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Round 6 não é Battle Royale e Jogos Vorazes, e eu vou explicar o porquê

October 04, 2021 by Jorge Wakabara in cinema, TV

De tempos em tempos, surgem uns fenômenos pop na Netflix que são muito interessantes. Fico atraído principalmente pelos que estão “fora do eixo”, ou seja, não são produções estadunidenses. La Casa de Papel nunca me pegou porque sempre achei de uma energia heterossexual demais (desculpem-me pela heterofobia), mas entendo o apelo. A alemã Dark já me complicou a cuca na primeira temporada - adorei, mas evitei seguir em frente por preguiça de entender a trama complexa (percebi que, quando lançou a segunda temporada, já fazia muito tempo que eu havia assistido à primeira e que eu teria que fazer ainda mais esforço para lembrar e compreender tudo hehehehe).

Outras, como a belga Noite Adentro, a islandesa Katla e a russa Cidade dos Mortos, tinham tudo para pegar, mas sei lá porque não pegaram tanto, apesar de terem fãs. Sou um deles: gosto e recomendo as três.

Mas estou aqui para falar de uma série coreana que virou um fenômeno pop e entrou para o topo dos conteúdos mais vistos da Netflix em todos os países, assim, de repente. TODOS mesmo. É ela: Round 6, ou o Jogo da Lula.

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Qual é o segredo? Acho que é uma junção de coisas. Visual instagramável dos cenários dos jogos (sério, acho que isso contou muito), figurinos e iconografia que chamam a atenção (as máscaras, a repetição do quadrado-triângulo-retângulo, o visual dos VIPs e do líder, os caixões em formato de caixa de presente), a impagável e marcante boneca Batatinha Frita 123 (como pode uma personagem que aparece tão pouco entrar para o imaginário pop com tanta força?), personagens minimamente carismáticos, gente-bonita-clima-de-paquera (a imigrante norte-coreana Sae-byeok, a “amiga” dela Ji-yeong, o policial Jun-ho, e o recrutador sem nome que dá tapas na cara de Gi-hun: modeletes, né? Sang-woo também é bem bonitão).

Mas volta a fita: para quem não sabe do que eu estou falando, Round 6 traz a história de um jogo criado para um seleto grupo de milionários (os VIPs, que, aliás, não são amarelos, vale salientar) assistirem. Os participantes são pessoas que estão devendo muito dinheiro e querem ganhar a enorme quantia do prêmio. Só que tem um detalhe: o jogo é mortal, literalmente. Você morre se não consegue chegar no objetivo de cada rodada (que são seis, daí vem o nome).

Outro fator importante é: quanto menos gente viva, mais dinheiro fica acumulado no prêmio e menos gente tem para dividi-lo.

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Te lembrou algo? Bom, parece Battle Royale mesmo. E não é à toa: o criador de Round 6, Hwang Dong-hyuk, já disse que o mangá Battle Royale (que veio antes do filme) foi uma das fontes de inspiração.
E os livros que viraram cinessérie Jogos Vorazes, todo mundo diz, parecem “bastante inspirados” em Battle Royale (sim, isso foi um eufemismo).
MAS todavia contudo porém digo logo: consigo identificar diferenças que ao meu ver são cruciais entre Battle Royale (e Jogos Vorazes) com Round 6. Vamos a elas.
Vão vazar uns spoilers. Teje avisado.

Aqui é vida real, bróder

Em Battle Royale, um regime totalitário fictício que organiza os torneios com estudantes do qual só um sai vivo, em resposta à delinquência juvenil (nunca entendi direito como um jogo mortal como esse vai controlar a delinquência juvenil de um país, mas vá lá, tudo pelo entretenimento). Jogos Vorazes se passa em um futuro distópico com uma capital, Panem, e 12 distritos - que ficariam onde hoje está os EUA.

Round 6 é uma história fictícia, claro, mas ela não se passa em realidade paralela ou no futuro de Seul. A referência é a nossa realidade (ou melhor, a realidade sul-coreana). Tanto que é explorado o absurdo que esse jogo significa - ou seja, os personagens dividem a indignação do que estão vivendo com a gente. Em Battle Royale, os participantes do jogo também ficam indignados, mas porque são eles que estão participando, de surpresa. E em Jogos Vorazes, é uma realidade dada: o jogo acontece faz anos.

As questões morais envolvidas, aliás, nos levam a outro ponto…

Show me the money

Em Battle Royale e em Jogos Vorazes, o jogo é composto de jovens armados lutando pela vida. Eles matam porque só um vai sobreviver.

Em Round 6, fica mais ou menos implícito que somente um sobrevive. Mas existem diferenças:
1. Está em jogo não apenas a sobrevivência, mas uma dinheirama (em reais: 208 milhões).
2. A maioria dos sobreviventes pós Batatinha Frita 123 entendeu tudo que estava em jogo (ou seja, compreendeu que era um jogo mortal), teve a chance de não participar e voltou a participar mesmo assim, voluntariamente.
3. Eles voltaram porque todos os participantes possuem grandes dívidas, ou seja: se eles saíssem do jogo sem dinheiro, voltariam para a mesma vida de antes, perseguidos por credores.

