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Canta, Mário Gomes

August 31, 2020 by Jorge Wakabara in TV, música

Antes de Marcos Pasquim, Humberto Martins e todos os descamisados das novelas de Carlos Lombardi, existiu esse protomuso. Aliás, o Mário Gomes fez parte do elenco de várias novelas em que Lombardi participou como colaborador ou autor principal. Jogo da Vida, por exemplo, com o autor principal Silvio de Abreu, de 1981. Guerra dos Sexos, do mesmo Silvio, de 1983. Vereda Tropical, a primeira de Lombardi como autor titular na Globo, de 1984. Perigosas Peruas, de 1992. E por aí vai.

Mas antes de tudo isso, em 1976, surgiu um boato babadeiro e maldoso envolvendo um pessoal da TV. A fofoca era que Gomes foi parar no hospital com uma cenoura entalada na bunda. O próprio autor da história mentirosa já confessou seu crime: era Daniel Filho, na época diretor de novela e casado com Betty Faria. Betty teria se engraçado com Gomes, seu par na novela dirigida por Daniel, Duas Vidas.
Na novela, Mário Gomes interpretava Dino César, um cantor. E a música-tema do personagem na trilha sonora era interpretada por ele mesmo: Chiclete e Cabochard.

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Esse colarzinho branco de contas que o personagem Dino usava virou moda na época.

E aí, embalado pela música que interpretou de autoria de Pedro Aurélio C. Dias, Gomes gravou e lançou um disco inteiro. O colar virou corrente na foto da capa.

A semelhança com Belchior é esquisita-maravilhosa-insólita.
A música de Mário Gomes raramente é encarada como algo mais do que uma tentativa de ganhar dinheiro. Sinceramente, acho LEGAL. Acho essa música BOA. Interessante. Pop. Imita Belchior? Sem dúvida. Mas é legal. Tá tudo certo!

E o resto do disco?

Um Alô, a que abre o álbum, é do Guilherme Lamounier, assim como Enrosca. A versão de Enrosca do próprio Guilherme também saiu no mesmo ano, 1977. E surpresa: a do Fábio Jr é posterior, de 1982! Um Alô foi exclusiva para Gomes e até hoje só existe registro gravado na voz dele.

Acho O Cadillac do Prefeito, de Piau e Sérgio Natureza, bem interessante (e, mais uma vez, bem Belchior). Idem para Primeira Amante, do mesmo Pedro Aurélio C. Dias, e para Ainda Havia Amor, de Mauro Machado Jr e Dalton Rieffel (essa com um coro de mulheres bem cafona-delícia). Só pra Você, criada por Gabriel O'Meara e Paulo Zdanowsky, é inspirada em poesia de Pablo Neruda e é spoken word na mesma linha de compactos que os galãs Tarcísio Meira (em 1975) e Francisco Cuoco (em 1974) vinham fazendo. É meio o 50 Tons de Cinza da época? Babado…

A última, Cartier Latin, é TUDO, um convite ao desbunde. A autoria é de Sérgio Mello.

Vou abrir um parênteses aqui para falar de Sérgio, que é um artista indie que eu acho interessante. Em 1983, ele lançou esse disco aqui:

Sérgio continuou lançando um monte de música em esquema independente até hoje. A mais nova é Too Much is Not Enough, um rock em inglês bem curtinho, de menos de dois minutos, que saiu no Spotify em julho de 2020!

E é importante dizer: não confunda Sérgio Mello com o diplomata Sérgio Vieira de Mello, recentemente interpretado por Wagner Moura na cinebio Sérgio, que está na Netflix.
Fim do parênteses!

Gomes (e toda a torcida do Flamengo) diz que sua carreira foi muito prejudicada pelo boato da cenoura. Depois de Vereda Tropical de 1984, o ator deve ter reparado que a barra pesou ainda mais (e pesou mesmo, ele não apareceria novamente em elenco da Rede Globo até 1989 em O Sexo dos Anjos e, nesse meio tempo, faria a novela Olho Por Olho da Manchete só em 1988). O artista diz que é por isso que tentou se dedicar à carreira de cantor – talvez diversificando suas chances, conseguiria mais trabalhos. Foi aí que surgiu o ótimo compacto de 1984 que trazia O Dono da Bola e O Rei dos Trópicos.

