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Vocês lembram de Griffin & Sabine?

February 28, 2021 by Jorge Wakabara in livro, teatro

(A ideia desse post veio da lista de transmissão de Whatsapp da Pretérito Papel, marca de arte e papelaria com recortes e carimbos garimpados da minha amiga Mariana Tavares. Recomendo que vocês dêem uma olhada na página dela no Facebook e peçam para fazer parte da lista por lá!)

Em 1991, surgiu um livro que virou best seller e foi considerado por muitos como “a nova literatura", coisa que depois se provou BEM exagerada. Não sei exatamente quando Griffin & Sabine ganhou uma versão em português, mas quando ela chegou eu comprei, devorei e desde então adoro ler cartas, escrever cartas e escrever cartas ficcionais. Devia ter uns 11 anos.

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Lembrava vagamente de rolar um mistério na história, mas a li quando era novo e provavelmente um tanto imaturo para compreender e interpretar tudo o que estava escrito. Por isso, confesso que tive que recordar algumas coisas no Google. Mas que mais chamava a atenção nesse livro, na verdade, era a arte elaborada e essa invasão de privacidade, uma sensação de remexer em algo que não devia - no caso, correspondências entre os personagens que dão nome ao livro, Griffin e Sabine. Elas estavam literalmente coladas nas páginas – você tinha que abrir o envelope e desdobrá-las para lê-las.

Griffin & Sabine é uma trilogia, que depois ainda rendeu outra trilogia. Uma coisa que me espantou porque não me recordava e agora faz todo o sentido é que Griffin chegava a se questionar se Sabine era fruto da sua imaginação. Muito doido: isso deve ter marcado o meu subconsciente, porque quando faço ficções é uma coisa que adoro. A personagem inventada pela personagem, o “amigo imaginário". E a sensação de plot twist no geral.
Mas no fundo me lembro de cansar um pouco. Num certo momento daquilo tudo, Griffin e Sabine me pareceram um pouco chatos.

Pelo que li agora para fazer esse post: não existe conclusão, mesmo com duas trilogias e um livro extra. Eles chegaram a se encontrar? Existiam em realidades paralelas?
Esse "final aberto” até que me atrai…

“Políticos dão respostas, artistas fazem perguntas.”
— Nick Bantock para o Sidney Morning Herald
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Nick Bantock, o inglês autor de Griffin & Sabine, passou grande parte da sua carreira ilustrando capas de livros, veja só. Aí, em algum momento, criou Griffin & Sabine e a coisa deslanchou – virou um autor. A primeira trilogia foi lançada entre 1991 e 1993, a segunda entre 2001 e 2003 e o livro extra, The Pharos Gate, é de 2016. Sempre nas efemérides, reparou? A arte $alva…

Por que Griffin & Sabine fez tanto sucesso mas não chegou no cinema? Eu chutaria que é porque a história em si é meio “infilmável", mas houve, sim, muito projeto para as telonas. Todos foram gongados pelo próprio Bantock, com a justificativa que Hollywood tentava reduzir a história a algo romântico e ela é mais que isso, com metafísica e thriller. Oh, okay, then. No entanto, ela já foi montada em teatro no Canadá em 2018!

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Já existiram planos de levar Griffin & Sabine para o mundo digital, em forma de aplicativo, mas até onde sei ele não foi concretizado. Que bom, né? Iam tirar a maior graça da história: a sensação táctil e simbólica de abrir uma carta que não é sua. Abrir um e-mail não chega perto. Ou será que você ia ter que ficar tentando uma senha até o aplicativo destravar, coisas assim? Risos.

De qualquer forma, quem fala aqui é o velhinho que adora um vinil e um livro, né? Sei lá o que os jovens acham de ficar abrindo cartas.

Bantock fez várias outras obras. Entre eles, esse aqui, lançado em 2017:

Quem gostou desse post pode gostar desses outros:
. Um jogo? Uma brincadeira? Um mistério? Uma terapia? Uma loucura chamada Persona
. A quadrilogia jovem de Marcos Rey
. Aquele livro que marcou a infância: O Gênio do Crime

February 28, 2021 /Jorge Wakabara
Mariana Tavares, Griffin & Sabine, invasão de privacidade, Nick Bantock, Hollywood, metafísica, thriller, Canadá, aplicativo, carta, e-mail, correspondência
livro, teatro
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Akihiro Miwa icônica demais

February 25, 2021 by Jorge Wakabara in cinema, livro, música

Nossa senhora, isso que é MUSA.

Assisti ao filme Kurotokage com Akihiro Miwa, a versão de 1968 (existe uma de 1962), e depois Kuro Bara no Yakata, de 1969. É surreal como, no fim dos anos 1960, o Japão cheio de regras em relação a gênero apresentaria uma transformista como musa.
Ah, sim: Akihiro Miwa não é exatamente uma mulher trans. No lugar de determinar seu gênero, ele parece achar mais interessante a via do não-binário, do constante passeio entre gêneros. E isso parece que atrai ainda mais a atenção (e o deslumbramento) dos japoneses!

Mas vamos voltar para começo, quando Miwa ainda era artista de cabaré e, em 1957, gravou Me Que Me Que, um clássico da música francesa originalmente lançado por Gilbert Bécaud naquela mesma década.

A versão em japonês, malandrinha, fez sucesso. Miwa bombou. E parece que foi nessa época que o escritor Yukio Mishima, um machão de direita que surpreendentemente tinha muita sensibilidade nas suas obras, elogiou Miwa, dizendo que era como um “uma beleza dos céus", ou seja, um anjo. A comparação faz sentido no que eu já pesquisei e ouvi dizer sobre a homossexualidade japonesa. Acho que vale abrir um parênteses aqui para falar sobre isso – e um pouco mais sobre Mishima também.

Os rapazes prostitutos do Japão antigo

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O livro O Belo Caminho: História da Homossexualidade do Japão, de Gary P Leupp, explica bem que a homossexualidade não é algo "novo” ou "que os brancos trouxeram” para o Japão. Longe disso. O shudo, que se refere a uma estruturação específica de prática homossexual um pouco parecida com a da Grécia antiga, em que existe a figura do homem mais velho mentor e deflorador e o rapaz jovem, passivo, inocente e aprendiz, foi uma realidade em monastérios budistas com presença exclusiva masculina, e também nas relações entre samurais. Para mim também tem a ver com uma relação de dominação e submissão que, pelo pouco que sei e posso estar falando bobagem, é recorrente na sexualidade nipônica.

Com o tempo, meninos começaram a virar michês para sobreviver, muitos deles relacionados ao teatro kabuki, uma tradição dramatúrgica que não permite atrizes. Esses atores especializados em papéis femininos atraíram fãs e cobravam por sexo, alguns viravam amantes de homens ricos. Depois, existiram bordéis que já nem disfarçavam sob a fachada do teatro, só com rapazes. Eles se vestiam e se enfeitavam como moças.

A imagem do rapaz afeminado e submisso não ficou no passado. O filme Morte em Veneza (1971) foi uma grande referência no Japão – a figura de Tadzio (Björn Andrésen, que para quem não sabe é o ancião do sacrifício no recente Midsommar de 2019) era tudo que os japoneses achavam lindo. Androginia e mistério. Isso corre até os idols do j-pop, apresentados como sensíveis e com traços mais delicados, e respinga também no k-pop.

O próprio Andrésen virou uma celebridade no Japão. Quando ele visitava o país, as mulheres iam à loucura! A ponto de, bem… ele mesmo gravar músicas em japonês, tal qual um idol. Olha que loucura?

Yukio Mishima: um homossexual de direita?

