O Natal é camp mesmo, e a gente adora

Papai Noel. Pinheiro com bolas coloridas. Meia decorada pendurada na lareira. Peru assado.
O Natal é muito camp, gente, aceita.
E é por isso que para entrar no clima, várias coisas tem aparecido por aí. Como o especial da Amazon Prime Video da Kacey Musgraves!

Esse é um daqueles casos de "o trailer é melhor que a coisa em si", mas tudo bem, é um videozinho bom para quando você está com o cérebro derretido e não quer pensar.
Camp até a medula, o especial traz piadas idiotas, Zooey Deschanel de franja (porque Zooey Deschanel sem franja não é Zooey e não é camp), Troye Sivan numa roupa que não o favorece, Kendall Jenner na participação mais estranha que uma Kardashian-Jenner já fez em alguma coisa, as Radio City Rockettes em coreô meio Ziegfeld Follies (CAMP DEMAAAAIS), James Corden (er, OK), Leon Bridges (que homem, né?) num número de subir pelas paredes, Dan Levy sendo extremamente humorista judeu em um especial de Natal e… ah, e Lana del Rey e Camila Cabello! kkkkkkkk
As músicas são, na grande maioria, clássicos de Natal mesmo.

Que mais? Tem a música nova da Katy Perry, Cozy Little Christmas. Achei uma bobagem, mas para quem gosta é bom, né?

E o clipe é meio engraçado daquele jeitinho Catu Piry. Mil perucas, incluindo essa tipo árvore de Natal e uma outra loira com chifres de rena; dancinha na taça à Dita von Teese; Papai Noel seminu na massagem; drinques na piscina. Camp indeed.

Tem filme em cartaz no cinema, para quem quer sair de casa:

Uma Segunda Chance para Amar (2019) conta com um maravilhoso elenco (Emilia Clarke, Emma Thompson, Henry Golding, Michelle Yeoh), uma trilha recheada de hits de George Michael (Last Christmas para mim é uma das melhores músicas natalinas EVER, cria do Wham!, a dupla da qual Michael fez parte antes de sair em carreira solo) e aquele climinha de comédia romântica besta misturado com um toque John-Hughes-Esqueceram-de-Mim. Ou seja: pessoas em situação de rua & tempo de comunhão mas sem criança loira.
Ainda não tive coragem de pagar um ingresso de cinema para assistir, mas confesso que estou MORRENDO DE VONTADE.
É o meu lado camp, o que posso fazer?

ATUALIZAÇÃO 15/12/2019: ASSISTI.
Sim, é bobinho. E sim, tem seu toque camp. Mas Uma Segunda Chance Para Amar tem seu lado inesperado. Primeiro que ele não é tão centrado assim nas músicas de Michael. Segundo que, se passando em Londres, ele surpreendentemente traz como pano de fundo as discussões sobre nacionalismo e Brexit! A personagem de Clarke, Kate, na verdade se chama Katarina e é iugoslava. Terceiro: é uma história de amor um pouco diferente, com um twist. Não vou falar mais porque vira spoiler. Também não chega a ser uma revolução cinematográfica. De qualquer forma, me surpreendeu!

Tem um outro especial, mais antigo, que é meio besta mas eu gosto. É o do Bill Murray de 2015, disponível na Netflix e dirigido por Sofia Coppola:

A Very Murray Christmas é sem dúvida camp, mas com aquele toque modernete da dupla Coppola e Murray, com direito a Phoenix (Thomas Mars, o vocalista, é marido de Sofia), e um elenco daquele povo de sempre: Rashida Jones, Jason Schwartzman, Maya Rudolph, Michael Cera. Mas ainda tem George Clooney e Miley Cyrus! É sempre ótimo ver George Clooney e Miley Cyrus.