Adeus para o toque belchioriano. Anos 1980 na veia. Atrevidíssima, a letra da música diz de “chão da sala, joelhos em dor” – bem gráfico, né, acho que você entendeu. E pelo visto, ou a mulher gosta bastante de mudar de visual, ou são várias: Gomes canta de cabelo louro, depois de cabelo negro e sarará. Uma loucura! Perucas, será?
A música O Dono da Bola é composta por Gastão Lamounier Neto e Luis Mendes Junior com o próprio Mario Gomes. Entrou na trilha de Vereda Tropical. Gastão, para quem não reconheceu o sobrenome, é primo de Guilherme Lamounier. Todos eles são netos de Gastão Lamounier, um compositor bem importante da música brasileira, especializado em valsas. Essa aqui, por exemplo, é dele com Olegário Mariano:

Gomes ainda gravaria mais um compacto em 1985, com as músicas No Sexto Degrau e Coisas da TV. A letra de Coisas da TV parece falar sobre, bem… Betty Faria.

E essa aquendada do pipi? Não entendi!

E essa aquendada do pipi? Não entendi!

Gomes ainda chegaria ao ponto de cantar Estou Cheio de Mulher, do repertório do Chacrinha, no programa do próprio apresentador, explorando o seu lado latin lover. Soa como uma pessoa desesperada para enterrar a fofoca da cenoura (desculpa, o trocadilho foi involuntário).

As coisas teriam sido diferentes para Mário Gomes se esse boato não tivesse aparecido? Talvez.

Mais recentemente, a "imprensa” descobriu e explorou bastante o fato de Gomes estar vendendo sanduíche na praia tal qual Raquel Accioli em Vale Tudo (ou num esquema mais profissional: ele tem um carrinho e tudo). O câncer de próstata do qual ele sofreu no passado voltou agora, em 2020. Ele deu uma entrevista para Cidinha Campos no rádio nesse ano e declarou, entre outras coisas, que está escrevendo um livro sobre a sua vida. E sim, o boato da cenoura estará nele, assim como seu caso com Betty Faria.

Queremos ler desde já.

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August 31, 2020 /Jorge Wakabara
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TV, música
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A misteriosérrima Doji Morita

August 29, 2020 by Jorge Wakabara in música

Houve um tempo em que o segredo era ser misteriosa. Quanto mais você evitasse se expor, mais as pessoas iam querer saber de você. Hoje a coisa me parece um pouco diferente.

No meu livro recém-lançado, o Si, Copimila, o primeiro texto traz uma parte sobre uma discografia perdida de uma artista misteriosa, Nancy Rouge, sobre a qual ninguém sabe detalhes. As pessoas acabam criando teorias da conspiração a respeito dela. É uma ficção, e quando escrevo ficção percebi que funciono da seguinte maneira: escrevo-escrevo-escrevo como quem abre uma torneira. Depois penso no assunto.
Ao pensar sobre Nancy Rouge e refletir de onde ela saiu, uma das coisas que acho que me inspiraram foi Doji Morita.
O que sei sobre essa cantora japonesa? Quase nada. Mas isso não é novidade: todos sabem quase nada sobre ela.

Com vocês… Morita.

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Sabe-se que ela nasceu em 1953, sob o signo de capricórnio. E seu nome verdadeiro nunca foi divulgado! Na década de 1970, a morte de um amigo (suicídio) a inspirou a virar cantora. Não fica claro se o amigo tinha 20 anos ou ela mesma – varia de acordo com a fonte. Foi daí que surgiu a música Sayonara Bokuno Tomodachi, que quer dizer “adeus, meu amigo”, seu primeiro single, de 1975.

O tom mórbido das músicas de Morita viraria uma marca. Ela quase sempre se apresentava assim: cabelão crespo, óculos escuros. Era uma peruca? Doji Morita era quase uma personagem. A música Sayonara Bokuno Tomodachi também é a último do seu primeiro álbum, Good Bye.