Em 1951, Mishima lançou o livro Kinjiki, uma expressão que é um eufemismo para homossexualidade. Um trocadilho entre “cores proibidas” e “amores proibidos". A história, considerada autobiográfica por muitos, traz a relação entre um escritor mais velho e um rapaz jovem que confessa que vai casar com uma mulher por motivos financeiros, mas que não se sente atraído por ela nem por ninguém do sexo feminino. Críticos apontam uma misoginia forte enraizada no texto – um discurso de ódio contra as mulheres. Mas virou um clássico.
Acontece que Mishima foi casado com uma mulher, Yoko Sugiyama. E ela, por sua vez, odiava e negava os rumores sobre a homossexualidade do marido, mesmo que fosse público que ele, por exemplo, frequentava bares gays. Eles tiveram um par de filhos, inclusive.
Existe um livro não-autorizado, de 1998, de Jiro Fukushima. Ele alega que teve uma relação com Mishima em 1951. Foi um escândalo que acabou com Fukushima e a editora processados pela família de Mishima.

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Mishima tentou fazer um golpe de estado no Japão em 1970. Sério. Isso porque, antes de casar com Yoko, ele quase casou com Michiko Shoda, que depois virou imperatriz porque se casou com o príncipe Akihito! A tentativa de golpe não deu certo e ele cometeu seppuku, o suicídio ritualístico japonês, aos 45 anos de idade.

Voltemos para Akihiro Miwa.

Uma baita história

Miwa nasceu em Nagasaki e, sim, estava na cidade quando a bomba atômica explodiu em 1945, quando tinha 10 anos. Como outros sobreviventes, ele sofre com os efeitos da radiação.
Ainda na época de Me Que Me Que (ou Meke Meke), saiu do armário publicamente, declarando-se homossexual. Para quem não está familiarizado com a cultura japonesa: ser homossexual afeminado no Japão contemporâneo é um pouco diferente. Existe preconceito, mas também existe uma maior aceitação – a rejeição maior acontece justamente quando você não é afeminado e, na cabeça do povo, “confunde". Celebridades homossexuais que se travestem são famosas na TV e amadas, por exemplo (é o caso de Miwa, que nos anos 2000 virou uma celebridade televisiva de muita fama).

O boom desse primeiro hit arrefeceu e Miwa ficou mais apagadinho. Seu segundo hit só viria em 1965: Yoitomake no Uta. Composta por ele mesmo, tem uma pegada bem enka na sua temática, falando do esforço do trabalhador rural e como ele é digno (pelo menos acho que é isso, me desculpem se entendi errado!).

De volta ao sucesso, Miwa lançou sua autobiografia em 1968 e começou a atuar em peças de teatro. Uma delas, Kurotokage, foi baseada em um livro policial de Ranpo Edogawa e adaptada para o teatro por Yukio Mishima. A peça já havia sido montada com outras atrizes no papel principal da bandida Lagarto Negro (ou, em japonês, Kurotokage), mas foi com Miwa que ela chegou naquele ponto sublime de petardo pop. Tanto que… virou filme!

Miwa como Kurotokage no filme de 1968

Miwa como Kurotokage no filme de 1968

A história é um embate entre Kurotokage, essa bandida que gosta de roubar "coisas bonitas”, e o detetive Kogoro Akechi (Isao Kimura). Miwa está simplesmente magnética, arrebatadora, com figurinos babadeiros.

Incautos podem colocar o filme naquela caixa de “o queer sempre é o vilão, o errado". Mas acredito que Kurotokage é mais que isso. Kurotokage, a personagem, é bela, hipnotizante, e se deixa levar pela obsessão por tudo que é bonito. Também não vê o mundo como binário: enxerga a beleza nos homens e mulheres. Sua própria beleza está ligada à androginia. Mais do que camp, o filme é cheio de nuances, esteticamente instigante, transbordando pulsão de morte e sexo. Para mim, um dos filmes mais legais que já vi nos últimos tempos, sem exagero.

Vou dar um spoiler para explicar uma coisa muito importante, quem não quiser saber pode pular para / SPOILER TERMINA /.

/ SPOILER COMEÇA /

A criminosa Kurotokage tem uma coleção muito, er, peculiar. São corpos humanos bonitos, empalhados. Eles aparecem no filme, em seu covil, quando ela os exibe para a sequestrada Sanae (Kikko Matsuoka), que depois se revela ser uma sósia de Sanae contratada para se passar por ela.
A curiosidade: o homem empalhado que Kurotokage beija na boca é ninguém menos que… Yukio Mishima.
É um selinho apenas, OK. Mas é babado.
Isso alimentou os rumores de que Mishima e Miwa teriam tido um caso em algum momento da vida. Miwa já chegou a declarar que "Mishima não era um homossexual de verdade". Bicurioso, então? Enfim. O artista também se colocou contra o livro de Fukushima de 1998.
Como já contei lá em cima, Mishima morreu dois anos depois do filme lançado.

/ SPOILER TERMINA /

O trabalho na imagem de Miwa como uma mulher misteriosa e sedutora é típica do filme noir, mesmo que Kurotokage não seja um noir – a relação vem da inspiração, pois o argumento vem de um romance policial com direito a um superdetetive, mas a cinematografia também ajuda, cheia de sombras, ambientes noturnos.
Também acho interessante o jeito que o detetive é construído. Akechi tem prazer em desvendar os casos. A relação dele com Kurotokage é de interdependência, com ambos precisando dessa nêmesis para existirem em sua melhor performance. Ninguém é inocente. Akechi não é um herói. Ele depende do crime para fazer o que faz da vida: desvendá-lo.

Às vezes, Kurotokage fala com Akechi usando o espelho de seu bar. Eles são o espelho um do outro? Dois lados de uma mesma moeda?

Às vezes, Kurotokage fala com Akechi usando o espelho de seu bar. Eles são o espelho um do outro? Dois lados de uma mesma moeda?

Mas Miwa assumiria um papel ainda mais misterioso em Kuro Bara no Yakata, ou Mansão da Rosa Negra: o lagarto negro agora vira uma rosa negra no filme de 1969.

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A história de Kuro Bara no Yakata é de uma mulher misteriosa, Ryuko (Akihiro Miwa), que sempre carrega uma rosa inteira preta. Ela diz que, quando encontrar o verdadeiro amor, a rosa ficará vermelha. Uma coisa meio Bela e a Fera, né? Ninguém sabe do passado de Ryuko e ela atrai a atenção de Kyohei (Eitarô Ozawa), o dono da Mansão da Rosa Negra. O local é uma espécie de clube da alta sociedade, no qual Ryuko passa a se apresentar cantando e encantando (kkkkk desculpa, não resisti a essa frase feita). Os homens caem de amores, um pouco pelo mistério, um pouco pela beleza.

Homens do passado de Ryuko começam a aparecer. Eles alegam que se casaram ou que namoraram a musa, que ela os enlouqueceu ou que era má, mas seguem apaixonados. Ainda assim, Kyohei, que é casado e já tem dois filhos criados, torna Ryuko sua amante.

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Tudo parece ir bem até que o filho mais novo de Kyohei, Wataru (Masakazu Tamura), reaparece. Desde o começo, fica claro pela fala dos outros personagens que ele é um rapaz problemático, ovelha negra. E adivinha? Ele se apaixona por Ryuko…

Aqui, a figura de Ryuko, apesar de ainda mais misteriosa que a Kurotokage, é menos dúbia. Ela é a vamp, a que leva os homens à ruína. O toque subversivo fica por conta dessa figura tão desejada ser interpretada por um homem: a audiência sabia, o elenco sabia, todo mundo sabia. Não é um filme tão bom quanto Kurotokage, mas gostei.

Curiosidade: o diretor de ambos os filmes é Kinji Fukasaku. Em 2000, ele fez o filme que muita gente diz que influenciou Jogos Vorazes: a fábula sinistra Battle Royale.

