês, a voz de Gori é de uma mulher afro-americana, o que reforça o ponto. Assisto no áudio original com legenda, portanto para mim a coisa é mais sinuosa: não acho que é blackface. Sempre vi a Gori como uma japonesa, assim como todos os outros personagens que são animais humanizados. Enquanto a personagem não se identificar claramente como negra na trama, não vejo isso como problema. No fundo, dado o racismo da sociedade japonesa, o "raciocínio-padrão" entre muitas aspas seria não imaginá-la como de outra raça que não seja amarela, dada a sua posição bem-sucedida em uma empresa.
No texto que linkei, a autora do post fala sobre simbologias nas falas. Então é mais uma questão de direção de dublagem – Gori para mim é o estereótipo de executiva japonesa bem sucedida e solteirona, que se dedicou ao trabalho e esqueceu da vida pessoal. Não deixa de ser problemático, mas é oooooutra coisa.

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A terceira temporada de Aggretsuko está no ar na Netflix.

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September 02, 2020 /Jorge Wakabara
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Canta, Mário Gomes

August 31, 2020 by Jorge Wakabara in TV, música

Antes de Marcos Pasquim, Humberto Martins e todos os descamisados das novelas de Carlos Lombardi, existiu esse protomuso. Aliás, o Mário Gomes fez parte do elenco de várias novelas em que Lombardi participou como colaborador ou autor principal. Jogo da Vida, por exemplo, com o autor principal Silvio de Abreu, de 1981. Guerra dos Sexos, do mesmo Silvio, de 1983. Vereda Tropical, a primeira de Lombardi como autor titular na Globo, de 1984. Perigosas Peruas, de 1992. E por aí vai.

Mas antes de tudo isso, em 1976, surgiu um boato babadeiro e maldoso envolvendo um pessoal da TV. A fofoca era que Gomes foi parar no hospital com uma cenoura entalada na bunda. O próprio autor da história mentirosa já confessou seu crime: era Daniel Filho, na época diretor de novela e casado com Betty Faria. Betty teria se engraçado com Gomes, seu par na novela dirigida por Daniel, Duas Vidas.
Na novela, Mário Gomes interpretava Dino César, um cantor. E a música-tema do personagem na trilha sonora era interpretada por ele mesmo: Chiclete e Cabochard.

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Esse colarzinho branco de contas que o personagem Dino usava virou moda na época.

E aí, embalado pela música que interpretou de autoria de Pedro Aurélio C. Dias, Gomes gravou e lançou um disco inteiro. O colar virou corrente na foto da capa.

A semelhança com Belchior é esquisita-maravilhosa-insólita.
A música de Mário Gomes raramente é encarada como algo mais do que uma tentativa de ganhar dinheiro. Sinceramente, acho LEGAL. Acho essa música BOA. Interessante. Pop. Imita Belchior? Sem dúvida. Mas é legal. Tá tudo certo!

E o resto do disco?

Um Alô, a que abre o álbum, é do Guilherme Lamounier, assim como Enrosca. A versão de Enrosca do próprio Guilherme também saiu no mesmo ano, 1977. E surpresa: a do Fábio Jr é posterior, de 1982! Um Alô foi exclusiva para Gomes e até hoje só existe registro gravado na voz dele.

Acho O Cadillac do Prefeito, de Piau e Sérgio Natureza, bem interessante (e, mais uma vez, bem Belchior). Idem para Primeira Amante, do mesmo Pedro Aurélio C. Dias, e para Ainda Havia Amor, de Mauro Machado Jr e Dalton Rieffel (essa com um coro de mulheres bem cafona-delícia). Só pra Você, criada por Gabriel O'Meara e Paulo Zdanowsky, é inspirada em poesia de Pablo Neruda e é spoken word na mesma linha de compactos que os galãs Tarcísio Meira (em 1975) e Francisco Cuoco (em 1974) vinham fazendo. É meio o 50 Tons de Cinza da época? Babado…

A última, Cartier Latin, é TUDO, um convite ao desbunde. A autoria é de Sérgio Mello.

