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Como seria um especial de Natal da Ivete Sangalo?

December 19, 2020 by Jorge Wakabara in TV, música

É uma tradição natalina da TV… estadunidense. Estrelas da música, de Judy Garland a Mariah Carey passando por Miley Cyrus, Lady Gaga e Kacey Musgraves, já fizeram especiais de Natal. Geralmente eles trazem canções temáticas, convidados especiais e uma história boba para costurar os números musicais: exatamente o que você precisa para fingir que está prestando atenção enquanto aquele parente chato tenta puxar papo, mas não tão profundo assim para você realmente precisar prestar atenção.

No Brasil a gente tinha o especial do Roberto Carlos na Globo, que não era exatamente assim: com convidados mas geralmente sem muita história, e principalmente com o cancioneiro dele e não canções temáticas. Excepcionalmente, o especial do Rei não vai acontecer em 2020. No seu lugar, vem uma reprise de um show em Jersualém exibido em 2011 para o dia 22/12.
Não quero de maneira alguma ser agourento mas também temos que aceitar que Robertão chega aos 80 anos em 2021 e não poderemos contar com ele para sempre.

Fiquei brisando e as vozes da minha cabeça começaram a imaginar um especial de fim de ano com outra pessoa. Uma rainha. E se Ivete Sangalo fizesse um programa? E se as músicas de fato fossem natalinas?
Melhor: e se as músicas fossem natalinas… e brasileiras? Tipo um songbook de Natal legitimamente nacional?
”Isso poderia existir?” Bem… Poderia.

Tão Bom que Foi o Natal, de Chico Buarque

Essa música foi protagonista de um imbróglio. A única vez que ela foi “lançada"foi num cartão de Natal da imobiliária Clineu Rocha enviado para clientes da empresa, sem a autorização de Chico Buarque, no fim do ano de 1967. Ele processou a imobiliária e ganhou. Virou uma música bem rara, e é uma graça!

Boas Festas, de Assis Valente (aqui com os Novos Baianos)

Sou fissurado por Boas Festas, música de 1933 de Assis Valente depois lançada por muita gente – essa gravação dos Novos Baianos é um exemplo.
Boas Festas é ótima porque, como vários sambas, ela é animada mas sua letra é totalmente triste, como se o ritmo exorcizasse a melancolia. Dizem que o compositor fez a música inspirado na gravura de uma menina com os sapatinhos sobre a cama, esperando seu presente, que ele viu ao passar o Natal de 1932 sozinho.
Assis viria a cometer suicídio em 1958. Deviam fazer uma cinebiografia dele.

Canção de Esperança, de Zeca Pagodinho

Essa música é MUITO BONITA. Fico passado de não ser um hit. Para Ivete cantar no especial, sozinha ou com Zeca Pagodinho em si. Melhor ainda: com Zeca e Emicida. Chique, hein? Um dos pontos altos do especial HAHAHAHAHA

Véspera de Natal, de Adoniran Barbosa

Também é triste, mas tem um toque de humor daquele tipo que Adoniran Barbosa adorava incluir em suas canções. O Papai Noel, segundo a letra, fica entalado na chaminé. Tem até um toque malicioso: “o orifício da chaminé era pequeno"… Hahahahahahaha! A música lançada pelo próprio Adoniran em 1974.

Mais um Natal, de Daniel Falli (aqui com Mônica Salmaso)

Uma música realista, que já começa falando que por aqui o Natal é quente – literalmente. Acho muita fofa. Pode ser a música do começo do especial, para já dar o tom de Natal brasileiro, com Ivete sofrendo para chegar para a gravação, presa no trânsito, vendo as decorações estranhíssimas da cidade cheias de neve…

Presente de Natal, de Nelcy Noronha (aqui com João Gilberto)

Um pouco sexista? Sim. Mas ao mesmo tempo, acho chique se a gente tira esse trecho do contexto: “quem ganha boneca é menina, eu sei, mas eu sou menino e também ganhei”. HAHAHAHA OK, a “boneca” é uma mulher, mas alguém precisa saber? No especial da Ivete, ela pode cantar essa música com a Pabllo Vittar… Vai ser tudo! (Querer é poder!)
E não deixaria de ser uma regravação de algo do repertório do João Gilberto com Pabllo. Tudo, né???

Recadinho de Papai Noel, de Assis Valente (aqui com Carmen Miranda)

Sim, Valente tem mais uma música de Natal! Ela não virou um hit mesmo na voz de Carmen Miranda. É mais feliz, apesar do plot twist com o o homem tropeçando e se quebrando pelo chão! Acho uma graça, devia ser hit, alto potencial de single, sabe… kkkkkkk A nossa All I Want for Christmas!

