Wakabara

  • SI, COPIMILA • COMPRE MEU LIVRO
  • Podcast
  • Portfólio
  • Blog
  • Sobre
  • Links
  • Twitter
  • Instagram
  • Fale comigo
  • Newsletter
punky-brewster.jpeg

Punky Brewster: a nova série e o documentário

March 15, 2021 by Jorge Wakabara in TV

Estou escrevendo esse post com muito cuidado porque não quero soar como homens nerds heterossexuais que se revoltam com Ghostbusters reimaginado como um grupo de mulheres.
Isso posto, vou contar uma história.

Não tenho quase nenhuma lembrança da minha infância. É esquisitíssimo. Não lembro direito de como era na escola, de viagens inteiras, de coisas que eu falava e gostava. Minha irmã Ana Flavia acha que é bloqueio, porque sofri muito bullying quando era pequeno.
Meu pai guardava muita coisa, e minha mãe e minha irmã, remexendo nas coisas, recentemente me mostraram uns desenhos, umas cartas. Não lembrava de como eles foram feitos, apesar de reconhecê-los como meus.

Mas lembro de uma das minhas primeiras aflições.
Todos os dias, religiosamente, eu assistia aos episódios do Sítio do Picapau Amarelo e de Punky, a Levada da Breca. Eles passavam num certo momento do dia, então eu sabia que deveria estar em casa nesse horário para não perder.
Aí, acho que um dia a minha Tia Yoko estava comigo em algum lugar e deixou passar a hora, apesar de eu ter avisado para ela. O programa dela comigo, para piorar, era alguma coisa chata do tipo “comprar roupa”.
Pense numa criança brava e triste.

Ou seja, Punky Brewster era parte muito importante da minha infância. Ela era o que eu queria ser (não órfão, calma: ela era esperta, engraçada e estilosa, assim como a boneca Emília do Sítio). Eu adorava muito.
Então vocês podem imaginar a minha empolgação quando eu soube que Punky Brewster ia voltar! (Caso você não consiga imaginar, tenho um post da época do anúncio)

Para quem está boiando: Punky, a Levada da Breca, era uma série que passava no SBT nos anos 1980 sobre uma garotinha que era abandonada pela mãe no estacionamento de um supermercado e ia parar num abrigo. Ela ficava fugindo do abrigo, ora para procurar a mãe, ora porque não gostava de lá. Num dia, ela acabava encontrando o Artur (George Gaynes), um fotógrafo mais velho, sozinho e sem filhos, meio rabugento.
Já sacou, né? Punky conquistava o coração do Artur e ele acabava virando seu pai adotivo.

Ela também era conhecida por… usar um tênis de cada cor.

Punky-Brewster-2.jpg

Aí, em 2021, eis que Soleil Moon Frye, a Punky original, voltou ao papel, agora como uma mulher de 40 anos divorciada e cheia de filhos. A temporada de dez episódios foi ao ar pelo Peacock, o streaming da NBC e CBS que não existe no Brasil. Mas eu fiz o sacrifício de assistir para dizer para vocês se essa pirataria vale a pena ou não.

Minha conclusão? Não sei. Depende do quanto que você gosta de sitcoms bobas e do quanto você gostava de Punky. Obviamente é um roteiro bem autorreferente, feito para quem sentia saudades, e tenho as minhas dúvidas sobre ele funcionar para quem não conhece a série original. As partes que eu mais gostei são as que de alguma maneira conversavam com a trama dos anos 1980.

Isso dito, cuidado, SPOILERS. Se não quiser saber, pule pare /SPOILER TERMINA/. Quem desistiu de assistir pode ler de boa.

/SPOILER COMEÇA/

Dois personagens antigos aparecem: Cherie (no Brasil, Cátia, a BFF da Punky interpretada por Cherie Johnson) e nada menos que… Margot (Ami Foster), a menina loira que era um entojo, metida que só ela.
Cherie é personagem fixo, acho que aparece em todos os episódios. E, segura essa… é lésbica.
Margot só faz uma participação especial (que, aliás, não faz jus a uma personagem tão icônica).
O ex-marido de Punky, que também é um personagem fixo, é interpretado por Freddie Prinze Junior. A sacada é legal, pegar um outro ator icônico para isso. Porém um pouco decepcionado que o Allen, outro amiguinho da Punky, não voltou – ele era interpretado por Casey Ellison, que, pelo que entendi, deixou de ser ator depois que cresceu.
O cachorro original, Brandon, foi substituído por uma cachorra, Brandy.
Os filhos de Punky são legais. E um deles brinca com estereótipos de gênero. É uma criança transicionando? Não, pelo menos por enquanto. Passa uma impressão de estar brincando, mesmo.
Pareceu muito moderno para você?
Bom, que bom, né? Estamos em 2021.