Agora, se você está atrás de um novo clássico camp…

SIM: existe um especial da Mariah Carey produzido pela Hallmark e disponível na Netflix! Gravado também em 2015, Mariah Carey's Merriest Christmas conta com clássicos e All I Want for Christmas is You, claro, lançado em 1994. Eu simplesmente AMAVA esse álbum Merry Christmas da Mariah; além dessa tinha Christmas (Baby Please Come Home), Santa Claus is Coming to Town e Jesus Oh What a Wonderful Child, que eu não parava de ouvir lá nos Natais da década de 1990.
E o especial traz Mariah em dueto com Babyface! CHIQUE! A música que eles cantam é Christmas Time is in the Air Again. Climinha R&B na noite do dia 24 <3

Ainda na Netflix, cheguei a citar Esqueceram de Mim (1990) nos parágrafos anteriores, certo? Tem uma nova série no serviço de streaming chamada Filmes que Marcaram Época. São 4: Dirty Dancing, Duro de Matar, Ghostbuster e… adivinha?

Esqueceram de Mim é tudoooo. E a história de toda a produção por trás dele também. Então eu recomendo - não só esse episódio da série como todo o resto, cheio de entrevistas com pessoas que participaram por trás das câmeras, alguns diretores e atores. Gostei de verdade!
(Dá para alugar Esqueceram de Mim 2, de 1992, no YouTube. Também é natalino e, apesar de não ser tão bom quanto, meio uma nova versão da mesma história com poucas diferenças, é bem legal também!)
(A Disney, após a compra da Fox, viu Esqueceram de Mim chegar na sua casa. Parece que eles pensam em fazer um remake. Minha opinião? SACRILÉGIO.)

Está bom de opções natalinas para se divertir enquanto espera a ceia? Bom, caso bata aquela bad (sempre bate aquela bad) e você queira curtir essa bad com algo menos camp e mais dramático… Segue a música de Natal mais triste já feita. Fica a dica.

Feliz Natal!
(E fica também a dica de panetone: o da Bráz com laranja cristalizada chocolate e tudo e tal ou o da B.Lem, com recheio de DOCE DE OVOS MOLES, caralho, só de pensar já fico doido)

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A banda que poderia ter sido enorme mas ganhou um episódio trágico

Você lembra de Cause and Effect?
Talvez não lembre. Eu não lembrava - me deparei com eles um dia desses.

Começando como dupla e com um climinha muito… mas muito, mas muitoooo Depeche Mode (por causa da semelhança da voz de Rob Rowe e Dave Gahan e também do som), Cause and Effect surgiu em um contexto bem diferente. Na ensolarada Califórnia! Só que o primeiro álbum saiu em 1990, transformando-os em uma banda de synth pop que chegou atrasada, pós anos 1980. Em 1991, o álbum foi retrabalhado por uma gravadora maior, subsidiária da BMG, e relançado com o título Another Minute, que é esse hit gostoso aí de cima.

Quero a fitinha!!!

Quero a fitinha!!!

Só que o hit de verdade (se é que houve algum) foi You Think You Know Her, que foi lançada antes e chegou na posição 38 da parada Hot 100 da Billboard.

Aí aconteceu o episódio trágico do título. Eles até tinham passagem marcada para o Brasil em 1992 como banda de abertura do Information Society, mas na passagem de som do sétimo show que fariam nessa turnê em Minneapolis, Sean Rowley, o de cabelo curto, teve um ataque cardíaco fatal decorrente de uma crise forte de asma. Ele tinha 23 anos.

Rowe (o cabeludo, que depois cortou o cabelo) e o resto da banda decidiu seguir. Em 1994, lançaram o álbum Trip, dedicado a Rowley, e que contém It's Over Now, considerada por muita gente como a melhor música do Cause and Effect. Só que o álbum não está no Spotify! kkkk O vídeo foi gravado no México:

Sigo preferindo Another Minute
Cause and Effect acabou se firmando como uma outra dupla formada por Rowe e Keith Milo. Uma das últimas coisas que eles lançaram foi o EP Artificial Construct Pt. Two em 2011, que parece… um Cut Copy mais pop e com mais baladinhas. Ou seja, tudo em casa, né? Acho bom, confere aí:

Esse EP é a segunda parte de uma trilogia que formaria o 5º álbum do Cause and Effect, mas antes de lançarem o derradeiro, eles entraram num hiato em 2013. E não voltaram até hoje.
Nunca fizeram sucesso no Brasil. Que pena, né? Mas tudo bem, a gente ouve mesmo assim!