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Doji quer dizer menino. Doji Morita apareceu sempre com um visual andrógino, usando um look mais masculino. O seu eu lírico é, na maior parte do tempo, um homem. A letra de Sayonara Bokuno Tomodachi fala que o amigo dela que morreu tinha cabelo comprido. Uma das teorias: ela assumiu a persona desse amigo.

Mas vamos para Bokutachi no Mitsui, música do álbum seguinte, Mother Sky, de 1976.
Olha
essa
capa
desse
disco.

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E
ouve
essa
música.

A tradução do título é algo como “Nosso Erro”, “Nosso Engano" ou “Nossa Culpa". Ela consegue ser ainda mais sinistrona, um folk à Nick Drake bem deprezão. Ficou famosa depois, em 1993 e em 2003, por ter sido usada como tema da série de TV Kou Kou Kyoushi. Isso estimulou um revival de Doji Morita, que já estava aposentada, no Japão: saiu coletânea, saiu reedição dos primeiros discos. Um sucessinho cult. Quiseram entrevistá-la. Ela? Respondeu que não estava interessada. Calada seguiu. A verdade é que não parecia gênero: ela realmente demonstrava ser muito tímida.
O álbum seguinte também me instiga muito. A Boy foi lançado em 1977.

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Repito: 1977.
O rosto-máscara. O braço com uns fios elétricos saindo. O eclipse. O título, A Boy – se referindo a ela?
Acho que essa imagem foi a que mais me inspirou para imaginar os álbuns de Nancy Rouge.

Posso estar viajando, mas o som desse me parece mais… completo. Tem mais instrumentos, arranjos mais complexos. O single, que está acima, é Seruroido no Shôjo, ou “Garota Celulóide". Assim como outras letras de Morita, essa fala de uma jovem em crise existencial que se sente sozinha. É cheia de imagens poéticas.

Em 1978, Morita lançou um álbum ao vivo. Ele foi gravado em uma igreja católica. Mais especificamente, na St Mary's Cathedral de Tóquio, no bairro de Sekiguchi.
Simplesmente essa aqui:

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Passado?
Eu também.

Em 1980, viria o disco The Last Waltz e o single The Last Waltz Un Deux Trois.

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Nem sei o que dizer. As imagens já falam por mim.

Ela não lançaria mais singles, mas ainda saíram dois álbum de inéditas antes de sua aposentadoria. Nocturne de 1982 e Wolf Boy de 1983.

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Eu gritei ÍCONE!

Dizem que Doji Morita se casou depois da aposentadoria precoce. Ela morreu de insuficiência cardíaca em 2018.

Existe um documentário em japonês e infelizmente sem legenda em três partes no YouTube. Aqui a primeira:

Se alguém quiser me dar qualquer disco desses da Doji Morita… OBRIGADO.

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August 29, 2020 /Jorge Wakabara
Japão, Doji Morita, anos 1970, androginia, Nick Drake, Tóquio
música
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Arnaldo Saccomani, o compositor

August 27, 2020 by Jorge Wakabara in música

Muita gente lembra dele como um jurado de programas de TV com candidatos a ícones pop. Outros lembram das suas produções musicais. Os fãs de Pabllo Vittar lembram dele como o tonto que falou mal da voz dela. Mas pouca gente se liga que Arnaldo Saccomani, que morreu hoje, 27/08/2020, foi compositor de algumas músicas bem legais. Vou mostrar 10 delas, aqui! Vem!

Anarquia, 1969, Ronnie Von

SIM: a faixa Anarquia é de Saccomani!!! Uma das melhores coisas que Ronnie Von produziu na sua quadrilogia psicodélica (tem quem diga que é uma trilogia, tem quem afirme que são seis discos psicodélicos), Anarquia é do disco homônimo Ronnie Von de 1969. E é a faixa que conta com aquela entrevistinha maravilhosa no começo: “Acho que a moda está fora de moda, né?". Ô, Ronnie, se tu soubesses…
A letra é maravilhosa, principalmente se você pensar nos contextos: o príncipe da Jovem Guarda, a cara do privilégio rico, cantando sobre fazer uma grande anarquia no ano seguinte do AI-5. TUDO.
Saccomani é um compositor constante na discografia de Ronnie Von. Fez várias outras para ele.