E existem mais nuances. Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) é um bastião da moral, Shuya Nanahara (Tatsuya Fujiwara) também não quer matar ninguém e só o faz em legítima defesa. Em Round 6 as coisas não são bem assim. Existe o vilão de fato (Deok-su, com direito à tatuagem de cobra no rosto para mostrar que ele é mau), a de moral bem questionável (Mi-nyeo, uma personagem cheia de estereótipos que é transformada pela atriz Kim Joo-ryoung em uma das mais complexas da série, uma mistura de street cred e traumas), o bom de coração puro (Ali, o estrangeiro ingênuo vítima do sistema). E os outros? Sang-woo (Park Hae-soo) também é um vilão? Você pode enxergá-lo como inescrupuloso em diversos momentos, mentiroso (pois engana a mãe no geral e o amigo de infância na hora do jogo). É o tubarão que se deu mal. Salva o grupo quando existe uma causa própria em jogo. No jogo das bolas de gude, ele engana e sofre. No quebra-gelo, ele já está, digamos, contaminado pela amoralidade e mata sem culpa, para não morrer.
Porém, chega o fim e… o que você lê ali? Era tudo pela mãe? Ou ele não conseguiria, como bom “porco capitalista”, ver todo aquele dinheiro desperdiçado?
Gi-hun (Lee Jung-jae), por outro lado, também é questionável. Existe uma linha que ele não cruza. Será? Entre ele e o velho Il-nam (Oh Young-soo), com quem fez amizade, ele escolhe a si mesmo. O velho não está mais lúcido, tem uma doença terminal. Mas isso quer dizer que ele merece menos que Gi-hun? Antes de entrar no jogo, o cara ainda roubava a mãe! Quer pior exemplo? Quando a saúde dela está gravemente ameaçada, ele se arrepende, mas o arco de redenção não é tão, digamos, limpinho e simétrico. E também não “topa tudo para salvar a mãe” - quando o novo marido de sua ex-mulher oferece a grana para que, em troca, ele esqueça da filha, Gi-hun não aceita. Mas participar de um jogo mortal… ah, aí tudo bem!

Round 6 nos deixa com mais perguntas do que respostas porque não fala somente de violência gratuita, do medo da vida humana ter um valor mais relativo. Round 6 é, claramente, sobre dinheiro. Sobre o sistema capitalista. E quem diria, isso tudo vindo da capitalista Coreia do Sul. A dívida é algo real, um problema social do mundo capitalista. Se você tivesse uma dívida desse tamanho, pergunta a série, você entraria num jogo desse?
É uma escolha. Ninguém te força a isso, como em Battle Royale e Jogos Vorazes.

Ainda: na moral dúbia de Round 6, a lógica do jogo não pode ser ameaçada, sob pena de morte. E a lógica é: não haverá benefícios a um ou mais jogadores. Todos precisam ter chances iguais, da mesma forma que se vestem igual e recebem a mesma refeição - meio como num regime comunista! Nesse sentido, é instigante: um jogo para divertir milionários se disfarça de justiça social até as últimas consequências. No fim, parece que esse senso de justiça acontece mais pelas apostas dos VIPs, que precisam de um jogo limpo para funcionar, do que pelos participantes.
Só que… não dá para ter certeza. E essas nuances dão ainda mais sabor e complexidade para a narrativa.

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Ela, mais uma vez: a memória afetiva

Todo filme teen possui, aqui e ali, algo de memória afetiva para alguém que já passou pela adolescência. Stranger Things não é o fenômeno que é só porque remete aos anos 1980 - ele remete a referências de infância e adolescência dos anos 1980.
Em Battle Royale, fica mais difícil ter essa leitura porque, logo no começo, o filme já diz a que veio - mesmo quem usou aqueles uniformes de colegial não vai ter essa sensação boa pois é um thriller tenso e sangrento, quase sem respiro. Jogos Vorazes passa longe de qualquer sensação de memória afetiva em seu universo fictício construído.

Round 6 é um jogo de adultos. Mas os adultos se vêem “brincando” em jogos infantis. E são jogos antigos, desses que a garotada do videogame não brinca mais. Claro, a referência é coreana (nunca tinha ouvido falar de colmeia, por exemplo), mas dá para assimilar a ideia mesmo assim. O playground é universal. Quando Gi-hun lembra do jogo da lula em si, deixa o clima de nostalgia claro.

Game over?

Em Battle Royale, as batalhas terminam mesmo? O fim é claro: aquele jogo foi corrompido, o objetivo inicial não se atingiu (ou foi atingido? Um dos maiores mistérios do cinema pop moderno: o que os personagens Noriko Nakagawa e Kitano conversaram naquela misteriosa cena de flashback?). A sequência de BR dá a entender que sim, as batalhas terminaram, mas o regime totalitário continua. Na trilogia de Jogos Vorazes, como uma “boa” história de herói, o bem vence o mal e o regime é destruído.

Em Round 6, o fim é aberto. Talvez exista uma segunda temporada? Não sei se isso daria certo. Mas o fato é que o jogo em si continua, mesmo sem Il-nam, mesmo com Jun-ho (Wi Ha-joon) tentando denunciá-lo. Os VIPs saem incólumes (a pista deixada pela bomba que Jun-ho descobre no túnel dos mergulhadores não dá em nada, surpreendentemente), o líder sai incólume, o sistema inteiro continua de pé com pouquíssimas avarias.

Gameficação

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Esse item é mais sobre o que Round 6 tem em comum com essas duas outras obras de ficção do que sobre suas diferenças, mas acho que realça o meu ponto de que ela é mais que uma cópia. Talvez todas façam parte do que já está se concretizando como uma “tradição” narrativa.