/SPOILER TERMINA/

BOM. Isso posto, preciso dizer que Frye também estreou um documentário sobre sua vida.
Kid 90, lançado no Hulu, parte de uma premissa interessante: mostrar a infância e adolescência de Frye nos anos 1990, pós-Punky, aproveitando o fato de que ela era muito fissurada em registrar tudo com uma câmera de vídeo e diários.

kid-90.jpg

Pensei comigo: “Que legal! Tudo a ver! A minha infância e adolescência também foram nos anos 1990, vai ser muito legal assistir! Ainda mais com a atriz de uma das minhas séries da infância!"

Doce ingenuidade. Não é bem assim.

A sinopse que eu vi de Kid 90 esqueceu de explicar que:
. O documentário é cheio de gatilhos. REPLETO.
. O documentário é muito centrado em Frye e nas experiências dela como criança prodígio em Hollywood. Não funciona como retrato de uma geração inteira e sim como o retrato de uma geração de artistas mirins, com experiências muito específicas.
. Achei que Frye fica procurando um significado muito espiritualizado nas coisas, talvez por causa da quantidade imensa de gatilhos, o que leva o documentário para uma onda de "lições de vida". Acho meio sacal, ficou melodramático. Já é cheio de histórias tristes, não precisava carregar as tintas.

MAS, dito isso… me entreteve. E me entreteve mais pela pororoca absurda que foi a vida de Frye nos anos 1990. Vou fazer um name dropping e você também vai ficar meio abalado:
. Charlie Sheen
. House of Pain (aquela do Jump Around, a música de festa mais hétero que existe)
. Perry Farrell (que eu tenho a impressão que adora aparecer; ele não tinha muito motivo para dar depoimento aqui)
. Kids, o filme

Que tal? Resumindo, Frye foi meio um Forrest Gump dos anos 1990.

Bom, é isso. Nada imperdível por aqui. Circulando.

Quem gostou desse post também vai gostar de:
. O bizarro reboot de Barrados no Baile
. Heathers: o filme que inspirou Ryan Murphy e virou série muito inspirada em Ryan Murphy
. Mal Posso Esperar (1998): lembra?

March 15, 2021 /Jorge Wakabara
infância, Sítio do Picapau Amarelo, Punky a Levada da Breca, Punky Brewster, SBT, anos 1980, George Gaynes, Soleil Moon Frye, Peacock, CBS, NBC, sitcom, Cherie Johnson, Ami Foster, homossexualidade, Freddie Prinze Junior, Casey Ellison, Kid 90, documentário, anos 1990, Charlie Sheen, Perry Farrell, Kids, Forrest Gump
TV
nomadland.jpg

Coisas que fiquei pensando depois de ver Nomadland e Minari

March 02, 2021 by Jorge Wakabara in cinema
minari.jpg

Nomadland é um filme norte-americano de 2020 dirigido por Chloé Zhao.
Minari é um filme NORTE-AMERICANO (tá, Globo de Ouro?) de 2020 dirigido por Lee Isaac Chung.

Ambos aparentemente não tem nada em comum.
Aparentemente.