Agora é pra Valer, 1989, Lady Zu

Longe da sua era de ouro, a rainha da discoteca brasileira Lady Zu lançou o álbum Louco Amor em 1989. Agora é pra Valer, composição de Saccomani com Frankye Arduini, é pérola perdida: cheia de suíngue, melodia dez, a voz de Zu tinindo, a mistura gostosa da disco com tamborim, coro feminino delícia. Muito bom!

Eu Amo Você, 1995, Latino

Um dia o Brasil vai reconhecer Latino como um ícone pop.
Viu, Anitta?
Essa baba romântica que particularmente eu acho boba e chiquérrima é de Saccomani com De Grammont e foi lançada por Latino no disco Aventureiro de 1995. Depois ainda ganhou espaço no disco ao vivo em comemoração aos 10 anos de carreira desse reizinho.
Ainda faço um post sobre o Latino (sim, isso é uma ameaça).

Coração Urbano, 1989, Eliete Negreiros

Oitentista até o fundo da alma, Coração Urbano é o carro-chefe do disco de Eliete Negreiros de 1989. Foi composta por Saccomani com Thomas Roth, um parceiro constante dele. Lembra muito o estilo City Pop japonês, não só por causa da musicalidade mas pelo tema: a cidade, a atração da então vida contemporânea (shopping center, telefone) e o amor. Ou seja: AMO tanto quanto amo o City Pop. Risos.

Madrugada, 1999, Fat Family

Pop perfection: Madrugada, um dos últimos (senão o último) grandes hits do Fat Family, é de Saccomani com Thais Nascimento. Tem um rapzinho, é o puro creme delicioso do charm. Fora o empoderamento, né? "Vai dormir? Tchau, baby, eu gosto é da madrugada".
Ah, e Nascimento é nada menos que a filha de Saccomani!

Guerra, 1968, De Kalafe e a Turma

ADORO De Kalafe e a Turma, esse capítulo esquecido do rock nacional. Denisse de Kalafe é paranaense. A Turma incluía Arnaldo Saccomani, e essa música dele entrou na trilha sonora do filme O Despertar da Besta, de 1969, do Zé do Caixão. Hoje Denisse mora no México e tem pelo menos um superhit por lá, Señora Señora de 1981, que os mexicanos adoram cantar no Dia das Mães. É uma composição dela mesma.
Guerra é música antibélica e mostra o poder do canto de Denisse, então Denise, como uma das primeiras mulheres roqueiras do Brasil ao lado de Rita Lee.

Tô te Filmando (Sorria), 2000, Sorriso Maroto

Alguém falou em MEGAHIT? Deve ser uma das mais famosas dele, também composta em parceria com a filha Thais Nascimento. Acho fofo porque ele já tinha dito que ela devolveu a juventude para as suas composições. A grande sacada desse pagode é usar a gíria filmar querendo dizer observar, notar, citando aquelas plaquinhas “sorria: você está sendo filmado”. Eu acho genial.

Tão Só e Carente, 1988, Juno

Que Juno?
Aquele mesmo. Da Xuxa.
Não conhecia essa música e amei. Pop besta maravilhoso. É do Saccomani com Lucas Robles e César Rossini. Bom demais, melô da quarentena: “Eu tava tão só e carente…".
Pensando bem, é parecidinha com a Tô te Filmando, né?

Fica Comigo, 1989, Placa Luminosa

Diretamente dessa trilha sonora maravilhosa da novela Top Model: Fica Comigo é mais uma parceria de Saccomani com Roth. Talvez você não reconheça pelo nome, porque o refrão é outro: “o nosso amor é liiiiiindo… tão liiiiiindo…". Placa Luminosa é tudooooooooOOOOO!

E Daí, 1995, Sampa Crew

Clássico do charm do álbum do Sampa Crew de 1995. Nossa, curto demaaaais, é muito chique, é o nosso sophistipop!!! E não sabia que era de Saccomani com J. C. Sampa (um dos principais integrantes do Sampa Crew).

Ah, e eu não vou incluir aqui porque acabei de falar disso, mas aquela música ótima da Mara Maravilha Não Faz Mal (Tô Carente Mas Eu Tô Legal) é de Saccomani com Roth – para saber mais sobre a discografia pop de Mara, clica aqui!