Battle Royale não foi a primeira nem a última história que segue esses preceitos de jogos mortais. Aliás, não citei várias outras referências aqui, de jogos de sobrevivência. Tem a própria franquia Jogos Mortais, que começou em 2004. Tem a série japonesa Alice in Borderland, na Netflix.

Odeio esse termo gameficação, mas é isso mesmo: me parece que, quando a narrativa se constrói claramente como um jogo, ela é mais claramente assimilada.
Aí aparecem algumas questões:
. Todo jogo precisa ter um motivo e um objetivo.
. Todo jogo tem regras.
. Algumas vezes, existem consequências para regras burladas. Em outras, não.

O excesso de narrativas assim me soa preocupante. A vida real não é um jogo, não é um BBB nem um Jogos Vorazes. A vida não é filme, você não entendeu, diria Herbert Vianna. Encarar a vida como um jogo é empobrecê-la e banalizá-la.
Mas, enfim, esse sou eu e a minha humilde opinião.

Já existiram tentativas de adaptação de Battle Royale, inclusive para a TV. Elas nunca foram para frente principalmente por causa da violência gratuita e polêmica. Em tempos de Round 6, pós-Tarantino (que é um grande fã declarado de BR), de guerra do streaming e de exploração de franquias até o esgotamento… Uma adaptação de Battle Royale pode estar mais próxima do que a gente imagina.

Extra

GEEEEENTEEEE! Aí me fizeram um espaço instagramável na Coreia do Sul com o tema Round 6, com direito a Batatinha Frita 123 e tudo?

Achei o máximo mas não passaria perto. Eu hein, vai que me pegam para jogar um lance mortal…

Se você gostou desse post, talvez goste desses outros aqui:
. It’s a Sin, ai que série boa de chorar
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. O outro Pablo: o do Qual é a Música

October 04, 2021 /Jorge Wakabara
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cinema, TV
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Sugar Babe: o começo do city pop

September 22, 2021 by Jorge Wakabara in música, TV

Já falei muitas vezes aqui sobre meu amor incondicional pela banda japonesa Happy End e como eles foram o começo de tudo. TUDO é muita coisa, eu sei - mas do começo da música pop japonesa, foram mesmo. Tem a ver com a Yumi Arai, por exemplo, que virou Yumi Matsutoya depois de casar; tem a ver com o Haruomi Hosono, membro da banda que depois fez parte do Yellow Magic Orchestra e é, pra mim, um dos maiores artistas e produtores pop que o Japão tem; tem a ver com Eiichi Ohtaki, que também viria a ser um produtor e cantor solo.
E tem a ver com o "último" show do Happy End (entre aspas porque depois rolaram uns shows de comeback), que deu no álbum ao vivo Live Happy End. Quem participa desse show? O Sugar Babe, uma banda que meio que herdou esse público (que era escasso, vamos falar a verdade: Happy End era uma banda underground durante a sua existência que depois adquiriu um status cult, Sugar Babe idem).

Se o Happy End teve vida curta, com apenas três discos de estúdio lançados, imagine que o Sugar Babe teve apenas um! Songs, de 1975, conseguiu ainda assim ser uma pedra de Roseta. Lançado pela gravadora Niagara, tinha produção de… Ohtaki (aliás, é ele quem está com a banda nessa foto do topo).

Então vamos começar - e enquanto isso você vai ouvindo uma coisinha.

(Downtown é o único single de Sugar Babe. E já é BEM city pop, vamos combinar!)

Tudo começa com Taeko Onuki. Ela entrou na faculdade de artes, ficava desenhando, bem esforçada, mas isso piorou um problema que ela tinha nos ombros. O médico a proibiu de continuar desenhando assim. Ela já gostava de cantar, então continuou cantando, apesar de não levar aquilo a sério. Aí a chamaram para participar de uma banda folk, a Sanrincha. Ela foi, mas não combinava – as letras que ela escrevia não tinha a ver com o estilo da banda. Acabou que se separaram.

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Enquanto isso, em 1972, um cara chamado Tatsuro Yamashita estava produzindo e lançando o álbum independente Add Some Music to Your Day, com covers de Beach Boys e outros roquinhos. A gravação era meio uma ação entre amigos, e contou também com Kunio Muramatsu.

Pelo que entendi, existia uma loja de discos que Onuki frequentava e que fazia showzinhos no porão toda quarta-feira, após o horário comercial. Yamashita levou esse disco, Add Some Music to Your Day, para vender lá. O dono (ou gerente? acho que na verdade gerente) Yoshiro Nagato ouviu o disco, gostou e meio que rolou um “vem aí que a gente tá tirando um som no porão e tem uma cantora, a Taeko Onuki, que tá fazendo uma fita demo".
(Não deve ter sido assim, os japoneses são mais formais, mas você entendeu a ideia)
Foi assim que Onuki e Yamashita se aproximaram.

Uma foto mais recente de Onuki e Yamashita segurando o álbum e o single de Sugar Babe

Uma foto mais recente de Onuki e Yamashita segurando o álbum e o single de Sugar Babe

Nisso, Yamashita já estava pensando em ter uma banda para tocar suas músicas próprias – a que foi formada para gravar o Add Some Music to Your Day já estava dissolvida. A primeira pessoa que ele chamou? Onuki. Ela, que queria gravar solo depois da experiência ruim com a Sanrincha, acabou convencida. E ainda mudou de instrumento: voltou para o teclado, que era algo que não tocava desde que era pequena, porque Yamashita achava que “em banda, mulher tocava teclado” (hum, que cheirinho de irmãos Dias Baptista, né?).
Muramatsu se uniu a eles na guitarra, assim como os membros que depois sairiam Kikuo Wanikawa (baixo) e Akihiko Noguchi (bateria – esse tocou com bastante gente conhecida depois, como Mariya Takeuchi).