Natal das Crianças, de Blecaute (aqui com a própria Ivete!)

Já tá pronta, minha gente! Blecaute, ou o General da Banda, lançou Natal das Crianças em 1955. É singela, simples, bonita. Para aquele momento do especial com um monte de criança ao redor, sabe?

Depois do Natal, de João Donato (aqui com Nana Caymmi)

Música tipo “abandonada por você", momento fossa total do Natal. Com a voz de Nana Caymmi, então, o negócio fica de se arrastar. Sou da opinião que com Ivete, também ficaria bom.

E Nasceu Jesus, de Orlandivo (ou Orlann Divo?)

Meio americanizada, animadinha, acho ótima. Criada por Orlandivo com Roberto Jorge e lançada em 1962, é Jovem Guarda mas, ao contrário de vários hits da Jovem Guarda, é uma composição original e não uma versão!

O Velhinho, de Otávio Babo Filho (aqui com Fernanda Takai)

Essa é do primo de Lamartine Babo, Otávio Babo Filho, e também é clássico brasileiro. Uma das minhas preferidas! Pode ser a da Ivete com a Anitta, né? Foi lançada na década de 1950, mas depois foi regravada até a exaustão. Otávio a compôs para um concurso de músicas natalinas e, veja que irônico, ela ficou em terceiro lugar. O primeiro? Hum, ninguém lembra HAHAHAHA! Tem quem problematize essa música, dizendo que ela não é verdadeira: Papai Noel não vem para todo mundo, não.
Mas, pensando bem, talvez a música seja um apelo para um Papai Noel mais… comunista?
Sabia que esse vermelho do look não vinha assim, do nada.

Doralinda, de Cazuza e João Donato

Outra de João Donato, essa uma parceria inusitada com Cazuza. É fofa, uma música romântica sobre dar mil presentes para a tal Doralinda. Foi lançada depois da morte do cantor, em 1991 – sabe-se que, antes de morrer, ele ficou numa fissura de compor e gravar o máximo que podia.

Natal Todo Dia, de Maurício Gaetani (aqui com Roupa Nova)

Acho meio xarope mas é a cara do Natal kkkkkkkk Estou colocando esse compromisso de imaginar um especial de Natal de Ivete Sangalo acima do meu gosto pessoal, entende?
E viva Paulinho! RIP <3 (Não é dele a voz solo dessa, e sim de Serginho)

Noel e Natalina, de Nei Lopes

OK, Deus é brasileiro, mas e se Papai Noel fosse brasileiro? Eis aí, na imaginação de um belo samba de Nei Lopes. Spoiler: Noel seria salgueirense!

Feliz Natal, Papai Noel, de Martinho da Vila

Acho chique porque Martinho da Vila, nessa música lançada em 1997, tira o foco do presente material e da falta de presentes para quem não tem dinheiro. O saco do Papai Noel, aqui, é de emoções. <3

Listinha de Natal, de Índia e Jorge Henrique (aqui com Virgínia Lane)

O que é essa versão de Virgínia Lane, né? Lançada em 1956, maravilhosa, tipo nossa Marilyn Monroe! Difícil superá-la. Sugestão de convidada para cantar uma versão dessa pérola nesse especial da Ivete: Claudia Raia.

Cartão de Natal, de Luiz Gonzaga

Que lindeza, que delicadeza, original de 1954. Ótima para Ivete. Maria Bethânia entra falando o texto do meio da música. Formou?

Natal Brasileiro (Que Natal é Esse?), de Jorge Ben

MARAVILHOSA, INDISPENSÁVEL, JORGE BEN É UM GÊNIO (não que a gente não soubesse). Se a Ivete não quiser colocar essa eu saio do projeto, sabe?

Quando o Natal Caiu numa Sexta, de Luiz Carlos da Vila

Natal é tempo de perdão <3 Muito boa! Grande Luiz Carlos da Vila!

Meu Natal, de Lupicínio Rodrigues (aqui com Jamelão)

Lançada por Jamelão em 1961, é um clássico esquecido de Natal brasileiro, talvez porque a melodia pareça bastante com a Canção do Amor Demais na minha modesta opinião. Isso não tira a sua beleza.

Meu Natal, de Ary Barroso (aqui com Francisco Alves)

Mesmo nome, outra música. Já que estamos incluindo tantos compositores clássicos de samba, acho que Ary Barroso também não pode faltar!