. Tanto Nomadland quanto Minari não são filmes que se passam em metrópoles. São filmes não-urbanos. São filmes rurais? Não saberia bater esse martelo.
. Minari é protagonizado por pessoas amarelas. O diretor, Chung, é um norteamericano amarelo, descendente de coreanos. Nomadland é protagonizado por uma mulher branca e tem um elenco majoritariamente branco, e foi dirigido por uma mulher amarela. Zhao é chinesa.
. Chung deve ser o diretor da versão live action do anime Your Name, que todos amam e eu acho um amontoado sem charme de clichês. Zhao é a primeira mulher amarela a dirigir um filme da Marvel: Os Eternos. Ela também é a primeira mulher amarela a ganhar um Globo de Ouro de Melhor Direção por Nomadland.
. Fern, a personagem de Frances McDormand em Nomadland, e a avó de Minari, interpretada por Yuh-jung Youn em Minari, seriam amigas caso se encontrassem em uma realidade paralela.
. O xixi é um dos temas de Minari. O cocô é um dos temas de Nomadland.
. A casa de Fern e a casa da família de Jacob (Steven Yeun) ficam em cima de rodas. A da mulher branca Fern anda por aí, desbrava os EUA. A da família amarela se finca em um pedaço de terra, recusa-se a sair. Quer criar raízes.
. A natureza em Nomadland é vasta, enorme, grandiosa. A natureza de Minari é linda, extremamente verde, contida num pedaço de terra, modificada com um trator, cultivada. Minari em si é um vegetal usado na culinária coreana.
. Minari, o vegetal, nasce na água. Grande parte de Nomadland se passa no deserto.
. Fern é nômade. Jacob é agricultor, o contrário do nômade.
. Fern trabalha em bicos. Lanchonete. Empacotadora da Amazon. Limpa banheiro do camping. Jacob e Anne (Noel Cho) identificam o sexo de pintinhos e os separam. Nem sei se existe um nome para essa profissão em português. Jacob é mais rápido nisso que Anne.
. Fern não tem família. É viúva e tem amigos que vai arrecadando na sua jornada. Jacob e Anne só tem a família. Anne não consegue fazer amigas.
. Fern tem uma irmã e tem um homem interessado nela, mas ela prefere ficar sozinha depois da morte do marido. Jacob e Anne brigam muito. Anne chama a mãe para morar com ela. Eles vivem em conjunto.

. Fern perdeu tudo e decidiu viver uma vida nômade. Jacob e Anne juntaram o pouco que tinham para tentar uma nova vida. Uma vida dura que te prende à terra arada, plantada, à colheita.

. Os dois filmes falam sobre o sentido da vida. Ou sobre como dar sentido à vida.

Como você dá sentido à sua vida?
Onde você se sente em casa?

nomadland-2.jpg
minari-2.jpg
March 02, 2021 /Jorge Wakabara
Nomadland, Chloé Zhao, Minari, Lee Isaac Chung, amarelo, Coreia do Sul, China, Your Name, Marvel, Os Eternos, Globo de Ouro, Frances McDormand, Yuh-jung Youn, Steven Yeun, EUA, deserto, água, Noel Cho
cinema
griffin-sabine.jpg

Vocês lembram de Griffin & Sabine?

February 28, 2021 by Jorge Wakabara in livro, teatro

(A ideia desse post veio da lista de transmissão de Whatsapp da Pretérito Papel, marca de arte e papelaria com recortes e carimbos garimpados da minha amiga Mariana Tavares. Recomendo que vocês dêem uma olhada na página dela no Facebook e peçam para fazer parte da lista por lá!)

Em 1991, surgiu um livro que virou best seller e foi considerado por muitos como “a nova literatura", coisa que depois se provou BEM exagerada. Não sei exatamente quando Griffin & Sabine ganhou uma versão em português, mas quando ela chegou eu comprei, devorei e desde então adoro ler cartas, escrever cartas e escrever cartas ficcionais. Devia ter uns 11 anos.

griffin-sabine-2.jpeg

Lembrava vagamente de rolar um mistério na história, mas a li quando era novo e provavelmente um tanto imaturo para compreender e interpretar tudo o que estava escrito. Por isso, confesso que tive que recordar algumas coisas no Google. Mas que mais chamava a atenção nesse livro, na verdade, era a arte elaborada e essa invasão de privacidade, uma sensação de remexer em algo que não devia - no caso, correspondências entre os personagens que dão nome ao livro, Griffin e Sabine. Elas estavam literalmente coladas nas páginas – você tinha que abrir o envelope e desdobrá-las para lê-las.

Griffin & Sabine é uma trilogia, que depois ainda rendeu outra trilogia. Uma coisa que me espantou porque não me recordava e agora faz todo o sentido é que Griffin chegava a se questionar se Sabine era fruto da sua imaginação. Muito doido: isso deve ter marcado o meu subconsciente, porque quando faço ficções é uma coisa que adoro. A personagem inventada pela personagem, o “amigo imaginário". E a sensação de plot twist no geral.
Mas no fundo me lembro de cansar um pouco. Num certo momento daquilo tudo, Griffin e Sabine me pareceram um pouco chatos.