E aí decidiram o nome da banda, que veio de uma música do filme Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni. Não seria por falta de referências cult que eles fariam sucesso…

A partir daí, parece que Ohtaki (lembra? Lá do Happy End!) de alguma forma ouviu o disco de Yamashita, aquele Add Some… – e deve ter gostado porque começaram uma relação de amizade, com eles (Yamashita, Onuki e Muramatsu) visitando Ohtaki com constância. Foi aí que surgiu o convite para eles fazerem o coro naquele show do Happy End que citei no começo do post. Ao mesmo tempo, Onuki e Yamashita seguiram trabalhando em músicas próprias para o Sugar Babe.
Começaram a pintar mais shows ao vivo, para a própria banda. Foi um desses que Yumi Arai viu, o que resultaria também num convite para a banda participar de um disco dela.

Sobre essa coisa de todo mundo se conhecer e se cruzar, Onuki explicou em entrevista para o projeto Red Bull Music Academy:

“Like I mentioned, the dominant style in the mid-’70s was hard rock. There were a few people doing the poppier sound I was into, what ended up being called ‘new music’ in Japan, so when you’d hear someone doing something new, something I’d associate with what I was doing, you’d go out and gather together and play together. Looking back at it, something must have been blooming, based on all the names that started playing, many of whom are still active today.”
— Taeko Onuki na Red Bull Music Academy

Em 1974, no calor das criações do que viria a ser o disco Songs, Sugar Babe fez um show em Osaka que entrou para a história da banda. Mas não por ter sido um sucesso - eles foram vaiados! Onuki diz que o público gritava que eles soavam como um monte de cigarras.
Isso de alguma maneira me soa como um elogio? Enfim, não era um elogio. O som que Sugar Babe propunha era diferente, inclusive tecnicamente. Não entendo muito de música, porém me parece que eles usavam acordes de uma maneira que não era comum para bandas nipônicas de rock.
Ah, e isso é outro fator: o Sugar Babe era, mais do que rock, pop - coisa que não existia no Japão. Ou seja, provavelmente os jovens japoneses achavam que, entre os vendidos para o “inimigo capitalista estadunidense", o Sugar Babe era o mais vendido de todos!

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A gravação do Songs foi concluída em 7/03 de 1975. Em questão de meses – mais especificamente em julho – o Sugar Babes terminava seu contrato com o mítico selo Niagara, lar de vários álbuns que viraram clássicos raríssimos hoje em dia. A Niagara agora só iria ajudá-los nos shows.
Importante dizer que, na paralela, Yamashita ia fazendo outras coisas, tipo compor e arranjar Koibito to Yobarete, da cantora Mayumi Kuroki:

Também é em 1975 que uma estudante ouviu o Sugar Babe em uma apresentação ao vivo. Depois, ela virou cantora, casou com o band leader Yamashita e, produzida por ele, cometeu um hit que faria o City Pop voltar a ser conhecido nos anos 2000: Plastic Love. Sim: Mariya Takeuchi em si chegou a ver um show do Sugar Babe quando eles ainda existiam!

Se você observar a turma com quem esse pessoal tocava em shows , vai reparar em alguns outros nomes pulando por ali: Akiko Yano e Ryuichi Sakamoto (que depois casaram), o próprio Haruomi Hosono (ex Happy End e então futuro Yellow Magic Orchestra) e por aí vai.

Em janeiro de 1976, Yamashita reuniu Onuki e o resto da banda, tipo confraternização de Ano Novo, com uma má notícia: Yuata Uehara, que ficava a cargo da bateria, ia sair, e não havia substituto. O Sugar Babe acabou ali, apesar deles ainda terem participado de alguns shows. A sementinha, de qualquer forma, já estava plantada e ia dar muitos frutos…

Nesse mesmo ano, alguns outros discos começaram a aparecer. Um deles é o Niagara Triangle vol. 1, de Yamashita, Ginji Ito e Eiichi Ohtaki.

E no mesmo dia, 25 de março de 1976, saiu o álbum Flapper, de Minako Yoshida. Também é ligado ao Sugar Babe porque conta com vocais de Yamashita e Onuki em algumas músicas.

Uma coisa interessante dos integrantes do Sugar Babe é que o City Pop seguiu ligando-os. Yamashita, por exemplo, considerado o “rei do City Pop” por muita gente, lançou seu primeiro álbum solo em 1976 mesmo, o Circus Town. Hoje, toda a sequência que ele fez na década de 1970 é considerada um clássico (inclui o meu preferido Spacy de 1977, Go Ahead! de 1978, It’s a Poppin’ Time de 1978 e Moonglow de 1979). Em 1980, fez MUITO SUCESSO com Ride on Time, um álbum que teve a música homônima em trilha sonora de propaganda - acho que já falei por aqui sobre como isso é comum no Japão, músicas de comercial alcançarem o topo das paradas.

Ride on Time também traz uma música chamada My Sugar Babe, uma homenagem à banda!