Se você gostou de Cause and Effect, é provável que também goste de:
. Saâda Bonaire, um trio de pós-punk que se inspirava em música árabe
. Orchestral Manoeuvres in The Dark, que você talvez já conheça mas é sempre bom relembrar!

Brat Pack parte 7: Curtindo o Brat Pack adoidado - sem necessariamente fazer parte do Brat Pack...

Matthew Broderick fez pelo menos dois filmes de grande sucesso logo no comecinho dos anos 1980: O Feitiço de Áquila (1985), com uma pegada mais fantasia medieval, e Jogos de Guerra (1983), o filme dirigido por John Badham no qual ele dividia a cena com a Brat Packer Ally Sheedy pré-Clube dos Cinco. Badham tinha certa experiência em filmes sobre jovens e as agruras do crescer: é dele a direção de Os Embalos de Sábado À Noite (1977), com um jovem John Travolta.

Jogos de Guerra também é uma história bem fantasiosa, mas na época era mais contemporânea: um rapazinho que arrasa no computador (é um hacker, apesar desse termo nunca ser falado) consegue entrar num supercomputador que controla o arsenal nuclear dos EUA e apronta uma confusão. Ele faz isso com o seu PC e um telefone daqueles de fio todo enroladinho, sabe? Risos! Explorando a paranoia da Guerra Fria, o longa foi um sucesso e, dizem, fez com que o presidente Ronald Reagan investigasse a possibilidade daquilo virar realidade. Sim, existia: e assim começava o envolvimento do Departamento de Defesa norte-americano nessas questões de segurança no cyberespaço!

A coisa fica ainda mais esquisita quando a gente descobre que o personagem David, de Broderick, foi inspirado em David Scott Lewis, que um dia já foi um adolescente hacker (e um dia já teve um blog, o Zero-Day Defense). Tem quem defenda que Jogos de Guerra é inspirado numa história dele… real!

David (Matthew Broderick) e Jennifer (Ally Sheedy) em Jogos de Guerra

David (Matthew Broderick) e Jennifer (Ally Sheedy) em Jogos de Guerra

Mas CALMA. Você chegou aqui sem ler os posts anteriores dessa série que estou fazendo sobre o Brat Pack? Então volta a fita, amore! Confira primeiro:

. Quem faz parte do Brat Pack? E afinal, que raios é o Brat Pack?
. Qual é o primeiro filme do Brat Pack? Tem quem diga um, tem quem diga outro…
. A santíssima trindade do Brat Pack: Molly Ringwald, John Hughes e Anthony Michael Hall
. Clube dos Cinco: o melhor filme do Brat Pack
. O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas: o pior filme do Brat Pack?
. O escândalo sexual de Rob Lowe

Leu tudinho? Inteirou-se? Então vamos seguindo…

Comecei falando de Jogos de Guerra porque existem pelo menos duas coisas que rolam em comum com o filme muito bem sucedido que viria em 1986. David começa a hackear o sistema de computador da escola porque quer mudar o seu boletim (e o da gatinha Jennifer). Ele tem jeito para esse tipo de coisa MacGyver - a série que estreou em 1985 nos EUA - de juntar um grampo e um chiclete e construir um fogão de seis bocas.