Miwa acabou dando um tempo nas telonas após essa dobradinha e se dedicou à carreira de cantor. Isso deu em clássicos, como isso aqui:

Em 2012, já como uma personalidade consagrada no meio artístico, Miwa se apresenta pela primeira vez no tradicional Kôhaku Uta Gassen, o festival de fim de ano transmitido pelo canal NHK. Na época com 77 anos, ele foi a pessoa mais velha a se apresentar pela primeira vez no Kôhaku. E pelo que entendo também foi o artista que apresentou a música mais longa na história do festival, que costuma ser bem rígido com o tempo de apresentação dos artistas participantes, geralmente em torno de três minutos. Olha aí:

Antes disso, Miwa dublou um personagem de anime muito querido de quem curte Studio Ghibli. É a bruxa com papeira, como diria meu marido, de O Castelo Animado!

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Miwa segue vivíssimo. Vai fazer 86 anos.

Bônus: OLHA. ESSE. CLOSE.

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February 25, 2021 /Jorge Wakabara
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cinema, livro, música
(Eu acho que é isso): Lolita Renaux, Alice Pink Pank, Julio Barroso, May East e Luiza Maria, as absurdettes originais com “o” cara no meio

(Eu acho que é isso): Lolita Renaux, Alice Pink Pank, Julio Barroso, May East e Luiza Maria, as absurdettes originais com “o” cara no meio

Quem são essas tais absurdettes?

November 13, 2020 by Jorge Wakabara in música, livro, TV

Essa história tem várias versões. As que sei vieram de:
. O livro Essa Tal de Gang 90 & Absurdettes, de Jorn Konijn
. O livro Dias de Luta: O rock e o Brasil dos anos 80, de Ricardo Alexandre
. O documentário Julio Barroso: Marginal Conservador que passou no canal BIS
. Vídeos do canal de YouTube Vitrola Verde de Cesar Gavin
. O livro 50 Anos a Mil, autobiografia do Lobão
. O livro BRock: o rock brasileiro dos anos 80, de Arthur Dapieve (esse eu considerei bem naquelas, uma vez que ele comete pelo menos duas gafes: coloca Taciana Barros e Alice Pink Pank na mesma formação, coisa que nunca aconteceu; e identifica Taciana como Alice na legenda de uma foto da Gang 90)

A Gang 90 apareceu um pouco antes da Blitz, foi lançada em disco um pouco depois, mas não conseguiu virar a potência que a Blitz virou porque tinha na sua essência uma natureza caótica, personificada por Júlio Barroso. As pessoas dizem que o Júlio possuía esse tipo de loucura que só os geniais têm. Acontece que as absurdettes (figuras-chave nesse grupo maleável no qual mudavam-se os músicos e mantinha-se, naquelas, uma comissão de frente com Júlio e elas) também eram caóticas, loucas e geniais.
Como Júlio se inspirou, entre outras referências, em Kid Creole and the Coconuts pra criar a sua própria banda, ele queria um nome que tivesse esse &. E gostava das Coconuts em si: curtia mulheres bonitas e achava que elas davam uma energia ainda mais anárquica no palco.

Assim como Kid Creole & the Coconuts, a Gang 90 tinha essa coisa artsy, bagunçada, um coletivo no qual qualquer um podia chegar… Uma gangue. Uma gangue onde cabiam 90 integrantes, ou mais. Uma gangue que olhava pro futuro, pra década seguinte, os anos 1990. E finalmente uma gangue que adorava a figura do velho guerreiro, o Chacrinha, e as suas chacretes. Absurdo?
Absurdettes, portanto.

Recorte da revista Manchete de 1983

Recorte da revista Manchete de 1983

Então vamos começar pela que ficou menos tempo na banda… Luiza Maria.

Luiza Maria, a que não mudou de nome

Diz a lenda, ou melhor, o livro de Jorn Konijin, que Júlio Barreto conheceu Luiza Maria como secretária de Nelson Motta. Luiza era a namorada de Guilherme Arantes (já separado da primeira mulher, Márcia) e eles tiveram um filho mais ou menos nessa época, o Gabriel. Depois eles ainda teriam mais dois, Pedro e Tiago.

Guilherme é o parceiro de Barroso na composição Perdidos na Selva, a primeira original a ser gravada pela Gang 90.
Sabendo dessa informação, a gente ouve Perdidos na Selva e fica chocado em perceber como a música é a cara do pop de Arantes, principalmente no refrão, né? Ou será que foi o pop de Arantes que virou isso a partir de Perdidos na Selva?

Nesse vídeo dá pra ver Luiza Maria no canto esquerdo, a quarta absurdette.
Na gravação de Perdidos, a Gang 90 ainda estava tão, er, perdida no quesito musicalidade que Arantes deu uma enorme mão pra deixar tudo minimalmente gravável. Inclusive ele canta junto com Barroso no refrão.
E por que o artista não foi creditado oficialmente como um dos compositores? Porque a música ia concorrer no Festival MPB Shell de 1981. E Planeta Água, de Arantes, também! O regulamento do festival só permitia a inscrição de uma música por compositor, então Arantes abriu mão de assinar Perdidos na Selva. Resultado: Planeta Água em segundo lugar (a ganhadora foi Purpurina com Lucinha Lins, vaiadíssima, um horror). Perdidos ficou pelo caminho, não chegou entre as primeiras posições.

E Luiza no grupo? É o famoso “tava ali dando sopa". Como Barreto amava arrebatar todo mundo para o palco para fazer aquela zona, deve ter sido levada pelo turbilhão. Mas também foi uma das primeiras a sair: antes mesmo da gravação do primeiro álbum, ela já estava fora (de acordo com o livro de Konijn).

Com a morte trágica e misteriosa de Júlio em 1984 (ele caiu ou se matou?) e o consequente baixo astral que eles acabaram conectando com São Paulo, Arantes e Luiza mudaram para o Rio. O casal se separou na primeira metade dos anos 1990.

Por onde anda Luiza Maria? Alguém sabe? Ela fez alguma coisa depois da Gang tipo canto ou composição? Pelo que entendi, nem chegou a ser entrevistada para o livro do Konijn.

Existe uma homônima, maravilhosa, a Luiza Maria que gravou Eu Queria ser um Anjo em 1975 e Tarântula em 1993. A voz certamente não corresponde à ex de Arantes, as histórias também não. Se for a mesma pessoa, por favor me avisem pra eu ficar chocadíssimo.

Lonita (ou Lolita) Renaux, a irmã

Ela era a irmã de Barroso, muito próxima dele. A mais fiel escudeira. Denise Barroso estava lá desde sempre.

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O primeiro compacto da Gang 90, o com Perdidos na Selva, tinha outra música do lado B. Lilik Lamê, a versão de Christine do Siouxsie and the Banshees por Júlio, Antonio Carlos Miguel e Katy, é cantada por Lonita Renaux. A música acabou não entrando no primeiro álbum.

Depois do irmão morrer, em 1984, Denise chegou a compor música. Ela é co-autora de duas faixas do álbum Declare Guerra do Barão Vermelho lançado em 1986, o primeiro sem o Cazuza na formação da banda. As músicas são Não Quero Seu Perdão com co-autoria de Júlio e Roberto Frejat e Maioridade com Frejat, Cazuza e Guto Goffi.

Imagino que ela tenha continuado fazendo parte dessa turma Baixo Gávea mesmo depois da partida de Júlio. Trabalhava para o onipresente Nelson Motta no Noites Cariocas, o projeto que rolava no Morro da Urca.

Em 1991, ainda como grande bastiã da memória do irmão, Denise organizou o livro A Vida Sexual do Selvagem, com textos, manuscritos, fotos e desenhos dele mais depoimentos de amigos. Está obviamente esgotado e os que você encontra por aí de segunda mão custam aquela nota.

Se você encontrar um por um preço OK, compre: é praticamente um investimento!