Pelo que li agora para fazer esse post: não existe conclusão, mesmo com duas trilogias e um livro extra. Eles chegaram a se encontrar? Existiam em realidades paralelas?
Esse "final aberto” até que me atrai…

“Políticos dão respostas, artistas fazem perguntas.”
— Nick Bantock para o Sidney Morning Herald
griffin-sabine-3.jpg

Nick Bantock, o inglês autor de Griffin & Sabine, passou grande parte da sua carreira ilustrando capas de livros, veja só. Aí, em algum momento, criou Griffin & Sabine e a coisa deslanchou – virou um autor. A primeira trilogia foi lançada entre 1991 e 1993, a segunda entre 2001 e 2003 e o livro extra, The Pharos Gate, é de 2016. Sempre nas efemérides, reparou? A arte $alva…

Por que Griffin & Sabine fez tanto sucesso mas não chegou no cinema? Eu chutaria que é porque a história em si é meio “infilmável", mas houve, sim, muito projeto para as telonas. Todos foram gongados pelo próprio Bantock, com a justificativa que Hollywood tentava reduzir a história a algo romântico e ela é mais que isso, com metafísica e thriller. Oh, okay, then. No entanto, ela já foi montada em teatro no Canadá em 2018!

griffin-sabine-teatro.jpg

Já existiram planos de levar Griffin & Sabine para o mundo digital, em forma de aplicativo, mas até onde sei ele não foi concretizado. Que bom, né? Iam tirar a maior graça da história: a sensação táctil e simbólica de abrir uma carta que não é sua. Abrir um e-mail não chega perto. Ou será que você ia ter que ficar tentando uma senha até o aplicativo destravar, coisas assim? Risos.

De qualquer forma, quem fala aqui é o velhinho que adora um vinil e um livro, né? Sei lá o que os jovens acham de ficar abrindo cartas.

Bantock fez várias outras obras. Entre eles, esse aqui, lançado em 2017:

Quem gostou desse post pode gostar desses outros:
. Um jogo? Uma brincadeira? Um mistério? Uma terapia? Uma loucura chamada Persona
. A quadrilogia jovem de Marcos Rey
. Aquele livro que marcou a infância: O Gênio do Crime

February 28, 2021 /Jorge Wakabara
Mariana Tavares, Griffin & Sabine, invasão de privacidade, Nick Bantock, Hollywood, metafísica, thriller, Canadá, aplicativo, carta, e-mail, correspondência
livro, teatro
akihiro-miwa.jpg

Akihiro Miwa icônica demais

February 25, 2021 by Jorge Wakabara in cinema, livro, música

Nossa senhora, isso que é MUSA.

Assisti ao filme Kurotokage com Akihiro Miwa, a versão de 1968 (existe uma de 1962), e depois Kuro Bara no Yakata, de 1969. É surreal como, no fim dos anos 1960, o Japão cheio de regras em relação a gênero apresentaria uma transformista como musa.
Ah, sim: Akihiro Miwa não é exatamente uma mulher trans. No lugar de determinar seu gênero, ele parece achar mais interessante a via do não-binário, do constante passeio entre gêneros. E isso parece que atrai ainda mais a atenção (e o deslumbramento) dos japoneses!

Mas vamos voltar para começo, quando Miwa ainda era artista de cabaré e, em 1957, gravou Me Que Me Que, um clássico da música francesa originalmente lançado por Gilbert Bécaud naquela mesma década.

A versão em japonês, malandrinha, fez sucesso. Miwa bombou. E parece que foi nessa época que o escritor Yukio Mishima, um machão de direita que surpreendentemente tinha muita sensibilidade nas suas obras, elogiou Miwa, dizendo que era como um “uma beleza dos céus", ou seja, um anjo. A comparação faz sentido no que eu já pesquisei e ouvi dizer sobre a homossexualidade japonesa. Acho que vale abrir um parênteses aqui para falar sobre isso – e um pouco mais sobre Mishima também.

Os rapazes prostitutos do Japão antigo

shudo.jpg

O livro O Belo Caminho: História da Homossexualidade do Japão, de Gary P Leupp, explica bem que a homossexualidade não é algo "novo” ou "que os brancos trouxeram” para o Japão. Longe disso. O shudo, que se refere a uma estruturação específica de prática homossexual um pouco parecida com a da Grécia antiga, em que existe a figura do homem mais velho mentor e deflorador e o rapaz jovem, passivo, inocente e aprendiz, foi uma realidade em monastérios budistas com presença exclusiva masculina, e também nas relações entre samurais. Para mim também tem a ver com uma relação de dominação e submissão que, pelo pouco que sei e posso estar falando bobagem, é recorrente na sexualidade nipônica.

Com o tempo, meninos começaram a virar michês para sobreviver, muitos deles relacionados ao teatro kabuki, uma tradição dramatúrgica que não permite atrizes. Esses atores especializados em papéis femininos atraíram fãs e cobravam por sexo, alguns viravam amantes de homens ricos. Depois, existiram bordéis que já nem disfarçavam sob a fachada do teatro, só com rapazes. Eles se vestiam e se enfeitavam como moças.