E quem também tem problemas na escola (entrando no sistema para mudar o histórico) e tem um lado MacGyver (ou, se preferir, de Kevin em Esqueceram de Mim)?
Sim, ele:

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Ferris Bueller era “o” cara. E Curtindo a Vida Adoidado, a história de um dia da vida de Bueller no qual ele decide tirar folga da escola por meios não exatamente louváveis, virou um filme que todo mundo conecta ao Brat Pack - afinal, é um filme dirigido e roteirizado por John Hughes - mas que não traz um integrante “oficial” do Brat Pack sequer. Broderick já tinha contracenado com Sheedy; depois Alan Ruck fez o filme Jovem Demais Para Morrer (1990) com o rei Brat Packer Emilio Estevez e o membro-satélite Kiefer Sutherland. Ah, e tem a Jennifer Gray, que faz a irmã de Ferris e depois virou estrela com o megassucesso Dirty Dancing: Ritmo Quente (1987). Ela chegou a namorar com Broderick (!!) e, em cena em Curtindo, troca uns beijos com Charlie Sheen.

Gray nunca foi considerada Brat Packer. Sheen sim - o irmão de Estevez virou um sinônimo de doidinho irresponsável de Hollywood com outros colegas, mais próximo da figura que o pessoal imaginava quando falava de Brat Pack do que os próprios membros originais! O seu papel no filme, um delinquente juvenil detido na delegacia, é ótimo, rapidinho mas rouba a cena - assim como a própria Gray.
(Para entrar no personagem, dizem que Sheen ficou sem dormir por mais de 48 horas antes da filmagem!)

Voltando: Broderick era praticamente sósia de outro astro juvenil da época, e que trabalhou num roteiro de Hughes imediatamente antes de Curtindo. Jon Cryer, o Duckie de A Garota de Rosa Shocking (1986), já admitiu sua inveja de Broderick em entrevista por causa do papel de Bueller.

I will admit to some jealously at the time, only because I had heard Ferris Bueller was a great script, and anytime you hear that something’s fabulous and there’s a great part that you’re in the right age range for, you get a little jealous about it.
— Jon Cryer para a Vulture
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Carbono

Se eu falasse que são irmãos vocês acreditavam

Agora eu te dou um dado: Curtindo a Vida Adoidado foi o último filme de adolescente que Hughes dirigiu. Por quê? Tem quem defenda que ele não conseguiu reproduzir a mesma turma de amigos que o instigava e estimulava criativamente antes, tipo os laços que criou com Molly Ringwald e Anthony Michael Hall. Algo se quebrou pelo meio do caminho. O estilo de interpretação de Broderick colidia com o estímulo da improvisação revezado com momentos autoritários do tipo "quero que você fale assim, com essa entonação e fazendo essa cara; imite" do cineasta. Os amigos Ruck (que interpreta o doente e ansioso Cameron Frye) e Mia Sara (que faz a namorada elegante de Ferris, Sloane Peterson) também não entraram muito na do diretor. Ruck, assim como Broderick, já era mais velho. Sara, por sua vez, era muito nova e estava ali meio perdida.

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Nada de criador e criatura

Broderick já era um ator reconhecido quando chegou para o papel de Ferris Bueller. Ele e Hughes não estabeleceram a mesma conexão que outros musos e musas anteriores

Então como a dinâmica desses 3 deu certo? É um mistério. Mas tem outras coisas do filme que eu quero explorar. Você pode continuar vendo-o apenas como um hit bobo da Sessão da Tarde, mas também pode enxergá-lo como algo a mais que isso. Para facilitar, vamos por partes?

Bueller era socialista?

KKKKKKKKKKKKKK
KKKKKKKKKKKkkkkkKKKKKKK
Calma, né, não é para tanto. Mas talvez, no ponto de vista meio vesgo dos norte-americanos, ele esteja mais próximo do socialismo do que para nós.
O fato é que a boina que Bueller usa realmente teria sido inspirada em um cartaz com a icônica imagem de Che Guevara, o que por si só já é muito engraçado.
Fora isso, acho que Bueller fica mais entre o anarquista e o bon vivant. Ele não faz tudo o que faz por um bem maior da sua "classe", ou seja, dos estudantes - seus motivos são bem mais simples, como a gente vai ver no próximo tópico.

Olha a boininha!

Olha a boininha!

