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O babado é certo com Kenichi Mikawa

November 26, 2020 by Jorge Wakabara in música, TV

Não tive uma infância muito ligada à colônia japonesa (aliás, na verdade ela era quase completamente desligada não fosse o meu melhor amigo na época, que também era descendente). Mas sei que toda criança nipônica tinha essa lembrança de assistir ao Kôhaku Uta Gassen, o tradicional festival de música de fim de ano da NHK sobre o qual já comentei aqui. Se era uma criança viada, ela inevitavelmente ficaria esperando ansiosa pela participação de Kenichi Mikawa, que esteve em nada menos que 26 edições.

Mikawa no Kôhaku de 2007

Mikawa no Kôhaku de 2007

Em 1969, Mikawa apareceu pela segunda vez no Kôhaku para cantar Onna to Bara e leva nas mãos uma flor. Isso pra gente que está acostumado com Roberto Carlos distribuindo flores é completamente normal, mas no Japão daquela época foi um escândalo: para muita gente, deixou claro a feminilidade do artista. Para dar uma dimensão maior: o Kôhaku é coisa tão séria até hoje que o povo vai como se fosse ao Oscar, sabe, black tie na estica. Só que o smoking que Mikawa vestia começou a se transformar: incluía um bordado, um brilho, um paetê, um detalhe dourado… Olha o vídeo abaixo, de apresentações entre 1968 e 1975:

Em 1991, a história já era bem outra. Quando foi apresentar seu novo hit Sasozira no On'na no Kôhaku, Mikawa estava num look branco (cor do time dos homens no festival) com um detalhe vermelho bem aparente (cor do time das mulheres). Marcou o começo de uma montação fabulosa que proporcionaria momentos sem par na TV japonesa. Falando em Robertão: era como ver um show de drag (porque, baby, this is drag) no meio do especial de fim de ano do Roberto Carlos, sabe?

Em 1992, o babado continua com Hi no Tori, a música nova, e Mikawa com uma espécie de touca de cristais, um look todo brilhante puxado para o rosa e um boá de penas. Tá, meu bem?

Em 1993, é a vez de um contraponto aparecer. Era Sachiko Kobayashi, uma cantora que também é dada a um close certo, que chegou nesse look absurdo com direito a reveal digno de RuPaul's Drag Race. A partir desse momento, Mikawa e Kobayashi competiriam pela posição de look mais absurdo-enlouquecedor.

Mikawa também participou do Kôhaku de 1993, surgindo do chão para cantar Utakata no Yume. Também fez um reveal (o quimono dourado deu lugar a um conjunto com brilho e roxo), mas perto do look da Kobayashi daquele ano… Parece até discreta! kkkkkkk

A coisa foi ficando cada vez mais próxima do Carnaval do Rio: muito luxo. Em 1994, Mikawa mostra Odamari. Tem reveal de novo (que se transformou em uma marca das apresentações) e corpo de baile bem pintoso maravilhoso.

1995 é o ano de uma das minhas apresentações preferidas de Mikawa. O look do começo, com uma silhueta princesa, pra mim é o ponto principal: é personificação de mulher de fato, é camp… É drag. O reveal é sensacional (amo os ombrões quadrados brancos) e eu fico desmaiado com o look das bailarinas-coristas <3
A música, para quem ainda está se importando, é Shiawase ni Naritai.

Em 1996, Mikawa vem com uns chifres, um look meio de vilã de tokusatsu. Não tem reveal, mas tem surpresa: uma cauda dupla que se revela do meio para o fim, enorme, com figuras geométricas brilhantes.

Com Bojô em 1997, Mikawa começa a incluir efeitos especiais (no duro). Não vou contar muito para não estragar:

1998: surgir das chamas? OK. A música é Wakare no Tabiji e o look tem uma inspiração católica que não faria feio naquele baile do Met todo trabalhado no catolicismo, lembra? kkkkkkkk Bom, da Capela Sistina à maxiborboleta… Dê play para entender:

Em Eien ni Bara no Toki o, de 1999, Mikawa fez a egípcia. Tem esfinge, Cleópatra, faraó sem camisa, além de uma hélice muito doida que o corta no meio… Toda uma narrativa surreal! kkkkkk

2000: Mikawa retoma essa temática de “eles querem me destruir” com ainda maior efeito. Em Tokyo Hotel ela começa com uma roupa, tem uma troca rápida, colocam-na num vaso grande (acho que nesse momento não é ela porque não daria tempo da troca de look e a câmera está longe, mas posso estar errado), esmagam o vaso (!!!) e, não mais que de repente, ela ressurge montada num dragão voador. Juro que essa descrição é exata:

2001, ano de Koion'na e de… um pégaso.