E não estranhe os títulos em inglês de álbuns e músicas, isso é completamente normal no City Pop e algo que o j-pop herdou. Também é comum que as músicas tragam trechos das letras e/ou refrão em inglês.

E se Yamashita é o rei, Takeuchi é a rainha - já fiz um post bem extenso sobre ela e seu sucesso tardio do outro lado do mundo com Plastic Love, então leia lá!

Também em 1976, Taeko Onuki já saiu com um disco, o Grey Skies, que conta com guitarra de Hosono e teclados de Sakamoto. Mas é Sunshower de 1977, com seu som mais jazzy misturado ao pop, que viraria cult.

E Sunshower aparece num anime lançado recentemente. Isso mesmo, o disco em si.
Palavras que Borbulham como Refrigerante conta a história de um rapaz que odeio barulho e escreve haikais (aquelas poesias japonesas contemplativas com um número de sílabas contado) e de uma garota que é influencer e é complexada por ser dentucinha. Os dois se aproximam, mas aí surge uma história de fundo: a do Seu Fujiyama, que está numa procura incansável por um vinil que perdeu e só possui a capa.
Não vou dar spoiler, mas num certo momento da trama eles vão parar em uma loja de vinil e, entre os discos que aparecem, está o Sunshower.
A voz da música principal que toca no anime é de Taeko Onuki!

E também é importante dizer que a trilogia de destaque de Onuki é mais eletrônica do que o city pop costuma ser, com Romantique (1980), Aventure (1981) e Cliché (1982).

Acho importante dizer que Kunio Muramatsu, outro ex-integrante do Sugar Babe, também lançou discos solos na década de 1980, mas sem tanto destaque quanto Yamashita e Onuki.

Se você gostou desse post, acho que também vai gostar de:
. Plastic Love - a música que virou sucesso graças ao algoritmo do YouTube
. O bubblegum pop
. Babymetal e a lógica dos idols japoneses

September 22, 2021 /Jorge Wakabara
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música, TV
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Punky Brewster: a nova série e o documentário

March 15, 2021 by Jorge Wakabara in TV

Estou escrevendo esse post com muito cuidado porque não quero soar como homens nerds heterossexuais que se revoltam com Ghostbusters reimaginado como um grupo de mulheres.
Isso posto, vou contar uma história.

Não tenho quase nenhuma lembrança da minha infância. É esquisitíssimo. Não lembro direito de como era na escola, de viagens inteiras, de coisas que eu falava e gostava. Minha irmã Ana Flavia acha que é bloqueio, porque sofri muito bullying quando era pequeno.
Meu pai guardava muita coisa, e minha mãe e minha irmã, remexendo nas coisas, recentemente me mostraram uns desenhos, umas cartas. Não lembrava de como eles foram feitos, apesar de reconhecê-los como meus.

Mas lembro de uma das minhas primeiras aflições.
Todos os dias, religiosamente, eu assistia aos episódios do Sítio do Picapau Amarelo e de Punky, a Levada da Breca. Eles passavam num certo momento do dia, então eu sabia que deveria estar em casa nesse horário para não perder.
Aí, acho que um dia a minha Tia Yoko estava comigo em algum lugar e deixou passar a hora, apesar de eu ter avisado para ela. O programa dela comigo, para piorar, era alguma coisa chata do tipo “comprar roupa”.
Pense numa criança brava e triste.

Ou seja, Punky Brewster era parte muito importante da minha infância. Ela era o que eu queria ser (não órfão, calma: ela era esperta, engraçada e estilosa, assim como a boneca Emília do Sítio). Eu adorava muito.
Então vocês podem imaginar a minha empolgação quando eu soube que Punky Brewster ia voltar! (Caso você não consiga imaginar, tenho um post da época do anúncio)

Para quem está boiando: Punky, a Levada da Breca, era uma série que passava no SBT nos anos 1980 sobre uma garotinha que era abandonada pela mãe no estacionamento de um supermercado e ia parar num abrigo. Ela ficava fugindo do abrigo, ora para procurar a mãe, ora porque não gostava de lá. Num dia, ela acabava encontrando o Artur (George Gaynes), um fotógrafo mais velho, sozinho e sem filhos, meio rabugento.
Já sacou, né? Punky conquistava o coração do Artur e ele acabava virando seu pai adotivo.

Ela também era conhecida por… usar um tênis de cada cor.

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Aí, em 2021, eis que Soleil Moon Frye, a Punky original, voltou ao papel, agora como uma mulher de 40 anos divorciada e cheia de filhos. A temporada de dez episódios foi ao ar pelo Peacock, o streaming da NBC e CBS que não existe no Brasil. Mas eu fiz o sacrifício de assistir para dizer para vocês se essa pirataria vale a pena ou não.

Minha conclusão? Não sei. Depende do quanto que você gosta de sitcoms bobas e do quanto você gostava de Punky. Obviamente é um roteiro bem autorreferente, feito para quem sentia saudades, e tenho as minhas dúvidas sobre ele funcionar para quem não conhece a série original. As partes que eu mais gostei são as que de alguma maneira conversavam com a trama dos anos 1980.

Isso dito, cuidado, SPOILERS. Se não quiser saber, pule pare /SPOILER TERMINA/. Quem desistiu de assistir pode ler de boa.