Curtindo é mais um filme de Hughes sobre amizade

Por mais que tenha sido republicano, Hughes incluía em suas obras um fundo de diferença de classes sociais quase sempre. Dá para sentir que grande parte das compartimentações e rótulos construídos no Ensino Médio norte-americano passam pelo fato do adolescente ser de família rica ou pobre na visão do criador. Só que Curtindo é quase uma exceção. Cameron é nitidamente mais rico - afinal, seu pai tem uma Ferrari, sua casa é toda toda. Mas isso não impede esses 3 amigos de serem inseparáveis, ainda mais quando a gente descobre que Bueller fez esse day-off porque provavelmente esse seria “o último ano do resto da vida deles", para citar um dos filmes Brat Packer, e ele sabia que a partir do fim daquele ano letivo as coisas nunca mais seriam as mesmas.

Bueller também quer animar o amigo Cameron, que ele sente que está meio down. Ou seja: seus objetivos são, digamos, nobres. Claro que ele também tem um interesse egoísta em se divertir. E a ideia de diversão dele é bem interessante. Vejamos.

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A lista de coisas que Ferris, Cameron e Sloane escolhem fazer em Chicago

Um jogo de beisebol. Hum, faz sentido. Um banho de piscina: quem não quer? Almoçar em um restaurante disputado e chique - maravilhoso!

Invadir um desfile de rua alemão… É, é algo bem diferente, né?

Você tem alguma história de cabular aula assim, cabulosa? Eu tenho várias.
Eu amava cabular aula e nunca pensei direito nisso mas acho que Ferris Bueller era meu ídolo.
No meu colégio era meio complicado cabular aula porque a gente fazia assim: ia até a porta, se encontrava e, se queria cabular aula, tinha que pensar rápido e sair correndo antes que algum professor ou funcionário nos visse. Geralmente a gente ficava meio escondida em algum lugar por um tempo, como na casa de alguém que estivesse vazia, até que começamos a pegar o primeiro ônibus que passava em uma das travessas para sair o mais rápido possível do bairro e não correr riscos.

Aí, um desses dias que pegamos um ônibus, nos tocamos só depois que o nosso dinheiro tinha acabado com as passagens de ida e não teríamos como voltar. O ônibus era intermunicipal, para Embu das Artes, e acabamos descendo na Vila Sônia.
Não tinha muito o que fazer, então entramos em um portão aberto. Era uma escola municipal. Ficamos no pátio até descobrirem a gente.
Aí fugimos do pátio depois de uma série de mentiras - inventamos que estávamos indo para a nossa escola e sofremos uma tentativa de assalto que resultou em entrar na primeira porta aberta que vimos. Paia pura. A Luciana ainda fingiu no orelhão público que ligava para o irmão dela nos buscar! kkkk Aí saímos correndo fugidos, e na confusão a turma se separou. Pedimos dinheiro na rua para voltar para casa e, no fim, todo mundo se reencontrou antes de dar o horário de voltar para casa.

Resumi bem, mas a história completa envolveu até traficante de maconha.

Outro lugar que Bueller visita com seus amigos para ter um perfect day-off é para mim o mais instigante e um dos conjuntos de cenas mais maravilhosos do longa inteiro.
O Art Institute of Chicago é um aceno à sensibilidade cultural que personagens hughesianos possuem. Eles gostam de música, de arte, de cultura. Depois, o Keith de Alguém Muito Especial (1987) sonha em ser pintor e faz um quadro inspirado em sua musa Amanda Jones.

Art Institute of Chicago recebe Ferris Bueller e seus amigos

Art Institute of Chicago recebe Ferris Bueller e seus amigos

Um dos cabelos mais maravilhosos do cinema norte-americano

Tem coisa melhor que Edie McClurg e esse cabelo?

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A atriz diz que sua ideia era que o cabelo fosse estilizado para os anos 1960 porque a personagem Grace achava que o momento em que ela foi mais bonita foi nessa década. Mas a cabeleireira contratada sabia fazer o lisão da Mia Sara e não tinha ideia de como criar o volume sessentista. McClurg arrumou o cabelo ela mesma. Quando Hughes viu, perguntou: "Quantos lápis você acha que consegue guardar no cabelo?” Surgia a improvisação da secretária tirando uma sequência de lápis da cabeleira!