Papai Noel de Camiseta, de Celso Viáfora

Gravada originalmente por Ivan Lins, essa música de Celso Viáfora é bem linda e esperta, naquela mesma pegada do Papai Noel made in Brasil.

Amargo Presente, de Cartola (aqui com Beth Carvalho)

Quer falar de fossa? Taí. Nossa, Cartola… Que pesado. A Bethânia também ia gostar de participar dessa, se der tempo dela aparecer em duas…

Um Novo Tempo, de Marcos Valle

Já que estamos na Globo, né? Sim: Um Novo Tempo é de Marcos Valle com Nelson Motta e Paulo Sérgio Valle. Talvez, se a Ivete achar muito barango cantar, pode ser assim, Marcos Valle e banda tocando, bem finos, uma versão instrumental. Mas sinceramente acho um clássico: devia ser cantada, sim.

Para Não Ser Triste, de Passarinho e Lula Vieira (aqui com Rodriguinho)

Outro caso de jingle que virou clássico. Para Não Ser Triste foi feita para o Banco Nacional em 1971 e acabou sendo um hit que estava na propaganda do banco todo fim de ano. Ganhou, maldosamente, o apelido de Melô do Sexo Anal. Ouve prestando atenção na letra que você vai entender o porquê…
Acho que daria um bom encerramento de especial, de qualquer forma. Risos!

Recomendo também a inclusão da Turma da Mônica e da Estrelinha Mágica. Garantia de choro no especial da Ivete!

Recomendo também a inclusão da Turma da Mônica e da Estrelinha Mágica. Garantia de choro no especial da Ivete!

Bom, desconsiderei músicas que não falam de Natal, necessariamente, mas que poderiam se encaixar porque falam do, digamos, aniversariante. O Homem de Nazareth, de Claudio Fontana, ou Jesus Cristo, de Roberto e Erasmo Carlos, cairiam bem num especial mais cristão. Hehehehe!

Bom, ficam aí todas essas dicas gratuitas, mas por favor, Ivete, se for produzir isso: me chama, né? Me paga um salpicão, sei lá…

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December 19, 2020 /Jorge Wakabara
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Ruas vazias na ficção – e uma peça de teatro via Zoom

June 22, 2020 by Jorge Wakabara in TV, livro, teatro

Uma coisa que sempre me fascinou são narrativas sobre cidades fantasma. Ou porque o tempo passou demais e ela foi abandonada. Ou porque a maior parte das pessoas desapareceu ou morreu devido a doença ou arrebatamento. Não importa: acho a imagem da cidade vazia impactante. Ruínas contemporâneas.

Tem um programa no History, acho, que não me lembro o nome mas que mostra o que aconteceria se a humanidade desaparecesse da face da Terra. Toda vez que reprisam eu tô lá, assistindo hipnotizado. Arranhas céus desabando depois de séculos de corrosão. Reatores nucleares explodindo por falta de resfriamento e espalhando radiação.

Acho que esse é um dos motivos pelos quais me atraía a ideia de ir para Chernobil (e consequentemente Pripyat, que é a cidade fantasma perto de Chernobil, abandonada após o acidente).

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Em #Pripyat tudo está desmoronando - esses são locais que crianças frequentavam. Crianças e adolescentes que ficaram expostos à radiação por muito mais tempo que o necessário porque o governo socialista demorou pra espalhar a notícia da explosão do reator pra não criar pânico. #chernobyl #chernobil #mckievinho

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Para quem ainda não sabe: sim, eu fui para Chernobil. Conto mais nesse post aqui.

Um dos livros da minha infância (já que estamos nessa fase, eu falei aqui sobre O Gênio do Crime, né?) é Blecaute de Marcelo Rubens Paiva.

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Nossa, é muito bom! Como eu queria esquecê-lo para ler de novo!
Aliás, vontade de reler todos os livros do Marcelo Rubens Paiva. São ótimos.

Blecaute fala sobre três jovens amigos que viajam para cavernas do Vale do Ribeira e, por causa de uma tempestade, ficam presos por lá uns dias. Quando saem e voltam para São Paulo, surpresa: eles são os únicos sobreviventes. Algo aconteceu e ninguém mais está vivo.
Esse é um dos livros mais adorados do Marcelo Rubens Paiva. Amo esse post, no qual um cara analisa as capas das edições de Blecaute. A minha preferida, assim como a dele, é a da Brasiliense.
(E por que ainda não existe nenhuma adaptação de Blecaute para o cinema ou para série de TV? Não sei. Tão marcando, para variar. E dessa vez não tem mesmo, pesquisei antes de dizer. Kkkkkkkk!)