A imagem do rapaz afeminado e submisso não ficou no passado. O filme Morte em Veneza (1971) foi uma grande referência no Japão – a figura de Tadzio (Björn Andrésen, que para quem não sabe é o ancião do sacrifício no recente Midsommar de 2019) era tudo que os japoneses achavam lindo. Androginia e mistério. Isso corre até os idols do j-pop, apresentados como sensíveis e com traços mais delicados, e respinga também no k-pop.

O próprio Andrésen virou uma celebridade no Japão. Quando ele visitava o país, as mulheres iam à loucura! A ponto de, bem… ele mesmo gravar músicas em japonês, tal qual um idol. Olha que loucura?

Yukio Mishima: um homossexual de direita?

Em 1951, Mishima lançou o livro Kinjiki, uma expressão que é um eufemismo para homossexualidade. Um trocadilho entre “cores proibidas” e “amores proibidos". A história, considerada autobiográfica por muitos, traz a relação entre um escritor mais velho e um rapaz jovem que confessa que vai casar com uma mulher por motivos financeiros, mas que não se sente atraído por ela nem por ninguém do sexo feminino. Críticos apontam uma misoginia forte enraizada no texto – um discurso de ódio contra as mulheres. Mas virou um clássico.
Acontece que Mishima foi casado com uma mulher, Yoko Sugiyama. E ela, por sua vez, odiava e negava os rumores sobre a homossexualidade do marido, mesmo que fosse público que ele, por exemplo, frequentava bares gays. Eles tiveram um par de filhos, inclusive.
Existe um livro não-autorizado, de 1998, de Jiro Fukushima. Ele alega que teve uma relação com Mishima em 1951. Foi um escândalo que acabou com Fukushima e a editora processados pela família de Mishima.

yukio-mishima.jpg

Mishima tentou fazer um golpe de estado no Japão em 1970. Sério. Isso porque, antes de casar com Yoko, ele quase casou com Michiko Shoda, que depois virou imperatriz porque se casou com o príncipe Akihito! A tentativa de golpe não deu certo e ele cometeu seppuku, o suicídio ritualístico japonês, aos 45 anos de idade.

Voltemos para Akihiro Miwa.

Uma baita história

Miwa nasceu em Nagasaki e, sim, estava na cidade quando a bomba atômica explodiu em 1945, quando tinha 10 anos. Como outros sobreviventes, ele sofre com os efeitos da radiação.
Ainda na época de Me Que Me Que (ou Meke Meke), saiu do armário publicamente, declarando-se homossexual. Para quem não está familiarizado com a cultura japonesa: ser homossexual afeminado no Japão contemporâneo é um pouco diferente. Existe preconceito, mas também existe uma maior aceitação – a rejeição maior acontece justamente quando você não é afeminado e, na cabeça do povo, “confunde". Celebridades homossexuais que se travestem são famosas na TV e amadas, por exemplo (é o caso de Miwa, que nos anos 2000 virou uma celebridade televisiva de muita fama).

O boom desse primeiro hit arrefeceu e Miwa ficou mais apagadinho. Seu segundo hit só viria em 1965: Yoitomake no Uta. Composta por ele mesmo, tem uma pegada bem enka na sua temática, falando do esforço do trabalhador rural e como ele é digno (pelo menos acho que é isso, me desculpem se entendi errado!).

De volta ao sucesso, Miwa lançou sua autobiografia em 1968 e começou a atuar em peças de teatro. Uma delas, Kurotokage, foi baseada em um livro policial de Ranpo Edogawa e adaptada para o teatro por Yukio Mishima. A peça já havia sido montada com outras atrizes no papel principal da bandida Lagarto Negro (ou, em japonês, Kurotokage), mas foi com Miwa que ela chegou naquele ponto sublime de petardo pop. Tanto que… virou filme!

Miwa como Kurotokage no filme de 1968

Miwa como Kurotokage no filme de 1968

A história é um embate entre Kurotokage, essa bandida que gosta de roubar "coisas bonitas”, e o detetive Kogoro Akechi (Isao Kimura). Miwa está simplesmente magnética, arrebatadora, com figurinos babadeiros.

Incautos podem colocar o filme naquela caixa de “o queer sempre é o vilão, o errado". Mas acredito que Kurotokage é mais que isso. Kurotokage, a personagem, é bela, hipnotizante, e se deixa levar pela obsessão por tudo que é bonito. Também não vê o mundo como binário: enxerga a beleza nos homens e mulheres. Sua própria beleza está ligada à androginia. Mais do que camp, o filme é cheio de nuances, esteticamente instigante, transbordando pulsão de morte e sexo. Para mim, um dos filmes mais legais que já vi nos últimos tempos, sem exagero.