O amadurecimento de Cameron

Tem quem defenda que o real tema central do longa, ou pelo menos o mais profundo e importante, é a passagem de Cameron para a vida adulta. A sua resolução, quase no final do longa, de que enfrentaria o pai é emocionante. Um dos melhores momentos da escrita de Hughes.
Gosto de Bueller, mas gosto muito mais de Cameron hoje em dia. Ele é mais humano, a gente se identifica mais.

Aiai, como é bom relembrar um clássico. Curtindo é um dos únicos filmes dessa série que a gente está tratando nesses posts que está disponível em serviço de streaming por aqui: ele faz parte do catálogo da Netflix.

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E daqui a pouco a gente continua: no próximo post eu conto qual é, na minha humilde opinião (e de algumas outras pessoas), o último filme à Brat Pack que foi lançado. E já adianto que é um longa muito especial, tanto por causa do diretor quanto pelo seu protagonista. <3
Aguarde!

Banana Fish é um anime LGBTQ sem pegação, é TUDO e tem em streaming

O nome não é estranho? Bom, Banana Fish também está no título de um conto superfamoso da literatura norte-americana, e de um dos meus autores preferidos. Um Dia Ideal para os Peixes-Banana é um conto de J. D. Salinger que faz parte da coletânea Nove Estórias e traz um dos personagens da família Glass, Seymour Glass (a família Glass aparece em grande parte das obras de Salinger). A boa notícia é que Um Dia Ideal para os Peixes-Banana está disponível online no site da revista Bula - leia, mas com cautela, é um conto aparentemente simples mas trata-se de uma armadilha. E é bom ler já antes de continuar, porque mais para frente vou dar spoilers dele, OK?

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Na verdade recomendo que você leia o livro inteiro

Essa é a mais nova edição - o Estórias virou Histórias

O conto saiu pela primeira vez na revista New Yorker em 1948. O trauma pós-guerra e decorrentes problemas na saúde mental são retratados na figura de Seymour. Salinger aproveita as figuras recorrentes em seu trabalho da família Glass para mostrar a complexidade do ser humano e as decorrências de fatos contemporâneos nas nossas vidas. Ele também é autor do profundo e emblemático O Apanhador no Campo de Centeio - se você não leu, recomendo parar tudo o que está fazendo. Alguns dirão que é uma obra voltada para adolescentes, mas não espere por Jogos Vorazes. O negócio é tenso e mexe com a gente. Já ouvi falar que é um dos livros preferidos do Washington Olivetto - ele tem um monte de cópia extra e dá para as pessoas, tipo evangelizando a palavra de Salinger para o povo!

E Banana Fish, o anime, também mexe com a gente.

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O anime é inspirado num mangá de mesmo nome que, disfarçadamente, foi direcionado para garotas. Não sei se você sabe mas mangás no Japão são bem divididos e segmentados em revistas que tem público cativo: o dos meninos, a das meninas etc.
Entre essas histórias para as meninas, é comum que existam as de estilo yaoi. Elas trazem casais de meninos gays com papéis bem definidos de ativo e passivo, são românticas e ao mesmo tempo possuem cenas estilizadas de estupro (sim, pois é), dominação e congêneres. Geralmente essas historias são vistas como válvula de escape para leitoras que não possuem um relacionamento ou que até o possuem, mas são infelizes nele e gostam de sonhar com algo mais idealizado (e impossível de ser vivenciado por elas, já que os personagens principais são rapazes).
Os yaoi vem desde a década de 1970 e são um sucesso sedimentado. Você também pode ver isso como parte do conjunto semântico do ideal masculino mais frágil e feminilizado da Ásia hoje, contemplado, por exemplo, por ídolos do j-pop e k-pop.
(Existe outro estilo de mangá, o bara, voltado para os homossexuais, nos quais os homens são mais musculosos ou gordos, geralmente mais masculinos e maduros, e o foco dele é mais voltado ao sexo em si do que ao relacionamento, pelo menos ao meu ver. Acho que podem até haver exceções mas yaoi e bara são coisas bem diferentes, definitivamente.)