August 27, 2020 /Jorge Wakabara
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música
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Mara antes de ser Maravilha

August 21, 2020 by Jorge Wakabara in TV, música

Quem tem mais ou menos a minha idade e passou a infância no sudoeste lembra bem de Mara a partir de 1987, quando ela apareceu no SBT e recebeu o “Maravilha” do seu então novo patrão Silvio Santos. Mara era um contraponto às loiras Xuxa e Angélica – morena, baiana. E existia um detalhe: Xuxa vive declarando que não sabe mesmo cantar apesar de ser uma das maiores vendedoras de disco que o Brasil já teve. Angélica era um pouquinho melhor e o repertório mais jovem (no sentido de menos infantil) talvez soe mais interessante para os nossos ouvidos, mas também não era exatamente uma bela voz.

E Mara? O que pouca gente sabe é que, além de ter pérolas pop em seu repertório pós-1987 (Liga Pra Mim de 1989 do Mauro Motta e Carlos Colla, Curumim Iê Iê de 1991 do Robertinho de Recife e a incrível Não Faz Mal - Tô Carente Mas Eu Tô Legal de 1990 do Arnaldo Saccomani e Thomas Roth), ela já era cantora com compactos gravados antes!

Na verdade, Mara lançou pelo menos quatro compactos antes do álbum de orientação bem infantil Maravilha, de 1987. E o mais surpreendente: não é que eles são legais? Para quem gosta de música dos anos 1980, é o puro creme do oitentismo!

O primeiro compacto a sair foi o homônimo Mara, em 1982, com Seja Mais Você de Augusto César e Depois que Eu Perdi Você de Augusto com Carlos Colla. Uma curiosidade é que as fotos da capa são de Luiz Garrido, um superfotógrafo brasileiro.

Amo o cabelo repicado & amo que a letra é boba mas a música não pareceria estranha no repertório de qualquer banda BRock da época. E a segunda voz do refrão? Tudo!

O segundo compacto, em 1983, contaria com Se Você Fosse Esperto de Beto Ferreira, Julio Cesar e Rodrigo Otávio e Estou Amando Outra Vez assinada por Ronaldo Golden Boys – suponho, portanto, que seja Ronaldo Corrêa, o irmão de Evinha, Marizinha, Trio Ternura, integrante dos Golden Boys etc etc etc!

Para mim, Se Você Fosse Mais Esperto é boa de verdade. Melodia bacana, coro meio cafoninha mas esperto, letra divertida, guitarrinha e baixo charmosos. Quando ela diz "te vejo nos comerciais / e faço planos” é inevitável substituir por “e passo pano". <3

Estou Amando Outra Vez, surpresa, não é romântica. Na verdade, é ela dando uma bota num cara falando que está amando outra pessoa! Synth mara (desculpa o trocadilho) e, apesar de criada por Ronaldo, não tem arranjo de vozes, só no fim rola um "papaparapá"! Dá até para imaginar como seria com outras vozes no refrão.

E aí, meu caros, chegamos no hit.
Em 1984 saía Chega Stop Pare com Isso de Ruban e Sandra Pêra (ela mesma, a irmã de Marília Pêra) e Oitava Maravilha de Dalto e Cláudio Rabello (sim, a mesma dupla que fez Muito Estranho, sucesso na voz de Dalto).

Esta cena com Paulo Cintura é do filme As Aventuras de Sérgio Mallandro. Tem lugar que diz que o longa foi lançado em 1985, outros falam 1987. Acredito que a primeira data seja mais exata pela música que Mara apresenta – se fosse 1987, talvez ela mostraria outra.
O que importa: é TUDO. O look, a dança. TUDO.

"Não sou sua mina / nem seu robô!” Se Mara não tivesse virado apresentadora de programa infantil, ela seria uma artista pop jovem? É o que parece!

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E essa capa?!

Luz colorida, neon, meia calça rosa, brinco geométrico, telefone fora do gancho, escarpin jogado no chão. MY AESTHETIC!

Será que Oitava Maravilha foi a música que deu a ideia para o "sobrenome artístico” de Mara?
É bem Dalto, mesmo. E o “uou-uou” do refrão? Risos! Eu gosto!