Vou dar um spoiler para explicar uma coisa muito importante, quem não quiser saber pode pular para / SPOILER TERMINA /.

/ SPOILER COMEÇA /

A criminosa Kurotokage tem uma coleção muito, er, peculiar. São corpos humanos bonitos, empalhados. Eles aparecem no filme, em seu covil, quando ela os exibe para a sequestrada Sanae (Kikko Matsuoka), que depois se revela ser uma sósia de Sanae contratada para se passar por ela.
A curiosidade: o homem empalhado que Kurotokage beija na boca é ninguém menos que… Yukio Mishima.
É um selinho apenas, OK. Mas é babado.
Isso alimentou os rumores de que Mishima e Miwa teriam tido um caso em algum momento da vida. Miwa já chegou a declarar que "Mishima não era um homossexual de verdade". Bicurioso, então? Enfim. O artista também se colocou contra o livro de Fukushima de 1998.
Como já contei lá em cima, Mishima morreu dois anos depois do filme lançado.

/ SPOILER TERMINA /

O trabalho na imagem de Miwa como uma mulher misteriosa e sedutora é típica do filme noir, mesmo que Kurotokage não seja um noir – a relação vem da inspiração, pois o argumento vem de um romance policial com direito a um superdetetive, mas a cinematografia também ajuda, cheia de sombras, ambientes noturnos.
Também acho interessante o jeito que o detetive é construído. Akechi tem prazer em desvendar os casos. A relação dele com Kurotokage é de interdependência, com ambos precisando dessa nêmesis para existirem em sua melhor performance. Ninguém é inocente. Akechi não é um herói. Ele depende do crime para fazer o que faz da vida: desvendá-lo.

Às vezes, Kurotokage fala com Akechi usando o espelho de seu bar. Eles são o espelho um do outro? Dois lados de uma mesma moeda?

Às vezes, Kurotokage fala com Akechi usando o espelho de seu bar. Eles são o espelho um do outro? Dois lados de uma mesma moeda?

Mas Miwa assumiria um papel ainda mais misterioso em Kuro Bara no Yakata, ou Mansão da Rosa Negra: o lagarto negro agora vira uma rosa negra no filme de 1969.

kuro-bara-no-yakata-1.jpg

A história de Kuro Bara no Yakata é de uma mulher misteriosa, Ryuko (Akihiro Miwa), que sempre carrega uma rosa inteira preta. Ela diz que, quando encontrar o verdadeiro amor, a rosa ficará vermelha. Uma coisa meio Bela e a Fera, né? Ninguém sabe do passado de Ryuko e ela atrai a atenção de Kyohei (Eitarô Ozawa), o dono da Mansão da Rosa Negra. O local é uma espécie de clube da alta sociedade, no qual Ryuko passa a se apresentar cantando e encantando (kkkkk desculpa, não resisti a essa frase feita). Os homens caem de amores, um pouco pelo mistério, um pouco pela beleza.

Homens do passado de Ryuko começam a aparecer. Eles alegam que se casaram ou que namoraram a musa, que ela os enlouqueceu ou que era má, mas seguem apaixonados. Ainda assim, Kyohei, que é casado e já tem dois filhos criados, torna Ryuko sua amante.

kuro-bara-no-yakata-2.jpg

Tudo parece ir bem até que o filho mais novo de Kyohei, Wataru (Masakazu Tamura), reaparece. Desde o começo, fica claro pela fala dos outros personagens que ele é um rapaz problemático, ovelha negra. E adivinha? Ele se apaixona por Ryuko…

Aqui, a figura de Ryuko, apesar de ainda mais misteriosa que a Kurotokage, é menos dúbia. Ela é a vamp, a que leva os homens à ruína. O toque subversivo fica por conta dessa figura tão desejada ser interpretada por um homem: a audiência sabia, o elenco sabia, todo mundo sabia. Não é um filme tão bom quanto Kurotokage, mas gostei.

Curiosidade: o diretor de ambos os filmes é Kinji Fukasaku. Em 2000, ele fez o filme que muita gente diz que influenciou Jogos Vorazes: a fábula sinistra Battle Royale.