/SPOILER COMEÇA/

Dois personagens antigos aparecem: Cherie (no Brasil, Cátia, a BFF da Punky interpretada por Cherie Johnson) e nada menos que… Margot (Ami Foster), a menina loira que era um entojo, metida que só ela.
Cherie é personagem fixo, acho que aparece em todos os episódios. E, segura essa… é lésbica.
Margot só faz uma participação especial (que, aliás, não faz jus a uma personagem tão icônica).
O ex-marido de Punky, que também é um personagem fixo, é interpretado por Freddie Prinze Junior. A sacada é legal, pegar um outro ator icônico para isso. Porém um pouco decepcionado que o Allen, outro amiguinho da Punky, não voltou – ele era interpretado por Casey Ellison, que, pelo que entendi, deixou de ser ator depois que cresceu.
O cachorro original, Brandon, foi substituído por uma cachorra, Brandy.
Os filhos de Punky são legais. E um deles brinca com estereótipos de gênero. É uma criança transicionando? Não, pelo menos por enquanto. Passa uma impressão de estar brincando, mesmo.
Pareceu muito moderno para você?
Bom, que bom, né? Estamos em 2021.

/SPOILER TERMINA/

BOM. Isso posto, preciso dizer que Frye também estreou um documentário sobre sua vida.
Kid 90, lançado no Hulu, parte de uma premissa interessante: mostrar a infância e adolescência de Frye nos anos 1990, pós-Punky, aproveitando o fato de que ela era muito fissurada em registrar tudo com uma câmera de vídeo e diários.

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Pensei comigo: “Que legal! Tudo a ver! A minha infância e adolescência também foram nos anos 1990, vai ser muito legal assistir! Ainda mais com a atriz de uma das minhas séries da infância!"

Doce ingenuidade. Não é bem assim.

A sinopse que eu vi de Kid 90 esqueceu de explicar que:
. O documentário é cheio de gatilhos. REPLETO.
. O documentário é muito centrado em Frye e nas experiências dela como criança prodígio em Hollywood. Não funciona como retrato de uma geração inteira e sim como o retrato de uma geração de artistas mirins, com experiências muito específicas.
. Achei que Frye fica procurando um significado muito espiritualizado nas coisas, talvez por causa da quantidade imensa de gatilhos, o que leva o documentário para uma onda de "lições de vida". Acho meio sacal, ficou melodramático. Já é cheio de histórias tristes, não precisava carregar as tintas.

MAS, dito isso… me entreteve. E me entreteve mais pela pororoca absurda que foi a vida de Frye nos anos 1990. Vou fazer um name dropping e você também vai ficar meio abalado:
. Charlie Sheen
. House of Pain (aquela do Jump Around, a música de festa mais hétero que existe)
. Perry Farrell (que eu tenho a impressão que adora aparecer; ele não tinha muito motivo para dar depoimento aqui)
. Kids, o filme

Que tal? Resumindo, Frye foi meio um Forrest Gump dos anos 1990.

Bom, é isso. Nada imperdível por aqui. Circulando.

Quem gostou desse post também vai gostar de:
. O bizarro reboot de Barrados no Baile
. Heathers: o filme que inspirou Ryan Murphy e virou série muito inspirada em Ryan Murphy
. Mal Posso Esperar (1998): lembra?

March 15, 2021 /Jorge Wakabara
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Saudades de chorar com Pose? Assista a It's a Sin

February 17, 2021 by Jorge Wakabara in TV

A epidemia da AIDS começou a fazer notícia e ganhou volume de doentes e mortos primeiramente nos EUA. E, claro, a série Pose também tem o pano de fundo do ballroom e o voguing. Sendo assim, a comparação entre ela e a nova It's a Sin segue mais por duas semelhanças: o tema da AIDS em uma época em que se sabia muito pouco sobre ela e a maior representatividade na telinha. No caso de Pose, predominantemente de mulheres trans; no caso de It's a Sin, predominantemente de homens gays.

O protagonista Ritchie Tozer (Olly Alexander) no meio com Jill Baxter (Lydia West) do seu lado, sentada e boquiaberta

O protagonista Ritchie Tozer (Olly Alexander) no meio com Jill Baxter (Lydia West) do seu lado, sentada e boquiaberta

Só minorias sabem a importância da representatividade na ficção. A gente vibra com qualquer migalha. Eu vibrei com Queer As Folk, com O Segredo de Brokeback Mountain, com Sandrinho e Jefferson em A Próxima Vítima. Ainda assim, todos esses exemplos estavam longe do meu dia-a-dia (talvez Sandrinho surpreendentemente seja o mais próximo?!).

Aí tiveram duas séries que, apesar de um pouquinho atrasadas, bateram forte em mim: a britânica My Mad Fat Diary, com o amigo gay Archie (Dan Cohen), e a australiana Please Like Me, com o protagonista mais idiota-chato-burro e mesmo assim queríamos continuar assistindo Josh (Josh Thomas).

Coincidência que as duas falem de saúde mental de maneira bem gatilhada? Talvez não.

Enfim: ambas trazem gays que não são bombados nem maravilhosos como artistas de cinema. Já é um grande avanço. E dá para identificar também… a minha turma. Sabe? Aquela nossa turma. Aquela que ia nas festas indie e dançava ao som de britpop (no caso de My Mad Fat Diary, cuja história se passa nos anos 1990). Aquela que combinava que o café do Espaço Unibanco de Cinema seria o ponto de encontro daquela tarde (no caso de Please Like Me). Se você é/era dessa turma, você entendeu. Se você não é/era, fica difícil explicar… kkkkkkk

Enfim, tudo isso para dizer que cheguei a ler por aí nas internets que It's a Sin era bobo, reforçava estereótipos.
Jura?
Eu achei EXTREMAMENTE MINHA TURMA. Sem gordos, sem ursos, é uma pena, mas bem minha turma MESMO.