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Denise também já morreu em 1993, oficialmente de insuficiência renal. Em 2019, a irmã caçula deles, Andrea Barroso, falou abertamente ao jornal O Globo que Denise foi vítima da Aids. Quem soube, depois dela fazer exame, foi ela e o outro irmão, David, que é infectologista. Mas na época preferiram não divulgar essa causa mortis.

Denise tinha um marido, o jornalista Okky de Souza. Okky trabalhou nas revistas nacionais Pop e SomTrês. Segue como fonte de matérias sobre Júlio e a Gang 90, já que acompanhou tudo muito de perto. Não entendi se Okky foi com Denise para o Rio depois que Júlio morreu, porque ele sempre foi muito ligado à cidade (inclusive é coautor do livro São Paulo 450 Anos Luz: A Redescoberta de uma Cidade com Gilberto Dimenstein). Mas que eu saiba eles não se separaram, então não sei.

Menina morango, banana split lady, menina sorvete <3 Viva Denise!

May East, a loira

Maria Elisa Caparelli Neto era a videoartista do coletivo TVDO que namorava Nelson Motta e acabou entrando na Gang 90. A origem desse seu codinome May East tem versões: no livro de Konijn, fala-se da referência mais óbvia, May West, a atriz de Hollywood que era bem modernex nos anos 1930. Mas a própria May puxa para o fato de que ela ficava no East Side em NY aqui nesse vídeo do Vitrola Verde. Júlio ficava no West Side e achava muito cool ela morar no East Side, e a chamava de May East Side no começo, segundo ela mesma. Com o tempo, abreviou-se: apenas May East.

A ideia de cantar Lili Marleen no começo dos shows da Gang era na verdade de May, apesar das pessoas ligarem isso à Alice – as duas dividiam o número.

A versão aqui, com Marlene Dietrich, é em inglês – mas May diz que elas cantavam em alemão.

May decidiu sair da banda depois de uma viagem antológica que eles fizeram pelo nordeste do Brasil com shows, mais especificamente em Alagoas. Essa viagem ficou antológica porque, entre outras coisas, eles entalaram a kombi que levava banda e equipamentos no mar. Há controvérsias do que aconteceu a partir daí: May lembra deles fugirem porque a empresa de aluguel de veículos queria a kombi (ou o dinheiro). Outros dizem que conseguiram tirar a kombi de lá e devolvê-la. De qualquer forma, May saiu da Gang nessa bateria de shows pós-primeiro álbum, ainda antes da morte de Júlio.

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Uma curiosidade: May mudou o nome oficialmente para May East na sua identidade! Doido, né?

E em 1985 ela lançou seu primeiro disco solo, Remota Batucada.

Ela, que adorava esse lado antropofágico pós-tropicalista da Gang 90 (dá para perceber nas entrevistas), mergulhou ainda mais nesse Brasil profundo, buscando uma new wave ainda mais nativa. A música de trabalho do Remota Batucada chama-se Índio e foi composta por ela com Fernando Deluqui. No lançamento do álbum, acredito que ele e o tecladista Luis Schiavon, que também participou da gravação, já estavam bem envolvidos com o RPM.
(A última música do disco, Fire in the Jungle, também é parceria de May com Deluqui; fez parte da trilha do filme Areias Escaldantes de 1985, considerado o registro cinematográfico da cena BRock da época)
Aliás, Remota Batucada é praticamente um quem é quem de parte da new wave brasileira: tem Kodiak Bachine, da maravilhosa Agentss, na faixa Ideias de Brincar (composição dele); participação de Ted Gaz e Kid Vinil, da Magazine, na faixa Normal (composição de May); participação da Alice Pink Pank (a gente já fala disso nesse mesmo post, mais para frente). A divertidinha Night Club em Beirute é composição de Léo Jaime e Tavinho Paes (um dos poetas-letristas que circulavam nessa turma, Tavinho fez um monte de hit tipo Rádio Blá com Lobão e Arnaldo Brandão, Gata Todo Dia com o mesmo Léo e Marina Lima, e Sândalo de Dândi com Alec Haiat e Yann Laouenan, ambos do Metrô). Caim e Abel tem entre seus compositores Guilherme Isnard, do Zero (desconfio que a voz masculina na música também é dele) mais Alberto Birger, Nelson Coelho, Fabio Golfetti e Cláudio Souza (todos também do Zero e os dois últimos depois fizeram parte do Violetas de Outono).

E ainda tem Bumba Meu Boy, uma co-autoria de May com Nico Rezende – nada menos que o cara que fez Perigo, o megahit da Zizi Possi (entre várias outras canções). Bumba Meu Boy é uma tentativa de choro eletrônico, não curto muito não…

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May seguiu gravando mais álbuns. Mas o próximo, Tabapora, de 1987 (ou 1988? Varia de acordo com a fonte), já começa a namorar um som mais new age, mais world music. O de 1990, Charites, tem os dois pés nessa onda. Hoje May é diretora executiva da Gaia Education, uma ONG voltada para educação com foco em design ecossustentável.

Alice Pink Pank, a holandesa

Mito vivo do BRock. Reza a lenda que recentemente Alice Vermeulen estava muito tranquila na Holanda, de vez em quando recebendo ligações do Lobão e um dinheirinho de royalties. Aí o Konijn a localizou e assim conseguiu fazer o livro sobre a Gang. É uma das histórias mais doidas do rock nacional, mas ela nem tinha muita noção do legado que havia deixado aqui. E mesmo na época, a família dela e o pessoal da sua cidade, Tilburgo, não conseguiam entender que ela fazia parte de uma banda que dava shows gigantes, depois fez parte de outra banda que também era grande, participou de programas de auditório e até posou para a Playboy!

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Alice já tinha gravado com o U2 antes de chegar ao Brasil. Pois é, bizarro, e ela fala sobre o assunto como quem vai para a padaria. Mas enfim: o U2 ainda não era uma das maiores bandas do mundo. Na verdade, não era nada: a participação foi no primeiro álbum deles, lançado em 1980, o Boy, na última faixa, Shadows and Tall Trees. Ela faz o backing vocal, dá até para ouvir a voz de Alice bem claramente em algumas partes.

Como essa loucura aconteceu? Bom, ela estava viajando pela Europa, foi parar em Dublin e fez amizade com o U2. O empresário, Tim, e ela acabaram tendo um teretetê que não deu em nada. Gravou e pronto.

Depois, Alice encontrou a brasileira Rosana Pires Azanha, que também fazia uma viagem pela Europa na época. Ficaram amicíssimas. Rosana disse que a nova amiga devia visitá-la no Brasil. E Alice fez que fez que… foi.

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Já disseram por aí que o encontro de Alice com Júlio foi em NY ou no exterior, mas segundo a própria foi em São Paulo mesmo, no Paulicéia Desvairada, o clube noturno que tinha essa pegada new wave e contava com Júlio Barroso nas picapes. Ele, recém-chegado de NY, trazia discos de bandas novas, modernas. Rosana, descolada, levou a amiga turista para dançar lá. Da parte dele, ao que tudo indica, foi amor à primeira vista. Ela pediu pra ele tocar Psycho Killer do Talking Heads, ele a chamou para subir na cabine de DJ. Daí para levá-la para cama e chamá-la para uma banda que ainda nem existia (não necessariamente nessa ordem) foi um pulo.

May, Lonita, Alice (com a luva) e Júlio: a comissão de frente mais clássica da Gang 90

May, Lonita, Alice (com a luva) e Júlio: a comissão de frente mais clássica da Gang 90

May fala sempre que, das quatro absurdettes do começo, Alice era quem cantava melhor porque tinha um background (a participação no disco do U2). Acho que era mais talento nato, mesmo porque a experiência anterior dela foi muito pequena (a última faixa do disco de estreia do U2, que podia ter dado em nada).