2002 com Yuzawa no On'na: Mikawa vem até discretinha, só com fumaça, sem corpo de baile, num quimono quase simples para os padrões dela, e depois, claro, tem a troca babadeira. Nesse vídeo dá para ver bem a competição entre ela e Kobayashi, que aparece em seguida – e sinceramente a segunda leva a melhor, nos seus efeitos especiais rainha do gelo Frozen fechativa.

Mikawa deve ter sentido a competição: em 2003, ela volta meio Frozen com vestido que acende (!!!) e o seu hit Sasorizan On'na.

Não sei se as participações de Mikawa no Kôhaku foram rareando pois não achei mais nada. Essa volta ao maior hit foi uma despedida? O nível, de qualquer forma, era cada vez mais inalcançável, mesmo. Olha a Kobayashi em 2005, que coisa doida:

Em 2007, Mikawa volta ao Kôhaku com um remix dance da mesma Sasorizan On'na. Agora com drag music? Formô: cadê o bate-cabelo? O reveal é bem importante e por isso vou ser obrigado a dar um spoiler: é um look inteiro vermelho. Cor do time das mulheres no Kôhaku.

Bom, a figura de Mikawa acabou ficando superandrógina, um coisa meio Walter Mercado. Quem quiser pode assistir a esse show dela, que comemora 45 anos de carreira (de 2010, portanto):

Mikawa é tudo e continua na ativa. A grande Hibari Misora, uma das maiores cantoras que o Japão já teve, a adorava. Ah: e a rivalidade com Kobayashi era só brincadeira: Mikawa e ela eram amicíssimas. Tinha até boato que elas tinham casado. Er… Alguém avisa?

Aliás, usei o pronome feminino ao me referir a Mikawa mas na verdade não tenho certeza sobre como ela gosta de ser tratada. Enfim, espero que ninguém fique magoado, me avisem se eu tiver errado e eu corrijo, OK?

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November 26, 2020 /Jorge Wakabara
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música, TV

É uma questão de energia

June 05, 2020 by Jorge Wakabara in música, cinema

A energia elétrica ganhou várias simbologias ao longo da pequena história da humanidade. Para quem não sabe, a palavra eletricidade vem do latim electrum, que por sua vez quer dizer “amante do âmbar”. Isso porque na Antiguidade fazia-se experimentos sobre essa energia esfregando âmbar contra a pele!

É por isso que a música de Adriana Calcanhotto que Maria Bethânia gravou, Âmbar, tem uma letra que remete à energia elétrica, ao aceso, ligado, plugado.

Isso é só um exemplo. A gente fala "fiquei aceso a noite inteira"; as bebidas estimulantes são chamadas energéticos e invariavelmente trazem raios e eletricidade nas suas campanhas publicitárias e embalagens; quando alguém fica muito agitado dizemos que "tá ligado no 220".

Uma das minhas obras de ficção favoritas de cyberpunk também é toda centrada nisso. Electric Dragon 80.000 V (2001) é um média metragem dirigido por Sogo Ishii.

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O filme é P&B apesar de ter sido produzido no começo desse milênio e tem um toque tokusatsu: o personagem principal, Morrison, interpretado pelo gato Tadanobu Asano, tem poderes. E existe um outro cara, que funciona como um vilão (mas no fundo acho que não tem vilão e mocinho aqui): o Thunderbolt Buda (Masatoshi Nagase) tem um visual super babadeiro, com metade do rosto em metal. A sua motivação para brigar com Morrison? “Eu queria ver você irritado". Atrevidíssimo!

Morrison foi atingido por altas voltagens de energia desde pequeno. Isso faz com que ele consiga controlar a eletricidade (ou, dependendo do ponto de vista, descontrolar). A trama é cheia de imagens simbólicas como dragões e, creio eu, traz uma homenagem ao The Lizard King – ele mesmo, Jim Morrison.
Para quem não sabe: Lizard King foi uma das corruptelas que o próprio Jim Morrison se deu. O alter ego apareceu pela primeira vez na capa do álbum do The Doors Waiting for the Sun de 1968, num conjunto de poesias que foi impressa mas não foi lançada nesse álbum: Celebration of the Lizard. A ideia era incluir a performance de Celebration of the Lizard, que tinha uma pegada spoken word, no lado B de Waiting for the Sun, mas essa performance, captada ao vivo, acabou vindo a público apenas no álbum Absolutely Live, de 1970. Entre as coisas que o roqueiro diz, está: I am the Lizard King, I can do anything. É uma pegada bem "faça o que tu queres porque tudo é da lei", né?

