Eurovision, o filme

Bom, a essa altura você sabe que eu sou fã do concurso anual Eurovision, certo?

Caso contrário:
. Uma thread no meu Twitter sobre o Eurovision
. O melhor do Eurovision 2020 (segundo eu mesmo)
. Lady Gaga tirou o look de Stupid Love do Eurovision 2019?
. Dschinghis Khan, a banda alemã com nome de imperador mongol que participou do Eurovision 1979 e que tem um hit que fala sobre uma cidade russa
. Conan Osíris, que concorreu no Eurovision 2019 representando Portugal

Isso posto: a Netflix acabou de estrear o filme Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars. É uma comédia e logo de cara a gente precisa levantar uns pontos.

Lars & Sigrit

Lars & Sigrit

. É um filme estrelado por um americano (Will Ferrell) e uma canadense (Rachel McAdams), com participações especiais de uma americana (Demi Lovato) e um irlandês (Pierce Brosnan).
. É um filme que me parece direcionado para americanos: didático (no sentido de “mastigadinho”), com um humor típico dos filmes do Will Ferrell.
. É um filme que não pretende ser sério – afinal, ele parte do festival de música mais kitsch do mundo. Isso posto, ele traz soluções de roteiro pueris. É quase infantil.
. É quase um musical: existem números musicais, mas são poucos. Ele fica meio em cima do muro, portanto pode desagradar quem não gosta de musicais e quem gosta também!

O filme começa assim, que tal?

O filme começa assim, que tal?

Então o filme é ruim?
Olha. Diria que é tão ruim que é quase bom. Ele é esquecível, uma comediazinha para assistir enquanto você almoça. A história é tão simples que, se você dormir no meio e acordar no fim, vai entender tudo mesmo assim.
Lars (Ferrell) é um cara islandês que sonha em ganhar o Eurovision. Quem o acompanha nesse sonho é Sigrid (McAdams). O pai de Lars (Brosnan) quer que ele pare de pagar mico e “vire homem". Um acaso faz com que eles concorram no Söngvakeppnin, o festival islandês cujo primeiro lugar vale uma vaga no Eurovision representando a Islândia. E aí, bem, empilhe os clichês para descobrir tudo o que acontece.

Lovato como Katiana, uma concorrente à vaga islandesa do Eurovision

Lovato como Katiana, uma concorrente à vaga islandesa do Eurovision

O que eu gostei do filme: surpreendentemente curti a cena meio Glee em que eles começam a cantar na casa do russo Alexander Lemtov (interpretado pelo inglês Dan Stevens). Apesar de odiar musicais, eu gosto do Eurovision e a cena é PURO Eurovision. Ela tem a participação de ex-candidatos do concurso e mexe com quem é fã – acho que o objetivo era mesmo esse. Bilal Hassani, Conchita Wurst, Jessy Matador, Jamala, Loreen, a minha querida Netta e mais. Lindo <3

Outra cena tocante e que os brasileiros vão se perguntar “uai, ele está cantando em português?" é a do cara tocando piano. Sim: ele está cantando em português. É o Salvador Sobral, o único primeiro lugar de Portugal no concurso em 2017.

Netta na sua participação no longa

Netta na sua participação no longa

Então o que eu particularmente não gostei?
Bom, americanos são trouxas, né? Desculpa, mas é real (os brasileiros também são, estamos quites). No longa existem menções a isso quando Lars interage com o grupo de turistas americanos. Só que o humor do filme não deixa de ser americano – passa BEM LONGE do europeu. Ele deixa ironias finas de lado para investir em imagens mais literais.
Acontece que o camp do festival não é forçado. As apresentações e os participantes estão ali em superproduções feitas para emocionar de verdade – e se você ri, o humor está nos olhos de quem vê. É inegável que existe o picadeiro, mas não é o caso sempre, e o longa falha em apresentar essas nuances.
O Eurovision é sobre o poder da música e o filme também pretende ser, mas como ele também quer se comprometer em ser um filme de Will Ferrell, ele não chega exatamente nesse lugar. E provavelmente nem no outro (não sou tão versado em filmes do Will Ferrell para ter certeza…).

A cena tipo Glee

A cena tipo Glee

Moral da história: assista sem esperar nada. E, se quiser, assista às edições passadas que o Eurovision está publicando no seu canal do YouTube. São mais longas, mas são mais legais.