Alice namorou Júlio por um tempo considerável. A origem do seu nome artístico é Liesel Pink-Pank.

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Liesel Pink-Pank

era uma bailarina alemã dos anos 1930. A própria Alice gostava do nome, gostava de dançar e escolheu a alcunha

Alice chegou a compor duas músicas do primeiro álbum da Gang 90 – na verdade foi a única absurdette a fazê-lo nessa estreia. Eram as menos conhecidas e nem por isso menos incríveis Românticos a Gô-gô e Jack Kerouac, ambas parcerias com Júlio.

Românticos a Gô-gô é tão neotropicalista que nem sei. A letra é um name dropping de nomes incríveis: de Cartola a Jimi Hendrix, de Brigitte Bardot a Pagu, de Yoko Ono a Marcel Duchamp, de Arto Lindsay a Vaslav Nijinsky. Uma delícia.

Já Jack Kerouac é bem spoken word.

Mas essas, na minha modesta opinião, nem são as melhores contribuições de Alice para a nossa música.

Nesse meio tempo, Júlio começou a beber mais e ficar violento com ela, como é narrado no livro de Konijn. E Alice, num show na Urca, conheceu um baterista que Júlio chamou na amizade para substituir Gigante Brazil, que não conseguiu chegar a tempo.
Era o Lobão, na época tocando na banda da Marina Lima e ex-Blitz (lembra que eu disse que a Blitz lançou disco antes da Gang?).
Ambos se apaixonaram. Ficaram.
De uma conversa entre Júlio e Lobão, na qual descobriram que ambos estavam apaixonados pelas mesmas mulheres (Alice e Marina), saiu a composição Noite e Dia.

Lobão também gravou. E Marina também, antes dele, no mesmo ano de 1982! Imagino que, se existe essa divisão na música, Alice seria a musa dos primeiros versos e Marina (por causa dos olhos negros) seria a musa da segunda parte.

Em 1983, saía Será Que o King Kong é Macaca?, composição de Toinho com Tavinho Paes, para o especial infantil de TV Plunct Plact Zum! E dá para ver Alice ali, entre as absurdettes. Não sei quando foi gravado, mas me parece que essa deve ter sido uma das últimas coisas que Alice fez com a banda.

Acabou que Alice saiu da Gang e da casa de Júlio – foi morar com o Lobão e acabou entrando para a banda que ele tinha na época e que atendia por Lobão e os Ronaldos. Júlio, enquanto isso, achou outra absurdette para manter o número de três mulheres no palco (calma que eu já conto essa parte!).
Nesse meio tempo, a holandesa fez uma participação num disco muito especial: a estreia de Léo Jaime.

Phodas "C” saiu em 1983 e Alice é a backing vocal que canta junto com ele em Ora Bolas!, a voz feminina mais destacada. Em teoria, May East também participou desse disco em outra música – no encarte, está creditada para Eu Vou. Mas o detalhe: não existe música chamada Eu Vou nesse álbum. Entendeu? Nem eu.
(May namorou Jaime nessa época)

Bom, então vamos para Ronaldo Foi pra Guerra, o disco do Lobão e os Ronaldos que não só traz Alice nos vocais e teclados mas também como compositora.

Um clássico do BRock direto de 1984, Ronaldo Foi pra Guerra é bem perfeitinho. Quem só conhece os maiores hits devia dar uma revisitada nele, vale a pena. As músicas das quais Alice participou da composição são as ótimas Tô à Toa Tokio (com Lobão), Abalado (idem), a minha preferida Bambina (com Lobão, o baterista dos Ronaldos Baster Barros e o poeta-letrista Bernardo Vilhena) e Inteligenzia (com Vilhena).

Pelo que entendi, a versão de Alice para a saída dela dos Ronaldos é que Lobão arrumou outra mulher (Daniele Daumerie, prima dele que posou nua na capa do primeiro disco solo do Lobão, O Rock Errou, de 1986). A versão dele é que ela entrou numas de se lançar em carreira solo. Enfim!

E lembra que em 1985 a May East lançou seu primeiro disco solo? Falei que tinha participação especial de Alice nele, né? Era na faixa Maraka.

Maraka é meio protoaxé, fala de Oxum numa pegada de toque das religiões de matriz afro. Eu adoro! O mais esquisito: só May aparece no clipe. Cadê Alice? Só a voz…

Bom, talvez Alice estivesse ocupada tentando armar a própria carreira solo.

Amo essa música. DE VERDADE.
E olha a surpresa: os compositores, além da própria Alice, eram Leoni e Liminha.

O compacto contou com Baby Love de lado A e 24 Frames Per Second do lado B. 24 Frames é de Alice com Guto Barros (dos Ronaldos) e… Isabella. Não sei quem é Isabella!

O compacto contou com Baby Love de lado A e 24 Frames Per Second do lado B. 24 Frames é de Alice com Guto Barros (dos Ronaldos) e… Isabella. Não sei quem é Isabella!

Foi Liminha quem produziu o compacto de Alice. Mas quando eu digo que é uma surpresa ver Leoni entre os compositores, é porque o compacto saiu pela mesma gravadora da banda de Leoni na época, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens. O Kid lançou, em 1985, o disco repleto de hits Educação Sentimental. E diz a história extraoficial que a gravadora preferiu focar no Kid, que tinha Paula Toller à frente, do que em Alice Pink Pank. Morria aí a carreira solo dela.
(E aí rolaria aquela história bizarra do Leoni brigando com o Léo Jaime no palco e a ex-namorada, Paula, e o Herbert Vianna, então atual namorado dela, se metendo no meio, e aí a filha do fundador da Zoomp… Vish, isso é assunto para outro post, né?)

Alice acabou cansando de esperar que alguém lhe desse mais alguma chance e voltou para a Europa. Mas antes… Sim, ela deixou mais uma música para o pop nacional.

É muito doido quando as histórias se cruzam. Lembra que eu falei da Emilinha aqui? Lembra que ela fez parte do Afrodite se Quiser? Pois é.

Talk Tales, do primeiro álbum delas, é de Alice com uma pá de gente: Paulo Sauer, Luis Casé, Sérgio Santos, Pedro Brandão, Isabela Lago, Flávia C e Claudia Niemeyer (que já foi da Blitz e da Gang 90). Soa como algo da Blitz, aliás.

Alice ainda tentou seguir carreira artística na Holanda mas essa história não rendeu. Virou um capítulo dos mais interessantes da história do BRock, apesar de desconhecida na sua terra natal (e hoje, no Brasil, também quase esquecida).

Taciana Barros, a resistência

Parte da formação da Gang 90 pós-lançamento do primeiro álbum: Júlio Barroso, May East, Taciana Barros, Lonita Renaux e Herman Torres

Parte da formação da Gang 90 pós-lançamento do primeiro álbum: Júlio Barroso, May East, Taciana Barros, Lonita Renaux e Herman Torres

Taciana tocava numa banda de garotas em Santos, litoral de SP, quando Júlio a viu. Não fica claro nas histórias orais que a gente ouve se nessa época Alice já tinha saído ou estava para sair da Gang 90, mas o convite rolou ali no meio de um show, com Taciana no palco e Júlio na plateia, gritando "passa seu telefone".
A gente não sabe se ele ligou 3 horas da manhã com um papo poesia, mas logo Taciana era uma das absurdettes no lugar de Alice. De cabelo curto (como Alice) e roupas moderninhas (idem), ela é tratada como “a substituta" até hoje, por mais que já tenha provado pelo resto da carreira que é muito mais que isso.
Mas algo que pode ter colaborado para essa visão do povo é o fato dela ter participado do clipe de Telefone dublando, mesmo não tendo gravado a música.