Colegas de quarto: Colin Morris-Jones (Callum Scott Howells) e Roscoe Babatunde (Omari Douglas)

Colegas de quarto: Colin Morris-Jones (Callum Scott Howells) e Roscoe Babatunde (Omari Douglas)

O protagonista Ritchie (interpretado pelo vocalista do Years & Years Olly Alexander) não me parece exatamente um padrão, apesar de ser branco. E o personagem passa longe de ser virtuoso – talvez seja o que possui mais dimensões. Homossexual no armário para a família, conservador e promíscuo ao mesmo tempo, humanamente egoísta, despertando julgamentos e compaixão.

Os outros, bem… Roscoe é de família nigeriana e literalmente dorme com o inimigo – nesse caso, um ministro do partido conservador que o banca. O pobre galês Colin é de uma timidez e de um provincianismo quase paralisantes, apesar de muito simpático (e de ser um dos mais empáticos, o "menino bom”). Ash (Nathaniel Curtis) é indiano e possui a história menos desenvolvida de todas.

E finalmente tem a Jill interpretada por Lydia West, que na minha cabeça é uma das atrizes mais legais da atualidade (assisti quase tudo que ela fez até agora: Years and Years, o novo Drácula da Netflix e agora It's a Sin; se ela estivesse em I May Destroy You era jackpot).
Eles dão um pouquinho mais de dimensão para Jill, mas infelizmente ela não consegue superar aquele velho papel: o da amiga do gay. É quase subversivo, porque na ficção geralmente quem existe é o melhor amigo gay da protagonista, e aqui, veja só, tchanan! Preciso dizer que isso acontece na vida real. Tanto quanto o amigo gay, há a figura da amiga hétero.
O fato: West é tão boa que você simpatiza com ela, mesmo que a maior característica da personagem seja a empatia gratuita. Ou sou eu que já a vi em outras séries e simpatizo de graça? Não sei.
Tentei refletir se ela não era a versão "mulher hétero para gays" do white savior. Straight savior, anyone? Olha, enquanto eu assistia à série, quis mais é que ela salvasse todos. Acho que faz parte da narrativa. Acho provável muitos gays terem negado a realidade na época, e talvez amigas tenham tentado abrir os olhos deles. Não os culpo, mas como culpá-las? Não dá, né?

(Escrevi tudo isso deduzindo que ela é hétero, porém não me lembro de isso ter ficado exatamente claro na série. Acho que a sexualidade dela nem chega a ser debatida ou mencionada, e se foi, parece-me que foi bem de passagem, tanto que nem me recordo. Perdoem-me.)

"Adoro ser sua amiga!"

“Adoro ser sua amiga!"

O que mais ver em It's a Sin?

. Participações especiais: Neil Patrick Harris e Stephen Fry. Mara!
. Sexo. Não chega a ser um +18, mas é NSFW…
. Trilha sonora: virada dos anos 1980 para 1990 em Londres. Quer mais? Além da música dos Pet Shop Boys que dá título à série, tem Kate Bush, Orchestral Manoeuvres in the Dark, Eurythmics, Bronski Beat… Quero tudo.
. Russell T. Davies, o criador. Ele também é o nome por trás de Years and Years. É o Ryan Murphy do Reino Unido? Eu gosto!
Ah: Queer as Folk, a primeira versão, inglesa… é de Davies.

It's a Sin é da BBC e HBO Max, portanto infelizmente ainda não está disponível no Brasil em streaming.
Se vira.

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. A drag music “do meu tempo"
. Chelsea, Londres, 1967: ah, que sonho que eu não vivi…
. Drag queens: de artistas marginalizadas a conselheiras da família

February 17, 2021 /Jorge Wakabara
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TV
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A voz delas – na música: Veneno, Close, Rogéria, Valéria

January 17, 2021 by Jorge Wakabara in TV, música, cinema

Você já viu a série que todo mundo comenta mas que a HBO está bobeando em não trazer logo para o Brasil? Estou falando de Veneno, que conta a história real de Cristina Ortiz Rodríguez, mulher trans que virou uma celebridade pop na Espanha ao ganhar destaque na TV no programa Esta Noche Cruzamos el Mississipi.

Não é à toa que quem viu não para de falar dela. Mesmo quem não conhecia La Veneno fica vidrado – meu caso. A série acerta ao misturar a linha do tempo entre infância, adolescência e os picos da carreira dela com os anos 2000 e seu encontro com Valeria Vegas, uma jovem jornalista que começa a transicionar depois de conhecê-la ao vivo e que acabou escrevendo a biografia dela, ¡Digo! Ni puta ni santa. Las memorias de La Veneno, o livro que se transformou na série.

Outro acerto: todas as personagens trans são interpretadas por mulheres trans. Inclusive Cristina em si, que fora sua fase criança e adolescente, é encarnada por Jedet, Daniela Santiago e Isabel Torres. E uma curiosidade: a grande amiga de Veneno, Paca La Piraña, é interpretada pela própria!

Cristina infelizmente morreu em 2016, pouco tempo depois do livro de Valeria ser lançado.