Ainda existe um álbum "perdido” de Mara, que teria sido lançado entre 1984 e 1987 apenas em "esquema promocional", seja lá o que isso signifique, e nunca foi comercializado – depois, as faixas apareceram em coletâneas. Nem sei se ele tinha mais de uma versão porque já encontrei listas desencontradas de músicas. Trazia Por Um Olhar do repertório de Dalto (ele mesmo a lançou em 1986), Eu Quero Mais é Debochar de Géo Benjamin (que embarcava na onda axé que ia crescendo, com a politicamente incorreta Fricote de Luiz Caldas lançada em 1985, e é uma delícia), Um Grande Amor de Marcelo (fraquinha, o autor deve ter tido vergonha e nem incluiu seu sobrenome. Mas fala a palavra "tesão", ui!).

Outras versões que achei pela web desse compacto incluem ainda Amor Pirado, de Liu Salles com a própria Mara…

Baladinha boba, bonitinha. “Acariciar meu corpo com amor"… Parece que eles queriam sexualizar a Mara, né?

O próprio site da Mara coloca uma música chamada Smoke in Your Eyes nesse balaio. Faz sentido? O que encontrei foi uma versão de Smoke Get in Your Eyes chamada Sombra em Nosso Olhar na voz dela. A letra é de Aldir Blanc – sei disso porque Selma Reis lançou uma versão em 1991 que entrou na novela Salomé da Globo.
No vídeo abaixo, a imagem é do álbum Curumim de 1991. Mas a música não está no disco! Mistérios.

E Foi Assim: em 1987, Mara conquistaria uma parte do ibope infantil mas seguiria, eventualmente, lançando coisas com apelo pop adolescente. Ela sempre foi a melhor voz – não estou aqui discutindo a pessoa dela, que às vezes se envolve em polêmicas, e sim o talento vocal, que depois foi dedicado ao gospel.

#teamMara total na batalha de discografias, apesar dos clássicos da Angélica balançarem meu coração. Não tem como ignorar o poder de Bye Que Bye Bye Bye – versão de Light My Fire do Doors… Risos!

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August 21, 2020 /Jorge Wakabara
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Cantoras brasileiras que a gente precisa enaltecer e ouvir

August 16, 2020 by Jorge Wakabara in música

Elas são incríveis e, no entanto, passam longe das páginas de jornalismo cultural – que de qualquer forma já são poucas. Acredito que é nosso dever enaltecer e exaltar essas mulheres que possuem um repertório maravilhoso mas ninguém comenta a respeito. De todas elas, só uma já morreu. Estão por aí, cantando, cheias de talento.
Ah, e elas possuem uma coisa em comum além do fato de serem cantoras: são negras.
Coincidência?

Vamos a elas:

Eliana Pittman

Já estava pensando em fazer esse post quando vi essa postagem da Flávia Durante:

Não vi uma linha sobre os 75 anos de Eliana Pittman na imprensa, alguém viu? Isso porque ela está em plena atividade na TV e na música, lançou disco ano passado e esse ano ao lado de outros dois ícones, Claudette Soares e Doris Monteiro. #etarismonamúsica

— Flávia Durante 🎶 (@flaviadurante) August 15, 2020

Ela tem toda razão.
E sim: Eliana Pittman completou 75 anos por esses dias.

Talvez você não saiba citar mais de três músicas de Eliana. E muita gente não citaria uma – especialmente o pessoal mais novo. Sendo que Eliana tem jazz maravilhosos, tem um repertório chocante de bom. Ela quem mostrou o carimbó para o resto do Brasil primeiro – sim, o carimbó de Belém do Pará que hoje virou modinha entre os universitários vilamadalenísticos…

(E essa maravilha de capa? Aliás, todas as capas que você vai ver nesse post são maravilhosas.)
Sinhá Pureza, que é do Pinduca, ganhou regravação em 2009 da Fernanda Takai.

Eliana começou a carreira com o padrasto, o músico de jazz Booker Pittman. Inclusive, o primeiro registro gravado dela, pela gravadora Mocambo e com orquestra pernambucana, é com ele. O-LHA-ES-SE-JAZZ:

Nessa gravação, Eliana tinha 16 para 17 anos. Sim. Pois é.