(E repare que estranho: Lonita não aparece aqui)

Quando Júlio morreu, em 1984, ele e Taciana estavam num estágio de composição avançado do segundo álbum da Gang. May já tinha saído, Herman Torres pelo que entendi também, Lonita não sei. Taciana decidiu levar a coisa para frente. A Gang 90 continuaria sem o seu nome principal, Júlio Barroso, e cortava o “absurdettes". Agora era uma absurdette que virava líder e o disco Rosas & Tigres saiu em 1985. Entre as composições, tem um monte de música com co-autoria de Júlio (9 das 11). E também um monte da Taciana (8 das 11).

Rosas e Tigres, a primeira faixa, é a música que o povo fala que Júlio estava empolgado a respeito, antes chamada Kamikaze Coração. A voz principal virou da Taciana. De Júlio, Taciana e Roberto Firmino (que fazia parte dessa nova formação), é ótima. Entrou para a trilha sonora da Armação Ilimitada. Mas não "aconteceu" nas paradas, assim como o resto do álbum.

Sexismo? Não sei, porque Paula Toller era a voz do Kid Abelha e tudo bem ela fazer sucesso, né? Será que duas já eram demais?

Curiosidade: em 2015, o disco de Filipe Catto Tomada trouxe uma gravação de Do Fundo do Coração, música de Taciana e Júlio, a última desse álbum Rosas & Tigres. Adoro demais a original, e esse remake é legal também.

Pedra 90, que saiu em 1987, é o terceiro e derradeiro disco da Gang, ainda com Taciana à frente. Dessa vez, só uma música contava com Júlio Barroso na autoria (Junk Favela). E, no lugar de Roberto Firmino, quem assume a composição de várias músicas aqui é Gilvan Gomes (5 das 8).

A curiosidade é que tem dois ícones do BRock escondidos aqui entre os compositores, ambos em parcerias com Taciana. Arnaldo Antunes, na época parte dos Titãs, é co-autor em Vida Dura. E Edgard Scandurra, do Ira!, é co-autor de Coração de Alguém.
Edgard foi casado com Taciana e lá pelo fim dos anos 1980 tiveram um filho, Daniel. No verso do álbum Amigos Invisíveis, o primeiro trabalho solo do Scandurra (saiu em 1989), tem uma foto do Daniel.

amigos-invisiveis-verso-edgard-scandurra.png

A música Bem Vindo Daniel é em homenagem ao bebê. Taciana é co-autora de Abraços e Brigas, Culto de Amor e Vou me Entregar Como Nunca.

Em 1989 apareceu a banda Solano Star – o nome é uma homenagem ao navio Solana Star, que estava traficando latas de maconha em direção de Miami em 1987. Ao descobrirem que o barco estava sendo procurado, a tripulação jogou as latas no mar… e eles estavam perto do litoral do Rio. Resultado: surgia o que ficou conhecido como verão da lata, de 1987-88, com o povo achando latas na praia e arrasando, se é que me entendes.
Faziam parte da Solano Star: Taciana nos vocais e Scandurra na guitarra, mais um povo. Gosto BASTANTE de Uma Vez Mais:

Não sei quando a Solano Star terminou, só tenho essa referência de data desse clipe: 1990.
No repertório da banda também tem Isadora, uma música feita por Taciana baseada em longas conversas entre ela e Andréa de Maio, personagem clássico da noite paulistana. Isadora é sobre travestis.

Também não sei exatamente quando começou o relacionamento de Taciana com Mitar Subotic, o Suba.

Suba, iugoslavo, veio para o Brasil na época do Collor com uma bolsa para estudar bossa nova. Acabou virando um dos responsáveis por divulgar o casamento entre a música brasileira e a eletrônica, trabalhando com gente como Marina Lima e Bebel Gilberto.
Suba e Taciana casaram, e dessa união saíram coisas maravilhosas. Em 1995, foi lançado o Janela dos Sonhos, primeiro e por enquanto único disco solo de Taciana.

Uma coisa interessante é que continuou (e continua) tudo em família: Scandurra participou desse álbum, por exemplo. E a primeira música, Qualquer Gesto, é uma nova versão para Qualquer Gesto do disco Rosas & Tigres, o segundo da Gang 90, composição de Taciana com Júlio Barroso e Roberto Firmino. E é muito boa!!!

O álbum solo do próprio Suba, São Paulo Confessions, saiu em 1999 e trazia a participação de algumas vocalistas – entre elas, Taciana em Você Gosta, composição dele, dela e de Marcelo Rubens Paiva.

É interessante porque essa neo bossa, ou seja, mistura da eletrônica com bossa nova, samba jazz e congêneres, estava pelo mundo (vide meu post sobre Shibuya-kei) nos anos 1990. Com Suba no Brasil, ela chegou no seu ponto mais burilado, mais refinado. O auge.

Suba morreu num incêndio no mesmo ano de lançamento desse disco, 1999. Seguia casado com Taciana mas eles já estavam morando separados.

Imagina que loucura para ela? Júlio, depois Suba.

Em 2008, surgia o projeto que provavelmente foi o mais bem sucedido comercialmente de Taciana. Era o Pequeno Cidadão, de música infantil, ao lado dos comparsas Arnaldo Antunes, Antonio Pinto e mais uma vez Scandurra.
Pequeno Cidadão é MUITO LEGAL. E não precisa ser criança para gostar! Eu juro!

E assim termina – por enquanto – a história das absurdettes.
Todas maravilhosas.
Obrigado para elas. <3

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November 13, 2020 /Jorge Wakabara
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Stephanie de Mônaco, aqui estou, inteiro ao seu dispor... pra ouvi-la

September 20, 2020 by Jorge Wakabara in música, livro, beleza

Em 1986, uma princesa empunhou um microfone e decidiu cantar. Era Stephanie de Mônaco, a filha caçula do Príncipe Rainier com a estrela de cinema Grace Kelly. Contei um pouco dessa história no sexto episódio da segunda temporada de Quatrilho, o programa sobre música do meu podcast, mas foquei na música em questão, a Rendez-Vous. Aqui eu quero falar sobre a carreira inteira de cantora da musa Stephanie!

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Grace morreu por causa de um acidente de carro em 1982 no qual estavam ela e Stephanie. Ela não faleceu na hora, mas ficou inconsciente, chegou no hospital ainda viva e morreu lá.

A menina ia começar suas aulas em Paris e ambas, mãe e filha, precisavam pegar o trem para ir pra escola. Grace encheu o banco de trás do carro que ia levá-las para a estação de vestidos e, quando percebeu, não poderiam ir ela, Stephanie e o chofer – não ia caber. Ela não gostava de dirigir, mas decidiu que, naquela hora, tudo bem. E foram apenas as duas.

A morte foi uma comoção mundial, claro. Stephanie ficou traumatizada: não pôde comparecer ao funeral da mãe porque ainda estava em recuperação e, dizem, só a avisaram da morte para ela dois dias depois! Depois, enfrentou a especulação de que seria ela, com 17 anos, que estaria dirigindo o carro no acidente, portanto era a culpada. A princesa sobrevivente só conseguiu comentar o assunto em entrevista em 1989 pra um livro, Rainier and Grace: An Intimate Portrait, de Jeffrey Robinson.

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Caroline de Mônaco, a irmã mais velha, teria sido a única da família a falar com Stephanie sobre o acidente. Pra ela, a caçula disse que a mãe, que estava dirigindo sim, seguiu falando: “Não consigo parar. O freio não está funcionando. Não consigo parar". Stephanie teria puxado o freio de mão e mesmo assim o carro não parou e caiu numa ribanceira.

Circulava também o boato de que Stephanie teria bloqueado o acidente de sua mente, tamanho o trauma. Ela negou: “Lembro-me de cada minuto dele", disse em entrevista gravada para Jeffrey, "é que só nos últimos anos que comecei a enfrentar os fatos. Tive ajuda profissional e especialmente nos últimos oito meses tenho aprendido a lidar com isso. Ainda não consigo ir por aquela estrada, mesmo que seja outra pessoa dirigindo. Sempre peço para que peguem a outra". Ela ainda explicou que não falava sobre o assunto com o pai porque sabia que isso o machucava.