Valeria Vegas e Cristina Ortiz Rodríguez no lançamento do livro

Valeria Vegas e Cristina Ortiz Rodríguez no lançamento do livro

Para quem gostou da série, a boa notícia que li por aí é que vai existir uma segunda temporada da série – isso se o meu espanhol funcionou e leu direito… Risos. E para quem gosta de música: assim como muitas pessoas que ficavam famosas na época, La Veneno acabou se aventurando como cantora. Gravou umas coisinhas.

Veneno pa tu Piel é o grande hit – um poperô malandro. Eu gosto. Também tem El Rap de la Veneno, com uma base bem chupada de Robin S., no Spotify:

É um pouco inevitável para o brasileiro fazer um paralelo entre Veneno e Roberta Close, apesar das mil diferenças: um pouco de época, muito de país e de discurso. Close era maliciosa mas não tão desbocada, que eu me lembre nunca falou de prostituição como a espanhola. Em torno de Roberta, a curiosidade girava no fato dela ser uma mulher belíssima – a fetichizaram, tornaram-na exótica. Saiu em fotos eróticas, virou mito sexual.

E virou música.

Aiai. Por onde começo?

Bom, era 1984. Foi boa a intenção, Erasmo Carlos, mas a música insiste em afirmar que tem algo “errado” com Roberta, que “não fosse o gogó e os pés, a minha lente tava na dela". Apesar de exaltar a beleza, bem… tudo errado.
Uns anos mais tarde, na mesma década, a própria Roberta Close gravou uma música de A. Lemos, Gabriel O’Meara (que já tinha feito coisas gravadas pelo próprio Erasmo e por Sandra de Sá, na época só Sandra Sá) e o Sergio Motta (que, apesar de estar nos créditos, imagino que só tenha produzido, pois era mais especialista nisso). Sou Assim é bem menos cancelável que a homenagem de Erasmo, além de ser charmosa, didática e muito pop:

roberta-close.jpg

Adoro esse monólogo no meio de Sou Assim: “É isso aí, esse é o meu recado. Eu sou assim, é, gatinho, vamos nessa, tá? Vem, vem chorar na rampa [raba? ramba? sei lá], eu e você! E eu amei, é, eu sou a gatinha, eu sou a gata, miau, miau, tá? Miau pra todos! Kisses, kisses, bye bye!"

Perfeita. Miau pra todos!

Mas que tal voltar ainda mais pra trás? Ou, se preferirem, vamos pra frente, para 2016, quando foi lançado o Divinas Divas.

Esse documentário dirigido pela Leandra Leal é estonteante e necessário. Ao contrário de outras diretoras que se inserem no contexto do seu doc de uma maneira um tantinho forçada (ops, falei), Leandra herdou o Teatro Rival e parte desse fio de narrativa. O Rival foi palco de teatro de revista com as artistas trans daquela época, em que ninguém chamava de trans e todo mundo chamava de travesti ou transformista. Esse local de alguma maneira se atreveu a ser um oásis de liberdade mesmo durante a ditadura militar. O filme então une esse grupo formado por essas artistas que fizeram parte daquele momento: Rogéria, Divina Valéria, Jane di Castro, Eloína dos Leopardos, Fujika de Halliday, Brigitte de Búzios, Marquesa e Kamille K.

Rogéria, a gente sabe, tem esse disco aqui:

Mas é tipo podcast kkkk Uma peça gravada. Não era música. Saiu em 1980.

De qualquer forma, Rogéria foi a mais pop de todas. Participou de novela da Globo, de filmes, se apresentou no Rival. Ela mesma dizia que era a travesti da família brasileira.

Mas hoje eu queria terminar falando de Divina Valéria.

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Divina Valéria segue firme e forte, amém, e sempre gostou de cantar, não tinha isso de dublar. Ela começou sua carreira em 1964 em boates do Rio. Em 1966 (ou 1964? ou talvez 1967? as datas variam), seria criado o espetáculo Les Girls, dirigido por Mário Meira Guimarães e com músicas e letras de João Roberto Kelly. Encenado na boate Sótão na Galeria Alaska (a Galeria do Amor da música do Agnaldo Timóteo, e sim, significa…), Les Girls trazia não só Divina Valéria como Rogéria, Marquesa… Foi um estouro. Todo mundo queria ver as travestis do espetáculo.
O que pouca gente sabe é que Les Girls também rendeu um compacto para Divina Valéria com as músicas que ela cantava no show. Já encontrei o compacto inteiro no YouTube mas ele sumiu – sobrou essa faixa com um medley de sambas, e só por ela, meu bem… Você vai entender porque eu quis falar disso:

Bom, pula o fato do artigo estar errado no título – é sempre A travesti, tá, amizades?
Mas veja bem. A sequência é de:
Ataulfo Alves com Paulo Gesta, Zé Keti, Newton Chaves, Vinícius de Moraes com Tom Jobim, Zé Keti de novo, Cartola, Monsueto, Luiz Reis com Heraldo Barbosa.
Chora no bom gosto, chora no talento.

Falando nele: Newton Chaves morreu de covid-19 faz algumas semanas. Uma tristeza.

Queria tanto esse disco.
Viva a Divina Valéria!

divina-valeria.jpg

E claro, viva Veneno, Roberta, Rogéria!

Bônus: Amanda Lepore também tem toda uma discografia, viu?

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. Os filmes O Funeral das Rosas e Inferninho são ambos MA-RA-VI-LHO-SOS
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January 17, 2021 /Jorge Wakabara
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