Muitas outras ficções trazem ruas desertas. De cara me lembro de Noite Adentro, série recente da Netflix que me marcou demais – tanto que já falei dela algumas vezes. Tem também:

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A Dança da Morte

Livro do Stephen King que já foi adaptado para a TV em uma minissérie de quatro capítulos, em 1994 – falei sobre isso na minha última newsletter (por que você ainda não assina a minha newsletter?).

O livro mostra os acontecimentos após uma mutação do vírus influenza desenvolvida como arma biológica, bem letal, vazar de uma instalação militar norte-americana e atingir todo o país (provavelmente o mundo, mas a gente não fica sabendo). Existem poucos sobreviventes, e eles começam a se reunir. A ideia de King era fazer um épico do tipo Senhor dos Anéis com tintas contemporâneas e também refletir sobre os valores da civilização norte-americana. É considerado uma das melhores criações de King.

Stu Redman (Gary Sinise), Frannie Goldsmith (Molly Ringwald) e Harold Lauder (Corin Nemec)

Stu Redman (Gary Sinise), Frannie Goldsmith (Molly Ringwald) e Harold Lauder (Corin Nemec)

Uma coisa que acho muito curiosa dessa adaptação é que ela traz integrantes do Brat Pack pós-anos 1980. Rob Lowe é o surdo-mudo Nick Andros, já pós-escândalo da sex tape com uma garota menor de idade. E Molly Ringwald é Frannie Goldsmith. Adam Storke, galãzinho pós-Brat Pack, é o músico Larry Underwood (ele é o Charlie em Três Mulheres, Três Amores ou, em inglês, Mystic Pizza, o filme de 1988 que marcou o começo da carreira de Julia Roberts). E ainda tem Corin Nemec como Harold Lauder – ele era Parker Lewis na série Parker Lewis Can't Lose, que é basicamente uma adaptação para a TV de Curtindo a Vida Adoidado sem pagar direitos autorais.

A belíssima surpresa é que Dança da Morte (em inglês The Stand) vai ganhar uma nova adaptação em série de TV logo menos. Ela já está gravada mas parece que eles estão segurando a estreia em respeito às vítimas de COVID-19, já que comparações serão inevitáveis. Mas é isso: comparações serão inevitáveis quando estrear. King está bem envolvido – tanto que desenvolveu um novo final para a história. E a produção, da CBS, conta com um grande elenco que inclui James Marsden (Westworld, X-Men) como Stu Redman, Amber Heard (Aquaman, Zombieland) como Nadine Cross, Whoopi Goldberg (ai, me poupe, não precisa de refs) como Mãe Abigail e Alexander Skarsgard (True Blood, A Lenda do Tarzan) como Randall Flagg.

Dança da Morte versão 2.0: Larry Underwood (Jovan Adepo) e Rita Blakemoor (Heather Graham)

Dança da Morte versão 2.0: Larry Underwood (Jovan Adepo) e Rita Blakemoor (Heather Graham)

The Leftovers

Ave, como eu amo. A série de Damon Lindelof (Lost, Watchmen) é ma-ra-vi-lho-sa. Ela é baseada num livro de Tom Perrotta e parte da premissa que 2% de toda a população desapareceu – DO NADA! Foi um arrebatamento bíblico perto do fim do mundo? Foi uma transferência para uma realidade paralela? Existem teorias (it's complicated), porém o foco é na reação de quem ficou, muito mais do que em quem sumiu. Religião e fé, a fronteira entre sanidade e loucura, confiança e traição. Tudo isso permeia as três temporadas e de perto ninguém é normal. E como nada é coincidência (ou melhor, você decide o que é coincidência e o que não é): Lindelof ficou sabendo sobre o livro de Perrotta numa resenha para o New York Times assinada por… Stephen King.

Nora Durst (Carrie Coon) e Kevin Garvey (Justin Theroux) em The Leftovers

Nora Durst (Carrie Coon) e Kevin Garvey (Justin Theroux) em The Leftovers

Agora você já está pensando que o título desse post foi um clickbait, né? Não. Chegou a hora de falar de…

A Arte de Encarar o Medo

Para começo de conversa, já digo logo: trabalhei com teatro mas morro de preconceito. E não é algo sem fundamento: tem muita peça ruim por aí. É caro, é difícil. Outras formas de arte, como o cinema, são mais práticas. Você consegue ver o trailer. Você tem a referência dos atores. Tem horários mais diversos. Você vai até um complexo de salas e escolhe qual te dá vontade de ver na hora. A impressão é a de que a garantia de aproveitamento é maior.