Vou abrir um parênteses aqui para falar de Sérgio, que é um artista indie que eu acho interessante. Em 1983, ele lançou esse disco aqui:

Sérgio continuou lançando um monte de música em esquema independente até hoje. A mais nova é Too Much is Not Enough, um rock em inglês bem curtinho, de menos de dois minutos, que saiu no Spotify em julho de 2020!

E é importante dizer: não confunda Sérgio Mello com o diplomata Sérgio Vieira de Mello, recentemente interpretado por Wagner Moura na cinebio Sérgio, que está na Netflix.
Fim do parênteses!

Gomes (e toda a torcida do Flamengo) diz que sua carreira foi muito prejudicada pelo boato da cenoura. Depois de Vereda Tropical de 1984, o ator deve ter reparado que a barra pesou ainda mais (e pesou mesmo, ele não apareceria novamente em elenco da Rede Globo até 1989 em O Sexo dos Anjos e, nesse meio tempo, faria a novela Olho Por Olho da Manchete só em 1988). O artista diz que é por isso que tentou se dedicar à carreira de cantor – talvez diversificando suas chances, conseguiria mais trabalhos. Foi aí que surgiu o ótimo compacto de 1984 que trazia O Dono da Bola e O Rei dos Trópicos.

Adeus para o toque belchioriano. Anos 1980 na veia. Atrevidíssima, a letra da música diz de “chão da sala, joelhos em dor” – bem gráfico, né, acho que você entendeu. E pelo visto, ou a mulher gosta bastante de mudar de visual, ou são várias: Gomes canta de cabelo louro, depois de cabelo negro e sarará. Uma loucura! Perucas, será?
A música O Dono da Bola é composta por Gastão Lamounier Neto e Luis Mendes Junior com o próprio Mario Gomes. Entrou na trilha de Vereda Tropical. Gastão, para quem não reconheceu o sobrenome, é primo de Guilherme Lamounier. Todos eles são netos de Gastão Lamounier, um compositor bem importante da música brasileira, especializado em valsas. Essa aqui, por exemplo, é dele com Olegário Mariano:

Gomes ainda gravaria mais um compacto em 1985, com as músicas No Sexto Degrau e Coisas da TV. A letra de Coisas da TV parece falar sobre, bem… Betty Faria.

E essa aquendada do pipi? Não entendi!

E essa aquendada do pipi? Não entendi!

Gomes ainda chegaria ao ponto de cantar Estou Cheio de Mulher, do repertório do Chacrinha, no programa do próprio apresentador, explorando o seu lado latin lover. Soa como uma pessoa desesperada para enterrar a fofoca da cenoura (desculpa, o trocadilho foi involuntário).

As coisas teriam sido diferentes para Mário Gomes se esse boato não tivesse aparecido? Talvez.

Mais recentemente, a "imprensa” descobriu e explorou bastante o fato de Gomes estar vendendo sanduíche na praia tal qual Raquel Accioli em Vale Tudo (ou num esquema mais profissional: ele tem um carrinho e tudo). O câncer de próstata do qual ele sofreu no passado voltou agora, em 2020. Ele deu uma entrevista para Cidinha Campos no rádio nesse ano e declarou, entre outras coisas, que está escrevendo um livro sobre a sua vida. E sim, o boato da cenoura estará nele, assim como seu caso com Betty Faria.

Queremos ler desde já.

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August 31, 2020 /Jorge Wakabara
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A misteriosérrima Doji Morita

August 29, 2020 by Jorge Wakabara in música

Houve um tempo em que o segredo era ser misteriosa. Quanto mais você evitasse se expor, mais as pessoas iam querer saber de você. Hoje a coisa me parece um pouco diferente.

No meu livro recém-lançado, o Si, Copimila, o primeiro texto traz uma parte sobre uma discografia perdida de uma artista misteriosa, Nancy Rouge, sobre a qual ninguém sabe detalhes. As pessoas acabam criando teorias da conspiração a respeito dela. É uma ficção, e quando escrevo ficção percebi que funciono da seguinte maneira: escrevo-escrevo-escrevo como quem abre uma torneira. Depois penso no assunto.
Ao pensar sobre Nancy Rouge e refletir de onde ela saiu, uma das coisas que acho que me inspiraram foi Doji Morita.
O que sei sobre essa cantora japonesa? Quase nada. Mas isso não é novidade: todos sabem quase nada sobre ela.