Quando Booker ficou doente, a cantora se viu na necessidade de ser o arrimo da casa. Saiu trabalhando. Tem vários discos gravados. É toda uma discografia a se descobrir, com uma qualidade absurda. E ela descascando Summertime nesse álbum abaixo de 1969, para depois seguir com Villa-Lobos em Estrela é Lua Nova? Aí sim! E uns arranjos de chorar de lindos. Nem sei o que dizer.
(Ainda vou ser ousado e dizer: prefiro essa interpretação dela de Se Você Pensa do que a da Elis Regina. Pronto, falei.)

“Sou intérprete. Canto o que acho bonito e canto o que acho que posso cantar.”
— Eliana Pittman em entrevista para Pedro Alexandre Sanches publicada no Farofafá
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Eliana continua produzindo coisas maravilhosas. Ano passado, lançou o disco Hoje, Ontem e Sempre, com base quase nua, praticamente só violão e percussão. Várias músicas conhecidas aparecem, mas são inéditas na voz dela – tipo Onde Estará o Meu Amor do Chico César e… Gamei. Sim, o pagode, aquele do Exaltasamba. Com ela, vira outra coisa (e nada contra pagode, Gamei já é genial no original, só para deixar claro).

Recentemente, a cantora lançou As Divas do Sambalanço ao lado de Dóris Monteiro e Claudette Soares. Ela também faz parte do elenco da segunda temporada de Coisa Mais Linda, série da Netflix.
A voz dela segue maravilhosa (aliás, de todas elas, então já aviso isso logo para não ficar repetindo).

Vale a pena ler essa entrevista de Eliana Pittman no blog Farofafá da Carta Capital – ela fala sobre essa dificuldade em não ser especializada em um estilo musical só e o preconceito que sofre por causa disso.

Sonia Santos

Uma leva de cantoras de samba fez bastante sucesso (e principalmente vendeu muito disco) a partir dos anos 1970, como Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes. Sonia Santos é conterrânea dessa galera, apesar de sua estreia mesmo ter sido com essa pérola aqui:

Porque é de Raul Seixas e Paulo Coelho – foi composta para a trilha sonora da novela O Rebu (1974). Você vai ter que me aturar é de Nei Lopes com Reginaldo Bessa, outro incrível músico e compositor que merecia mais atenção das massas. A ótima Tributo a Cassius Clay, em homenagem ao Muhammad Ali, também é de Bessa – a interpretação de Santos é fina, emocionada e precisa. Marraio é uma surpresa linda e funkeada.

O disco de estreia de Sonia, que levou seu nome e saiu em 1975, já traz uma preferência pelo samba. Mas também conta com chorinho (Brasileirinho num ritmo mais lento, por exemplo, valorizando a melodia sinuosa que é levada por ela numa boa) e até samba rock (Pátria Amada de Jorge Ben). Em Até Breve de Elton Medeiros e Cristóvão Bastos, fica clara a sua afiliação ao clube Elizeth Cardoso de interpretação:

Mas é o disco seguinte que eu me arrebento de amar. Tem Paulinho da Viola (O Filho de um Sambista), Noca da Portela (Afinal Eu Encontrei, com Délcio Carvalho), Mário Lago (Fracasso, um samba-canção bem triste). E ainda tem isso aqui, de autoria da própria Sonia com Ângela Soares:

Chocado que isso não é hit das intérpretes que adoram imitar Elis.
(Tô num momento sincero da vida, como vocês podem perceber).

Sonia acabou mudando para os EUA e construiu uma carreira por lá. Seguiu gravando, inclusive sem se prender só à música brasileira. Adoro Malcolm X (dela com Julinho de Palmares) e Speed, outra de Ben:

Márcia Maria

Ela tem um disco lançado no Brasil. Só unzinho. E basta. Mas sinceramente ele vale por vários:

Até a foto da capa é maravilhosa.
A música Gandaia, de Wando (!!!) com Luis Vagner é um luxo.
E Tambourine? É chique e dançante, envolvida e embrulhada com o timbre maravilhoso de Márcia. Na cozinha, a dupla Robson Jorge e Lincoln Olivetti vão fazendo aquela delícia toda deles.