Em um passado muito distante eu fui muito fã do Doors… HAHAHAHA É seríssimo!!!

Em um passado muito distante eu fui muito fã do Doors… HAHAHAHA É seríssimo!!!

O Morrison do filme cria lagartos. E extravasa a energia elétrica acumulada na sua guitarra.
A visão da guitarra elétrica como o estrangeiro, que esteve presente no Brasil com a infame Marcha contra a Guitarra Elétrica de 1967 liderada por Elis Regina (depois ela gravaria várias músicas que contam com o instrumento), também fez parte do cenário musical no Japão mais ou menos na mesma época. Os GS, ou Group Sounds, era um fenômeno pop nipônico que bombou entre o meio e o fim dos anos 1960. Essas bandas de rapazes, totalmente influenciadas pelo show dos Beatles na mítica arena Budokan em 1966, cantavam muito em inglês e a música era considerada pouco autêntica: primeiro porque era o rock dos norte-americanos que ocuparam e dominaram militarmente o Japão da Segunda Guerra, e segundo porque eram grupos "superproduzidos" apontados como vendidos e não como "verdadeiros artistas". Muita versão de música estrangeira em inglês (ao contrário da Jovem Guarda, que fazia versões na língua nativa), muita ocidentalização até no visual. Era a questão da autenticidade.

Isso tudo não faz justiça aos Group Sounds: eles fizeram técnicas de gravação do país avançarem e trouxeram uma contemporaneidade que depois se refletiria, inclusive em contraponto, em algumas das coisas mais legais da música pop japonesa como o folk e a new music. Sem Group Sounds talvez não existira o City Pop. Falei um pouco de City Pop nesse episódio do Quatrilho no meu podcast:

E, claro, a ligação entre a guitarra elétrica e a delinquência juvenil aconteceu dos dois lados do mundo. Minha filha é um caso sério, doutor. Rock é coisa do capeta.

Mas antes, preciso falar também de outro dragão.
Será que Shiryu de Cavaleiros do Zodíaco também é uma inspiração do Electric Dragon 80.000 V ?

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Para muitas crianças, Cavaleiros do Zodíaco foi a porta de entrada para a mitologia grega e as casas zodiacais. A quantidade de simbologia embutida nele era disfarçada com lógica parecida com a dos Super Sentai: cada personagem tinha algum "elemento" que os dava poder; a união faz a força; uma lambança de termos como cosmo interior, armadura de bronze, de prata, de ouro; o bem deve vencer o mal; e ainda incluía a astronomia (cada cavaleiro se refere a uma constelação).
Shiryu era um dos mais queridos – tem muita mulher que eu conheço que assistia a Cavaleiros do Zodíaco olhando para aquele cabeludo, meninas nervosíssimas como se estivessem vendo um show de Bon Jovi, Guns 'n’ Roses ou algo assim. Sim: Shiryu era sex symbol, uma espécie de rock star cego e careta sem guitarra. Shiryu era o Change Griffon do Cavaleiros, se é que me entendes (e eu sei que me entendes).
E eu? Respeita a minha pessoa, não vou ficar entregando as minhas intimidades assim! HAHAHAHAHAHA!

Voltando para o revoltadíssimo Morrison:
A distorção do som é símbolo e extravasamento da dor e revolta desde que existe distorção. Os poucos acordes do punk, por mais cooptados que tenham sido pelo mercado, ainda fazem parte do repertório da revolução. Sogo Ishii tem outras obras menos fantasiosas e mais centradas na música que vão nessa mesma linha de pensamento.

E isso me lembra também um dos episódios de O Inexplicável, o programa apresentado por William Shatner no History. Ele conta a história de uma mulher que foi atingida duas vezes por raios e sobreviveu. Não só: ela de alguma maneira sente a energia elétrica de maneira mais intensa que a gente. Morrison da vida real.

Quando me perguntam sobre religião e no que eu acredito, digo que sou agnóstico. Acredito em algo que não sei explicar bem o que é: energia. Mas não é necessariamente energia elétrica: é algum elemento que fica, que paira e se movimenta, alguma coisa que ainda poderá ser explicada pela física. Se nada se perde e tudo se transforma, o que acontece com os nossos pensamentos? A nossa consciência?

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A energia também é sexy. Né?

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June 05, 2020 /Jorge Wakabara
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