Já está complicadíssimo na sua cabeça, eu sei, mas vou complicar ainda mais: Banana Fish é um ponto fora da curva. Ao contrário da tradição dos yaoi, a história que começou a ser publicada em 1985 na revista Bessatsu Shôjo Comic não traz exatamente um casal gay que faz sexo. Os protagonistas Ash e Eiji na verdade nem transam. É algo mais platônico, apesar de existir uma tensão amorosa entre eles. Eles são gays? Há discussões sobre isso até hoje, e a própria Akimi Yoshida, autora de Banana Fish, costuma ser dúbia em suas respostas para entrevistas.

Outra grande diferença entre Banana Fish e outros é que o estupro aqui não é glamourizado: o tempo todo ele é tratado como algo negativo, perverso, um fetiche nojento. Quem o pratica na trama deve ser punido, existe uma clara criminalização. Ufa.

Não tenho certeza, mas acho que Yoshida fez tudo isso de caso pensado, para criar algo diferente. Tanto que Banana Fish virou cult e conseguiu furar a bolha dessa divisão de gênero: muitos homens héteros e cis são fãs e não tem vergonha de admiti-lo.

Mas vamos à história em si?

Eiji e Ash, o casal mais shipável &lt;3

Eiji e Ash, o casal mais shipável <3

O mangá começa com Griffin, um soldado da Guerra do Vietnã que é usado como cobaia para uma nova droga chamada Banana Fish. Ele acaba pirando com os efeitos dela e sai matando todo mundo - um amigo, Max, é obrigado a atirar nas suas pernas deixando-o paraplégico. Ele fica catatônico.

O irmão de Griffin é Ash, um rapaz de 17 anos que parece uma versão desenhada de River Phoenix, ex-garoto de programa e atual líder de uma gangue de rua de NY que tenta desvendar o que aconteceu com o irmão. Ele acaba descobrindo ao longo da história que essa droga é pura bad trip e que a pessoa fica tão maluca que mata e depois comete suicídio.

Essas duas temáticas, a guerra militar e o suicídio, são o que ligam o mangá (e consequentemente o anime) ao conto de Salinger. Mas também acho que esse retrato de jovens com questões existenciais profundas é inspirado nos personagens salingerianos.

Griffin no flashback eterno da bad trip

Griffin no flashback eterno da bad trip

Nesse meio tempo, aparecem os japoneses Eiji e Ibe: o segundo é um fotógrafo que quer fazer uma fotorreportagem do universo das gangues juvenis de NY, e o primeiro é seu assistente. Eles acabam se envolvendo mais com Ash, Eiji constrói uma relação íntima, mas que nunca chega as vias de fato, com Ash; eles são como opostos que se completam, um rebelde e o outro conformado, um loiro americano e o outro japonês de cabelo preto, um teve uma vida relativamente feliz (na verdade com um trauma, Eiji era atleta mas não consegue mais competir) e o outro teve uma infância dolorosa que o empurrou para uma vida criminosa.

A gente descobre que quem está patrocinando os estudos dessa droga para que ela seja usada pelos militares americanos na guerra é a máfia controlada por Papa Dino Golzine. Golzine também é a cabeça de um círculo pedófilo que comercializa crianças como escravos sexuais - e do qual Ash foi vítima. Esse pessoal inclui figurões do governo.

Ou seja: Golzine é um sugar daddy nojentão

Ou seja: Golzine é um sugar daddy nojentão

O anime lançado em 2018 adapta várias coisas mas se mantém relativamente fiel à história. A maioria das diferenças é de adaptação de época: a história é atualizada para 2010, com smartphone, Guerra do Iraque no lugar de Guerra do Vietnã e outras coisinhas.