Isso posto, às vezes, bem de vez em quando, consigo contornar o histrionismo de alguns atores, a fragilidade de muitos textos e certas montagens de gosto duvidoso e… até gosto de teatro.

Mas A Arte de Encarar o Medo me interessou por outra coisa: a iniciativa d’Os Satyros é experimental, uma alternativa para o teatro nos "novos tempos”. Existem coisas que não temos nela: a presença corpórea dos atores, por exemplo. A energia de uma sala com plateia e atores ali na sua frente, te mostrando uma história. Só que a montagem ganha outros elementos quando realizada na plataforma Zoom. E mais importante: ela foi concebida para uma plataforma como o Zoom. Usa recursos que não existem em uma sala de teatro, ou pelo menos que precisariam ser bem adaptados para chegarem no mesmo fim.

Logo de cara, você tem a possibilidade de contar com um elenco grande sem muita dificuldade. Basta que o ator tenha conexão com internet e câmera (de celular, de laptop, webcam, o que for), e que se familiarize com a tecnologia. Em A Arte de Encarar o Medo, existe uma atriz sueca (Ulrika Malmgren) que participa direto de Estocolmo. O ator Cesar Siqueira, por sua vez, não chegou a conhecer o resto do elenco pessoalmente!
O fator do “ao vivo” segue como a principal tônica. Você sabe que todas aquelas pessoas estão atuando e trabalhando naquele momento, com hora marcada, só que a noção de espaço é ampliada. Cada um está em um lugar. Existem momentos em que eles sobem escadas, batem em portas, saem de um cômodo para entrar no outro. Numa hora eles também usam o recurso de mudar o fundo da transmissão. Duas pessoas podem contracenar uma com a outra mesmo com uma distância de muitos mil quilômetros. Por aí vai.

Falando nem parece, mas o fato da peça trazer vários atores manipulando tecnologia para te contar uma história respeitando o distanciamento social traz uma emoção que pode ser diferente da do teatro tradicional, mas não deixa de ser crepitante. Também surge uma amplificação da intensidade dessa arte dramática. Fiquei me perguntando se algo da minha impressão mudaria se eu estivesse assistindo a algo previamente gravado e não apresentado ao vivo. E acho que sim. Existe um sabor no fato de eu fazer parte do grupo de pessoas que entrou naquele momento naquela sala virtual e assistiu ao que foi apresentado. Ninguém mais vai ver aquilo (a menos que a produção tenha gravado, para fins de documentação). É diferente das lives que ficam guardadas e podem ser acessadas posteriormente.
Esse "novo teatro” (que tem gente que não gosta de chamar de teatro, pois teatro seria outra coisa) se aproxima do Snapchat e dos stories de Instagram na sua efemeridade, e é efêmero de maneira ainda mais drástica!

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Com tantas questões a respeito da forma em si, você pode achar que não me ative tanto ao conteúdo. Está errado: a peça foi criada já durante a pandemia e é muito sensível em relação a ela. São 50 minutos de uma história que, sem ser linear com começo, meio e fim (adoro narrativas assim), apresenta um cenário em 2035 onde a humanidade não conseguiu vencer a doença e segue isolada, morando em cidades vazias, cada um trancado em sua casa. Esse futuro distópico que já não conta com emissora de TV e rádio estranhamente continua possuindo energia elétrica e internet, ninguém sabe como. E aí pessoas enlouquecem, criam novos códigos sociais, relembram o passado e, principalmente, sentem medo.

Tem uma entrevista com os próprios dramaturgos, Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez (Rodolfo também é o diretor), no site d’Os Satyros. Recomendo a leitura.

E também recomendo a peça em si! São sessões de sexta, sábado e domingo. Não sei exatamente até quando a montagem vai estar em cartaz, então é bom garantir o ingresso para o próximo fim de semana. Ele custa R$ 20 mas quem quiser pode doar mais e quem não puder (porque está em dificuldades financeiras decorrentes da pandemia) consegue assistir de graça. Para ter um ingresso, acesse o site da Sympla.

Mesmo que você não se interesse pelo tema, acho interessante que as pessoas conheçam essas novas práticas. É um mundo de possibilidades que se abre. Dependendo da ideia e do desenvolvimento, assistiria a outras coisas nesse formato mesmo pós-pandemia.

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June 22, 2020 /Jorge Wakabara
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