Miwa acabou dando um tempo nas telonas após essa dobradinha e se dedicou à carreira de cantor. Isso deu em clássicos, como isso aqui:

Em 2012, já como uma personalidade consagrada no meio artístico, Miwa se apresenta pela primeira vez no tradicional Kôhaku Uta Gassen, o festival de fim de ano transmitido pelo canal NHK. Na época com 77 anos, ele foi a pessoa mais velha a se apresentar pela primeira vez no Kôhaku. E pelo que entendo também foi o artista que apresentou a música mais longa na história do festival, que costuma ser bem rígido com o tempo de apresentação dos artistas participantes, geralmente em torno de três minutos. Olha aí:

Antes disso, Miwa dublou um personagem de anime muito querido de quem curte Studio Ghibli. É a bruxa com papeira, como diria meu marido, de O Castelo Animado!

arechi-no-majo.jpg

Miwa segue vivíssimo. Vai fazer 86 anos.

Bônus: OLHA. ESSE. CLOSE.

Quem gostou desse post pode gostar desses outros:
. Seiko Matsuda, provavelmente a mais icônica idol do j-pop
. Na hora que bate o estresse, ouça Chisato Moritaka
. Outro símbolo queer do Japão: Kenichi Mikawa

February 25, 2021 /Jorge Wakabara
Kurotokage, Akihiro Miwa, Kuro Bara no Yakata, anos 1960, não-binário, Japão, Gilbert Bécaud, Yukio Mishima, homossexualidade, Gary P Leupp, shudo, Grécia antiga, budismo, samurai, sexualidade, kabuki, sexo, Morte em Veneza, Björn Andrésen, androginia, j-pop, idol, Kinjiki, misoginia, Yoko Sugiyama, Jiro Fukushima, Michiko Shoda, Imperador Akihito, seppuku, suicídio, Nagasaki, enka, Ranpo Edogawa, Isao Kimura, figurino, queer, camp, Kikko Matsuoka, filme noir, Eitarô Ozawa, Masakazu Tamura, vamp, subversão, Kinji Fukasaku, Kôhaku Uta Gassen, anime, Studio Ghibli, O Castelo Animado
cinema, livro, música
its-a-sin-serie.jpg

Saudades de chorar com Pose? Assista a It's a Sin

February 17, 2021 by Jorge Wakabara in TV

A epidemia da AIDS começou a fazer notícia e ganhou volume de doentes e mortos primeiramente nos EUA. E, claro, a série Pose também tem o pano de fundo do ballroom e o voguing. Sendo assim, a comparação entre ela e a nova It's a Sin segue mais por duas semelhanças: o tema da AIDS em uma época em que se sabia muito pouco sobre ela e a maior representatividade na telinha. No caso de Pose, predominantemente de mulheres trans; no caso de It's a Sin, predominantemente de homens gays.

O protagonista Ritchie Tozer (Olly Alexander) no meio com Jill Baxter (Lydia West) do seu lado, sentada e boquiaberta

O protagonista Ritchie Tozer (Olly Alexander) no meio com Jill Baxter (Lydia West) do seu lado, sentada e boquiaberta

Só minorias sabem a importância da representatividade na ficção. A gente vibra com qualquer migalha. Eu vibrei com Queer As Folk, com O Segredo de Brokeback Mountain, com Sandrinho e Jefferson em A Próxima Vítima. Ainda assim, todos esses exemplos estavam longe do meu dia-a-dia (talvez Sandrinho surpreendentemente seja o mais próximo?!).

Aí tiveram duas séries que, apesar de um pouquinho atrasadas, bateram forte em mim: a britânica My Mad Fat Diary, com o amigo gay Archie (Dan Cohen), e a australiana Please Like Me, com o protagonista mais idiota-chato-burro e mesmo assim queríamos continuar assistindo Josh (Josh Thomas).

Coincidência que as duas falem de saúde mental de maneira bem gatilhada? Talvez não.

Enfim: ambas trazem gays que não são bombados nem maravilhosos como artistas de cinema. Já é um grande avanço. E dá para identificar também… a minha turma. Sabe? Aquela nossa turma. Aquela que ia nas festas indie e dançava ao som de britpop (no caso de My Mad Fat Diary, cuja história se passa nos anos 1990). Aquela que combinava que o café do Espaço Unibanco de Cinema seria o ponto de encontro daquela tarde (no caso de Please Like Me). Se você é/era dessa turma, você entendeu. Se você não é/era, fica difícil explicar… kkkkkkk

Enfim, tudo isso para dizer que cheguei a ler por aí nas internets que It's a Sin era bobo, reforçava estereótipos.
Jura?
Eu achei EXTREMAMENTE MINHA TURMA. Sem gordos, sem ursos, é uma pena, mas bem minha turma MESMO.