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As mães dos Kundera em Top Model, a novela de 1989

Depois de mergulhar muito nas ficções direcionadas para crianças e adolescentes do cinema norte-americano (falei de Brat Pack, de Goonies e de tantas outras coisas aqui no site), comecei a relembrar o lado brasileiro disso. E cheguei no Antonio Calmon, que foi o cara que mais soube fazer narrativas audiovisuais voltadas para esse público. É de Calmon a direção dos filmes Menino do Rio (1982) e Garota Dourada (1984) mais o roteiro da série Armação Ilimitada (1985-88) – considero esse conjunto como a primeira trilogia teen dele, que gira em torno do surfe, da praia e de André de Biase, o ator que participa dessas 3 obras.

Depois dessa, houve outra trilogia, que não deixa de ser litorânea mas já é mais urbana, mistura criança com adolescente e tem como base a novela. Calmon assinou Top Model (1989-90, com Walther Negrão), Vamp (1991-92), Olho no Olho (1993-94) e ainda contava com um extra, a série Sex Appeal (1993), na qual ele recuperava o universo de Top Model que havia sido praticamente engolido pela família Kundera na novela.

A família Kundera: Ringo Starr (Henrique Farias), Olivia (Gabriela Duarte), Gaspar (Nuno Leal Maia), Jane Fonda (Carol Machado), John Lennon (Igor Lage) e Elvis Presley (Marcelo Faria)

A família Kundera: Ringo Starr (Henrique Farias), Olivia (Gabriela Duarte), Gaspar (Nuno Leal Maia), Jane Fonda (Carol Machado), John Lennon (Igor Lage) e Elvis Presley (Marcelo Faria)

Explico: a família Kundera fez tanto sucesso que virou protagonista, e Malu Mader, que era a Duda, a top model do título, acabou meio jogada para escanteio. A combinação da relação dos irmãos com o pai divorciado e suas descobertas (menstruação, sexo, primeiros amores) bateram recordes de audiência e, até hoje, é considerada a atração da faixa das sete que mais atraiu público, com média geral de 64 pontos! Hoje nem novela das novela das nove passa perto disso.

Eu era bem pequeno (sete aninhos!) mas me lembro que um dos grandes mistérios de Top Model era descobrir quem eram as mães dos filhos do Gaspar Kundera. Acho que logo de cara a gente sabia que a mãe do mais novo, John Lennon, era a Mariza (Maria Zilda), que havia trocado Gaspar pelo irmão rico, Alex (Cecil Thiré).
Você lembra?
Atenção: CONTÉM SPOILERS!

A mãe de John Lennon: Mariza (Maria Zilda)

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O caçula da família Kundera é o único com a mãe bem presente: era Mariza, casada com Gaspar mas decidida a se separar porque não aguentava mais o estilo de vida molecão natureba do surfista. Só que ela acabava parando nos braços do irmão do mal de Gaspar, Alex. Depois, ao longo da novela, ela implorava para voltar para o ex-marido, voltava, tinha ciúmes de Gaspar com Duda, tinha ciúmes do Gaspar com todas… No fim, ela deixava a guarda de Lennon para o pai e começava um novo relacionamento com Bira (Mario Gomes).

A mãe de Ringo Starr e Jane Fonda: Bellatrix (Rita Lee)

Uma das cenas que marcaram a minha infância, ao lado da Monalisa (com voz da Marisa Orth) em Mundo da Lua. Bellatrix era Rita Lee, e isso já é maravilhoso. Ela trazia o desaparecido cachorro Maradona de volta (ah, como eu amava o Maradonaaaa) em uma cena meio Poltergeist. O nome antigo dela era Maria Regina, mas como a própria diz: "Deixei de ser zona, agora eu sou zen". Ela ficava falando uns aforismos meio Mestre dos Magos, era maravilhoso!
E ela fazendo amor por telepatia com Saldanha (Evandro Mesquita)? Ai, que mania de Rita Lee <3

A mãe de Olívia: Florinda (Regina Duarte)

Lembro-me vagamente de Olivia ser um caso à parte: acho que ela não era filha biológica do Gaspar, mas ele acabou adotando-a quando teve um relacionamento com a mãe dela, Florinda. Aí Florinda foi embora e Olívia ficou. É por isso que o nome dela não é uma homenagem a alguém, como o dos outros filhos (e não é uma homenagem à Olivia Newton-John, como muita gente acha). Tô viajando?

E a participação da ex-secretária da Cultura (afff) é hilária principalmente por causa da peruca que ela usa, meio Tina Pepper (a Regina Casé em Cambalacho).
E sim: não contente em ter ido embora uma vez, ela vai embora duas vezes!