Grace e Stephanie não estavam usando cinto de segurança. Técnicos não encontraram falhas mecânicas no carro. A explicação é que Grace teve um apagão dirigindo (ela vinha reclamando da saúde, especialmente de dores de cabeça) e, quando voltou a ficar consciente, estava desorientada. A perícia disse que Stephanie não estava no volante.

A ribanceira de onde o carro desgovernado caiu

A ribanceira de onde o carro desgovernado caiu

“Havia tanta magia envolvendo a mamãe, tanto daquele sonho, que de algumas maneiras ela quase parou de ser humana. Era difícil pras pessoas aceitarem que ela faria algo tão humano como causar um acidente de carro. Pensaram que eu devia ter causado porque ela era muito perfeita para fazer algo do tipo. Depois de um tempo você não consegue deixar de se sentir culpada. Todo mundo te olha e você sabe que estão pensando ‘como ela ainda está por aqui e Grace está morta?’. Ninguém jamais disse isso pra mim assim, mas sabia que era o que estavam pensando. Precisava muito da minha mãe quando a perdi. E meu pai estava tão perdido sem ela. Me senti muito sozinha. E simplesmente saí pra fazer as minhas coisas.”
— Stephanie de Mônaco para Jeffrey Robinson em 1989

Que coisas eram essas? Como Stephanie lidou com o assunto? Primeiro de tudo, ela caiu nos braços de Paul Belmondo (sim, isso, o filho do ator Jean Paul Belmondo), seu namorado na época, e disse pra família que não queria ir pra faculdade.

Amo o fato que ela também namorou Anthony Delon, o filho de Alain Delon

Amo o fato que ela também namorou Anthony Delon, o filho de Alain Delon

Em 1983, Marc Bohan, o estilista da Dior na época que já havia vestido Grace Kelly em diversas ocasiões, contratou Stephanie como estagiária. Ela também começou a fazer trabalhos de modelo – seu objetivo era financiar uma marca de moda praia, a Pool Position, com a amiga Alix de la Comble. Coisa que acabou acontecendo mesmo: a marca foi lançada em 1986.

Stephanie e um look da Pool Position

Stephanie e um look da Pool Position

Paralelamente a isso, o mesmo ano de 1986 viu um single chegar nas lojas. Era Ouragan, com a voz de Stephanie. Ali começava a carreira de cantora.

O clipe é uma superprodução, cheia de locações externas, figurantes, figurinos. Explora-se tanto situações de perigo (algo um pouco arriscado pra imagem pública de Stephanie, né?) quanto a sensualidade andrógina dela: o maxilar marcado e o look ora unissex, ora uma calcinha de biquíni enroladinha bem reveladora. No fim, a mensagem que eu entendi é… o mistério está nela mesma?

O resultado é que Ouragan é um dos singles mais vendidos de todos os tempos na França! Ela mesma disse, pro mesmo livro: “Não esperava que isso acontecesse assim. Nunca pensei que o disco fosse vender do jeito que vendeu. Mas quando me foi dada a chance de cantar, descobri que aquilo era o que eu realmente queria fazer. Cantar e atuar. Virou minha vida".

Inevitável que fosse feito um álbum inteiro. Besoin também saiu em 1986. A próxima música de trabalho era Flash.

Também foi um sucesso. As músicas de Stephanie eram assim: oitentistas, meio balada animada, pop descartável charmosinho sob a nossa lente nostálgica.
Nesse meio tempo, rolou isso aqui:

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Stephanie por

Helmut Newton

na capa da Vogue Paris de setembro de 1986. Caroline, a irmã mais velha, também foi clicada por Newton em fotos incríveis no mesmo ano

Aí, em outubro de 1986, Stephanie foi pra Los Angeles pra gravar um novo álbum. O que ela esquece de contar é que a mudança pros EUA talvez tenha tido outro incentivo. Ele tem nome e sobrenome: Rob Lowe.

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Que babado

de casal

Eles eram até meio parecidos?

Não durou muito tempo. Depois, em 1988, Lowe se envolveria num escândalo de sex tape com uma garota de 16 anos – como eu contei aqui nesse post. A carreira dele deslizou e só voltou mesmo anos depois.

Stephanie também seguiu a vida.

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Em 1989 saiu Stephanie, o perfume

Chique! Nunca senti. Será que é meio mediterrâneo?

O segundo álbum em si, o homônimo Stephanie, demorou cinco anos pra sair. E quando saiu, em 1991, talvez por essa falta de timing, ele flopou.

Acho injusto porque, inclusive, GOSTO.

No mesmo ano de 1991 foi lançado o álbum Dangerous, de Michael Jackson. A terceira faixa, In the Closet, seria a princípio uma parceria entre Michael e nada menos que Madonna! Mas ele achou que as ideias de letra dela estavam too much pra ele e desencanou. Acabou fazendo a música com Teddy Riley e, pro dueto, chamou… uma Mystery Girl. Pelo menos era assim que ela era creditada.

Depois de um tempo, finalmente revelaram que a Mystery Girl era Stephanie. E esse foi, por bastante tempo, o encerramento da carreira de Stephanie como cantora. Em 1992, ela teve seu primeiro filho, Louis Ducruet, fruto do relacionamento dela com o guarda-costas Daniel Ducruet. Nasceram mais duas meninas: Pauline, em 1994, e Camille, em 1998 (essa última filha de outro guarda-costas, Jean Raymond Gottlieb).

Em 2007, aconteceu um breve comeback da Stephanie cantora. A fundação dela Fight AIDS lançou um single com renda voltada pra causa e a participação de diversos artistas. Stephanie aparece no 1'53'':

E em 2008, saiu o que para mim é uma das Vogue Paris que me marcaram. kkkkkkkk Ainda era a Vogue de Carine Roitfeld, desculpa a emoção exagerada. E a edição, de dezembro de 2008, é essa aqui:

Vogue Paris com Stephanie como editora convidada

Vogue Paris com Stephanie como editora convidada

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Acima você confere uma mistura de Stephanie e de imagens inspiradas em Stephanie, incluindo Milla Jovovich encarnando a Stephanie oitentista superstar! AMO!

(Aliás, a Milla também já se arriscou como cantora, né? Mas esse é tema pra outro post!)

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September 20, 2020 /Jorge Wakabara
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Aggretsuko: a terceira temporada é PERFEITA

September 02, 2020 by Jorge Wakabara in TV, música, livro

Existe uma falácia sobre Aggretsuko. Se grande parte das pessoas acha que desenho animado é coisa de criança, imagina um desenho animado da Sanrio? Mas Aggretsuko, que acaba de estrear sua terceira temporada na Netflix, é um caso bem diferente. Vou tentar explicar os motivos aqui.

1_O retrato de uma geração – e não estou falando da Lena Dunham

Ansiedade no trabalho: basicamente todo mundo que está empregado tem, e quem não tem é privilegiadíssimo. Quem não está empregado também tem ansiedade: por não ter um emprego. Para quem não conhece a história do desenho, ele acompanha a trajetória de Retsuko, uma panda vermelha que trabalha no setor de contabilidade de uma empresa. Ela é solteira, tem um chefe assediador e um salário bem curtinho, diametralmente oposto à quantidade de trabalho que ela precisa dar conta de fazer.
Mas Retsuko tem um segredo: ela desabafa suas mágoas no karaokê cantando death metal.
Tudo isso já está presente desde o começo da série, esse é o mote da personagem. E já não parece um tema infantil, certo? No começo, tudo ainda é tratado de maneira bem simples. Mas as coisas vão se complicando na segunda temporada e ainda mais na terceira. Digamos que Retsuko começa a entrar numas de existencialismo, e mesmo que não chegue ao Marx, desperta reflexões profundas sobre o nosso estilo de vida e a sociedade.