Com vocês… Morita.

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Sabe-se que ela nasceu em 1953, sob o signo de capricórnio. E seu nome verdadeiro nunca foi divulgado! Na década de 1970, a morte de um amigo (suicídio) a inspirou a virar cantora. Não fica claro se o amigo tinha 20 anos ou ela mesma – varia de acordo com a fonte. Foi daí que surgiu a música Sayonara Bokuno Tomodachi, que quer dizer “adeus, meu amigo”, seu primeiro single, de 1975.

O tom mórbido das músicas de Morita viraria uma marca. Ela quase sempre se apresentava assim: cabelão crespo, óculos escuros. Era uma peruca? Doji Morita era quase uma personagem. A música Sayonara Bokuno Tomodachi também é a último do seu primeiro álbum, Good Bye.

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Doji quer dizer menino. Doji Morita apareceu sempre com um visual andrógino, usando um look mais masculino. O seu eu lírico é, na maior parte do tempo, um homem. A letra de Sayonara Bokuno Tomodachi fala que o amigo dela que morreu tinha cabelo comprido. Uma das teorias: ela assumiu a persona desse amigo.

Mas vamos para Bokutachi no Mitsui, música do álbum seguinte, Mother Sky, de 1976.
Olha
essa
capa
desse
disco.

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E
ouve
essa
música.

A tradução do título é algo como “Nosso Erro”, “Nosso Engano" ou “Nossa Culpa". Ela consegue ser ainda mais sinistrona, um folk à Nick Drake bem deprezão. Ficou famosa depois, em 1993 e em 2003, por ter sido usada como tema da série de TV Kou Kou Kyoushi. Isso estimulou um revival de Doji Morita, que já estava aposentada, no Japão: saiu coletânea, saiu reedição dos primeiros discos. Um sucessinho cult. Quiseram entrevistá-la. Ela? Respondeu que não estava interessada. Calada seguiu. A verdade é que não parecia gênero: ela realmente demonstrava ser muito tímida.
O álbum seguinte também me instiga muito. A Boy foi lançado em 1977.

doji-morita-a-boy.jpg

Repito: 1977.
O rosto-máscara. O braço com uns fios elétricos saindo. O eclipse. O título, A Boy – se referindo a ela?
Acho que essa imagem foi a que mais me inspirou para imaginar os álbuns de Nancy Rouge.

Posso estar viajando, mas o som desse me parece mais… completo. Tem mais instrumentos, arranjos mais complexos. O single, que está acima, é Seruroido no Shôjo, ou “Garota Celulóide". Assim como outras letras de Morita, essa fala de uma jovem em crise existencial que se sente sozinha. É cheia de imagens poéticas.

Em 1978, Morita lançou um álbum ao vivo. Ele foi gravado em uma igreja católica. Mais especificamente, na St Mary's Cathedral de Tóquio, no bairro de Sekiguchi.
Simplesmente essa aqui:

st-marys-cathedral.jpg

Passado?
Eu também.

Em 1980, viria o disco The Last Waltz e o single The Last Waltz Un Deux Trois.

doji-morita-the-last-waltz.jpg

Nem sei o que dizer. As imagens já falam por mim.

Ela não lançaria mais singles, mas ainda saíram dois álbum de inéditas antes de sua aposentadoria. Nocturne de 1982 e Wolf Boy de 1983.

doji-morita-nocturne.jpg doji-morita-wolf-boy.jpg

Eu gritei ÍCONE!

Dizem que Doji Morita se casou depois da aposentadoria precoce. Ela morreu de insuficiência cardíaca em 2018.

Existe um documentário em japonês e infelizmente sem legenda em três partes no YouTube. Aqui a primeira:

Se alguém quiser me dar qualquer disco desses da Doji Morita… OBRIGADO.

doji-morita-3.jpg

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August 29, 2020 /Jorge Wakabara
Japão, Doji Morita, anos 1970, androginia, Nick Drake, Tóquio
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