Um elo entre Procura-se Susan Desesperadamente e... Marisa Monte

Kkkkkk esse título é maravilhoso, né?

Sim, existe um elo entre Procura-se Susan Desesperadamente (1985) e Marisa Monte. Você lembra do filme? Se nunca assistiu, deveria. E nem é pela Madonna, o longa é bem divertido, mesmo!

Um dos primeiros veículos da então princesa do pop do momento, a personagem Susan se mesclou com a de Madonna: ela era misteriosa, sexy, dominadora, desafiadora das convenções, jovem, com um estilo de se vestir arrojado, atrevida. Os homens a queriam e Roberta (Rosanna Arquette), a dona de casa entediada, queria ser como ela. Uma jaqueta que Susan vende em um brechó (Love Saves the Day em East Village, NY, fechado desde 2009) e que Roberta compra e usa faz com que a segunda assuma a identidade da primeira. O poder da moda, não?
A jaqueta foi vendida num leilão em 2014 pela bagatela de US$ 225.000.

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Illuminati, anyone?

Nas costas da jaqueta lê-se Novus Ordo Seclorum: a imagem é uma reprodução do selo da nota de dólar e quer dizer "nova ordem dos séculos” ou "nova ordem mundial”

Mas vamos para a ligação: nem todo mundo sabe mas Procura-se Susan Desesperadamente conta com diversas participações especiais. Por exemplo: a maravilhosa mulher que vende cigarros, do diálogo maravilhoso “Susan! Meu Deus, a gente achou que você estava morta” e a resposta “Eu estava em New Jersey”, é Ann Magnuson. Antes da drag queen Katya sonhar em ser Katya, Magnuson fazia uma personagem de cabaré chamada Anoushka, uma cantora soviética que interpretava músicas pop americanas com sotaque russo. A camarada também fazia parte de um grupo bem doido de música e performance chamado Bongwater. Ou seja, era da ceninha alternas de NY. Outra participação: Richard Hell, co-fundador do Television, é o cara que Susan dispensa logo no começo.

Agora, lembra da aparição dos trigêmeos que foram separados e depois se reencontraram e em 2018 viraram um documentário, o Três Estranhos Idênticos? É por um segundo, se você piscar você perde: Susan desce do carro para ir para a redação do jornal e se depara com eles.

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(Aliás, assistam o doc, é legal)

Logo depois disso, Susan pede um classificado no balcão. O cara lê: "Procura-se estranha que procura Susan desesperadamente” etc etc., e ela responde “Ela vai amar".
Esse cara é o elo. O nome dele, meus caros, talvez, se você for um geek da música, te desperte algo… é Arto Lindsay.

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Nessa época Lindsay também era parte da ceninha. Membro ativo da no wave do fim da década de 1970, fez parte do grupo DNA na guitarra e vocais. Atenção, é BEM experimental, tá?

Os pais de Lindsay eram missionários. Então, apesar de ser norte-americano, ele passou anos entre Recife e Garanhuns. Cresceu vendo o tropicalismo dando frutos. Isso causou um impacto que ficou mais óbvio na dupla que formou com Peter Scherer após Procura-se Susan Desesperadamente, a Ambitious Lovers. Entre as coisas que eles fizeram, está essa versão linda de É Preciso Perdoar do repertório de João Gilberto, de 1991:

Nessa época ele já estava bem mergulhado na música brasileira contemporânea: a dupla do Ambitious Lovers que produziu Estrangeiro (1989) de Caetano Veloso. E finalmente a gente vai chegando perto de Marisa Monte: o segundo álbum da cantora, aquele em que ela diz tchau para Nelson Motta para se encontrar ("Deixe-me ir / preciso andar / vou por aí / a procurar…"), é produzido por Lindsay. Mais (1991) reafirma o ecletismo de Marisa só que também mostra o lado compositora dela. O hit Beija Eu é dela, Arnaldo Antunes e Arto Lindsay.

Essa visão cosmopolita, esse lado quase experimental (em Borboleta, nas misturas de Ensaboa com músicas incidentais, e que também está em Estrangeiro) me parecem tanto vontades dos músicos como a cara de Lindsay. Isso, na minha opinião, ainda é reforçado em Verde Anil Amarelo Cor-de-Rosa e Carvão (1994), outro produzido por ele, um marco que reconstrói a MPB sob essa pecha eclética. A partir daí, toda nova cantora teria uma outra matriz de inspiração, especialmente na questão de repertório, por mais que gente como Nara Leão e a própria Elis Regina já trabalhassem nesses resgates de músicas "vintage", cada uma à sua maneira. A diferença, acredito, é que o novo vintage eram contemporâneos dessas cantoras: Marisa absorve pérolas de repertório de Tim Maia, Jorge Ben Jor, Roberto e Erasmo Carlos, sambas de Candeia, Paulinho da Viola, Jamelão.
Isso sem contar as participações especiais, né? Ryuichi Sakamoto nos teclados de várias faixas de Mais, Laurie Anderson em Enquanto Isso de Verde Anil Amarelo. Lindsay trabalhou com Sakamoto desde a década de 1980, e conhece e trabalha com Anderson desde a tal ceninha de NY.

Também é óbvio que Verde Anil Amarelo e mesmo o Mais são sementes do que depois virou o fenômeno Tribalistas.