2_IDOLS

Vou contar uma história: da primeira vez que fui ao Japão, um dos programas que queria muito fazer era ir ao café do AKB48.

Essa é uma formação do AKB48, não faço ideia se é a atual

Essa é uma formação do AKB48, não faço ideia se é a atual

AKB vem do bairro de Akihabara, uma região de Tóquio que ficou conhecida como um centro comercial de eletrônicos e depois virou uma meca geek. O apelido de Akihabara é Akiba. 48 é o número de integrantes desse grupo – pois é! Mas é muito raro que elas se apresentem todas juntas. A ideia é dividi-las em grupos menores, e assim criar uma programação extensa e intensa com eventos espalhados acontecendo a todo momento. O AKB48 é um ótimo exemplo de como funciona esse universo das idols contemporâneas: a importância do meet & greet, a estratégia supermarketeira de divulgação, a exploração da imagem de ingênua e novinha junto a um público mais velho masculino (pois é, um horror), o ícone descartável que quando chega em certa idade já não serve mais para a carreira.
Eu e meu marido entramos no café do ABK48 (que fechou as portas no ano passado) e pedimos umas bebidinhas fofas. O cardápio era o comum nesses cafés temporários kawaii, comidas bonitinhas temáticas com um gosto OK. Bandeirolas, porta-copos, loja recheada de merchandising e um telão com imagens de clipes das meninas chamavam a nossa atenção, mas algo era óbvio ali. O público. No horário que fomos, estava meio vazio (não era um horário de apresentação delas ao vivo), então os gatos pingados que compareceram eram homens engravatados de meia idade, chamados no Japão de salarymen.

This is salarymen

This is salarymen

Na terceira temporada da série, Retsuko se envolve com um grupo underground de idols (YES, that's a thing) chamado OTMGirls. Já tem álbum no Spotify e tudo.

OTMGirls também ganhou linha de produtos da Tower Records (a Tower Records, surpresa, ainda existe no Japão, que segue como um dos maiores mercados fonográficos em matéria de mídia física). Um grupo fictício que ironicamente funciona quase do mesmo jeito que as idols da vida real, vendendo merchandising.

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A cena de idols underground e seus fãs são retratados em um documentário sobre o qual acho que já falei aqui mas falo de novo: Tokyo Idols, também disponível na Netflix assim como Aggretsuko. Recomendadíssimo.

Toda a problemática que envolve o mundo das idols underground aparece em Aggretsuko. O assédio, a vida dura (elas ganham pouco dinheiro), as situações às quais elas se sujeitam. Achei bem instigante a forma como tudo isso é apresentado, sem fugir da reta e também sem pesar a mão num anime que é, inicialmente, leve.

A combinação de j-pop de idol com death metal tem precedentes. E um deles, especificamente, a gente ama: leia mais sobre Babymetal nesse link!

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3_SUBEMPREGO

A ideia de subemprego no Japão é bem mais desenvolvida do que na nossa realidade, você pode imaginar. E é por isso que a gente se identifica tanto com o que é apresentado em Aggretsuko. Com esse pensamento de "poderia ser pior", a gente se esquece o quanto está ruim para todos no geral.
E o que pode ser pior do que ser analista de contabilidade com um chefe assediador? A terceira temporada mostra mais de um exemplo, mas eu queria me atentar ao de Manaka, a líder das OTMGirls, que mantém um emprego paralelo ao seu sonho de idol.

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Confesso que a minha primeira impressão em relação a Manaka não foi das melhores. Não gostei do desenho em si, essa coisa kawaii forçada que geralmente não aparece em Aggretsuko a não ser de forma irônica. E tampouco curti a personalidade dela, meio Regina George. A princípio, ela é antagonista, então faz sentido essa antipatia.
Só que a personagem vai ficando mais complexa e você a entende melhor. Manaka trabalha em konbini, aquelas lojinhas de conveniência que são parte inerente da cultura urbana japonesa.

FamilyMart, uma das muitas marcas de konbini

FamilyMart, uma das muitas marcas de konbini

Trabalhar em konbini é um subemprego no Japão: paga-se pouco e você tem um vínculo empregatício bem "elástico” para dizer o mínimo. As pessoas enxergam esses trabalhadores com maus olhos: são mal-sucedidos e, para eles, provavelmente a culpa é deles mesmos. Numa lógica neoliberal, se eles se esforçassem, se dariam melhor. Um bom jeito de entender esse universo dos trabalhadores de konbini é lendo o livro Querida Konbini, da Sayaka Murata, que tem tradução em português (da Rita Kohl) em edição brasileira da Estação Liberdade.

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A protagonista dessa história, Keiko Furukura, é o que seria considerada "socialmente esquisita” por geral. Tem 35 anos, nunca namorou, segue trabalhando numa konbini sem ambições. A história é cáustica a respeito dos valores da sociedade. E eu adoro histórias assim!
Quais são as implicações da falta de ambição? O que você deveria valorizar mais na sua vida?

4_Uma metáfora sobre o amadurecimento e…

(Leia esse subtítulo de maneira afetada)
Aggretsuko é isso: sobre as agruras da vida adulta. Ou seja: maravilhoso para millennials que adoram reclamar. Falta um pedaço dessa trama para tudo ficar completo, né? O amor. Ou melhor: a fantasia do amor. Aggretsuko trata do tema assim mesmo, de maneira praticamente desesperançosa. Acho ousado e bom. Fantasias românticas são destruídas de maneira sistemática, sem dó. Existe a possibilidade de um encontro de almas? Até que sim, mas não é simples nem duradouro.
Mas também não espere por algo muito cabeçudo. Vou dar um exemplo: a terceira temporada começa com Retsuko investindo em um relacionamento com um namorado virtual em uma espécie de jogo que usa óculos de VR. Investindo literalmente: ela acaba gastando muito do seu salário baixo nele.
Isso não soa impossível nos dias de hoje. Muito pelo contrário.

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Histórias fictícias sobre amadurecimento geralmente tem um defeito: presume-se que o amadurecimento é um fim, e quando se chega ao fim, a história termina. Aggretsuko é mais realista: amadurecimento não é um estágio final e duradouro. Para o millennial, ele é que nem a felicidade: aparece pouco, some logo e é instável.

5_Um quadro completo e complexo

A cada temporada, mais personagens aparecem. E eles todos possuem mais dimensões do que a gente normalmente encontra em desenhos animados. Cada um possui uma história e trajetória próprias. Uma das minhas preferidas é a Gori.

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Existe um problema em Gori, a personagem gorila, já apontado por pessoas com muito mais lugar de fala que eu. Só que ele é bem complexo. Na dublagem para o inglês, a voz de Gori é de uma mulher afro-americana, o que reforça o ponto. Assisto no áudio original com legenda, portanto para mim a coisa é mais sinuosa: não acho que é blackface. Sempre vi a Gori como uma japonesa, assim como todos os outros personagens que são animais humanizados. Enquanto a personagem não se identificar claramente como negra na trama, não vejo isso como problema. No fundo, dado o racismo da sociedade japonesa, o "raciocínio-padrão" entre muitas aspas seria não imaginá-la como de outra raça que não seja amarela, dada a sua posição bem-sucedida em uma empresa.
No texto que linkei, a autora do post fala sobre simbologias nas falas. Então é mais uma questão de direção de dublagem – Gori para mim é o estereótipo de executiva japonesa bem sucedida e solteirona, que se dedicou ao trabalho e esqueceu da vida pessoal. Não deixa de ser problemático, mas é oooooutra coisa.

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A terceira temporada de Aggretsuko está no ar na Netflix.

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September 02, 2020 /Jorge Wakabara
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