Tem um mar de coisas para falar de Banana Fish para te convencer a correr para a Amazon Prime Video e assistir, mas vou me focar em apenas algumas.

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Para começar: Banana Fish é uma série de ação. Tem briga de gangue, tem polícia, cadeia, máfia, incêndio, sequestro, reviravoltas. A sexualidade fica em segundo plano principalmente se você não prestar atenção nela. Agora, se você quiser prestar atenção, ótimo: são personagens complexos, portanto é bom ver retratos ficcionais de gente com sexualidade ambígua mas que ao mesmo tempo vivem histórias que não giram só em torno disso.

Yut-Lung Lee é um bom exemplo: não fica claro se o personagem é crossdresser ou uma mulher trans. Mas fica claro uma coisa: você não gostaria de ter essa pessoa como sua inimiga…

Yut-Lung Lee é um bom exemplo: não fica claro se o personagem é crossdresser ou uma mulher trans. Mas fica claro uma coisa: você não gostaria de ter essa pessoa como sua inimiga…

Outra coisa é a inspiração na literatura, não só em Salinger. Todos os capítulos possuem títulos retirados de obras importantes da literatura, e nessa entram F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e outros.

Não fica por aí: o tema da prostituição masculina e a semelhança entre Ash e River Phoenix, por exemplo, remetem ao longa Garotos de Programa (1991) de Gus Van Sant, um clássico queer. A culminação da guerra de gangues no metrô de NY em direção a Coney Island nos lembra Warriors - Os Selvagens da Noite (1979).
Provavelmente deve ter mais filme que inspirou Yoshida e eu não pesquei. Sei que o personagem Max sai do físico de Harrison Ford e Eiji replica o físico de Hironobu Nomura, um aidoru bem fofito.

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Um disquinho

de Hironobu Nomura

E como nada é perfeito, um defeito: a música de abertura. Emocore dos ruins.

Se você gostou desse post, pode gostar também desses outros aqui:
. A mistura do heavy metal com o kawaii
. Hayao Miyazaki nos primórdios, com a história melodramática de uma órfã
. Detetive Pikachu é bom. Eu juro!

Motivos para beber segundo Alanis Morissette

Sim, a mulher que vendeu pencas do disco Jagged Little Pill também tem razões para beber.

O novo single de Alanis Morissette saiu e ele se chama Reasons I Drink, mas não parece exatamente biográfico. A pessoa que foi considerada a voz de uma geração (ou pelo menos a voz de mulheres de uma geração) volta à tona agora falando sobre a nossa necessidade contemporânea de se entorpecer e descontar em bebida, remédio ou comida. Estresse, pressões do mundo moderno, ansiedade: está tudo no subtexto da letra. Meio #classemédiabrancaproblems? Sim. Mas é isso aí, né, quem não for classe média branca pode reclamar; uma vez que sou, me identifico.

E quer saber? A música é boa mesmo!

Tem as palavras difíceis, a voz rasgadona, as guitarras. A gente até ouvia o acústico mas a gente gosta mesmo é disso, né?

Alanis deve lançar um novo álbum, Such Pretty Forks in the Road, em maio de 2020 - Reasons I Drink é o primeiro single dele. E vai ser o primeiro álbum de inéditas desde Havoc and Bright Lights, de 2012. Ao mesmo tempo, ela acaba de anunciar uma nova turnê de 25 anos de, adivinha, Jagged Little Pill, que deve contar com shows de abertura de Liz Phair e Garbage. Quase um festival, né? Achei mara - e achei bem anos 1990. A turnê deve passar pelos EUA e Europa.

Isso tudo me lembrou que eu era tão fã que fui no show do Jagged Little Pill, um dos primeiros da minha vida, e depois no do segundo álbum, Supposed Former Infatuation Junkie. Nesse segundo, que foi no Credicard Hall, sentei lá em cimão com a minha irmã Ana Flavia. A gente via um pontinho pulando no palco. Ou seja: poderia ser a Alanis ou a Lucélia Santos dublando a Alanis.

You oughta know…