Colegas de quarto: Colin Morris-Jones (Callum Scott Howells) e Roscoe Babatunde (Omari Douglas)

Colegas de quarto: Colin Morris-Jones (Callum Scott Howells) e Roscoe Babatunde (Omari Douglas)

O protagonista Ritchie (interpretado pelo vocalista do Years & Years Olly Alexander) não me parece exatamente um padrão, apesar de ser branco. E o personagem passa longe de ser virtuoso – talvez seja o que possui mais dimensões. Homossexual no armário para a família, conservador e promíscuo ao mesmo tempo, humanamente egoísta, despertando julgamentos e compaixão.

Os outros, bem… Roscoe é de família nigeriana e literalmente dorme com o inimigo – nesse caso, um ministro do partido conservador que o banca. O pobre galês Colin é de uma timidez e de um provincianismo quase paralisantes, apesar de muito simpático (e de ser um dos mais empáticos, o "menino bom”). Ash (Nathaniel Curtis) é indiano e possui a história menos desenvolvida de todas.

E finalmente tem a Jill interpretada por Lydia West, que na minha cabeça é uma das atrizes mais legais da atualidade (assisti quase tudo que ela fez até agora: Years and Years, o novo Drácula da Netflix e agora It's a Sin; se ela estivesse em I May Destroy You era jackpot).
Eles dão um pouquinho mais de dimensão para Jill, mas infelizmente ela não consegue superar aquele velho papel: o da amiga do gay. É quase subversivo, porque na ficção geralmente quem existe é o melhor amigo gay da protagonista, e aqui, veja só, tchanan! Preciso dizer que isso acontece na vida real. Tanto quanto o amigo gay, há a figura da amiga hétero.
O fato: West é tão boa que você simpatiza com ela, mesmo que a maior característica da personagem seja a empatia gratuita. Ou sou eu que já a vi em outras séries e simpatizo de graça? Não sei.
Tentei refletir se ela não era a versão "mulher hétero para gays" do white savior. Straight savior, anyone? Olha, enquanto eu assistia à série, quis mais é que ela salvasse todos. Acho que faz parte da narrativa. Acho provável muitos gays terem negado a realidade na época, e talvez amigas tenham tentado abrir os olhos deles. Não os culpo, mas como culpá-las? Não dá, né?

(Escrevi tudo isso deduzindo que ela é hétero, porém não me lembro de isso ter ficado exatamente claro na série. Acho que a sexualidade dela nem chega a ser debatida ou mencionada, e se foi, parece-me que foi bem de passagem, tanto que nem me recordo. Perdoem-me.)

"Adoro ser sua amiga!"

“Adoro ser sua amiga!"

O que mais ver em It's a Sin?

. Participações especiais: Neil Patrick Harris e Stephen Fry. Mara!
. Sexo. Não chega a ser um +18, mas é NSFW…
. Trilha sonora: virada dos anos 1980 para 1990 em Londres. Quer mais? Além da música dos Pet Shop Boys que dá título à série, tem Kate Bush, Orchestral Manoeuvres in the Dark, Eurythmics, Bronski Beat… Quero tudo.
. Russell T. Davies, o criador. Ele também é o nome por trás de Years and Years. É o Ryan Murphy do Reino Unido? Eu gosto!
Ah: Queer as Folk, a primeira versão, inglesa… é de Davies.

It's a Sin é da BBC e HBO Max, portanto infelizmente ainda não está disponível no Brasil em streaming.
Se vira.

Quem gostou desse post pode gostar desses outros também:
. A drag music “do meu tempo"
. Chelsea, Londres, 1967: ah, que sonho que eu não vivi…
. Drag queens: de artistas marginalizadas a conselheiras da família

February 17, 2021 /Jorge Wakabara
It's a Sin, AIDS, voguing, representatividade, homossexualidade, Olly Alexander, Queer as Folk, My Mad Fat Diary, Please Like Me, saúde mental, indie, britpop, anos 1990, Years & Years, conservadorismo, promiscuidade, Omari Douglas, Callum Scott Howells, Nathaniel Curtis, Lydia West, Years and Years, Drácula, sexualidade, Neil Patrick Harris, Stephen Fry, sexo, NSFW, anos 1980, Pet Shop Boys, Kate Bush, Orchestral Manoeuvres in The Dark, Eurythmics, Bronski Beat, Russell T. Davies, BBC, HBO Max
TV
  • Newer
  • Older

Powered by Squarespace