A mãe de Elvis Presley: Barbara Ellen (Susana Vieira)

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Ela morava em Dallas, era milionária (ou, como ela mesma dizia, "miliardária"), herdeira de poços de petróleo. Só aparecia para impedir o casamento do filho menor de idade Elvis com Tininha (Adriana Esteves). Olha esse look da foto?

Barbara chegava no capítulo 173 causando de limusine. O roteiro é impagável: "Se você realmente leu minha matéria na Vanáiti Fér (sic), você deve saber que enviuvei a pouco tempo, que ele me deixou uma grande fortuna e que eu tenho que gerir vários negócios" ou “Aplicar meus dólares no Brasil? Nem morta!” – THE CAMP OF IT!
Esse é um dos melhores papéis de Susana Vieira. “Eu mesma, Barbara Ellen, de Dallas, Texas" – a atriz nasceu para declamar essa fala, vocês não acham?
(No fim, Barbara permitia o casamento com a condição que Gaspar iria com ela para os EUA – ele seguia apaixonado, em teoria. Só que ele a enganava: aceitava essa condição para que o casamento acontecesse e dava para trás na hora de fazer as malas!)

E finalmente… a mãe de Lucas: Suzana Pasolini (Marília Pêra)

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No capítulo 171, Gaspar Kundera anunciava para os filhos que Elvis não era o seu primogênito. Lucas (Taumaturgo Ferreira) finalmente era reconhecido como seu filho, um mistério que foi levado ao longo da novela (todo mundo, inclusive o próprio Lucas, achava que ele era filho do Alex).

A mãe do Lucas, Suzana, tinha tido um relacionamento com um dos Kundera no passado, para variar. E morria no primeiro capítulo.

O nome da marca de roupas que faz o maior sucesso na trama, aliás, ia ser Zana, em homenagem à Suzana, mas acabou mudando para Covery (que é, vamos combinar, bem parecido com Company, a marca de roupa carioca de Mauro Taubman que era mania entre os xóvens).

Extra: a mãe do Alex Kundera Junior

Sim, claro: tinha o primo deles. Alex Kundera Junior (Rodrigo Penna) era filho do irmão mau, Alex, com Letícia (Tânia Loureiro), que havia morrido.

A origem de Top Model

Sabia dessa? Na verdade Top Model era para ser um seriado. Shop Shop, com roteiro de Calmon (com Euclydes Marinho e Leopoldo Serran) e direção de Calmon (com Mário Márcio Bandarra), chegou a ter um piloto gravado e apresentado no fim de 1988. Se desse certo, entrava para a grade no ano seguinte. Até deu, mas meio do avesso, com a história bem diferente, em forma de Top Model.

Shop Shop tinha alguns atores em comum com a novela: Carol Machado, Rodrigo Penna e Malu Mader. A história se passava em um shopping (mais especificamente no Barra Shopping), onde os adolescentes se encontravam e interagiam. Calmon deliberadamente se inspirou nos filmes adolescentes e infantojuvenis dos EUA, como Conta Comigo (1986). Para mim, também parece bastante Picardias Estudantis (1982) por causa do cenário.
Acho que é por isso que Top Model é uma mistura, transição da praia da primeira trilogia de Calmon para o shopping da cidade, como se o Menino do Rio tivesse crescido (e, diga-se de passagem, tido muitos filhos) na forma de Gaspar Kundera e vivesse entre um mundo de areia e de concreto.

E duas curiosidades

No último capítulo de Top Model, Gaspar Kundera comemora 40 anos. Ou seja: ele passa a novela inteira com… a mesma idade que eu, nesse exato momento, tenho.
FEELING OLD?
Outra coisa: os casais. Elvis termina com Tininha mesmo. Jane Fonda fica com o primo que era apaixonado por ela, Alex Junior. Olívia termina com Arthur (Jonas Torres). Mas e o Ringo?
Ele termina com a Milu (Cinira Camargo), a manicure pela qual ele era apaixonado. E que é nitidamente bem mais velha que ele. Quenda! Ela explica para avó do Ringo, a dona Morgana (Eva Todor), que é um relacionamento platônico…
Não sei se vocês lembram, mas Ringo era o maior punheteiro da TV brasileira. Eles falavam disso toda hora na novela! HAHAHAHAHAHAHA!

Um casal platônico: Ringo &amp; Milu

Um casal platônico: Ringo & Milu