Destaque, ainda naquele álbum de 1978, para Para Comigo Fazer de Djavan (lenta, meio Bethânia), Pensar de Martinho da Vila e a absurda Amigo Branco de Leci Brandão, que diz coisas do tipo: “Preconceito existe? Eu não sei! Meu amigo branco é de lei!". Ou seja, a música diz que ela, negra, não tem preconceito com o amigo branco dela. Justo! Acho uma inversão irônica, polêmica e, no mínimo, gostosa de balançar.

Márcia seguiu gravando fora do Brasil, presumo. Jazzística, aprontou coisas como Nada Será Como Antes do Milton Nascimento com Ronaldo Bastos e Desafio, que estranhamente parece saída do repertório de Milton mas nem de autoria dele é (achei algo indicando George Paulo e Paiva Marcos como autores).

Ah, e tem isso, de 2005…

Ouvi e disse “ARTISTA".

Marizinha (e Evinha) – que família abençoada

Já falei de Evinha por aqui: ela era do Trio Esperança e saiu em carreira solo.
Fui no show de lançamento do último disco dela, só com músicas de Guilherme Arantes acompanhadas pelo piano do marido Gérard Gambus. Garanto: a voz segue intocável, parece até mentira. Mesmo alcance, mesma afinação. Uma menina cantando.
Quando Evinha saiu do Trio em 1968, quem entrou foi a irmã mais nova, Marizinha. Para quem não está familiarizado, vou recapitular: o Trio Esperança trazia os irmãos Regina, Mario e Evinha. Eles já eram irmãos de outro trio com vozes deliciosas, o Golden Boys, de Roberto, Ronaldo e Renato mais um primo, Valdir.
Ave! Quanta voz linda!
Marizinha era a caçula. Ela logo também experimentou uma carreira solo.

A voz é EXTREMAMENTE PARECIDA com a de Evinha. O cheiro do hit (foi hit mesmo) também vem do trio compositor Mariozinho Rocha, Renato Corrêa e Paulo Sérgio Valle. Esse compacto saiu em 1977.

Marizinha não chegou a lançar álbum completo solo. Mas ainda tem outras coisas por aí na voz dela. Um exemplo de 1979…

Meio disco music (bem chupada de More More More, para falar a verdade), mas gostosíssima. A versão de Viola Enluarada modernizada é TUDO!!!

Volte e meia ela se apresenta com o Trio Esperança. <3 Ainda quero ver ao vivo.

Dila

Dila é um mistério: ela morreu em um acidente de carro. Só lançou um disco, esse de 1971 que coloquei abaixo.

O álbum era raríssimo até uma reedição mais recente. Ele é inteiro bom.

Mas possui uma única falha. Não inclui esta versão de Wave, que saiu só em um compacto. E que é, nem sei como descrever… É outra coisa.

Cátia de França

Cátia faz parte da turma de nordestinos tipo Sivuca, Amelinha e Zé Ramalho, que vieram tentar a sorte no sudeste. Ela é paraibana e na verdade começou a carreira um pouco antes deles, participando de banda e de festivais. Mas esse disco de estreia incrível, com o título estrondoso de Vinte Palavras ao Redor do Sol, saiu só em 1979.

As músicas nasceram da leitura de poesia do João Cabral de Melo Neto. Todas são dela, com ou sem parceiros. Exalam um misticismo sertanejo e por esse lado é meio primo da produção de Zé Ramalho. Ouve Kukukaya (Jogo da Asa da Bruxa) – é Secos & Molhados, é lindo, é tudo. Sou só eu que ligo essas coisas a Bacurau? É uma viagem pessoal? Risos. Para mim é maravilhosamente interligado.

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“Eu engravido dos livros que leio e tudo vira música.”
— Cátia de França em entrevista para a Trip

Uma pessoa que fala uma frase dessas simplesmente não merece esse mundo horroroso em que estamos vivendo.

Cátia também segue lançando coisas de tempos em tempos. Como essa música, de 1998, bem mística do jeito que a gente gosta:

Você incluiria mais algum nome nessa lista? Me conta!

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August 16, 2020 /Jorge Wakabara
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