Lindsay ainda produziu Barulhinho Bom (1996) e Memórias Crônicas e Declarações de Amor (2000). Universo ao Meu Redor (2006) ficaria nas mãos de outro meio-brasileiro-meio-gringo, o paulistano Mario Caldato Jr.

Voltando um pouquinho, só de brinks:
VOCÊ SABIA que Marisa Monte namorou Nasi? Sim, ele mesmo. O vocalista do Ira!. O relacionamento começou em 1988 e durou um ano e meio. Ou seja, antes do lançamento de Mais. Mas não, me parece que Ainda Lembro não seria uma música composta para ele - ou seria? Marisa divide os créditos da composição com Nando Reis, outro namorado dela. Foi um encontro babadeiro: toda a caligrafia do encarte de Mais, para você ter uma ideia, é de Reis!
A história conta que Marisa já tinha começado a escrever Ainda Lembro (eita…) e Reis ajudou a terminá-la.

Eu adoro: é pop gostoso, é um encontro muito feliz de vozes lindas (dela e de Ed Motta).
Resposta, do repertório do disco Siderado (1998) do Skank, é uma música que Reis fez sobre o término com Marisa. Interessante: já reparou na letra? "Bem mais que o tempo / que nós perdemos / Ficou pra trás também o que nos juntou / Ainda lembro / que eu estava lendo / só pra saber o que você achou / dos versos que eu fiz / ainda espero / resposta".
O “ainda lembro” é uma referência à outra música? Ele quer dizer que ainda espera uma resposta dos versos que ele fez em Ainda Lembro? E quais são os versos? Seriam os cantados por Ed Motta? “Eu errei com você / e só assim / pude entender / que o grande mal que eu fiz foi a mim mesmo"?

A digressão foi enorme! Sorry!
Por fim, fiquem com Onde Você Mora?, que originalmente foi gravada pelo Cidade Negra e também é uma composição de Marisa e Nando. Gosto muito dessa música <3 Ela bem que podia regravar em estúdio.

Quem tatuou o dragão do Menino do Rio?

Para quem não sabe, o Menino do Rio realmente existiu.
Petit, o apelido de José Artur Machado, era um surfista boa pinta e boa praça que ficava ali por Ipanema e fez amizade com Caetano Veloso e Baby Consuelo, que ainda não era Baby do Brasil.

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A música foi gravada por Baby no disco Pra Enlouquecer (1979) e virou o tema da novela Água Viva de 1980. A história conta que Petit e Caetano se conheceram em Ipanema, na praia mesmo (talvez no píer?), e ficaram amigos - o surfista passou a frequentar a casa do músico. Aí, quando Baby estava gravando o Pra Enlouquecer, pediu uma música pra Caetano pra ela cantar. Segundo a própria, na noite seguinte, se encontraram todos na casa de Caetano: Petit, Baby, Dedé (a mulher de Caetano na época). Pra bater papo mesmo. E ele se inspirou.

Tanto Baby e Petit se conheciam que existem fotos dos dois:

O nome da música inspirou um filme homônimo em 1982, dirigido por Antonio Calmon e protagonizado por André de Biase.
Aliás, pra quem não sabe: André de Biase é cunhado de Jacqueline de Biase, a estilista da Salinas. Ela saiu da marca de moda praia recentemente, em julho - ela seguia assinando a direção criativa mas já tinha vendido a marca pra InBrands em 2011. Jacqueline é mulher de Tunico, o sócio dela na empreitada que começou justamente em 1982, mesmo ano do filme com o irmão dele. Ah, e Tunico é roteirista do filme Menino do Rio com André, o diretor Calmon e ainda Bruno Barreto, que também assina a produção!

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A história do longa não é a história de Petit. E a história de Petit ficou triste em 1987, quando ele sofreu um acidente e acabou ficando com o lado direito inteiro imobilizado. O surfista que era cheio de vida (corpo aberto no espaço) infelizmente não deu conta dessa onda e se enforcou com a faixa do quimono de jiu-jitsu, tirando a própria vida em 1989.

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Petit

Antes do dragão tatuado no braço

Hoje em dia, quando Baby canta essa música, ela muda a letra e diz "Jesus Cristo tatuado no braço". Uma boa atualização, mas a história verdadeira é que Petit realmente tinha um dragão tatuado no braço na década de 1970, quando ainda era tabu a classe média aderir à tatuagem. Era coisa de malandro, de criminoso, de presidiário, de marinheiro… e de rebelde. Petit não deu o braço pra qualquer um tatuar. O traço é do considerado primeiro tatuador profissional do Brasil. Nada menos que a lenda Tattoo Lucky.

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O dinamarquês Knud Gregersen dizia que tinha rodado o mundo antes de vir atracar por aqui. Ele abriu seu estúdio em Santos, litoral paulista, na década de 1960. Virou uma lenda. Morreu em 1983, pouquinho depois de um do seus trabalhos ficarem imortalizados na MPB.
Petit teria ido no estúdio santista em 1974. Esse movimento dos cariocas descendo para Santos para se tatuar com Lucky acabou popularizando mais a tatuagem no Brasil, ajudando a tirar o estigma dela. Até os anos 1980, para algo virar moda a nível nacional, precisava virar moda no Rio antes. A Cidade Maravilhosa comandava as tendências de roupa, consumo e comportamento do país.

Petit abraça o amigo Rico, também surfista

Petit abraça o amigo Rico, também surfista